Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3534/17.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: RESOLUÇÃO COM JUSTA CAUSA
PARCELA DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP201906273534/17.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º295, FLS.362-375)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que um trabalhador tenha justa causa para resolução do seu contrato de trabalho, por incumprimento culposo pelo empregador do dever de pagar pontualmente a retribuição, basta que o incumprimento seja objectivamente grave.
II - O incumprimento pode abranger, apenas, uma parcela da retribuição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3.534/17.4T8AVR.P1
Origem: Comarca Aveiro-Aveiro-Juízo Trabalho-J2
Relator - Domingos Morais - Registo 820
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. - B… intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca Aveiro - Aveiro -Juízo Trabalho - J2, contra C… S.A., ambos nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
Por contrato de trabalho celebrado em 10/05/2000, o autor foi admitido ao serviço da Ré para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria profissional de Técnico Construtor Civil de Grau 2 (nomeadamente com as funções de engenheiro responsável pelo fabrico), para cumprir um horário de 40 horas semanais, à razão de 8 horas por dia, de segunda a sexta-feira.
No ano de 2017 a denominada “remuneração-base” era de 1.630,00€ mensais ilíquidos, ao que acrescia uma parcela salarial no valor médio mensal de 240,00€ mensais denominada “ajudas de custo” (mas que efectivamente não se destinavam a custear quaisquer despesas, pelo queiram na verdade parte integrante da retribuição) assim como o duodécimo de subsídio de natal e duodécimo de subsídio de férias, no valor de 67,92€, cada um (já que metade do subsídio de férias e natal é recebido em regime de duodécimos).
De acordo e no cumprimento do contratado, o Autor prestou trabalho nos termos que a Ré lhe determinou, nos locais estipulados e conforme com as suas instruções.
Sucede que, desde há muitos meses que o A. vinha tendo dificuldades em receber, atempadamente, a sua retribuição.
Assim, e conforme abaixo melhor se descreve em 10º e 13º:
a) A Ré não pagou ao Autor parte (cerca de metade) da retribuição referente ao trabalho do mês de Abril de 2017;
b) A Ré não pagou ao Autor parte (cerca metade) da retribuição referente ao trabalho prestado no mês de Maio de 2017;
c) A Ré não pagou ao Autor a totalidade da retribuição referente ao trabalho prestado no mês de Junho de 2017;
d) A Ré não pagou ao Autor a totalidade da retribuição devida pelo trabalho prestado até 11 de Julho de 2017.
Assim, neste impasse, e não tendo a R. efectuado os pagamentos em falta, em 12 de Julho de 2017, o Autor entregou em mão à C…, S.A.., ora ré, uma comunicação escrita a resolver o contrato de trabalho com justa causa.
Terminou, pedindo: “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, declarando-se a licitude da resolução contratual operada pelo A. e condenando-se a R., em consequência, a pagar:
1 – a quantia total de 31.343,35€ conforme discriminado em 16º a 19º supra;
2 – os juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data em que cada um dos pagamentos deveria ter sido feito, liquidando-se os juros vencidos até à presente data (04/10/2017) em 379,81€, ao que acrescem os juros vincendos até integral pagamento.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando os factos essenciais da causa de pedir, concluindo:
“a) Deve o comportamento da Ré ser considerado não culposo não sendo, por isso, devida ao Autor a indemnização constante do artigo 396.º, n.º 1 do CT; e
b) Ainda que assim não se entenda, a culpa da Ré deverá ter-se por reduzida e, logo, a indemnização a pagar ao Autor nos termos do artigo 396.º, n.º 1 do CT não deverá exceder os 15 (quinze) dias de remuneração por cada ano de antiguidade.”.
3. – O autor respondeu, concluindo como na petição inicial.
4. – Proferido o despacho saneador; fixado à acção o valor de €68.371,00; realizada a audiência de julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão:
Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €19.950, 12, acrescida de juros de mora contados à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.”.
