Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
515/14.3TBVCD-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO RAMOS LOPES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADES DE JULGAMENTO
FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES PROVISÓRIAS E CAUTELARES
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RP20211215515/14.3TBVCD-G.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As decisões cautelares (art. 5º, c), 35º, nº 2 e 37º, nº 1 da Lei 147/99, de 01/09) devem ser fundamentadas.
II - Na apreciação do cumprimento do dever de fundamentação (ou, por contraponto, da falta de fundamentação) de um despacho não podem deixar de ser ponderados os princípios da adequação e da proporcionalidade – é em função do processo concreto e da particular questão a decidir que deve ponderar-se a eventual ausência de fundamentação do despacho que a decide, ao conceder ou negar a pretensão deduzida pela parte.
III - As decisões cautelares (assim como as provisórias, no âmbito dos processos tutelares cíveis), conceptualmente, revestem natureza sumária, e por isso se impõe que sejam simples (o que não significa ligeireza), com fundamentação forçosamente frugal, ainda que esclarecedora quando às razões valorizadas para concluir pela injunção decretada (seja em vista de convencer as partes quanto ao seu mérito e justeza, seja para demonstrar, no mínimo, que a decisão foi alcançada pela ponderação das regras que ao caso importam).
IV - Tendo a decisão aludido aos factos que considerou e ponderou para a injunção decretada (ainda que os não tenha elencada autónoma e separadamente), não padece de falta de fundamentação (art 615º, nº 1, b) do CPC).
V - A apreciação e conhecimento de questão relativamente à qual à parte não foi facultada pronúncia importa a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, a invocar no recurso dela interposto.
VI - Verificando-se situação enquadrável na alínea c) do art. 5º (e art. 91, nº 1) da LPCJP, impor-se-á, logo que conhecida, que à luz dos princípios da intervenção precoce (art. 4º, c) da LPCJP) e da proporcionalidade e actualidade (art. 4º, e) da LPCJP) se adopte, numa perspectiva cautelar e preventiva, a medida necessária e adequada a acudir à (e remover a) situação de perigo concreta, dando-lhe resposta o mais cedo possível, devendo a mesma conformar-se (e confinar-se) ao estritamente necessário a essa finalidade (e mostrar-se, por isso, o menos invasiva da autonomia e privacidade da família e da criança).
VII - Tendo sido o processo de promoção e protecção instaurado com o propósito de conferir à criança a protecção necessária e adequada para o perigo que para a sua saúde, educação, integridade física, segurança e equilíbrio emocional resultava dos constantes conflitos parentais e, também, conforme alegado, do comportamento agressivo do progenitor para com ela, a agressão que lhe foi infligida pelo progenitor junto do qual a medida de protecção vinha sendo executada consubstancia facto demonstrativo da manifesta inadequação da medida para alcançar os objectivos e fins a que se propunha.
VIII - O superior interesse da criança, enquanto critério decisório, identifica, numa tal situação, de modo inequívoco e claro, o concreto interesse da criança em desfrutar de estabilidade e equilíbrio emocional, de fruir de ambiente livre de violência, desde logo física e infligida pela pessoa junto da qual se vinha executando a medida de promoção e protecção aplicada.
IX - A medida de apoio junto dos pais a executar junto da mãe, cautelarmente determinada, é, assim, a única que se mostra conforme aos princípios orientadores da intervenção (art. 4º da LPCJP) e respeitadora da escolha da criança, adolescente com 14 anos, quanto à medida que melhor se adequa a proporcionar-lhe um ambiente propício ao seu harmonioso desenvolvimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 515/14.3T8VCD-G.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO

Apelante: B… (progenitor).
Apelada: C… (progenitora).
Juízo de família e menores de Vila do Conde (lugar de provimento de Juiz 1) - T. J. da Comarca do Porto.
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Instaurado processo de promoção e protecção por estar em perigo a saúde, a educação, a integridade física, a segurança e o equilíbrio emocional das crianças D…, E… e F…, filhas de B… e de C… (em razão de invocados conflitos parentais constantes e ainda de alegado comportamento agressivo do progenitor para com a F…), foi em 22/04/2021 proferida, nos termos dos artigos 35º, nº 1, a), 36º, 112º e 113º, nº s 2 e 3, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, decisão que homologou o acordo de promoção e protecção dos intervenientes processuais – medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, com a duração de um ano e revisão decorridos seis meses, com obrigação i) de acompanhamento psicológico das crianças, ii) de acompanhamento psicológico dos progenitores, iii) de intervenção do CAFAP por forma a melhorar práticas educativas desajustadas e avaliar o funcionamento familiar nos dois contextos parentais das crianças, iiii) de garantia da frequência escolar das crianças nos respectivos equipamentos escolares, iiiii) do compromisso dos progenitores em garantir às crianças uma ambiente familiar harmonioso, não os sujeitando aos conflitos parentais ou de família alargada e, iiiiii) de os progenitores e as crianças colaborarem e seguirem todas as instruções e orientações da técnica da segurança social e do CAFAP.
