Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
854/12.1TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20141103854/12.1TTPRT.P1
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - São pressupostos de facto da responsabilidade pré-contratual a criação de uma razoável confiança na conclusão de um contrato;
o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
a produção de um dano no património de uma das partes;
e a relação de causalidade entre este dano e a quebra da confiança exigida.
II - Caso as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoáveis da sua conclusão e celebração do contrato, a ruptura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
III - Na situação em que os recorrentes tinham a expectativa de fazerem cessar os seus contratos de trabalho celebrados com a recorrida por mútuo acordo e que iram receber, como contrapartida dessa cessação, uma indemnização correspondente a uma retribuição e meia por cada ano de antiguidade, todavia, não podiam os trabalhadores crer que tal expectativa se iria, inexoravelmente, transformar numa realidade, pois, desde logo, lhes foi expressamente comunicado por escrito que a sua concretização dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 11.).
IV - Sabiam, pois, os autores que as suas expectativas apenas se tornariam realidade se se verificassem os referidos requisitos ou pressupostos. E se é verdade que tais expectativas se mostraram intactas até Abril de 2011, a partir dessa data as mesmas caíram por terra. E esse desmoronamento não pode ser imputado a qualquer comportamento menos correcto ou inadequado da recorrida, que de forma negligente ou dolosa tenham traído injustificadamente as expetativas negociais geradas nos recorrentes e violador das regras da boa-fé imposta a qualquer contratante médio colocado na sua posição jurídica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 854/12.1TTPRT.P 1
RG 424

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…, C…, D… E E…
RECORRIDA: F…, S. A.