4.1. - A Mma Juiz proferiu despacho de rectificação do seguinte teor:
“À matéria de fato provada deve acrescentar-se o art.º 11º-A com o seguinte teor:
11-A) A Ré pagou ainda ao autor a quantia de €910, 92.”
Na fundamentação de direito escreveu e lê:
a) - “ sete anos, dois meses e um dia” passe a escrever-se e ler-se: “dezassete anos, dois meses e um dia.”
b) - €13.406, 19 (€1870, 00x 7+1870, 00:30 x 2+1870:30:12); passe a escrever-se e ler-se “32.106,85 (1870,00x17+1870,00:30x2+1870:30:12).
c) “-Aos valores em divida teremos de descontar a quantia de €2.000, 00, já paga pela Ré.
Ascende assim à quantia de €19.950, 12, a divida da Ré ao Autor.”; passe a escrever-se e ler-se: “Aos valores em divida teremos de descontar a quantia de €2.910,92, já paga pela Ré.
Ascende assim à quantia de €37.739,86, a divida da Ré ao Autor.”
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d) “- Às quantias em dívida acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação (porque o Autor assim o peticionou) até efetivo pagamento – artigo 323º nº 2 do Código do Trabalho.
“- Às quantias em divida acrescem juros de mora à taxa legal, de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento
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e) Nesta decorrência deve retificar-se o dispositivo passando o mesmo a ter a seguinte redação:
- Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de €38.119,67, acrescido de juros de mora, contados a taxa de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento.
- Custas pela Ré.
- O presente despacho faz parte integrante da sentença proferida nos autos.”.
5. – A ré, inconformada, apresentou recurso de apelação,
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6. - O autor contra - alegou,
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7. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela improcedência do recurso de apelação.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“Factos provados:
1. A Ré é uma empresa que se dedica à atividade de fabricação, comercialização e aplicação de materiais pré-esforçados e pré-fabricados, com compósitos de fibras e outros, a conceção de projetos na área da pré-fabricação em betão e produtos afins, e ainda o equipamento, tecnologia e prestação de serviços nas áreas da construção civil, telecomunicações, gás e eletricidade.
2º Por contrato de trabalho celebrado em 10/05/2000, o autor foi admitido ao serviço da Ré para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria profissional de Técnico Construtor Civil de Grau 2 (nomeadamente com as funções de engenheiro responsável pelo fabrico).
3º Para cumprir um horário de 40 horas semanais, à razão de 8 horas por dia, de segunda a sexta-feira.
4º No ano de 2017 a denominada “remuneração-base” era de 1.630,00€ mensais ilíquidos, ao que acrescia uma parcela salarial no valor médio mensal de 240,00€ mensais, denominada “ajudas de custo”, assim como o duodécimo de subsídio de natal e duodécimo de subsídio de férias, no valor de 67,92€, cada um.
5º A remuneração recebida sob a epígrafe “ajudas de custo” não se destinava a custear quaisquer despesas.
6º De acordo e no cumprimento do contratado, o Autor prestou trabalho nos termos que a Ré lhe determinou, nos locais estipulados e conforme com as suas instruções.
7º Sucede que, desde Abril de 2017 que o A. apenas recebia parte da remuneração devida em cada mês.
8º Com data de 12 de Julho de 2027, o Autor remeteu à Ré, que a recebeu, uma carta com o seguinte teor: “ ASSUNTO: Resolução do contrato de trabalho com justa causa
Exmºs Senhores: Os meus cumprimentos,
Venho comunicar a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado no dia 10.05.2000, por motivo de falta do pagamento pontual das retribuições respeitantes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2017;
Como sabem, na presente data, e com atraso superior a 60 dias, é-me devido o pagamento das seguintes retribuições referentes a Abril de 2017:
a) 630€ da retribuição base (foi efectuada a transferência de 1.000€);
b) 67,92€ do duodécimo de subsídio de Natal;
c) 67,92€ do duodécimo de subsídio de Férias;
d) 240€ (valor médio mensal) da parcela salarial denominada “ajudas de custo”. Encontra-se também em dívida por V. Exas. o pagamento das seguintes retribuições referentes a Maio de 2017:
a) 630€ da retribuição base (foi efectuada a transferência de 1.000 €);
b) 67,92 € do duodécimo de subsídio de Natal;
c) 67,92€ do duodécimo de subsídio de Férias;
d) 240€ (valor médio mensal) da parcela salarial denominada “ajudas de custo”.