Em expediente junto aos autos em 16/06/2021 pela Segurança Social foi dada notícia de ter a F… comparecido naqueles serviços relatando ter sido agredida, física e verbalmente, pelo progenitor, no dia do seu aniversário (12/06/2021), mostrando-se ansiosa e denotando mal estar emocional, sendo sua vontade manter-se a residir com a progenitora, emitindo a técnica responsável pelo acompanhamento da situação parecer no sentido de que a medida aplicada de apoio junto dos pais passasse a ser executada, relativamente à F…, junto da progenitora.
Em atenção ao disposto no art. 62º, nº 2 da LPCJP foi ordenada a notificação da jovem e dos progenitores para se pronunciarem sobre a revisão da medida (informando-os de que se encontrava disponível, para consulta, a informação da segurança social).
Pronunciou-se o progenitor, manifestando-se contra a alteração da medida nos termos propostos, impugnando ter agredido, física ou verbalmente, a F… e sustentando que a progenitora não reúne condições para a acolher.
Entretanto (e para lá de cópia do relatório da perícia de avaliação do dano corporal realizado no âmbito de processo criminal realizada em 16/06/2021, onde se dá nota de que a F… referiu, a propósito da história do evento, ter sofrido agressão com várias bofetadas na hemiface esquerda e no braço direito infligida pelo pai no dia 12/06/2021, apresentando, ao exame objectivo, equimose violácea no terço médio da pálpebra superior esquerda, equimoses ténues azuladas superiormente a ambas as comissuras palpebrais do olho esquerdo e pequena hemorragia conjuntival na transição dos dois quadrantes inferiores, lesões resultantes de traumatismo de natureza contundente, compatível com a história do evento relatada) foi em 27/07/2021 junto aos autos relatório elaborado pela EMAT concernente à situação das três crianças, dando-se nota de se manter a situação de conflito parental grave identificada aquando da avaliação que originou a aplicação da medida de promoção e protecção, referindo-se (sem que a questão tenha aí merecido desenvolvimento) ter-se a relação parental agravado na sequência da situação ocorrida com a F… e noticiada pelo expediente de 16/06/2021, sendo parecer da técnica dever dar-se seguimento às acções definidas no acordo de promoção e protecção (nomeadamente a intervenção do CAFAP no que respeita às competências parentais e ao acompanhamento psicológico), devendo os progenitores ser alvo de avaliação psiquiátrica e psicológica forense, bem como de avaliação de competência parental, sugerindo ainda que também as crianças fossem alvo de avaliação psicológica forense.
Procedeu-se à audição da técnica da EMAT e da F…, sendo aos progenitores expostas, por súmula, as declarações prestadas pela F… e bem assim o teor do relatório social junto aos autos, promovendo o Ministério Público se alterasse provisoriamente a medida de protecção aplicada à F… para medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais a executar junto da mãe, reiterando o progenitor a posição defendida no requerimento que apresentara nos autos (manifestando-se contra a alteração da medida), apos o que foi proferida a decisão que se transcreve:
Nos presentes autos encontra-se aplicada aos meninos D…, E… e F… a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar junto do pai nos termos que constam do acordo subscrito por todos os intervenientes em 22 de abril de 2021.
No decurso da execução de tal medida e por virtude de episódio ocorrido a 12 de junho de 2021, em que alegadamente o pai terá agredido a F…, a jovem passou a residir com a mãe onde tem permanecido.
Da audição da jovem afigurou-se de ter a mesma maturidade e serem credíveis as suas declarações além de que se nos afigurou serem as mesmas genuínas e não influenciadas sendo certo que revelou apenas mágoa e não hostilidade em relação ao pai, figura pela qual claramente sente afeto e respeito e apenas mágoa por sentir que nem sempre é adequadamente tratada por este.
Neste momento, é desejo da F… manter-se em casa da mãe, sendo esse igualmente o parecer por parte da EMAT e do Ministério Público.
A alteração da medida conta porém com oposição expressa por parte do pai, o que a manter-se poderá implicar a necessidade de oportunamente vir a ser designado debate judicial nos termos do disposto n.º 5 al. a) do artigo 114.º da LPCJP.