Valor da acção: € 194.517,00
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1.
B…, casado, guarda, residente na Rua …, .., em …; C…, casado, guarda, residente na Rua …, …, ..º A, no Porto; D…, casado, guarda, residente na Rua …, .., ..º d.to, na Maia; e E…, casado, guarda, residente na Rua …, .., em … (Gondomar), intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra F…, com sede na …, …., ..º, sala ., no Porto, pedindo que se julgue procedente, por provada, a acção e em consequência:
A) Ser a R. condenada a indemnizar os Autores dos danos a estes causados, nos montantes peticionados, respectivamente, a B… de 38.510,20€, a C… de 47.088,96€, a D… de 46.114,64€ e a E… de 32.809,22€;
B) Ser a R. obrigada a ressarcir cada um dos AA. a título de danos morais na quantia de 7.500,00€;
C) Ser a R. condenada a no pagamento dos juros calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegaram, para tanto, e em síntese, que sendo todos guardas/vigilantes ao serviço da R., foram por esta convidados, em Fevereiro de 2010, a cessar por mútuo acordo com a sua entidade empregadora os seus contratos de trabalho, mediante a promessa do pagamento de uma compensação equivalente a um mês e meio de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção; mais alegaram que, cerca de vinte meses depois, a ré acabou por os despedir por extinção do posto de trabalho, assim frustrando aquela expectativa de virem a receber aquela compensação, uma vez que receberam indemnização correspondente a um salário por cada ano de antiguidade.
Arguiram ainda os autores que a conduta da ré, ao agir de má-fé violando as legítimas expectativas deles, lhes causou danos não patrimoniais, pelo que dela reclamam as correspondestes indemnizações.
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2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3.
A Ré apresentou contestação, onde alegou, em resumo, que a proposta de compensação de uma retribuição e meia por ano de antiguidade dependia de factores alheios à demandada, o que os autores sabiam, sendo certo que a tutela, a partir de 2011, determinou que a compensação devida aos seus trabalhadores por cessação por mútuo acordo não podia ser superior a uma retribuição por ano de antiguidade; mais referiu que não teve alternativa senão proceder à extinção dos postos de trabalho dos autores, uma vez que, legalmente, não podia desempenhar funções de empresa de vigilância.
Concluiu, assim, pela improcedência dos pedidos dos autores.
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4.
Responderam os Autores pugnado pela manutenção do por eles peticionado.
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5.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador no qual se verificou a regularidade da instância e se relegou para final a fixação da matéria de facto provada e não provada.
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6.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, após o que se fixou a matéria de facto provada e não provada, que não foram objecto de reclamação.
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7.
Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Pelo exposto e tudo ponderado, julga-se improcedente a presente acção pelo que se absolve a ré F…, S.A. dos pedidos contra si deduzidos pelos autores B…, C…, D… e E….
Custas pelos autores.
Valor €194.517,00.
Registe e notifique.”
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8.
Inconformados com esta decisão, dela recorrem os Autores, peticionando a sua revogação e a substituição por outra, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A.
Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julga a acção totalmente improcedente.
B.
Apontam os recorrentes a nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 615º, nº1, al. d) do CPC, erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito.
C.
A nulidade da sentença decorre da falta de pronúncia quanto à existência ou não de responsabilidade pré-contratual da R..
D.
Os recorrentes impugnação a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois consideram que foram incorretamente julgados os pontos 10., 12. e 34. da matéria de facto dada como provada e o ponto A da matéria dada como não provada, devendo ser reapreciada a prova produzida.
E.
Sob o Ponto 10. da matéria provada consta o seguinte: “Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, tal aceitação dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (artigo 10º do DL nº 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo”.
F.
Este ponto da matéria de facto pretende refletir o conteúdo de documento da autoria da R., não impugnado por esta e junto aos autos pelos recorrentes e do mesmo deverá constar o seguinte: “Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, a data específica definitiva da rescisão do contrato dependeria da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (artigo 10º do DL nº 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais.”
G.
Sem prejuízo das interpretações que poderão ser feitas sobre o sentido dessa declaração da R., o facto terá forçosamente de ser o indicado pelos recorrentes, pois é este o correspondente com o teor do documento.
H.
Sob o Ponto 12. da matéria provada foi dado como assente o seguinte: “Em data não concretamente apurada, posterior a Abril de 2011, a tutela da R. emitiu instruções que lhe dirigiu, bem como às empresas congéneres do sector empresarial do Estado, no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção”.
I.
Da gravação dos depoimentos das testemunhas da R., G… ou H… resulta que nenhuma soube reproduzir as ditas instruções recebidas da tutela, tendo-se ambas limitado a referências genéricas a instruções cujo conteúdo não se apuraram.
J.
Não se apresentam credíveis os depoimentos das duas testemunhas da R. nesta matéria, que vagamente aludem a “instruções da tutela”, que ninguém conhece, nem mesmo o Tribunal.
L.
Tendo ocorrido a gravação dos depoimentos, este douto Tribunal pode apreciar a credibilidade dos depoentes e o sentido dos respectivos depoimentos em conjugação com a demais prova produzida, uma vez que se apresenta deficiente e obscura a decisão sobre este ponto da matéria de facto, sendo flagrante a desconformidade com os elementos de prova disponíveis.
M.
Importa ter presente a total ausência de corporização das ditas instruções que, a existirem, teriam necessariamente de constar de documento escrito, resultando das regras da experiência que se tais instruções tivessem existido as mesmas teriam sido juntas ao processo pela R., que não deixaria de comprovar documentalmente, caso pudesse, um dos fundamentos basilares da sua defesa.
N.
Infirma a existência de tais instruções o extracto da acta número cinquenta e quatro de dois mil e onze, da reunião do Conselho de Administração da R., de 13 de Dezembro de 2011, a fls …, que demonstra que apenas naquela data foi deliberado pela R. definir as novas condições indemnizatórias para as cessações suscetíveis de concretização ainda naquele ano – cfr. documento de fls…
O.
A referida acta não só não faz qualquer alusão a instruções da tutela como refere outras razões para a decisão tomada.
P.
Relativamente ao ponto da matéria de facto ora impugnado, verifica-se um erro de julgamento da matéria de facto, pelo que deve proceder-se à modificação da decisão, dando-se como não provado o ponto 12. da matéria de facto.
Q.
Sob o Ponto 34. da matéria provada foi dado como assente o seguinte: “Até Abril de 2011, os AA tiveram a expectativa que os seus contratos iriam cessar nos termos do procedimento referido no ponto 5. e nas condições aí referidas.”
R.
Nenhuma prova consta do processo que permita dar como provado que os AA mantiveram a expectativa que os seus contratos iriam cessar nos termos do procedimento referido no ponto 5. e nas condições aí referidas apenas até Abril de 2011.
S.
Nenhuma testemunha, dos AA ou da R, fez qualquer referência a Abril de 2011 e nenhuma prova documental existe que demonstre ou sequer sugira tal data.
T.
Entre Abril de 2011 e a data em que os AA receberam as comunicações a que alude o ponto 24. dos factos provados, nenhum trabalhador rescindiu o seu contrato de trabalho- nada consta dos factos provados, aliás do processo, que o permita afirmar.
U.
Dos elementos constantes do processo resulta que os AA mantiveram incólume a expectativa criada pela R. pelo menos até Novembro de 2011.
V.
Relativamente ao ponto da matéria de facto ora impugnado, verifica-se um erro de julgamento da matéria de facto, pelo que deve proceder-se à modificação da decisão, dando-se como provado o seguinte sob o ponto 34. da matéria de facto:
“Até Novembro de 2011, os AA tiveram a expectativa que os seus contratos iriam cessar nos termos do procedimento referido no ponto 5. e nas condições aí referidas.”
X.
Sob “A”. do despacho que fixa a matéria provada e não provada foi dado como não provado que: “Os AA ficaram convencidos que, em aberto, apenas ficara a data da execução do acordo firmado.”
Z.
Também relativamente a este ponto “A” da matéria de facto ora impugnado, se verifica um erro de julgamento que impõe se proceda à modificação da decisão, julgando-se o mesmo como provado.
AA.
Deram os AA cumprimento ao disposto sob o artigo 640º do NCPC, por forma a que este douto Tribunal possa reapreciar a prova produzida sobre os concretos pontos da matéria de facto impugnados.
AB.
Com a introdução de novas regras sobre a reapreciação da prova introduzidas pelo Novo Código Processo Civil este Tribunal tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, encontrando-se assegurada uma efetiva garantia de um segundo grau de jurisdição podendo a decisão proferida ser alterada nos casos previstos no artigo 662º, do Novo Código Processo Civil.
AC.
Sem prescindir, a matéria de facto dada como provada sob os pontos 10. e 12. Dos factos provados tem um conteúdo conclusivo e, por tal razão, as respostas dadas deverão ter-se por não escritas.
AD.
O ponto 10 dos factos é conclusivo na medida em que emite juízos de valor sobre o conteúdo de um documento que desvirtua, deturpa e até amplia.
AE.
Uma vez depurado dos aludidos juízos de valor – que ademais não têm cabimento nem no espírito nem na letra daquela comunicação - a resposta ao ponto 10. Deverá cingir-se ao seguinte:
“Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, a data específica definitiva da rescisão do contrato dependeria da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (artigo 10º do DL nº 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais.”
AF.
O ponto 12 dos factos provados ao referir que a tutela da R. emitiu instruções no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores ser aquela que refere, sem se saber que instruções foram dadas por forma a sindicar se realmente apontam no referido sentido, está a retirar uma conclusão e a fazer um juízo sobre factos que nem sequer existem nos autos.
AG.
Porque não reveste natureza factual a resposta dada ao ponto 12. dos factos provados deverá ter-se por não escrita.
AH.
É certo que o artigo 664, n.º 4 do CPC foi eliminado com o novo Código de Processo Civil (NCPC), mas o princípio que lhe está subjacente não desapareceu e continua a ser válido que na fundamentação da sentença só os factos relevam, como decorre, desde logo, do artigo 607, n.º 4 do NCPC.
AI.
A douta sentença padece de erro de julgamento por violação de lei – artigo 674º, nº1, al. a) do NCPC – ainda que consideremos a matéria de facto que se encontra assente na sentença.
AJ.
Com efeito, os AA não colocaram em causa o formalismo [da extinção do posto de trabalho] encontrado para fazer operar a extinção dos respetivos contratos de trabalhos (e podiam, desde logo porque foram despedidos mais de cinco trabalhadores – artigo 359º, nº1 do CT) e não colocaram em crise o respetivo fundamento (e também podiam).
AL.
E não o fizeram desde logo pelos motivos que resultam dos factos provados sob 20. E 22. - esta seria uma forma de verem ultrapassado o número limite de 80 trabalhadores em cada triénio, fixado por aplicação do artigo 10º do DL nº 220/2006.
AM.
A própria R. sublinha nas doutas alegações proferidas no final da audiência de discussão e julgamento, que ultrapassar o número limite de 80 trabalhadores em cada triénio, foi a razão apontada por esta para fazer operar sob a forma de extinção do posto de trabalho, o fim dos contratos de trabalho dos 14 vigilantes.
AN.
As condições indemnizatórias seriam exatamente as mesmas aplicáveis aos demais trabalhadores cujo contrato terminou por rescisão por mútuo acordo celebrado na sequência do programa de saídas voluntárias – cfr. ponto 23. dos factos provados.
AO.
Quer os AA./recorrentes, quer os demais trabalhadores cujo contrato terminou por efeito de rescisão por mútuo acordo, celebrado na sequência do programa de saídas voluntárias, também com efeitos a 5 de Dezembro de 2011, a R. indemnizou ao arrepio das condições propostas no programa de saídas voluntárias.
AP
Os AA não fundaram a sua pretensão indemnizatória nas regras da extinção do posto de trabalho nem pretendem ver reconhecida a nulidade do despedimento.
AQ
Os AA. pretendem ver reconhecido que a proposta amplamente divulgada, dirigida pela R. aos AA para se candidatarem ao programa de saídas voluntárias, conforme pontos 4. e 6. dos factos provados, designadamente as condições oferecidas constantes do ponto 5., a aceitação pelos AA dessas condições e sua consequente candidatura (pontos 7 e 8) e a posterior comunicação escrita dirigida aos AA, que as suas candidaturas foram aceites (ponto 9), (contrariamente do que sucedeu a outros trabalhadores a quem foi comunicado que as candidaturas não foram aceites ou que as candidaturas voltariam a ser avaliadas mais tarde, como resulta dos documentos juntos pelos AA a fls…, constituídos por comunicações dirigidas a trabalhadores cujas candidaturas ao programa de saídas voluntárias não foram aceites ).
AR
Criaram nos AA a convicção, “depois de receberem essa declaração escrita da R., que ficara definitivamente assente que os seus contratos de trabalho iriam cessar por mútuo acordo e nas condições de rescisão contratual unilateralmente propostas pela R. e aceites por aqueles” (cit. ponto 11) e constituíram declarações suscetíveis de gerar na esfera jurídica dos AA uma situação de confiança justificada, merecedora da tutela do direito.
AS
Entendem os AA ora recorrentes que a atuação da R., transparente e sistematizada, desde o início do procedimento até ao envio da comunicação de aceitação aos AA. (pontos 4 a 10 dos factos provados), corresponde a um processo de negociação que atingiu um estado categoricamente avançado - para não dizer concluído – que criou nos AA expectativas legítimas na consumação “do negócio”, no caso, do acordo de rescisão do contrato nas condições propostas e mantidas no decurso de todo o procedimento, e mesmo após a sua conclusão, expectativas que não poderiam ser ilegitimamente frustradas.
AT
Do teor da comunicação de 22 de Março de 2010 dirigida pela R. aos AA. Resulta definitivamente assente que os seus contratos de trabalho iriam cessar por mútuo acordo e nas condições de rescisão contratual unilateralmente propostas pela R. e aceites por aqueles, ficando apenas em aberto a data em que tal iria ocorrer.
AU
A alteração das condições pre-contratuais estabelecidas, foi imposta unilateralmente pela R. sem causa justificativa e, como tal, de forma ilegítima.
AV
Não existe qualquer determinação da tutela para reduzir as indemnizações.
AX
Ainda que se admita que existiram tais instruções – o que não se concede – as mesmas não eram vinculativas.
AZ
Quando alude a instruções da tutela também não está a R. a referir-se às directivas proferidas no âmbito do PEC4 - que são do conhecimento público – pois estas corporizaram-se nas normas do OE de 2011, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011 e não em Abril de 2011 e nada refere a esse propósito. E sabemos que até esta Abril de 2011, pelo menos três trabalhadores, rescindiram os seus contratos com uma indemnização correspondente a 1.5, calculada nos termos do aviso do CA 001.10 – cfr. documentos juntos pela R. a fls… por determinação do Meritíssimo Juiz a quo.
BA.
Apenas em 13 de Dezembro de 2011 é que foi deliberado pela R. definir as novas condições indemnizatórias para as cessações suscetíveis de concretização ainda naquele ano – cfr. documento de fls… - tendo tal decisão assentado na recolha de informação sobre o que está a ser praticado no sector.
BB.
A deliberação da reunião do CA (13/12/2011) em causa, data de 13/12/2011, sendo que a data de produção dos efeitos da cessação dos contratos foi antecipada para 5/12/2011, data anterior à data da deliberação da alteração das condições indemnizatórias.
BC
Resulta do que antecede que não existe causa justificativa que legitime a alteração das condições indemnizatórias propostas.
BD
Sobre a questão da natureza da expectativa dos recorrentes que reconhece ter existido, a fundamentação da douta sentença padece de contradição - cfr. pontos 9, 10 e 14. da fundamentação.
BE
Não se impunha a celebração de contrato promessa para a R. ter criado, como criou, nos AA., através dos atos praticados durante todo o procedimento do Programa de Saídas Voluntárias, por sua iniciativa, através de comportamentos públicos e formais reputados de sérios, uma situação de confiança justificada que a obrigava corresponder às expectativas geradas.
BF
“(…) Se aquele a quem seja imputável uma situação de confiança justificada violar ilicitamente o dever especial de corresponder às expectativas causadas, ficará constituído na obrigação de indemnizar os danos daí resultantes. – obra citada de Nuno Manuel Pinto de Oliveira, página 181.
BG
“O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem” – Baptista Machado in, RLJ 117-232.
BH
“O princípio da liberdade contratual – artigo 405º do CC – não pode ser entendido tão latamente que legitime qualquer conduta das partes durante uma negociação (…), mas, não menos certo é que, havendo negociações avançadas de modo a criar expectativas legítimas na consumação do negócio, a parte que as romper sem fundamento, viola deveres de boa-fé e, por tal, constitui-se na obrigação de indemnizar pelo interesse negativo ou de confiança” – Ac. TRP de 15-12-2003, in www.dgsi.pt.
BI
As normas constantes dos artigos 227º, nº1 e 762º do CC. assentam o comportamento das partes contratantes, antes e durante o contrato, na cláusula geral da boa fé, cujo sentido é delimitado através dos princípios da confiança, da prevalência da substância sobre a forma e da proporcionalidade.
BJ
Carece de sentido no contexto do acordo firmado, a afirmação sob o ponto 20. da fundamentação da sentença de que a pretensão dos AA. mereceria pleno acolhimento caso tivessem – na sequência da aceitação expressamente comunicada da sua entidade empregadora – alterado a sua prestação laboral na expectativa da futura cessação por acordo dos seus contratos de trabalho.
BL
Nuno Manuel Pinto de Oliveira a respeito dos acordos parciais ou acordos de princípio refere que: “Em relação aos pontos sobre os quais há acordo, as partes têm um dever de conteúdo negativo – de non facere – de não renegociar o acordo já alcançado; de não colocar em discussão, arbitrária e injustificadamente, o consenso já conseguido”, - ver, obra citada do autor, pág. 253.
BM
Também o Prof. Paulo Mota Pinto se refere aos acordos preliminares e reforça o respetivo teor vinculativo: “Em certos casos existe já um contrato inteiramente vinculante, pois as partes acordaram todas as cláusulas relevantes para qualquer delas, apenas não tendo formalizado o acordo num documento formal, mas tencionando fazê-lo mais tarde. Nestes casos a rutura verifica-se entre os momentos do acordo e da formalização, e os tribunais tendem a tratar tais acordos como vinculantes por considerarem que a formalização foi encarada pelas partes como um momento relevante mas não essencial.” – in, Paulo Mota Pinto “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Volume I, Coimbra Editora, página 254
BN
A responsabilidade pré-contratual da R. decorre do facto de, por sua iniciativa, de modo coerente e continuado, ter criado e mantido nos AA., no decurso de todo o procedimento descrito sob B) e após, a confiança de que a rescisão contratual de cada um se iria concretizar nas condições propostas sob o ponto IV, alínea B., do doc…
BO
Na ausência de circunstâncias supervenientes justificativas da alteração das condições convencionadas, tinha a R., a obrigação, o dever especial de corresponder às expectativas que criou aos AA. no decurso da fase pré-contratual, porquanto é àquela, exclusivamente, imputável, a criação e manutenção daquela situação de confiança.
BP
Ademais quando entre as partes estava firmado um consenso em relação a todas as condições do contrato de cessação a formalizar, com o inerente dever da R., de conteúdo negativo, de não renegociar, nem inviabilizar o acordo já alcançado, como viria a fazer.
BQ
É justamente neste comportamento culposo e desleal da R. que reside o juízo de censura que a obriga a responder pelos danos que culposamente causou aos AA..
BR
Igualmente a posição dos AA. encontra conforto por via do instituto do abuso de direito uma vez que através de um meio aparentemente legítimo a R. pretendeu atingir um fim ilegítimo, que foi o de fazer cessar os contratos dos AA. sem cumprir as condições a que se obrigara relativamente a estes.
BS
A invocação da figura da extinção do posto de trabalho embora pudesse em teoria, constituir um procedimento válido para fazer operar a cessação dos contratos de trabalho para os demais trabalhadores abrangidos, no caso dos AA. não pode considerar-se, legitima, pois tal seria legitimar o defraudar da confiança nestes criada pela R. de que a cessação dos seus contratos de trabalho iria realizar-se nos termos acordados.