Finalmente, quanto ao mês de Junho de 2017, estão em falta:
a) 1.630€ da retribuição base
b) 67,92€ do duodécimo de subsídio de Natal;
c) 67,92€ do duodécimo de subsídio de Férias;
d) 240€ (valor médio mensal) da parcela salarial denominada “ajudas de custo”
Tal falta constitui justa causa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1, 2, al. a) e 5 do Código do Trabalho, já que o pagamento da retribuição constitui a contrapartida da prestação de trabalho e é a principal obrigação do empregador,
Consequentemente, solicito que, no mais breve espaço de tempo possível, procedam ao pagamento de todos os créditos laborais a que tenho direito, incluindo a indemnização por antiguidade, prevista no n.º 1 do art.º 396.º do Código do Trabalho (com contabilização do mês em 45 dias).
Lamento profundamente a tomada desta decisão, não me restando outra decisão a tomar, tendo em conta os enormes prejuízos que esta situação me vem tem causado, nomeadamente na minha subsistência e do meu agregado familiar, o que torna impossível a manutenção da relação laboral.
Mais requeiro seja preenchida, assinada e carimbada, por V. Exas., a declaração de situação de desemprego (modelo 5044), com indicação de motivo de cessação por iniciativa do trabalhador de “resolução com justa causa por retribuições em mora (salários em atraso)” e do Certificado de Trabalho”.
9. O agregado familiar do autor é composto por 3 pessoas.
10. O autor tem encargos com crédito à habitação e um crédito pessoal, pelo que não pagamento e/ou o atraso no pagamento da remuneração dificultava a satisfação das despesas decorrente de com tais encargos.
11. No período compreendido entre Abril e Julho de 2017, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias:
- A 31 de Maio de 2017, a quantia de €1.000,00.
- A 28 de Junho de 2017, a quantia de €1.000,00.
12. Na Instância Central – 1ª secção do Comércio –J1, da Comarca de Aveiro correm termos os autos de processo n.º 2346/15. 4T8AVR, em que é requerente/apresentante C…, S.A, NIF ………...
13. Por sentença de 07 de Setembro de 2009, proferida nos autos de processo n.º 2926/15.8T8LSB, da Instância Central – 1ª seção do Comércio –J4, em que Devedor D…, S.A. com NIF ………., com domicilio na Rua …, Edifico …, …, em Lisboa, foi homologado o Plano de Revitalização, a qual foi confirmada por acórdão de 7 de Junho de 2016, tendo transitado em julgado em 29 de Julho de 2016.
14. A Ré pertence ao grupo D….
15. O colapso do grupo E… teve consequências diretas e imediatas no financiamento da D….
16. Que, por sua vez, levou ao decréscimo do volume de negócios da Ré.
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2. - Objecto do recurso
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- A (in)existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho.
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5. - A (in)existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho.
5.1. - A recorrente entende que “não se encontram preenchidos os pressupostos de que dependia a resolução com justa causa do contrato de trabalho do Recorrido nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 2 alínea a) e n.º 5 do Código do Trabalho, uma vez que inexiste uma mora no pagamento igual ou superior a 60 dias à data da resolução do contrato, não gozando por isso o ora Recorrido de qualquer presunção inilidível de culpa. O ora Recorrido apenas gozava de uma presunção geral de culpa nos termos do disposto no artigo 799.º do Código Civil, a qual foi, para os devidos efeitos, ilidida pela ora Recorrida, fenecendo assim qualquer pretensão indemnizatória ao abrigo do disposto no artigo 396.º do Código do Trabalho.”.