Por ora, entendendo porém que a situação de facto em que a menor F… se encontra deve ser formalizada, pelo que provisória e cautelarmente determino alterar a medida de promoção e proteção aplicada à menor F…, substituindo-se por agora para medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe.
Determino ainda que dentro de três meses seja apresentado relatório com informação aprofundada da situação da menor F… e também dos menores D… e E….
Mais determino que a EMAT deverá ainda avaliar a situação que está a ocorrer com os convívios, para que os três menores convivam entre eles.
Deve o progenitor diligenciar pela entrega dos documentos e objetos pessoais da menor F…, com articulação e mediação da EMAT.
Solicite ao INML a realização de perícias psicológicas a ambos os progenitores, no sentido de avaliar a capacidade e competências parentais, bem como o modo de funcional psicológico e características de personalidade de cada um dos progenitores.
Irresignado com tal decisão, apela o progenitor defendendo a sua revogação, terminado as suas alegações pela formulação das seguintes conclusões:
1- Da análise da decisão verifica-se inexistência de fundamentação quer no plano fáctico, como no plano jurídico da decisão, nem outrossim foi cumprido o previsto no art. 62, nº 4 da Lei 147/99.
2- A decisão é nula por falta de fundamentação – art. 615, nº 1, al. b) do CPC e art. 62, nº 4 da Lei 147/99.
3- Como também é nula, por violação do art. 85 da Lei 147/99, ao não conceder ao aqui Recorrente o direito ao contraditório.
Mas sem prescindir,
4- A medida agora aplicada não acautela o superior interesse da menor.
5- Porquanto, quer os autos, quer mesmo as informações tanto Segurança Social quer do CAFAP, reconhecem falta de competências à progenitora para o exercício das responsabilidades parentais, a quem neste momento a menor foi entregue.
6- A medida agora aplicada, tem apenas por fundamento, a vontade da menor.
7- A medida agora revista, ainda que a título provisório, constitui uma violação do princípio enunciado no art.4º, al. a) da lei 147/99.
Contra-alegou o Ministério Público em defesa da decisão recorrida, sustentando não padecer das nulidades que lhe são imputadas (designadamente a violação do contraditório, porque na diligência de 25/08/2021 em que foi proferida a decisão apelada foi possibilitada aos progenitores pronúncia sobre o relatório junto aos autos em 27/07/2021) e ser conforme ao superior interesse da F….
Na decisão que admitiu o recurso a Exma. Juíza considerou não se verificar qualquer das nulidades apontadas à decisão apelada.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Considerando as conclusões da apelação (pois por estas se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso), são as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da decisão por falta de fundamentação, factual e jurídica, nos termos do art. 615º, nº 1, b) do CPC,
- da nulidade da decisão por violação do contraditório em razão de não ter sido notificado do relatório social junto aos autos em 27/07/2021,
- da nulidade da decisão por violação do contraditório em razão de não ter sido permitido à sua mandatária estar presente quando foram tomadas declarações à técnica da EMAT,
- do mérito da decisão – acautela ou não a decisão o superior interesse da F….
A delimitação dos themae decidendum emanada das conclusões das alegações da apelante não se impõe a este tribunal em toda a sua extensão.
Uma importante limitação do objecto do recurso resulta da sua própria natureza.
Do recurso deve destrinçar-se a arguição de nulidades processuais, uma vez que o regime das nulidades impõe, em princípio, a sua arguição perante o tribunal onde estas são cometidas.
A nulidade processual (ou nulidade de procedimento, por contraposição à nulidade de julgamento) verifica-se quando existe desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo seguido nos autos, ao qual aquela faça corresponder – embora de modo não expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais[1].
O regime das nulidades secundárias é inteiramente inspirado, nos vários aspectos em que se desdobra, por um são princípio de economia processual[2] – a nulidade de um acto só arrastará consigo a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente; se um acto for nulo apenas numa das suas partes, as partes restantes que dela não dependam, manterão a sua validade; se o vício do acto apenas impedir a produção de determinados efeitos, não serão afectados os restantes efeitos para que o acto seja apto; para a apreciação das nulidades é competente o tribunal onde o processo se encontre ao tempo da reclamação.
A nulidade (e ressalvadas as nulidades principais previstas nos arts. 186º a 194º do CPC) só se verifica quando a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º, nº 1 do CPC), dependendo a sua apreciação e julgamento de invocação por parte do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (arts. 196º, 2ª parte e 197º, nº 1 do CPC).
Do regime legal estabelecido cabe realçar que a arguição de nulidade secundária é feita perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, nos prazos previstos no art. 199º, nº 1 do CPC (cfr. também o art. 149º, nº 1 do CPC), podendo ser arguida perante o tribunal superior no caso de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo para a parte a invocar (art. 199º, nº 3 do CPC).