BT
E essa solução corresponderia a um legitimar do incumprimento da obrigação previamente assumida pela R. quanto ao modo e condições de cessação daqueles contratos.
BU
A R. não podia encontrar por via da extinção dos postos de trabalho dos AA. Uma forma de fazer cessar os contratos de trabalho em contrapartida de um valor compensatório substancialmente inferior àquele que se havia previamente comprometido a pagar, o que se consubstancia num resultado ilícito.
BV
O artigo 334° do Código Civil vigente dispõe que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
BX
A R. excede manifestamente os limites impostos pela boa fé quando deixa os AA. durante 20 meses na convicção de que o contrato de trabalho iria cessar nas condições referidas supra, em B) e efrauda a confiança que havia criado ao ignorar o compromisso anteriormente firmado com estes, despedindo-os em condições mais desvantajosas para estes e menos custosas para si.
BZ
Quando é certo que ao despedir os AA sob o formalismo apontado a R. encontrou uma forma de ultrapassar o limite das 80 rescisões por triénio, as necessidades estruturais não constituíam problema como se constata, e a R. não invocou a existência de quaisquer limitações orçamentais.
CA
Verificadas as condições suspensivas que apontara, não tinha pois a R. porque não cumprir aquilo a que se obrigara.
CB
E não o tendo feito deverá, em consequência e nessa medida, indemnizar os recorrentes.
CC
Pelas razões expostas, manifestamente a douta sentença padece de erro de julgamento.
CD
Considerando os factos demonstrados, a subsunção jurídica dos mesmos conduz a uma decisão diversa da decisão proferida.
CE
A douta sentença padece de erro de julgamento ainda que se não alterasse o julgamento proferido sobre a matéria de facto; a alteração da matéria de facto em conformidade com o supra alegado, reforça o erro invocado, impondo decisivamente decisão diversa da proferida, que condene a R. a indemnizar os AA. nas peticionadas quantias.
CF
Ao decidir como decidiu a douta sentença não violou as normas jurídicas constantes dos artigos 615º, nº1, al. d) e 607, n.º 4 do NCPC, e dos artigos 227º, nº1, 762º e 334° do Código Civil.
◊◊◊
9.
A apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido, assim concluindo:
I. A decisão ora recorrida deve ser integralmente mantida não merecendo a decisão qualquer reparo uma vez que a aplicação do direito foi ponderada e fundamentada.
II. Desde logo e no que respeita à alegada omissão de pronúncia no que respeita à responsabilidade pré-contratual não tem qualquer fundamento o alegado pelos Recorrentes, porquanto o Meritíssimo Juiz pronuncia-se expressamente sobre a questão da concluindo que os Recorrentes tinham um mera expectativa sem certezas que se iria efectivamente concretizar, porquanto teriam que se cumprir com determinados requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 11.), nem alteraram a sua prestação laboral em consequência de tal expectativa.
III. Não tem os Recorrentes fundamento para alterar a matéria de facto
IV. Desde logo e no que respeita ao ponto n.º 10 basta tomar em atenção o Doc.º n.º 18 junto aos autos onde sempre ficaram claros os diversos requisitos de que dependia a efetivação da candidatura que não apenas a data de concretização da rescisão.
V. Não se aceitando portanto que seja dado como provado que “Os AA ficaram convencidos que em aberto, apenas, ficara a data da execução do acordo firmado.”
VI. Além do mais era do conhecimento de todos os trabalhadores que depois da aceitação preliminar e abstrata das candidaturas cada caso concreto teria que ser individualmente analisado.
VII. Todos os trabalhadores sabiam que a Empresa como parte integrante do setor dos transportes públicos ultrapassa uma fase crítica em consequência da reestruturação económico financeira do Estado.
VIII. Aliás, todos os trabalhadores foram desde sempre alertados para a dependência da execução do Programa das disponibilidades e condições financeiras impostas pelo Governo e que os Recorrentes não podiam desconhecer além do mais porque a Recorrida é uma empresa de capitais exclusivamente públicos pertencente ao Sector Empresarial do Estado e sujeita a tutela direta do Estado.
IX. Em relação ao ponto 12 deve ser rejeitado liminarmente porquanto o Autor não indica sequer as passagens da gravação em que se funda o seu recurso conforme esteva obrigado.
X. Sem prescindir do que acima ficou dito não existiram dúvidas pela prova testemunhal feita em audiência de julgamento que as testemunhas G… e H… confirmarem ter recebido instruções por parte da Tutela.
XI. Nem se diga que tais instruções teriam que ser dadas por escrito porquanto muitas vezes tais indicações são transmitidas em encontros das partes.
XII. Aliás, ficou provado que esta informação foi amplamente divulgada pela Empresa estando os trabalhadores cientes que o valor da indemnização tinha sido reduzida para um mês por cada ano de serviço englobando apenas a retribuição de base e diuturnidades, como foi dito por mais do que uma testemunha.
XIII. Por fim e quanto ao ponto 34, deve também ser liminarmente rejeitado por incumprimento das questões processuais, sempre se dirá que desde Abril de 2011 que as expectativas dos Recorrentes estariam indubitavelmente afectadas.
XIV. Não só pela ampla divulgação de tal alteração assim como das graves contingências de natureza financeira impostas às empresas públicas e em concreto a Empresa, mas também porque o prazo previsto para implementação do programa anunciado, também acabou por escoar sem que tivesse sido implementado o programa de saídas.
XV. Nem se aceita também, como pretende o Recorrente, qualquer violação do artigo 607.º n.º 4 do NCPC porquanto os pontos 10 e 12 da matéria de facto não tem teor conclusivo mas antes e apenas factual.
XVI. Ficou demonstrada a boa fé da Recorrida ao longo de todo o processo pretendendo os Recorrentes contornar o que foi livre e esclarecidamente acordado entre as partes.
XVII. A Recorrida lançou um procedimento amplamente divulgado alertando, desde logo, para as seguintes limitações:
- as limitações legais de 80 cessações de contrato em cada período trianual a que estariam sujeitos:
- a limitação dos fundos disponíveis;
- a avaliação da oportunidade de desvincular o trabalhador.
- o prazo de implementação do programa: 15 de março de 2010, posteriormente adiado para 05 de abril.
XVIII. Os Recorrentes sabiam que haveria sempre um processo de seleção, pelo que até essa data não poderiam ter quaisquer expectativas mantendo inalterado o seu estatuto e desempenho profissional.
XIX. A Recorrida quando aceita as candidaturas deixou bem claro que se tratava de uma aceitação preliminar havendo ainda requisitos a cumprir, que não apenas a data de concretização, aliás tal como resulta da leitura da missiva enviada para qualquer declaratário normal, conhecido na posição do real declaratário.
XX. Tal entendimento resulta também do comportamento adotado pela Recorrida.
XXI. A partir de finais de 2011 decorre uma impossibilidade legal dos Recorrentes prestarem serviço de vigilância de instalações conforme ficou também provado não tendo a Recorrida condições para manter os postos de trabalho dos trabalhadores afetos à vigilância de instalações.
XXII. Face a ausência de resposta do Governo no que respeita ao aumento do número máximo de cessações por mútuo acordo por triénio requisito obrigatório para dar cumprimento ao programa, conforme os Recorrentes sabiam desde o início do procedimento a Recorrida e os Recorrentes adoptaram uma estratégia concertada por forma a que a cessação do contrato fosse feita de imediato.
XXIII. A Recorrida reuniu com cada um dos trabalhadores, tendo explicado a cada um deles que, estando verificados os requisitos necessários para a extinção do posto de trabalho, seria possível que a cessação do contrato fosse feita de imediato não sendo assim necessário aguardar pelo cumprimento do limite máximo de 80 trabalhadores por triénio sendo a indemnização a receber a mesma quer receberiam no âmbito da cessação por mútuo acordo.
XXIV. Os Recorrentes deram o seu acordo a esta estratégia que lhes permitia sair da Empresa de imediato, tendo tal estratégia sido seguida apenas para os trabalhadores que pretendiam sair da Empresa.
XXV. Não existem assim dúvidas que os Recorrentes tinham uma mera expectativa, que não preenche os pressupostos para a existência de qualquer responsabilidade contratual.
XXVI. A Recorrida sempre atuou com lealdade e boa-fé, cumprindo com todos os deveres que se lhe impunham como co-contratante, incluindo o de informação.
XXVII. Ao contrários dos Recorrentes que acordaram com a Recorrida uma estratégia tendo em conta que era do seu interesse pessoal a cessação do contrato de trabalho com efeitos imediatos.
XXVIII. Assinaram o recibo de encerramento de contas declarando expressamente que nada mais lhes seria devido, renunciando assim ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia.
XXIX. Ora, face ao que acima ficou dito qualquer destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, conclui que à data de assinatura daquele documento os Recorrentes pretenderam renunciar a todos os créditos que pudessem emergir da relação de trabalho ou da sua cessação.
XXX. Actuando agora ao invés daquilo que acordaram com abuso de direito na vertente do "venire contra factum proprium" fazendo uso dos meios judiais para obter ilegitimamente o pagamento, a título de indemnização, de uma quantia elevadíssima, que bem sabem não ser devida, além dos mais atentas as instruções havidas
◊◊◊
10.
O Exº. Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de não se verificar a arguida nulidade da sentença, devendo, ainda, a apelação improceder.
◊◊◊
11.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
A – NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
C – RESPONSABILIDADE PRÉ CONTRATUAL DA RÉ RESULTANTE DE TER FRUSTRADO UNILATERALMENTE E COM OFENSA DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, AS LEGÍTIMAS EXPECTATIVAS QUE CRIOU NOS AUTORES/RECORRENTES, DURANTE TODO O PERÍODO DAS NEGOCIAÇÕES EFECTUADAS COM VISTA AO ACORDO DE CESSAÇÃO DOS RESPECTIVOS CONTRATOS DE TRABALHO
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◊◊◊
III – FUNDAMENTOS
1.
A DECISÃO RECORRIDA DEU COMO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
1. A ré (R., de ora em diante) F…, S.A. dedica-se à atividade de transportes e, no âmbito da sua atividade, admitiu os autores (AA., de ora em diante) ao seu serviço.
2. Os AA. exerceram a sua atividade profissional para a R., sob o regime de contrato de trabalho subordinado, tendo sido admitidos nas datas abaixo discriminadas e detendo as indicadas antiguidades, respetivamente:
a) B…, em 08/09/1977, com a antiguidade, à data da propositura da presente acção, de 34 anos e 8 meses;
b) C…, em 03/05/1976, com a antiguidade, à data da propositura da presente acção, de 36 anos;
c) D…, em 1/10/1973 com a antiguidade, à data da propositura da presente acção, de 38 anos e 8 meses;
d) E…, em 02/11/1976, com a antiguidade, à data da propositura da presente acção, de 35 anos e 7 meses.
As remunerações mensalmente auferidas pelos AA. à data da cessação dos respetivos contratos de trabalho eram, em euros, as seguintes:
a) B…: Vencimento base 721,50; Complemento Salarial 7,11; Diuturnidades 200,16; Trabalho nocturno 149,41; Prémio diário 129,03; Subsídio alimentação 146,05, num TOTAL de 1.353,26;
b) C…: Vencimento base 721,50; Complemento Salarial 7,11; Diuturnidades 200,16; Dif. eventual subsídio chefia 74,70; Trabalho nocturno 162,81; Prémio diário 160,32; Subsídio alimentação 158,75, num TOTAL de 1.485,35;
c) D…: Vencimento base 693,60; Complemento Salarial 010,15; Diuturnidades 200,16; Trabalho nocturno 041,68; Prémio diário 160,32; Subsídio alimentação 201,18, num TOTAL de 1.307,09;
d) E…: Vencimento base 693,60; Complemento Salarial 10,15; Diuturnidades 200,16; Trabalho nocturno 114,62; Subsídio alimentação 191,60, num TOTAL de 1.210,13.
3. Os contratos de trabalho dos AA. cessaram por efeito da extinção dos respectivos postos de trabalho, com efeitos reportados à data de 05/12/2011.
4. Em 05 de Janeiro de 2010 a Ré, através do aviso emitido pelo Conselho de Administração, referenciado “…”, fez saber a todos os trabalhadores ao seu serviço, que iria dar inicio ao que denominou “Programa de Apoio a Saídas Voluntárias”.
5. A indemnização oferecida pela R. aos trabalhadores que aceitassem candidatar-se à cessação do contrato por mútuo acordo, era no valor de 1,5 vezes o valor da retribuição mensal, considerando a remuneração base acrescida das componentes fixas, por cada ano de trabalho, até ao limite máximo €200.000,00.
6. O mencionado Aviso “…” foi amplamente divulgado através da sua afixação nos vários departamentos de todos os estabelecimentos da R. e enviada a cada trabalhador para o respectivo endereço electrónico.
7. Os AA. - e os demais trabalhadores que aceitaram as condições propostas pela R. para a cessação dos respetivos contratos de trabalho - submeteram a sua candidatura ao dito Programa de Apoio a Saídas Voluntárias.
8. Os AA., enquanto destinatários das propostas de cessação dos contratos de trabalho nos termos enunciados pela R., aceitaram as mesmas, o que fizeram saber por escrito à R.
9. Através de ofício da Presidente do Conselho de Administração, Sra. Dra. I…, datado de 22 de Março de 2010, a R. comunicou individualmente a cada um dos trabalhadores cuja candidatura foi aceite – entre os quais aos AA. - o seguinte:
“Na sequência da sua candidatura a uma rescisão por mútuo acordo do seu contrato de trabalho com a empresa, vimos por este meio informá-lo de que o seu pedido foi aceite.”.
10. Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA. que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, tal aceitação dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo.
11. Ficaram os AA. convencidos, depois de receberem essa comunicação escrita da R., que ficara definitivamente assente que os seus contratos de trabalho iriam cessar por mútuo acordo e nas condições de rescisão contratual unilateralmente propostas pela R. e aceites por aqueles.
12. Em data não concretamente apurada, posterior a Abril de 2011, a tutela da R. emitiu instruções que lhe dirigiu, bem como às empresas congéneres do sector empresarial do Estado, no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção.
13. Até Abril de 2011 as cessações de contratos de trabalho por mútuo acordo realizadas entre a R. e trabalhadores ao seu serviço foram calculadas à razão de 1,5 vezes o valor da retribuição mensal, considerando a remuneração base acrescida das componentes fixas, por cada ano de trabalho, até ao limite máximo €200.000,00.
14. A partir dessa data nenhum trabalhador acordou na cessação do seu contrato de trabalho com a R. com uma indemnização superior a uma retribuição base mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção.
15. Desempenhavam os AA., à data da cessação dos seus contratos de trabalho, as funções de guarda/vigilante das várias estações de recolha da ré.
16. A R., em 20 de julho de 2010, enviou para a Polícia de Segurança Pública uma carta a solicitar esclarecimentos relativos à Licença … (atividade de Segurança Privada Licença n.º ..).
17. Em resposta a tal solicitação, em 06 de Agosto de 2010 a Ré foi notificada pela Policia de Segurança Publica nos seguintes termos:
“Reportando-me à correspondência mencionado em epígrafe, informo V.Exa. de que a Licença n.º .., emitida ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 231/98, está cancelado desde 2004/04/04.
Face ao exposto essa empresa está impossibilitada de exercer a actividade de segurança privada”.
Caso pretendam solicitar a emissão da licença prevista no artigo 22.º do Decreto Lei n.º 35/2004 de 21/02, devem preencher o requerimento – modelo anexo, o qual deve ser devolvido a este Departamento acompanhado da documentação estabelecida no artigo 25.º deste normativo legal.”.
18. A R., em 06 de Agosto de 2010, com vista à renovação do cartão de Vigilante, enviou para a Polícia de Segurança Pública os processos relativos a diversos trabalhadores incluindo os aqui AA.
19. Em 14 de Outubro de 2010 a R. foi notificada pela Policia de Segurança Publica nos seguintes termos:
“A Licença n.º .., emitida ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 231/98, está cancelada desde 2004/04/04 motivo pelo qual a empresa está impossibilitada de exercer a actividade de segurança privada.
Face ao exposto, junto se devolvem os processos de renovação de cartão profissional de vigilantes, que apenas podem ser actualizados após essa empresa voltar a ser detentora da nova Licença estabelecida no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21/02.
Alerto V.Exa. para o facto de que até à data da emissão da referida Licença, essa empresa está obrigada a celebrar contrato com uma empresa de segurança privada, de molde a que possam manter nas vossas instalações o serviço de vigilância”.
20. Constatando que existia um fundamento objectivo para a extinção do posto de trabalho dos Vigilantes ao seu serviço, a R. encetou diálogo com os 14 trabalhadores que se encontravam nesta situação.
21. A Ré chamou todos os trabalhadores à sede da Empresa incluindo os AA.
22. Reuniu com cada um dos trabalhadores individualmente, tendo explicado a cada um deles que, estando verificados os requisitos necessários para a extinção do posto de trabalho, seria possível que a cessação do contrato fosse feita de imediato não sendo assim necessário aguardar pelo cumprimento do limite máximo de 80 trabalhadores por triénio.
23. Mais explicou a R. a cada um deles que a indemnização a receber seria a mesma quer receberiam no âmbito da cessação por mútuo acordo, tendo em conta a nova realidade e que resultava numa redução do valor da indemnização de um salário e meio para um salário.
24. Em 9 de Novembro de 2011 a R. dirigiu aos AA. as comunicações escritas pelas quais deu início a um procedimento para despedimento dos AA., por extinção dos seus postos de trabalho.
25. Nesse documento a R. comunico aos AA. que “Em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho nos termos do nº1 do art. 369º do Código do Trabalho, pelas razões descritas no documento que se anexa, somos forçados a pôr termo à sua relação de trabalho com a empresa vindo comunicar a intenção de proceder ao seu despedimento”.
26. As razões descritas no anexo prendem-se com o facto de a R. ter sido então informada pela PSP que não podia exercer a actividade de segurança privada uma vez que não reunia as condições exigidas pelo DL nº 35/2004, de 21 de Fevereiro.
27. A R. comunicou igualmente à Comissão dos Trabalhadores a necessidade de extinguir os postos de trabalho.
28. A Ré comunicou também formalmente a cada um dos trabalhadores a extinção do posto de trabalho em cumprimento do artigo 371.º do Código de Trabalho.
29. Nem os trabalhadores, nem a dita Comissão emitiram qualquer parecer desfavorável ao referido despedimento.
30. Os AA. solicitaram a antecipação da cessação dos seus contrato de trabalho para o dia 05 de Dezembro de 2011, alegando motivos de conveniência pessoal.
31. Tal solicitação ocorreu em virtude de ter constado que as cessações dos contratos de trabalho nesses termos seriam penalizadas tributariamente em termos mais desfavoráveis no ano de 2012.
32. A Ré pôs ao dispor dos trabalhadores a devida compensação que foi recebida e aceite por todos.
33. Os AA. assinaram os recibos de encerramento de contas, que foram elaborados pela R. e lhes foi apresentado, declarando expressamente que “Com o recebimento da indicada quantia, dou total quitação à C…, S.A., nada mais me sendo devido, a qualquer título, nomeadamente de complementos da retribuição de base, sejam quais forem.”.
34. Até Abril de 2011, os AA. tiveram a expectativa que os seus contratos iriam cessar nos termos do procedimento referido no ponto 5. e nas condições aí referidas.
35. Até então, os AA. prepararam-se, a si e respectivas famílias e projectaram os anos seguintes da sua vida no pressuposto do montante indemnizatório que lhes fora assegurado pela R.
36. A forma como afinal viria a efectivar-se a cessação dos seus contratos de trabalho causou nos AA. total surpresa e desorientação.
37. Os AA. sentem insegurança, medo e muita preocupação pela situação em que se encontram, o que é agravado pela redução significativa do valor da compensação que receberam da R.
38. A comunicação da R. no sentido em que os seus contratos de trabalho iriam cessar por despedimento provocou nos AA. preocupação, desgosto, desilusão e tristeza.
◊◊◊
2.
DO OBJECTO DO RECURSO
◊◊◊
2.1.
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Alegam os Recorrentes que a sentença é nula por omissão de pronúncia – artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC - uma vez que, nas suas palavras, “ Os AA. assentaram a causa de pedir da presente ação na responsabilidade pré-contratual da R. resultante do facto desta ter frustrado unilateralmente e com ofensa das exigências da boa fé, as legitimas expectativas por si criadas nos AA. Ora recorrentes, durante todo o período das negociações efetuadas com vista ao acordo de cessação dos respetivos contratos de trabalho.
O Meritíssimo Juiz não decide esta questão colocada pelos AA., ora recorrentes e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução que foi entendido dar ao litígio.”
Decidindo:
O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, refere que:
1- É nula a sentença quando:
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar […]”.