Na sentença recorrida foi entendido, precisamente, o contrário, ou seja, que existe a invocada justa causa de resolução: “(…). Nesta linha de pensamento e, por referência ao caso concreto, diremos que para além de não demonstrar documentalmente a alegada redução do volume de negócios, a apresentação à insolvência nada nos diz quanto à dificuldade no pagamento pontual dos salários. Com efeito só se compreende a coexistência entre a declaração de insolvência, cuja sentença não foi junta aos autos, e a continuidade da atividade da Ré se for previsível e possível o pagamento pontual dos salários dos trabalhadores em exercício, caso contrário, deve a mesma cessar a sua laboração. Aos trabalhadores é que não cabe suportar as dificuldades de gestão e manutenção da Ré quando, manifestamente inexistam condições para prosseguir com a atividade.
Em face do exposto julgamos que a culpa da Ré se exprime desde logo na má avaliação dos recursos e despesas, mantendo-se em laboração, sabendo que não dispõe de meios que lhe permitam pagar pontualmente os salários aos seus trabalhadores.
Assim, considerando os valores devidos ao Autor a título de salário, tendo em conta a relevância da componente retributiva no âmbito da relação laboral, tal circunstância, só por si, é suficiente para justificar a resolução do contrato pelo Autor.
Ponderadas todas estas circunstâncias, é meu entendimento que, no caso concreto, a violação culposa da obrigação do pagamento pontual da retribuição por parte da Ré, nos termos supra dados como provados, é suscetível de configurar justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Autor.”.
5.2. - Apreciemos.
5.2.1. - Nos termos do artigo 394.°, n.° 1, do Código do Trabalho (CT), “Ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.”.
O n.º 2 especifica alguns dos comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.
O procedimento para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador está previsto no artigo 395.º, do mesmo diploma, que no seu n.º 1 dispõe: “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.”.
Por sua vez, o artigo 398.º, n.º 3, estipula: “Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395º.”.
Este normativo assemelha-se ao n.º 4, parte final, do artigo 357.º do CT: “(…), não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.”.
E a justa causa deve ser apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações – artigo 394.º, n.º 4, do mesmo diploma.
Assim, são três os requisitos cumulativos que sobressaem na análise do comportamento do empregador:
a) um de natureza objectiva – o facto material da violação do dever contratual;
b) outro de carácter subjectivo – a existência de nexo de imputação daquela violação dos deveres do empregador plasmados na lei ou da lesão de interesses patrimoniais a culpa exclusiva do empregador; e
c) ainda que o comportamento do empregador gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
A prova dos factos que fundamentem a justa causa de resolução cabe, naturalmente, ao trabalhador – cf. artigo 342.º, n.º 1 do C. Civil.
O autor invocou, como fundamento para a resolução do contrato de trabalho, comunicada à ré em 12 de julho de 2017, o não pagamento integral da retribuição referente aos meses de abril, maio e junho de 2017.
O dever de pagar pontualmente a retribuição é um dos principais deveres do empregador – cf. artigo 127.º n.º 1 alínea b) do CT -, sendo que este não a pode diminuir, salvo nos casos, expressamente, previstos no CT ou em IRCT – cf. artigo 129.º n.º 1 alínea d) -.
A matéria sobre a forma e o tempo do cumprimento da prestação retributiva está regulada no artigo 276.º - “A retribuição é satisfeita em dinheiro” - e artigo 278.º - “O crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário” -, ambos do CT.
Assim, no que respeita ao elemento retribuição pelo trabalho prestado, o tempo, uma certa medida do tempo (a semana, a quinzena, o mês) constitui não só a unidade de cálculo da retribuição certa, como serve também de unidade de vencimento, pelo que a retribuição deve ser paga até ao último dia útil do período a que respeita, em geral o mês, já que a regra é hoje a da mensualização – cf. ponto 4. da matéria de facto.