Fácil concluir que uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, tem de seguir o regime próprio para a sua arguição, não podendo ser atacada através de recurso – sem embargo dos casos em que são de oficioso conhecimento, as nulidades ‘devem ser arguidas pelos interessados perante o juiz’ e é a ‘decisão que vier a ser proferida que poderá ser impugnada por via recursória’ (ainda que tal faculdade sofra agora da limitação estabelecia no nº 2 do art. 630º do CPC – o recurso das decisões proferidas sobre nulidades previstas no nº 1 do art. 195º do CPC só é admissível se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios)[3].
Esta ‘solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projecte na sentença, mas que não se reporte a qualquer das als. do nº 1 do art. 615º’ do CPC – embora ‘afecte a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao juiz reparar as consequências’ extraídas, ainda que com prejuízo da decisão proferida[4].
Nos casos de erro de procedimento, que não de erro de julgamento, deve a parte reclamar (arguir a nulidade), possibilitando ao juiz a sua sanação e não já reagir através da interposição de recurso. Solução traduzida pela máxima ‘dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se’.
A reclamação por nulidade e a impugnação por recurso articulam-se de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia de reclamação. O que pode ser impugnado por via de recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade, e não a nulidade ela mesma, sendo que a perda do direito à impugnação por via de reclamação importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso[5].
Diferente situação ocorre quando se trata de nulidades de oficioso conhecimento (pois que estas ‘constituem sempre objecto implícito do recurso’, podendo ‘ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido’[6]), nos casos relativos às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal superior, caso previsto no nº 3 do art. 199º do CPC e ainda nos casos em que o juiz, ao proferir a decisão, omite formalidade de cumprimento obrigatório, designadamente o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, afigurando-se nestes casos (‘num campo do direito adjetivo em que devem imperar fatores de objetividade e de certeza no que respeita ao manuseamento dos mecanismos processuais’) em que o juiz, ao proferir decisão, ‘se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei’, dever a parte a parte interessada reagir através da interposição de recurso sustentando nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº 1, d) do CPC[7].
Não quadra em qualquer destas situações vindas de referir a arguição feita pelo apelante de que o tribunal recorrido o impediu (à sua mandatária) de estar presente na tomada de declarações à técnica da Segurança Social (assim violando o contraditório).
Em tal segmento recursório não invoca o apelante qualquer erro de julgamento, antes vem arguir um erro de procedimento.
Tal irregularidade, a verificar-se, não constituirá nulidade principal, por não respeitar a qualquer dos vícios expressamente previstos nos artigos 186º a 194º do CPC, sequer nulidade por omissão de formalidade de cumprimento obrigatório que se impusesse ao juiz na prolação da decisão, antes nulidade secundária a ser arguida pela parte, sob pena de sanação[8] (sujeita ao regime de arguição previsto nos art. 195º e 199º, nº 1 do CPC) – arguição que deveria ter sido feita, nos termos do art. 199º, nº 1, 1ª parte do CPC, até ao termo do acto em que ocorreu (o apelante e a sua mandatária encontravam-se presentes na diligência em que foram tomadas declarações à técnica da Segurança Social).
À economia da presente decisão interessa, todavia, realçar que a invocada irregularidade constituirá nulidade de procedimento, que não de julgamento – nulidade que não pode ser arguida mediante recurso, estando assim este tribunal impedido de a apreciar.
Assim, o objecto do recurso, delimitado, por um lado, pelas conclusões das alegações e por outro, pela impossibilidade de ser apreciada a suscitada nulidade secundária, resume-se às demais acima sintetizadas questões.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
A matéria a considerar é a exposto no relatório que precede.
Fundamentação de direito
A. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação
Sustenta o apelante a nulidade da decisão, à luz do art. 615º, nº, 1, b) do CPC (aplicável aos despachos, ex vi art. 613º, nº 3º, do CPC), por não comtemplar fundamentação factual e/ou jurídica.
Arguição que não procede.
Dispõe o art. 615º, nº 1, b) do CPC ser nula a decisão quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Vício reportado à exigência estabelecida no art. 607º, nº 3 do CPC, que impõe ao juiz a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
É inquestionável a necessidade de fundamentação das decisões judiciais – estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação (o que lhes concede o estatuto de decisão judicial, afastando-as da simples injunção ou imposição judicial), e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da CRP, ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei).
O dever de fundamentação das decisões cumpre, em geral, duas funções[9]: i) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, o juízo concordando ou divergente; ii) outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão garantindo a transparência do processo e da decisão.