A aludida nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando do nº 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil, servindo de cominação ao seu desrespeito, só ocorrendo quando o juiz não conheça de questões essenciais para dirimir o litígio que as partes tenham submetido à sua apreciação, questões essas traduzidas no binómio “pedido/causa de pedir” e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras.
Trata-se, como salienta MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[1], do “...corolário do princípio da disponibilidade objectiva que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …”.
Questões para os efeitos desta nulidade são “[...] todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”[2] e não podem confundir-se “[...] as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão”[3].
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[4] afirma, ainda, que” [o] tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. [...].
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. [...]. Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder.”

Os Apelantes entendem que esta nulidade se verifica, isto porque, referem, Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da responsabilidade pré-contratual resultante do facto de a Ré ter frustrado unilateralmente e com ofensa das exigências da boa-fé, as legítimas expectativas por si criadas nos Autores.
Compulsando a sentença logo se constata que não assiste razão aos apelantes, na medida em que o Tribunal se pronuncia sobre a questão.
Vejamos, então, os segmentos da sentença onde tal questão se encontra apreciada:
“5. A tese dos autores vai no sentido de a ré não ter actuado de boa-fé, frustrando de modo ilegítimo as legítimas expectativas dos autores em como iriam receber uma vez e meia a respectiva retribuição, no cálculo das indemnizações que a ré se propunha inicialmente pagar-lhes.
9. Aceita-se que a expectativa dos autores, entre Março de 2010 e Outubro/Novembro de 2011, em como iriam receber como contrapartida da cessação dos seus contratos de trabalho um salário e meio, se cristalizou e se consolidou ao longo desse período de tempo.
10. No entanto, era apenas uma expectativa; a ré não firmou com eles como que um contrato-promessa, pelo qual se vinculava a pagar-lhes futuramente aquele montante compensatório.
14. Note-se que essa expectativa dos demandantes era legítima na medida em que assentava em uma promessa da sua entidade empregadora no sentido de virem a receber uma retribuição e meia por cada ano de antiguidade.
15. Porém, não podiam crer que tal expectativa se iria, inexoravelmente, transformar numa realidade, pois, desde logo, lhes foi expressamente comunicado por escrito que a sua concretização dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 11.).”
Sendo assim, inexiste qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia, improcedendo, nesta parte, o recurso.
◊◊◊
2.2.
DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