Atenta a factualidade provada nos pontos 4.º a 8.º da decisão de facto – a falta do pagamento integral da retribuição desde abril a junho de 2017 -, está preenchido o requisito de natureza objectiva.
Assim, sendo pacífico que houve um incumprimento contratual por parte da ré ao deixar de pagar, pontualmente, a retribuição integral do autor, a questão que se coloca é a de saber se esse incumprimento, no caso concreto, justifica a resolução do contrato pelo autor/recorrido.
5.2.2. - O requisito de natureza subjectiva.
O incumprimento dos deveres laborais, pelo empregador (cf. artigo 127.º do CT) ou pelo trabalhador (cf. artigo 128.º do CT), está associado ao elemento subjectivo da vontade, a culpa.
Como dispõe o citado artigo 394.º, n.º 2, do CT, constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a “a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição” e a “b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador”.
Assim, haverá incumprimento por parte do empregador quando não coloca no exercício das suas obrigações um esforço de inteligência e vontade, isto é, quando tal incumprimento é culposo, por reportado a um desvalor de acção ou de omissão, no caso, falta de pagamento pontual e integral da retribuição.
No caso dos autos, atento o teor dos pontos 4.º a 6.º da matéria de facto, o autor deveria ter recebido, até ao último dia útil dos meses de abril, maio e junho de 2017, a quantia mensal de €2.005,86, o que perfazia o total de €6.017,56.
No entanto, conforme o teor dos pontos 7.º, 8.º e 11.º da matéria de facto, a ré, no período compreendido entre Abril e Julho de 2017, apenas pagou ao autor as seguintes quantias:
“- A 31 de Maio de 2017, a quantia de €1.000,00.
- A 28 de Junho de 2017, a quantia de €1.000,00.”.
No que reporta à retribuição relativa ao mês de abril de 2017 (pelo menos, a parte de €1.005,00 – ver infra), já tinham decorrido mais de 60 dias sobre o seu vencimento, à data da resolução do contrato de trabalho.
Conforme dispõe o artigo 394.º, n.º 5, do CT, “Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”.
A doutrina e a jurisprudência consideram que o citado n.º 5 do artigo 394.º consagra uma presunção inilidível de culpa, isto é, não afastável por prova em contrário.
[cf., por exemplo, Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, pág.537 e os acórdãos do STJ, de 16.03.2017 e de 01.03.2018, in www.djsi.pt].
Nos restantes casos, em que o atraso no cumprimento do pagamento da retribuição seja inferior a 60 dias, presume-se culposo, nos termos do artigo 799.º do Cód. Civil, o que significa que essa presunção é ilidível.
Estão nesta situação os atrasos no pagamento das retribuições de maio e de junho de 2017.
Assim, relativamente às retribuições dos meses de maio e junho de 2017 incumbia à ré provar que a falta do pagamento pontual não procedeu de culpa sua, isto é, cabia-lhe ilidir a presunção de culpa.
Neste particular, está provado o que consta dos pontos 12.º a 16.º da matéria de facto, nomeadamente, que:
- Por sentença de 07 de Setembro de 2009, proferida nos autos de processo n.º 2926/15.8T8LSB, da Instância Central – 1ª seção do Comércio –J4, em que Devedor D…, S.A., foi homologado o Plano de Revitalização, a qual foi confirmada por acórdão de 7 de Junho de 2016, tendo transitado em julgado em 29 de Julho de 2016.
- A Ré pertence ao grupo D….
- O colapso do grupo E… teve consequências diretas e imediatas no financiamento da D…, que, por sua vez, levou ao decréscimo do volume de negócios da Ré.
Ora, salvo melhor opinião, tal factualidade é insuficiente para ilidir a presunção de culpa pelo atraso nos pagamentos das retribuições de maio e de junho de 2017.