Necessidade de fundamentação que entronca quer na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, o que torna necessária a explicitação dos fundamentos das decisões como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada (procurando o convencimento das partes mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica), quer na recorribilidade das decisões judiciais, o que implica a necessidade da parte vencida conhecer os fundamentos em que o julgador se baseou para os poder impugnar devidamente[10].
Tal exigência de fundamentação – garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, que com essa justificação modela a fórmula constitucional e o conteúdo de tal exigência – encontra acolhimento e tratamento na lei ordinária.
Além de expressa e especificamente consagrada, em termos gerais, no art. 154º do CPC, mostra-se ainda tal exigência patente em vários preceitos processais civis – v. g., os artigos 607º, nº 3 (quando à fundamentação factual e jurídica da sentença) e 615º, nº 1, b) (que comina com a nulidade os despachos ou sentenças que não observem o dever de fundamentação) do CPC.
Exigência de fundamentação ínsita ao dever de administrar a justiça (art. 152º do CPC e art. 202º, nº 1 da CRP) que dá corpo aos princípios fundamentais de direito – do Estado de direito democrático, do acesso ao direito e aos tribunais, da igualdade de armas e do processo devido em direito.
Corrente, pacífica e recorrente a afirmação de que para que a sentença careça de fundamentação ‘não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito’[11]. Entendimento que, partindo da ideia de que só a falta absoluta de fundamentação pode gerar a nulidade da sentença[12], arreda também do vício o putativo desacerto da decisão (a nulidade da decisão por falta de fundamentação é distinta da fundamentação deficiente ou divergente da pretendida[13]), pois à apreciação da nulidade da decisão por falta de fundamentação não interessa curar do acerto e justeza dos fundamentos elencados na decisão (do seu desacerto, da sua deficiência ou da sua incompletude – ou seja, não está em causa o erro do julgamento, a injustiça da decisão e/ou a sua não conformidade ao direito) – importa apurar, precisamente, se a decisão se mostra fundamentada, ou seja, alicerçada em argumentos que a suportem, independentemente de eles se mostrarem incompletos, deficientes, não convincentes ou mesmo desacertados.
Entendimento que deve matizar-se em vista de conformar as exigências impostas pelo quadro constitucional vigente que impõe um dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art. 205º, nº 1, da CRP), a densificar em concretas previsões normativas, de modo a que os seus ‘destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível’, o que só será conseguido se a decisão for perceptível – e assim que também a ‘fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório’[14]; à ‘falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação.’[15]
Inquestionável que também as decisões cautelares (art. 5º, c), 35º, nº 2, 37º, nº 1 da Lei 147/99, de 01/09 – doravante LPCJP), porque incidem sobre direitos dos sujeitos e interessados, devem ser fundamentadas[16] - a sua recorribilidade (art 123º da LPCJP) comprova-o.
Na apreciação do cumprimento do dever de fundamentação (ou, por contraponto, da falta de fundamentação) de um despacho não podem deixar de ser ponderados os princípios da adequação e da proporcionalidade – é em função do processo concreto e da particular questão a decidir que deve ponderar-se a eventual ausência de fundamentação do despacho que a decide, ao conceder ou negar a pretensão deduzida pela parte.
As decisão cautelares (assim como as provisórias, no âmbito dos processos tutelares cíveis), conceptualmente, revestem natureza sumária, e por isso se impõe que sejam simples (o que não significa ligeireza) – espera-se ponderação adequada e proporcionada à situação que importa acautelar e aos interesses a tutelar, mas exige-se uma decisão pronta, uma justificação circunscrita aos aspectos que ao caso importem e, por isso, forçosamente frugal, ainda que esclarecedora quando às razões valorizadas para concluir pela injunção decretada (seja em vista de convencer as partes quanto ao seu mérito e justeza, seja para demonstrar, no mínimo, que a decisão foi alcançada pela ponderação das regras que ao caso importam).
Na situação concreta trazida em apelação, por mais críticas que possa merecer a sua frugalidade, tem de reconhecer-se que a fundamentação da decisão não é inexistente nem padece de insuficiência que impossibilite os seus destinatários de apreender as razões justificativas – independentemente de ser deficiente, incompleta e/ou não convincente, não pode considerar-se que a fundamentação apresentada seja, de todo em todo, inexistente ou que padeça de deficiência que comprometa a exposição das razões para a decisão tomada (ou que a justificação seja incompreensível).
Reconhecendo-se que a decisão apelada não elencou, autónoma e separadamente (como exigido pela estrutura assinalada para as sentenças e despachos - artigos 607º, nº 3 e 4 e 613º, nº 3 do CPC) os factos que teve por provados e relevantes para a questão a apreciar, não pode recusar-se que a eles aludiu (assim os identificando) ao apresentar a argumentação que teve por pertinente para determinar a alteração da medida de promoção aplicada à F… – enquadrando-o no âmbito da medida de promoção e protecção a que estava (assim como os seus irmãos) sujeita a F…, aludiu ao ‘episódio’ ocorrido em 12 de Junho de 2021, no qual o progenitor a agrediu (sustentando a convicção quanto a tal facto na valorização das declarações da F…, que teve por credíveis e genuínas, não influenciadas por outrem), o que determinou aquela a ir residir com a progenitora, mais referindo ser propósito da F… continuar a viver com a progenitora.
Esta a factualidade considerada pela decisão apelada, factualidade que expõe - não importando falta de fundamentação (para efeitos do art. 615º, nº 1, b) do CPC) a inobservância da estrutura prescrita do art. 607º, nº 3 e 4 do CPC para a indicação da factualidade ponderada.
Igual conclusão (suficiência e inteligibilidade) vale para a fundamentação jurídica da decisão apelada – independentemente de ser frugal (ou mesmo não convincente), interessa por em evidência que é apresentada a razão que determinou o tribunal a introduzir pequena alteração na medida de promoção e protecção: a medida que vinha sendo aplicada era a de apoio juntos dos pais, a executar junto do pai, e porque a F… foi agredida pelo pai e passou a residir com a mãe, pretendendo continuar a viver com esta, entendeu a decisão recorrida justificar-se a alteração.
À apreciação da nulidade da decisão por falta de fundamentação não interessa curar do acerto e justeza dos fundamentos elencados na decisão (do seu desacerto, da sua deficiência ou da sua incompletude – ou seja, não está em causa o erro do julgamento, a injustiça da decisão e/ou a sua não conformidade ao direito) – importa é apurar se a decisão se mostra fundamentada, ou seja, alicerçada em argumentos que a suportem, independentemente de eles se mostrarem incompletos, deficientes, não convincentes ou mesmo desacertados.
A decisão recorrida aludiu (e identificou) a factualidade que teve por relevante e aduziu (bem ou mal, não interessa) que a situação (o facto do pai ter agredido a filha e desta estar a viver com a mãe, manifestando o propósito de com ela continuar a residir) justificava a alteração introduzida no âmbito da execução da medida.
Conclui-se, assim, que a decisão se mostra fundamentada na aludida justificação – fundamentação intrinsecamente coerente (convincente ou não, procedente ou não, tal não releva).
Decorre do exposto não se verificar a arguida nulidade.
B. Da nulidade da decisão por violação do contraditório.
Argumenta o apelante não ter sido notificado do relatório social junto aos autos em 27/07/2021, o que importou violação do direito ao contraditório (expressamente consignado no art. 85º da LPCJP).
Reconhece-se que a apreciação e conhecimento de questão relativamente à qual à parte não foi facultada pronúncia importa a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, a invocar no recurso dela interposto[17] - o cumprimento do contraditório, genericamente plasmado no art. 3º do CPC (onde se prescreve não poder o tribunal decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem) é pressuposto ou condição necessária para que o tribunal possa apreciar e decidir qualquer questão que lhe cumpra conhecer (e assim que ao conhecer de questão sem prévia pronúncia das partes estará o tribunal a apreciar questão que não podia, nessas condições, conhecer).
O princípio do contraditório, exigência postulada pelo princípio do processo justo e equitativo (art. 20º da CRP), possui conteúdo multifacetado: traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado desses provas[18], tem ínsito o reconhecimento do direito da parte à sua audição antes de ser tomada qualquer decisão[19]; o seu âmbito não está tanto (tal como era tradicionalmente entendido) na garantia de uma discussão dialéctica entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo[20], antes em garantir à parte a possibilidade de influenciar decisão concernente aos seus interesses – o seu escopo principal e enformador deixou ser a ‘defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo’[21] –entendimento amplo do contraditório sufragado pela jurisprudência constitucional, que o reconhece ‘«como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»’[22].
Constata-se, porém, que na situação dos autos não foi ao apelante coarctada a possibilidade de influenciar a decisão, mais especificamente, a possibilidade de se pronunciar sobre o relatório junto aos autos em 27/07/2021 (no que ele relevava para a decisão apelada), pois que na diligência em que viria a ser proferida a decisão apelada, previamente à sua prolação, foi o apelante inteirado pelo tribunal do teor do mesmo (como da acta da diligência consta), sendo-lhe facultado e possibilitado que alegasse e argumentasse o que entendesse quanto à alteração da medida de promoção e protecção relativamente à F… (alteração proposta pela Segurança Social no relatório de 16/06/2021, sobre o qual se havia já pronunciado o apelante por escrito e que também fora promovida pelo Ministério Público na referida diligência).
Conclui-se assim ter sido observado e respeitado o princípio do contraditório – ao apelante foi não só dado conhecimento do relatório junto aos autos em 27/07/2021 como facultada a possibilidade de influenciar a decisão a propósito da questão que cumpria decidir em termos cautelares (de argumentar o que entendesse a propósito do que, em tal relatório, relevasse para a decisão a proferir).
Não padece, pois, a decisão da imputada nulidade.
C. Do mérito da decisão – o superior interesse da F….
Sustenta o apelante que a medida cautelar aplicada pela decisão apelada não acautela o superior interesse da F…, pois se fundamenta exclusivamente na sua vontade, não ponderando que à progenitora não são reconhecidas competências para o exercício das responsabilidades parentais.
Não questiona o apelante que as crianças, seus filhos – incluindo a F… –, se encontrem em situação de perigo que legitima a intervenção do Tribunal (arts. 3º e 4º, d) da LPCJP) e que a medida de apoio junto dos pais seja a adequada a afastar o perigo a que se encontram sujeitas, proporcionando-lhes as condições que permitem proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 34º da LPCJP).
Insurge-se, tão só, contra à escolha da progenitora para, junto dela, ser executada, quanto à F…, a medida de apoio junto dos pais (art. 35º, 1, a) da LPCJP) que vem sendo observada.
Considerando a decisão apelada – que constitui o ponto de partida do recurso – e a pretensão recursória do apelante, a questão suscitada circunscreve-se a apreciar se se mostra conforme ao critério decisório primordial (o superior interesse da criança – art. 4º, a) da LPCJP e art. 3º, nº 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança[23]) que, cautelarmente, a medida de promoção e protecção aplicada, que vinha sendo executada junto do progenitor, seja agora executada junto da progenitora.
As medidas de promoção e protecção podem ser aplicadas cautelarmente, quer enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente (art. 37º, nº 1 da LPCJP), quer nas situações em que se verifique perigo actual de grave comprometimento da sua integridade física ou psíquica (arts. 37º, nº 1, 91º, nº 1 e 92º, nº 1 da LPCJP).
Verificando-se situação enquadrável na alínea c) do art. 5º (e no art. 91, nº 1) da LPCJP, impor-se-á, logo que conhecida, que à luz dos princípios da intervenção precoce (art. 4º, c) da LPCJP) e da proporcionalidade e actualidade (art. 4º, e) da LPCJP) se adopte, numa perspectiva cautelar e preventiva, a medida necessária e adequada a acudir à (e remover a) situação de perigo concreta, dando-lhe resposta o mais cedo possível, devendo a mesma conformar-se (e confinar-se) ao estritamente necessário a essa finalidade (e mostrar-se, por isso, o menos invasiva da autonomia e privacidade da família e da criança)[24].
Na situação dos autos, na fase de execução de medida de promoção e protecção aplicada por acordo judicial[25] – apoio junto dos pais, a executar junto do progenitor –, a F…, no dia do seu décimo quarto aniversário, foi agredida pelo pai.
Considerando que o processo foi instaurado com o propósito de conferir à F… (e seus irmãos) a protecção necessária e adequada para o perigo que para a sua saúde, educação, integridade física, segurança e equilíbrio emocional resultava dos constantes conflitos parentais e, também, conforme alegado, do comportamento agressivo do progenitor para consigo, a agressão perpetrada pelo progenitor junto do qual a medida de protecção vinha sendo executada consubstancia facto demonstrativo da manifesta inadequação da medida para alcançar os objectivos e fins a que se propunha – o acto praticado pelo progenitor, além de comportar ofensa à integridade física da F…, é susceptível de criar forte desequilíbrio e instabilidade emocional, perigos que se visava afastar com a medida aplicada.
O superior interesse da criança – conceito indeterminado, dotado de ‘especial expressividade, funcionando como «noção mágica» de força apelativa e tendência humanizante’[26] –, enquanto critério decisório, identifica, na situação dos autos, de modo inequívoco e claro, o concreto[27] interesse da F… em desfrutar de estabilidade e equilíbrio emocional, de fruir de ambiente livre de violência, desde logo física e infligida pela pessoa junto da qual vinha executando a medida de promoção protecção aplicada.
O referido acto, sofrido no dia em que completava o décimo quarto aniversário, constituindo em sim mesmo uma ofensa à integridade física da F…, não pode deixar de significar (e de por ela ser assim interpretado) que o progenitor lhe não proporciona ambiente pacífico, calmo, protector e carinhoso – e por isso que se impõe a intervenção cautelar.
A medida de apoio junto dos pais a executar junta da mãe, cautelarmente determinada, é, assim, a única que se mostra conforme e respeitadora dos princípios orientadores da intervenção (art. 4º da LPCJP) – é conforme aos princípios da proporcionalidade a actualidade (no presente, é a adequada a proporcionar à F… o ambiente livre de conflito e violência que os progenitores lhe devem proporcionar), da responsabilidade parental (a medida convoca os progenitores a assumirem os seus deveres enquanto pais) e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas (assim se respeitando o direito da F… à preservação da relação afectiva com a sua progenitora, uma relação estruturante e de grande significado para o seu sadio e harmonioso desenvolvimento), curando ainda de respeitar a expressa manifestação da F…, adolescente com 14 anos, quanto à escolha e definição da medida que melhor se adequa a proporcionar-lhe um ambiente propício ao seu harmonioso desenvolvimento.
Refira-se ainda que mais do que não demonstrarem os autos que a progenitora não tem as necessárias competências parentais para que, junto de si, seja executada a medida tutelar de que a F… beneficia (as obrigações a que os progenitores se vincularam demonstram que ambos necessitam de melhorar tais competências, mormente as respectivas práticas educativas), interessa na situação providenciar por satisfazer o primordial (e imediato) interesse da F…, qual seja o de desfrutar de ambiente quotidiano pacífico e protector, livre de violência – ambiente que ela encontra (e que entende encontrar) junta da progenitora.
Do exposto resulta que a decretada alteração da medida se mostra conforme ao superior interesse da F… e é adequada e imprescindível à prossecução das finalidades que lhe presidiram.
D. Conclusão
Do que precede resulta dever ser o recurso julgado improcedente, podendo extrair-se da argumentação, como sumário (nº 7 do art. 663º do CPC), as seguintes proposições:
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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Porto, 15/12/2021
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
João Ramos Lopes
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
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[1] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176.
[2] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 391.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 26.
[4] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 26.
[5] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, p. 52.
[6] Autores, obra e local citados na nota anterior.
[7] Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 27/28.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral do Processo de Declaração, 2018, p. 550, Rui Pinto, Código de Processo Civil, Volume I, 2018, pp. 698/699 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 350.
[9] Como se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional nº 304/88, de 14/12, no BMJ 382/230 e no DR, II Série, de 11/04/1989.
[10] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 688 e 689.
[11] A. Varela e outros, obra citada, p. 687.
[12] P. ex., Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 55, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição p. 735/736, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 737 e Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, p. 603.
[13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), p. 737.
[14] Acórdão R. Porto de 8/09/2020 (Carlos Gil), no sítio www.dgsi.pt.
[15] Acórdão STJ de 2/03/2011 (Sérgio Poças), no sítio www.dgsi.pt.
[16] Tal dever era já reconhecido no âmbito da OTM - Rui Epifânio e António Farinha, ‘Organização Tutelar de Menores, Contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de Família’, Almedina, 1987, p. 220.
[17] Cfr., a propósito Miguel Teixeira de Sousa, ‘Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária’, comentário de 22/09/2020 a acórdão do STJ de 2/06/2020 (496/13.0TVLSB.L1.S1) e ‘Por que se teima em qualificar a decisão surpresa como uma nulidade processual?’, comentário de 12/10/2021, ambos no blog do IPPC, no sítio https://blogippc.blogspot.com (consultados on-line em Novembro de 2021).
[18] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, p. 415.
[19] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 46/47.
[20] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 23.
[21] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos Princípios Gerais à luz do Código Revisto, 1996, p. 127.
[22] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 30/2020, de 16/01/2020, processo nº 176/19 (Pedro Machete), no sítio www.tribunal constitucional.pt (citando, a propósito, Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 96.).
[23] Convenção adoptada pela ONU, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 e ratificada em Portugal pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, aprovada em 8 de Junho de 1090.
[24] Comentário à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Procuradoria-Geral Regional do Porto, Almedina, 2020, pp. 59 e 60.
[25] A medida cautelar pode ser aplicada ‘em qualquer fase do processo, nomeadamente na fase de execução de medida aplicada por acordo judicial ou na sequência de debate judicial’ - Comentário à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (…), p. 202.
[26] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7ª Edição, revista, aumentada e actualizada, p. 57.
[27] O critério só adquire eficácia quando referido ao interesse daquele indivíduo, daquela criança - Maria Clara Sottomayor, Regulação (…), p. 58.