2.2.1.
Alegam os recorrentes que que foram incorretamente julgados os pontos 10., 12. e 34. da matéria de facto dada como provada e ponto A da matéria dada como não provada.

Vejamos, pois.
2.2.2.
Ponto 10
Este ponto tem o seguinte conteúdo:
“Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, tal aceitação dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (artigo 10º do DL nº 220/2006);
Os apelantes pretendem que o mesmo passe a ter a seguinte redacção:
“Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, a data específica definitiva da rescisão do contrato dependeria da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (artigo 10º do DL nº 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais.”

Este ponto 10 é uma sequência do ponto 9, cujo tem o seguinte teor:
“Através de ofício da Presidente do Conselho de Administração, Sra. Dra. I…, datado de 22 de Março de 2010, a R. comunicou individualmente a cada um dos trabalhadores cuja candidatura foi aceite – entre os quais aos AA. - o seguinte:
“Na sequência da sua candidatura a uma rescisão por mútuo acordo do seu contrato de trabalho com a empresa, vimos por este meio informá-lo de que o seu pedido foi aceite.”.

Daqui resulta que quer o ponto 9, quer o ponto 10 refletem o teor da comunicação feita aos apelantes através de ofício da Presidente do Conselho de Administração, Sra. Dra. I…, datado de 22 de Março de 2010. Daí aparecer no ponto 10 a expressão “Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA que…”.
O Tribunal a quo fez um resumo do teor desse ofício. Para se evitarem quaisquer más interpretações ou dúvidas sobre o teor do documento em causa, deve-se dar o seu conteúdo como reproduzido.

Assim sendo, o ponto 10 passa a ter a seguinte redacção:
Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos Autores que:
“Tal não significa porém que a rescisão se possa efectuar num prazo curto ou que possa ser de imediato estabelecida a data especifica definitiva em que ela venha a ser concretizada.
O que acaba de se afirmar deriva, por um lado, da imposição, bem conhecida, de um número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006), por outro da necessidade de reestruturar as áreas no sentido de que a transição decorra sem sobressaltos e finalmente, das possibilidades orçamentais.
A empresa aguarda resposta a um pedido que formulou para flexibilização das condições de aplicação impostas pelo Decreto-Lei acima referido, cuja eventual aceitação afectará, necessariamente, o ritmo de concretização das rescisões.
Por não existir qualquer garantia de que este pedido seja aceite, a empresa está a preparar um cronograma de saídas para a situação normal do limite imposto, que tornará publico no mais breve prazo possível”

2.2.3.
Ponto 12
Este ponto tem o seguinte conteúdo:
“Em data não concretamente apurada, posterior a Abril de 2011, a tutela da R. emitiu instruções que lhe dirigiu, bem como às empresas congéneres do sector empresarial do Estado, no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção”.

Os apelantes pretendem que se dê como não provada a matéria de facto nele constante.

Ponto 34
Este ponto tem o seguinte conteúdo:
“Até Abril de 2011, os AA tiveram a expectativa que os seus contratos iriam cessar nos termos do procedimento referido no ponto 5. e nas condições aí referidas.”

Os apelantes pretendem que o mesmo passe a ter a seguinte redacção:
“Até Novembro de 2011, os AA tiveram a expectativa que os seus contratos iriam cessar nos termos do procedimento referido no ponto 5. e nas condições aí referidas.”

Como é sobejamente conhecido, discordando os apelantes da matéria de facto dada como provada e não provada, terão que dar cumprimento a determinadas normas.
Assim:
Dispõe o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Deste normativo decorre que, sob pena de rejeição do recurso, nesta parte, como é óbvio, deve a apelante especificar:
— os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
— os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada;
— A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas,
e
— indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
ABRANTES GERALDES[5] alega que sempre que o recurso envolva impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
E mais adiante acrescenta[6], “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes circunstâncias:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios perícias, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.”

Tal ónus de impugnação deve ser cumprido, não só nas alegações, mas também nas conclusões do recurso[7], pois são elas que delimitam o respectivo objecto, embora tal matéria deva ser fundamentada na alegação.
Se olharmos para as alegações e conclusões do recurso dos recorrentes logo constamos que os mesmos não deram minimamente cumprimento aos indicados ónus alegatórios.
Como se salienta no Acórdão desta Secção Social de 15/04/2013[8] «[n]a impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “ de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.”».
Na verdade, apesar de terem indicado quais os concretos pontos de facto que pretende que sejam alterados e os meios de prova em que se fundam para sustentar a sua pretensão, a verdade é verificamos que os Recorrentes não indicaram com exactidão as passagens da gravação em que se fundam.
Na verdade, os mesmos limitam-se a dizer que:
“Ocorreu a gravação dos depoimentos das testemunhas e nenhuma das testemunhas da R., G… ou H… souberam reproduzir as ditas instruções recebidas da tutela, tendo-se uma e outra limitado a referências genéricas a instruções da tutela cujo conteúdo não se apuraram se é que existiram.”
“Com o devido respeito, não se apresentam credíveis os depoimentos das duas testemunhas da R. nesta matéria, sendo patente que as mesmas utilizaram as ditas “instruções da tutela”, que ninguém conhece, nem mesmo o Tribunal, e que não existe, como causa superveniente, justificativa da alteração das condições de rescisão dos contratos.”
“Sempre com o devido respeito a convicção do Meritíssimo Juiz “a quo”, quanto a este facto provado e respetiva fundamentação não tem suporte razoável no que resulta da gravação dos depoimentos daquelas testemunhas, em conjugação com os demais elementos probatórios que os autos fornecessem, designadamente da acta do Conselho de Administração da R., de 13/12/2011 e tendo presente a total ausência de corporização das ditas instruções que, a existirem, teriam necessariamente de constar de documento escrito.”

Das alegações e conclusões apenas resulta que os recorrentes, como salienta o Exº Sr.º Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, “duma forma genérica, abstracta e vaga dizem que os depoimentos das testemunhas não são credíveis mas não especificam ou concretizam com as passagens da gravação em que isso se verifica.
Esta individualização e esta concretização constituem um ónus do recorrente e não um ónus do tribunal de recurso.”
Assim, atenta a inobservância do disposto na alínea b) do nº 1 e na alínea a) do nº 2 ambos do artigo 640º do CPC, rejeita-se o recurso quanto à decisão da matéria de facto em apreço.
2.2.4.
Alegam ainda os recorrentes que a matéria de facto dada como provada sob os pontos 10. e 12. dos factos provados tem um conteúdo conclusivo e, por tal razão, as respostas dadas deverão ter-se por não escritas.

2.2.4.1.
O ponto 10. tem o seguinte conteúdo:
Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos AA. que apesar de terem sido aceites os pedidos deles, tal aceitação dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo.

Este ponto 10. já foi objecto de apreciação – cfr. Item 2.2.2. – tendo sido dado a seguinte redacção:
«Mais referiu a R. nessa comunicação dirigida aos Autores que:
“Tal não significa porém que a rescisão se possa efectuar num prazo curto ou que possa ser de imediato estabelecida a data especifica definitiva em que ela venha a ser concretizada.
O que acaba de se afirmar deriva, por um lado, da imposição, bem conhecida, de um número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006), por outro da necessidade de reestruturar as áreas no sentido de que a transição decorra sem sobressaltos e finalmente, das possibilidades orçamentais.
A empresa aguarda resposta a um pedido que formulou para flexibilização das condições de aplicação impostas pelo Decreto-Lei acima referido, cuja eventual aceitação afectará, necessariamente, o ritmo de concretização das rescisões.
Por não existir qualquer garantia de que este pedido seja aceite, a empresa está a preparar um cronograma de saídas para a situação normal do limite imposto, que tornará publico no mais breve prazo possível”».

Assim sendo, a questão encontra-se resolvida, pelo que seria de todo despiciendo estarmos aqui a repetirmo-nos.
2.2.4.2.
Por sua vez, o ponto 12. reza assim:
Em data não concretamente apurada, posterior a Abril de 2011, a tutela da R. emitiu instruções que lhe dirigiu, bem como às empresas congéneres do sector empresarial do Estado, no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção.

Salvo o devido respeito, entendemos que a matéria em causa é perfeitamente perceptível e minimamente concretizada. Se é certo que podemos dizer que não se referem quais as instruções concretamente em causa, a verdade é que essas instruções se dirigem a factos concretos: “no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção.”. E, salvo o devido respeito, este segmento está devidamente concretizado.
Assim sendo, indefere-se o requerido, improcedendo, também, nesta parte, o recurso.
◊◊◊
2.3.
RESPONSABILIDADE PRÉ CONTRATUAL DA RÉ RESULTANTE DE TER FRUSTRADO UNILATERALMENTE E COM OFENSA DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, AS LEGÍTIMAS EXPECTATIVAS QUE CRIOU NOS AUTORES/RECORRENTES, DURANTE TODO O PERÍODO DAS NEGOCIAÇÕES EFECTUADAS COM VISTA AO ACORDO DE CESSAÇÃO DOS RESPECTIVOS CONTRATOS DE TRABALHO

Alegam os recorrentes que tanto aos AA./recorrentes, como aos demais trabalhadores cujo contrato terminou por efeito de rescisão por mútuo acordo, celebrado na sequência do programa de saídas voluntárias, também com efeitos a 5 de Dezembro de 2011, a R. indemnizou ao arrepio das condições propostas no programa de saídas voluntárias.
Os AA não fundaram a sua pretensão indemnizatória nas regras desta figura jurídica nem pretendiam ver reconhecida a nulidade do despedimento.
Os AA., ora recorrentes, pretendem ver reconhecido que a) A proposta amplamente divulgada, dirigida pela R. aos AA para se candidatarem ao programa de saídas voluntárias, conforme pontos 4. e 6. Dos factos provados;
b) As condições oferecidas pela R. aos trabalhadores que se candidatassem a esse programa, constantes do ponto 5. dos factos provados;
c) A aceitação pelos AA das condições oferecidas pela R. e sua consequente candidatura (pontos 7 e 8);
d) A posterior comunicação escrita dirigida aos AA, que as suas candidaturas foram aceites (ponto 9), (contrariamente do que sucedeu a outros trabalhadores a quem foi comunicado que as candidaturas não foram aceites ou que as candidaturas voltariam a ser avaliadas mais tarde, como resulta dos documentos juntos pelos AA a fls…, constituídos por comunicações dirigidas a trabalhadores cujas candidaturas ao programa de saídas voluntárias não foram aceites); que criaram nos AA a convicção, “depois de receberem essa declaração escrita da R., que ficara definitivamente assente que os seus contratos de trabalho iriam cessar por mútuo acordo e nas condições de rescisão contratual unilateralmente propostas pela R. e aceites por aqueles” (cit. ponto 11), constituíram declarações suscetíveis de gerar na esfera jurídica dos AA uma situação de confiança justificada, merecedora da tutela do direito.
Entendem os AA ora recorrentes que a atuação da R., transparente e sistematizada, desde o início do procedimento até ao envio da comunicação de aceitação aos AA. (pontos 4 a 10 dos factos provados), corresponde a um processo de negociação que atingiu um estado categoricamente avançado - para não dizer concluído – que criou nos AA expectativas legítimas na consumação “do negócio”, no caso, do acordo de rescisão do contrato nas condições propostas e mantidas no decurso de todo o procedimento, e mesmo após a sua conclusão, expectativas que não poderiam ser ilegitimamente frustradas.
A sentença recorrida decidiu da seguinte forma:
“3. Percorrendo a matéria de facto provada, verifica-se que, na verdade, em Janeiro de 2010 a entidade empregadora anunciou um denominado Programa de Apoio a Saídas Voluntárias (pontos 4. e 6. dos factos provados), através do qual seria paga uma indemnização no valor de 1,5 vezes o valor da retribuição mensal, considerando a remuneração base acrescida das componentes fixas, por cada ano de trabalho, até ao limite máximo €200.000,00 (ponto 5.).
4. Mais se demonstrou que os AA., tendo apresentado a sua adesão a esse programa e tendo as suas candidaturas sido aceites em Março de 2010 (pontos 7. e 8.), vieram a ser despedidos por extinção dos seus postos de trabalho em finais de 2011 (pontos 24., 28., 30. e 31.), tendo cada um deles sido indemnizado à razão de um salário por ano de antiguidade ou fracção (ponto 23.).
5. A tese dos autores vai no sentido de a ré não ter actuado de boa-fé, frustrando de modo ilegítimo as legítimas expectativas dos autores em como iriam receber uma vez e meia a respectiva retribuição, no cálculo das indemnizações que a ré se propunha inicialmente pagar-lhes.
6. Neste particular importa atentar que os AA. Não podiam desconhecer que a aceitação, pela R., das suas candidaturas àquele Programa de Apoio a Saídas Voluntárias dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 10.).
7. É certo que, até Abril de 2011 as cessações de contratos de trabalho por mútuo acordo realizadas entre a R. e trabalhadores ao seu serviço foram calculadas à razão de 1,5 vezes o valor da retribuição mensal, considerando a remuneração base acrescida das componentes fixas, por cada ano de trabalho, até ao limite máximo €200.000,00 (ponto 13.), mas também não é menos exacto que, a partir dessa data nenhum trabalhador acordou na cessação do seu contrato de trabalho com a R. com uma indemnização superior a uma retribuição base mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção (ponto 14.).
8. Por outro lado, considerando as funções desempenhadas pelos autores na ré (de guarda/vigilante: ponto 15.) e a impossibilidade legal desta em exercer a actividade de segurança privada (nos termos do DL 35/04, de 21.FEV), a extinção dos postos de trabalho dos autores era inevitável (pontos 16. a 19.).
9. Aceita-se que a expectativa dos autores, entre Março de 2010 e Outubro/Novembro de 2011, em como iriam receber como contrapartida da cessação dos seus contratos de trabalho um salário e meio, se cristalizou e se consolidou ao longo desse período de tempo.
10. No entanto, era apenas uma expectativa; a ré não firmou com eles como que um contrato-promessa, pelo qual se vinculava a pagar-lhes futuramente aquele montante compensatório.
11. Aliás, os autores prosseguiram, até Dezembro de 2011, a sua actividade profissional ao serviço da demandada enquanto guardas/vigilantes, nas diversas estações de recolha da sua entidade empregadora.
12. Não se verificou qualquer alteração na sua actividade profissional em função da aceitação expressa da R. da respectiva adesão àquele Programa de Apoio a Saídas Voluntárias.
13. Pelo contrário, se porventura os demandantes, na sequência dessa aceitação da sua entidade empregadora, tivessem, por ex., suspendido as respectivas prestações laborais com redução das suas remunerações (ao abrigo do disposto nos art.ºs 298.º e 305.º, n.º 1, al. a) do C. Trabalho, na redacção da Lei 7/09, de 12.FEV), aí sim, teriam direito a ver juridicamente tutelada a sua expectativa legítima em receber o prometido mês e meio de salário.
14. Note-se que essa expectativa dos demandantes era legítima na medida em que assentava em uma promessa da sua entidade empregadora no sentido de virem a receber uma retribuição e meia por cada ano de antiguidade.
15. Porém, não podiam crer que tal expectativa se iria, inexoravelmente, transformar numa realidade, pois, desde logo, lhes foi expressamente comunicado por escrito que a sua concretização dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 11.).
16. Acresce que, como já anteriormente se referiu, a partir de Abril de 2011 – na sequência de instruções da tutela da R., no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção (ponto 12.) - nenhum trabalhador acordou na cessação do seu contrato de trabalho com a R. com uma indemnização superior a uma retribuição base mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção (ponto 14.).
18. Por isso, aquela expectiva dos autores – e o convencimento deles depois de receberem a comunicação escrita da R., referida no ponto 10., que ficara definitivamente assente que os seus contratos de trabalho iriam cessar por mútuo acordo e nas condições de rescisão contratual unilateralmente propostas pela R. e aceites por aqueles (ponto 11.) – sofreu a partir dessa altura uma forte redução (ponto 34.).
19. Depois, o que os autores vieram a receber como indemnização pelo seu despedimento foi rigorosamente idêntico ao que receberiam caso viessem a cessar por mútuo acordo os seus contratos de trabalho, no momento em que tal despedimento ocorreu: uma retribuição equivalente a um mês de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção.
20. Reitera-se assim o que se referiu já anteriormente: a pretensão dos autores mereceria pleno acolhimento caso tivessem - na sequência da aceitação expressamente comunicada da sua entidade empregadora – alterado a sua prestação laboral na expectativa da futura cessação por acordo dos seus contratos de trabalho.
Não foi esse, porém, o caso, pelo que não podem haver as diferenças retributivas que reclamam.”

Adiantamos desde já que concordamos com o decidido na sentença recorrida, o qual se coaduna aos factos provados e ao direito. De qualquer forma sempre adiantaremos o seguinte:
Dispõe o nº 1 do artigo 227º do Código Civil que «quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte».
Dando aqui reproduzido o Acórdão da Relação de Lisboa de 15/03/2012[9] diremos que «[a] responsabilidade pré-contratual radica, assim, na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de certos comportamentos, assim agrupados: deveres de protecção, deveres de informação e deveres de lealdade.
Os primeiros – deveres de protecção - impõem que naquela fase a parte tome todas as medidas para que não ocorram danos pessoais ou patrimoniais à contraparte, isto porque as negociações preliminares colocam, por vezes as partes à mercê uma da outra.
Os deveres de informação obrigam a que aquando a busca do eventual contrato, as partes, pela positiva, se prestem mutuamente todas as informações necessárias para a boa conclusão do negócio e, pela negativa, se abstenham de quaisquer artifícios ou enganos que possam induzir em erros ou equívocos.
Finalmente, os deveres de lealdade obrigam as partes a uma conduta que previna quebras da confiança uma na outra, consistente, na perspectiva positiva que uma vez iniciadas as negociações prossigam sem interrupções arbitrárias contrárias às expectativas criadas e, pela negativa que as negociações não sejam utilizadas para efeitos a ela estranho, designadamente para paralisar a concorrência ou beneficiar terceiros.
Daí que sejam considerados pressupostos de facto da responsabilidade pré-contratual a criação de uma razoável confiança na conclusão de um contrato;
o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
a produção de um dano no património de uma das partes; e
a relação de causalidade entre este dano e a quebra da confiança exigida.
Por conseguinte, desde que as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoáveis da sua conclusão e celebração do contrato, a ruptura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
Mas é evidente que as partes não concluem o negócio logo no primeiro encontro. Antes vão progredindo nas negociações, com avanços e recuos (proposta e contrapropostas) tendo como escopo final a outorga de um contrato definitivo. Se essas negociações se destinam ao contrato definitivo, mas têm como objecto imediato, ou de trânsito, ainda só um contrato-promessa, a ruptura das negociações preliminares, embora possa pôr em causa a boa-fé e a lealdade exigível aos contratantes devem, para efeitos indemnizatórios, ser entendidas como reportadas a esse contrato, uma vez que a dogmática do incumprimento do contrato promessa é diferente, designadamente em termos sancionatórios, do incumprimento no contrato definitivo.
Ou seja, a ruptura, sem justificação das negociações contratuais, que tenham por objecto imediato um contrato-promessa, não podem considerar-se tão gravosas como as reportadas ao contrato definitivo, sob pena de se limitar irrazoavelmente a liberdade de contratar, sobretudo quando estejam em causa contratos, como a compra e venda de imóveis, cuja exigência formal foi (e continua a ser) legalmente imposta por ditames de ponderação e segurança.”

Ora, no caso em apreço, é verdade que se pode dizer que os recorrentes tinham a expectativa de fazerem cessar os seus contratos de trabalho celebrados com a recorrida por mútuo acordo e que iriam receber, como contrapartida dessa cessação, uma indemnização correspondente a uma retribuição e meia por cada ano de antiguidade, tendo em conta que estes trabalhadores aceitaram a proposta nesse sentido formulada pela recorrida. Todavia, se essa expectativa havia, não podiam os trabalhadores, como se refere na sentença recorrida, «crer que tal expectativa se iria, inexoravelmente, transformar numa realidade, pois, desde logo, lhes foi expressamente comunicado por escrito que a sua concretização dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 11.).»
Sabiam, pois, os autores que as suas expectativas apenas se tornariam realidade se se verificassem os referidos requisitos ou pressupostos. E se é verdade que tais expectativas se mostraram intactas até Abril de 2011, a partir dessa data as mesmas caíram por terra. E esse desmoronamento não pode ser imputado a qualquer comportamento menos correcto ou inadequado da recorrida, que de forma negligente ou dolosa tenham traído injustificadamente as expetativas negociais geradas nos recorrentes e violador das regras da boa-fé imposta a qualquer contratante médio colocado na sua posição jurídica.
Na verdade, conforme se salienta na sentença recorrida:
“A partir de Abril de 2011 – na sequência de instruções da tutela da R., no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção (ponto 12.) - nenhum trabalhador acordou na cessação do seu contrato de trabalho com a R. com uma indemnização superior a uma retribuição base mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção (ponto 14.).
Por isso, aquela expectiva dos autores – e o convencimento deles depois de receberem a comunicação escrita da R., referida no ponto 10., que ficara definitivamente assente que os seus contratos de trabalho iriam cessar por mútuo acordo e nas condições de rescisão contratual unilateralmente propostas pela R. e aceites por aqueles (ponto 11.) – sofreu a partir dessa altura uma forte redução (ponto 34.).
Depois, o que os autores vieram a receber como indemnização pelo seu despedimento foi rigorosamente idêntico ao que receberiam caso viessem a cessar por mútuo acordo os seus contratos de trabalho, no momento em que tal despedimento ocorreu: uma retribuição equivalente a um mês de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção.”
Por outro lado, ficou ainda provado que:
A partir de Abril de 2011 nenhum trabalhador acordou na cessação do seu contrato de trabalho com a R. com uma indemnização superior a uma retribuição base mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção.
Desempenhavam os AA., à data da cessação dos seus contratos de trabalho, as funções de guarda/vigilante das várias estações de recolha da ré.
A R., em 20 de julho de 2010, enviou para a Polícia de Segurança Pública uma carta a solicitar esclarecimentos relativos à Licença … (atividade de Segurança Privada Licença n.º ..).
Em resposta a tal solicitação, em 06 de Agosto de 2010 a Ré foi notificada pela Policia de Segurança Publica nos seguintes termos:
“Reportando-me à correspondência mencionado em epígrafe, informo V.Exa. de que a Licença n.º .., emitida ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 231/98, está cancelado desde 2004/04/04.
Face ao exposto essa empresa está impossibilitada de exercer a actividade de segurança privada”.
Caso pretendam solicitar a emissão da licença prevista no artigo 22.º do Decreto Lei n.º 35/2004 de 21/02, devem preencher o requerimento – modelo anexo, o qual deve ser devolvido a este Departamento acompanhado da documentação estabelecida no artigo 25.º deste normativo legal.”.
A R., em 06 de Agosto de 2010, com vista à renovação do cartão de Vigilante, enviou para a Polícia de Segurança Pública os processos relativos a diversos trabalhadores incluindo os aqui AA.
Em 14 de Outubro de 2010 a R. foi notificada pela Policia de Segurança Publica nos seguintes termos:
“A Licença n.º .., emitida ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 231/98, está cancelada desde 2004/04/04 motivo pelo qual a empresa está impossibilitada de exercer a actividade de segurança privada.
Face ao exposto, junto se devolvem os processos de renovação de cartão profissional de vigilantes, que apenas podem ser actualizados após essa empresa voltar a ser detentora da nova Licença estabelecida no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21/02.
Alerto V.Exa. para o facto de que até à data da emissão da referida Licença, essa empresa está obrigada a celebrar contrato com uma empresa de segurança privada, de molde a que possam manter nas vossas instalações o serviço de vigilância”.
Constatando que existia um fundamento objectivo para a extinção do posto de trabalho dos Vigilantes ao seu serviço, a R. encetou diálogo com os 14 trabalhadores que se encontravam nesta situação.
A Ré chamou todos os trabalhadores à sede da Empresa incluindo os AA.
Reuniu com cada um dos trabalhadores individualmente, tendo explicado a cada um deles que, estando verificados os requisitos necessários para a extinção do posto de trabalho, seria possível que a cessação do contrato fosse feita de imediato não sendo assim necessário aguardar pelo cumprimento do limite máximo de 80 trabalhadores por triénio.
Mais explicou a R. a cada um deles que a indemnização a receber seria a mesma quer receberiam no âmbito da cessação por mútuo acordo, tendo em conta a nova realidade e que resultava numa redução do valor da indemnização de um salário e meio para um salário.
Em 9 de Novembro de 2011 a R. dirigiu aos AA. as comunicações escritas pelas quais deu início a um procedimento para despedimento dos AA., por extinção dos seus postos de trabalho.
Nesse documento a R. comunico aos AA. que “Em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho nos termos do nº1 do art. 369º do Código do Trabalho, pelas razões descritas no documento que se anexa, somos forçados a pôr termo à sua relação de trabalho com a empresa vindo comunicar a intenção de proceder ao seu despedimento”.
As razões descritas no anexo prendem-se com o facto de a R. ter sido então informada pela PSP que não podia exercer a actividade de segurança privada uma vez que não reunia as condições exigidas pelo DL nº 35/2004, de 21 de Fevereiro.
A R. comunicou igualmente à Comissão dos Trabalhadores a necessidade de extinguir os postos de trabalho.
A Ré comunicou também formalmente a cada um dos trabalhadores a extinção do posto de trabalho em cumprimento do artigo 371.º do Código de Trabalho.
Nem os trabalhadores, nem a dita Comissão emitiram qualquer parecer desfavorável ao referido despedimento.
Os AA. solicitaram a antecipação da cessação dos seus contrato de trabalho para o dia 05 de Dezembro de 2011, alegando motivos de conveniência pessoal.
Tal solicitação ocorreu em virtude de ter constado que as cessações dos contratos de trabalho nesses termos seriam penalizadas tributariamente em termos mais desfavoráveis no ano de 2012.
A Ré pôs ao dispor dos trabalhadores a devida compensação que foi recebida e aceite por todos.
Os AA. assinaram os recibos de encerramento de contas, que foram elaborados pela R. e lhes foi apresentado, declarando expressamente que “Com o recebimento da indicada quantia, dou total quitação à F…, S.A., nada mais me sendo devido, a qualquer título, nomeadamente de complementos da retribuição de base, sejam quais forem.”.

Resulta assim, que face à não verificação dos requisitos de que dependiam as eventuais cessações por mútuo acordo [a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo – requisitos, repetimos, que os recorrentes tinham conhecimento], nomeadamente, que a partir de Abril de 2011 – na sequência de instruções da tutela da R., no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção, o que levou a que nenhum trabalhador acordou na cessação do seu contrato de trabalho com a R. com uma indemnização superior a uma retribuição base mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, existe causa justificativa que legitima a alteração das condições indemnizatórias propostas.
Além do mais, o argumento de que por via da extinção dos postos de trabalho dos Autores a Ré pretendeu fazer cessar os contratos de trabalho em contrapartida de um valor compensatório substancialmente inferior àquele que se havia previamente comprometido a pagar, o que se consubstancia num resultado ilícito, não é válido. Na verdade, independentemente da verificação ou não dos restantes requisitos de que dependiam a cessação dos contratos dos recorrentes por mútuo acordo (além do relacionado com questões orçamentais do Governo), a verdade é que a extinção dos postos de trabalho dos Autores decorreu dentro de um processo válido e lícito (que não foi posto em causa) e, quer as indemnizações advindas por via deste despedimento, quer as resultantes das cessações por mútuo acordo são precisamente as mesmas.
Ilegítimo seria, na nossa perspectiva, um trabalhador, numa mesma data, receber, pelo mesmo motivo de cessação do contrato, uma indemnização superior a outro trabalhador, quando legalmente é imposta à entidade empregadora um limite máximo dessa indemnização. Nada justificaria tal diferenciação quando o comportamento da empregadora em nada contribuiu para essa diferenciação expectante indemnizatória.

Não vislumbramos no comportamento da recorrida qualquer comportamento abusivo.
Vejamos:
Dispõe o artigo 334.º do Código Civil «[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
O abuso do direito traduz-se, assim, no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça[10].

Fazendo apelo ao estudo do Prof. Doutor ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO intitulado Do Abuso do Direito: Estado das Questões e Perspectivas (Revista da Ordem dos Advogados, ano 2005, II, Setembro de 2005), que se passará a citar, dir-se-á o seguinte.
Os comportamentos típicos abusivos são:
a) venire contra factum proprium;
b) inalegabilidade;
c) suppressio;
d) tu quoque;
e) desequilíbrio.
Analisemos mais detalhadamente a figura do venire contra factum proprium, por ser a que tem relação têm com a situação dos autos.
a) Venire contra factum proprium: «Estruturalmente, o venire contra factum proprium postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire.
O óbice que justificaria a intervenção do sistema residiria na relação de oposição que, entre ambas, se possa verificar.
Há diversas sub-hipóteses. O venire é positivo quando se traduza numa acção contrária ao que o factum proprium deixaria esperar; será negativo caso redunde numa omissão contrária no mesmo factum. Sendo positivo, o venire pode implicar o exercício de direitos potestativos, de direitos comuns ou de liberdades gerais.
O venire só é proibido em circunstâncias especiais. Para as explicar, surgiram duas grandes fundamentações dogmáticas:
- doutrinas da confiança (CANARIS);
- doutrinas negociais (WIELING).
Para as doutrinas da confiança, o venire seria proibido quando viesse defrontar inadmissivelmente uma situação de confiança legítima gerada pelo factum proprium. Para as negociais, o agente ficaria vinculado, em termos negociais, pelo factum proprium em causa; ao perpetrar o venire, estaria a violar a vinculação daí derivada.
Apesar de significativas, as teorias negociais têm dificuldades práticas: afinal, o regime do venire não é o do negócio. Além disso, a ser possível, in concreto, descobrir um verdadeiro negócio, dispensada ficaria toda uma complexa construção em torno da boa-fé e do abuso do direito.
Prevalecem hoje as doutrinas da confiança, as quais têm obtido o apoio da literatura portuguesa interessada.
Na verdade, o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa-fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. Várias razões depõem nesse sentido. Em termos antropológicos e sociológicos, podemos dizer que, desde a sedentarização, a espécie humana organiza-se na base de relacionamentos estáveis, a respeitar. No campo ético, cada um deve ser coerente, não mudando arbitrariamente de condutas, com isso prejudicando o seu semelhante. Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. Ora, a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser tratada como se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual.
A tutela da confiança, embora convincente, só pode operar, na falta de preceitos jurídicos, quando se mostrem reunidos especiais pressupostos. De outro modo, poderíamos transformar a sociedade num colete-de-forças, que prejudicasse as iniciativas individuais necessárias para dar corpo à liberdade e para possibilitar a inovação e o progresso.
Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim:
1.ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.ª A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha» (Prof. Dr. Menezes Cordeiro, obra citada).

Segundo JOÃO BAPTISTA MACHADO,[11] a confiança digna de tutela deve radicar numa conduta de alguém, titular de um direito, que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada conduta futura, de tal modo que a situação de confiança gerada pela anterior conduta do titular do direito conduz, objectivamente, a uma expectativa legítima de que o direito já não será exercido, expectativa que determina aquele contra quem o direito vem a ser invocado a agir, exclusivamente com base na situação de confiança, contra o interesse do titular do direito. Para que «a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro»; para que «se verifique uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o “investimento” [da] contraparte é preciso que esse “investimento” haja sido feito apenas com base na dita confiança», sem o que não se justifica a necessidade de fazer intervir a protecção da confiança; por outro lado, nos casos em que «a base da confiança é uma aparência, ou seja, nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real [...], a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico», exigindo-se da «contraparte que reivindica a protecção da sua boa-fé cuidados tanto maiores quanto mais vultosos forem os “investimentos” (iniciativas, actos de disposição, decisões) feitos com base na confiança. Sobretudo quando circunstâncias particulares façam suscitar dúvidas sobre a verdade da situação aparente».
Da tipologia do abuso de direito sobressai o venire contra factum proprium, que "se traduz, de um modo geral, na pretensão de alguém extinguir certa relação subjectiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer ver à parte contrária (...) que não exercia tal direito"[12].
Como como pressupostos do venire contra factum proprium, este autor aponta:
a) a verificação de uma situação objectiva de confiança: a conduta de alguém que possa ser entendida como vinculante em relação a uma situação futura; (“...o agente fica adstrito a não contradizer o que primeiro fez e disse” – Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, pág. 200.)
b) investimento na confiança e irreversibilidade desse "investimento": a outra parte, com base na situação criada, organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a sua confiança legítima lhe vier a ser frustrada;
c) Boa fé da contraparte que confiou: nos casos de divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, a contraparte só é merecedora de protecção jurídica se estiver de boa fé "(por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precauções usuais ao tráfico jurídico".
Relativamente às invocadas regras da boa fé, o ordenamento jurídico utiliza essa expressão umas vezes com um sentido objectivo ou ético (boa fé objectiva) e outras vezes com um sentido subjectivo ou psicológico (boa fé subjectiva), embora, no dizer de ALMEIDA COSTA[13], se trate de dois ângulos diferentes de encarar ou exprimir a mesma realidade.
O artigo 334.º do Código Civil acolhe a expressão boa fé com um sentido vincadamente ético, o qual se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, «que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos».
Trata-se, em substância, de adoptar a conduta do bonus paterfamilias[14].

No caso em apreço, perante a factualidade apurada, não resulta minimamente que a Ré exerceu abusivamente o direito de fazer cessar os contratos por extinção dos postos de trabalho e que a sua intenção tenha sido a de extinguir os contratos de trabalho em contrapartida de um valor compensatório substancialmente inferior àquele que se havia previamente comprometido a pagar, o que se consubstancia num resultado ilícito.
Em primeiro lugar, se o que está em causa é a licitude ou a ilegalidade da extinção dos contratos de trabalho por extinção do posto de trabalho, então, os recorrentes deveriam ter impugnado judicialmente, com a acção própria, a respectiva licitude.
Em segundo lugar, quer a extinção dos contratos de trabalho tivesse por base a extinção do posto de trabalho ou o mútuo acordo, a indemnização seria a mesma.
Quanto à questão de o valor da indemnização na altura da extinção ser mais baixo do que aquele que as partes acordaram uma fase anterior, já se referiu que tal dependia da verificação de determinados reaquistos, que não ocorrerem, e que a partir de Abril de 2011 – na sequência de instruções da tutela da R., no sentido de a indemnização a pagar a todos os trabalhadores que pretendessem a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo não poderia ser superior ao valor correspondente a uma retribuição base, mais diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade ou fracção.

Por todo o exposto, também é nosso entendimento que inexistem fundamentos que consubstanciem qualquer comportamento violador, por parte da recorrida, das regras de boa-fé a que estava adstrita, razão pela qual não se constituiu a mesma na obrigação de indemnizar os recorrentes pelos eventuais danos sofridos.

Improcede, assim, o recurso.
◊◊◊
3.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas dos recursos ficam a cargo dos recorrentes [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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IV – DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto e, em consequência manter a decisão recorrida.
b) Condenar os Recorrentes no pagamento das custas do respetivo recurso [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 03 de Novembro de 2014
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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[1] Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lisboa, 2ª edição, Lisboa, 1997, págs. 220 e 221.
[2] cfr. A. VARELA in RLJ, Ano 122.º, pág. 112.
[3] cfr. J. ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143.
[4] In ob. cit., págs. 220/221.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo 2103, Almedina, pp.126-127.
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo 2103, Almedina, pp.127-128.
[7] Cfr. JOÃO AVEIRO PEREIRA, in O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, O DIREITO, 2009, Tomo II, a págs. 318 a 320, nomeadamente; e Ac do STJ de 20/11/2003, de 8/3/06, de 13/7/06, disponíveis em www. dgsi.pt
[8] Processo nº 335/10.4TTLMG.P1, in www.dgsi.pt.
[9] Processo nº 3683/05.1TVLSB.L1-6, in www.dgsi.pt.
[10] cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Volume I, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1973, p. 422-423; PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, p. 217
[11] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, p. 416 e segs.
[12] ANTUNES VARELA, Centros Comerciais (Shoping Centers), Natureza Jurídica dos Contratos da Instalação dos Lojistas, 1995, pág. 90.
[13] Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, p.102.
[14] Acórdão do STJ de 28/06/2006, documento nº SJ200606280005704, www.dgsi.pt.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
I - Do artigo 640º do CPC decorre que, sob pena de rejeição do recurso, deve o apelante especificar:
— os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
— os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada;
— A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas,
e
— indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
II - Não tendo a recorrente, quer nas alegações, quer nas conclusões, indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, deve este, nesta parte, ser rejeitado.
III - São pressupostos de facto da responsabilidade pré-contratual a criação de uma razoável confiança na conclusão de um contrato;
o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
a produção de um dano no património de uma das partes;
e a relação de causalidade entre este dano e a quebra da confiança exigida.
Caso as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoáveis da sua conclusão e celebração do contrato, a ruptura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
IV - Na situação em que os recorrentes tinham a expectativa de fazerem cessar os seus contratos de trabalho celebrados com a recorrida por mútuo acordo e que iram receber, como contrapartida dessa cessação, uma indemnização correspondente a uma retribuição e meia por cada ano de antiguidade, todavia, não podiam os trabalhadores, crer que tal expectativa se iria, inexoravelmente, transformar numa realidade, pois, desde logo, lhes foi expressamente comunicado por escrito que a sua concretização dependeria sempre da verificação dos seguintes requisitos: a rescisão teria que cumprir com a imposição do número limite de 80 trabalhadores em cada triénio de acordo com a dimensão da empresa (Art. 10.º do DL n.º 220/2006); necessidade de reestruturar as áreas; possibilidades orçamentais fixadas pelo Governo (ponto 11.).
V - Sabiam, pois, os autores que as suas expectativas apenas se tornariam realidade se se verificassem os referidos requisitos ou pressupostos. E se é verdade que tais expectativas se mostraram intactas até Abril de 2011, a partir dessa data as mesmas caíram por terra. E esse desmoronamento não pode ser imputado a qualquer comportamento menos correcto ou inadequado da recorrida, que de forma negligente ou dolosa tenham traído injustificadamente as expetativas negociais geradas nos recorrentes e violador das regras da boa-fé imposta a qualquer contratante médio colocado na sua posição jurídica.

António José Ramos