Na verdade, dizer-se que “o colapso do grupo E… teve consequências diretas e imediatas no financiamento da D…, que, por sua vez, levou ao decréscimo do volume de negócios da Ré”, sem especificar qual a necessidade e o valor do financiamento, nem quantificar o “decréscimo do volume de negócios”, são afirmações tão genéricas e vagas que não permitem concluir, com a certeza e a segurança que o direito impõe, que tais atrasos não resultaram de culpa da ré.
Nem mesmo a apresentação da ré à insolvência – cf. ponto 12.º, processo n.º 2346/15. 4T8AVR - nos elucida quanto à dificuldade no pagamento pontual dos salários, pois, conforme a certidão junta a fls. 30v.º dos autos, foi homologado o plano de recuperação da ré, por sentença transitada em julgado a 08.08.2016.
Embora não resulte com clareza da matéria de facto provada a que reportam as quantias de €1.000,00 pagas em maio e junho de 2017, o autor assumiu, na sua carta de resolução, que o pagamento dos €1.000,00 a 31 de maio era relativo à retribuição do mês de abril e que o pagamento dos €1.000,00 a 28 de junho era relativo à retribuição do mês de maio.
A propósito do não pagamento de uma parcela da retribuição, no montante mensal de €705,00, num caso em que a retribuição de base mensal do trabalhador era de €3.810,00, o STJ considerou:
“(…), importa, desde logo, sublinhar que a retribuição, e o dever de pagamento integral da mesma, assume, como é evidente, uma importância essencial na relação de trabalho, ao que não será estranho o facto de o legislador ter autonomizado no n.º 1 do artigo 394.º a “falta culposa de pagamento integral da retribuição” (alínea a)) da lesão culposa de (outros) interesses patrimoniais sérios do trabalhador (alínea e)). Acresce que o que caracteriza o contrato de trabalho é a subordinação jurídica e não a subordinação económica. Esta última existirá frequentemente, porventura até normalmente, mas pode não existir sem que isso altere a qualificação do contrato como contrato de trabalho. Um trabalhador subordinado não deixa de o ser mesmo que tenha um grande património ou um tal aforro que lhe permita satisfazer tranquilamente os seus compromissos financeiros apesar do incumprimento contratual do empregador. E tem direito à sua retribuição na íntegra, independentemente de o seu valor ser mais elevado ou mais reduzido. Compreende-se que muitos trabalhadores invoquem – o que pode interessar para tornar mais patente a gravidade do incumprimento – dificuldades financeiras mais ou menos prementes que o incumprimento pode acarretar como meio de deixar bem clara a gravidade do mesmo, mas, repete-se, não é necessário que o trabalhador tenha tais dificuldades para que possa licitamente resolver o contrato. E a gravidade do incumprimento não se pode medir apenas pelo valor percentual, havendo que atender ao seu valor em absoluto e às relações entre as partes e demais circunstâncias do caso, como reza o já citado artigo 351.º n.º 3. Ora no caso vertente temos a recusa de pagamento de um prestação de €705,00 – que o Recorrente nas suas alegações sublinha ser até superior ao salário mínimo nacional – durante longos meses, pelo que a mesma se afigura grave.”.
E concedendo revista, nesta parte, reconheceu que o trabalhador resolveu com justa causa o seu contrato de trabalho.
[cf. o acórdão do STJ, de 01.03.2018, in www.djsi.pt].
No caso em apreço, não só não foram pagas, em prazo, as retribuições dos meses de abril, maio e junho de 2017, como a retribuição de junho não foi paga na totalidade. E considerando que o agregado familiar do autor é composto por 3 pessoas e que tem encargos com crédito à habitação e um crédito pessoal – cf. pontos 9.º e 10.º - a cumprir em prazo, foi lícita a resolução do contrato pelo autor, a qual se justifica pela gravidade do incumprimento nos termos supra descritos, isto é, dos três meses de salários no montante total de €6.017,56, a ré apenas pagou €2.000,00.
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IV.A decisão
Atento o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso de apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da ré/recorrente.
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Porto, 2019.06.27
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha