Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7313/12.7TBMAI-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
CÔMPUTO DO PRAZO PARA A RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP201805307313/12.7TBMAI-G.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 830, FLS 213-219)
Área Temática: .
Sumário: I - A resolução em benefício da massa insolvente deve ser efetuada pelo administrador da insolvência no período de seis meses subsequente ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
II - O conhecimento do ato, para os efeitos do art. 123º, nº 1 do CIRE, não se basta com o simples conhecimento da realização do ato cuja eficácia se pretende atacar através da resolução, exigindo-se também o conhecimento das circunstâncias e do conteúdo do ato e consequentemente dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do mesmo em benefício da massa insolvente.
III - Com esta interpretação, procura evitar-se que por parte do administrador da insolvência sejam feitas declarações resolutivas pouco consistentes, sem cabal conhecimento do conteúdo e fundamentos do ato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 7313/12.7TBMAI-G.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 4
Apelação
Recorrente: Massa Insolvente de B... e C...
Recorridos: B... e C...
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Por apenso aos autos no âmbito dos quais foi declarada a insolvência de B... e C..., vieram estes instaurar a presente ação contra a Massa Insolvente de B... e C..., representada pela Sr.ª Administradora da Insolvência Dr.ª D..., visando a impugnação da declaração de resolução do contrato de venda de 10.000 ações, ao portador, da sociedade anónima “E..., S.A.”, levada a cabo pela Sr.ª Administradora da Insolvência.
Com idêntica finalidade foi também instaurada ação – que corre os seus termos pelo apenso H – por F..., adquirente das aludidas ações ao portador, residente na Rua ..., n.º ..., ..., Vila Nova de Gaia, contra a Massa Insolvente de B... e C....
Em ambas as ações, e no essencial, os autores vieram alegar que o direito da ré a proceder à resolução do negócio em análise caducou, na medida em que a Sr.ª Administradora teve conhecimento do mesmo, e das especificidades a um tal negócio respeitantes, em setembro de 2014, tendo só, por cartas registadas, com aviso de receção, datadas de maio de 2016, procedido à resolução do aludido contrato. Mais vieram defender que os insolventes nunca detiveram as ações ao portador da sociedade anónima “E..., S.A.”, na medida em que as mesmas foram inicialmente adquiridas pelo autor F... à sociedade “G..., S.A.”, pelo preço de 350.000,00€, com dinheiro ao mesmo pertencente, sendo que o insolvente apenas “emprestou” o seu nome a um tal negócio, o que era uma das condições impostas pela aludida “G..., S.A.” para que o negócio fosse celebrado.
Em ambas as ações veio pedida a condenação da ré a título de litigância de má-fé.
Citada, a ré contestou, também em ambas as ações, tendo começado por contrapor que o momento a partir do qual tomou conhecimento dos factos relevantes concernentes ao negócio a cuja resolução procedeu ocorreu em 8.4.2016, assim considerando ser de improceder a exceção de caducidade arguida. Mais veio alegar, no essencial, e em ordem agora a justificar a resolução a que procedeu, que na situação presente as ações se mantêm em poder dos insolventes na medida em que é o insolvente marido quem, em termos de facto, continua a gerir a sociedade “E...”, antes uma sociedade anónima e depois já uma sociedade por quotas, tendo sido o insolvente marido quem efetivamente adquiriu a totalidade das ações referentes à sociedade anónima transmudada em sociedade por quotas à sociedade “G..., S.A.”, primitiva detentora das mesmas.
Realizou-se audiência prévia, em ambas as ações, tendo o Tribunal concluído no sentido dos autos disporem de todos os elementos necessários à prolação de decisão no que se refere à exceção de caducidade arguida. Não obstante, considerou dever endereçar convite à ré no sentido da mesma concretizar qual a data em que teria solicitado ao autor F... as atas concernentes à transformação da sociedade “E..., S.A.” numa sociedade por quotas, circunstância que segundo a ré a teria impedido de tomar conhecimento cabal do ato a cuja resolução procedeu. A ré correspondeu a tal convite considerando que esse pedido foi por ela levado a cabo em sede do seu requerimento probatório apresentado no âmbito do incidente de qualificação da insolvência concernente aos autores B... e C....
No exercício do seu contraditório veio o autor F... reiterar, no essencial, tudo quanto já havia alegado em sede de petição inicial para fundamentar a arguição da exceção de caducidade.
Foi depois proferida sentença que julgou ambas as ações procedentes, declarando, em consequência, a caducidade do direito da ré de proceder à resolução, em benefício da massa insolvente, do contrato de compra e venda de 10.000 ações ao portador da sociedade “E..., S.A.” celebrado em 3.9.2012.
Inconformada com o decidido, interpôs recurso de apelação a ré Massa Insolvente de B... e C... que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Por Douta sentença de 16/03/2018, de que se recorre, foi apensado o Ap. H ao presente Ap. G e decidido a caducidade do direito da Ré a proceder à resolução, em benefício da massa insolvente, do contrato de compra e venda de 10.000 acções ao portador da Sociedade E..., celebrado em 03/09/2012;
B) No entanto, deve ser dado como assente que teve conhecimento dos factos que levam à resolução do negócio com o depoimento do Insolvente marido em sede do julgamento do Ap. B dos presentes autos que aconteceu a 08 de Abril 2016.
C) Não foi com a elaboração do relatório nos termos e para os efeitos do art. 155º do CIRE que a recorrente teve acesso aos elementos que consubstanciam a prejudicialidade do negócio.
D) Nem tão pouco com o seu requerimento de 28 de Outubro de 2014 elaborado no âmbito do apenso B dos presentes autos.
E) A Ré remeteu as cartas de resolução aos A. a 11 de Maio de 2016 aos AA, que as receberam.
F) A Ré sabe que para operar a resolução de um negócio, no âmbito das suas funções de administradora de insolvência tem de promover de forma célere as diligências necessárias para fundamentar tal acto.
G) O simples conhecimento do acto resolvivel não é suficiente para que promova a resolução.
H) Para averiguar factos que possam fundamentar a resolução de um negócio a Sr.ª Administradora tem que agir célere e diligentemente.
I) O prazo de caducidade a que alude o art. 123 do CIRE é de 6 meses.
J) Conforme amplamente colhido pela jurisprudência, o prazo de caducidade conta-se a partir do momento em que o Administrador de insolvência tem conhecimento dos fundamentos que levam a tomar a decisão de resolver o negócio. Veja-se ac. do STJ de 27/10/2016, do processo n.º 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1, votado por unanimidade do Relator Fonseca Ramos.
K) Cumpre ao Administrador de Insolvência praticar os actos que o iluminem o sentido de saber que está perante um negócio resolúvel.
L) A inércia do Administrador de Insolvência não se coaduna com um processo de natureza célere, como são os autos de insolvência, mas não se pode confundir inércia com uma análise ponderada dos fundamentos e procura de elementos para análise.
M) O prazo de caducidade de 6 meses previsto no n.º 1 do art. 123º do CIRE conta-se a partir do momento do conhecimento dos pressupostos que podem fundamentar a resolução.
N) Nos autos em apreço foi com o cruzamento de informações obtidas com o requerimento de 23/11/2015 do A. F..., notificado à aqui recorrente a 26/11/2015 e com o depoimento do insolvente B... de 08/04/2016, que a R. teve acesso à informação suficiente que aquele negócio de compra e venda de acções era prejudicial para a massa insolvente.
O) Não decorreu por isso o prazo de caducidade como apregoa a douta sentença de que se recorre.
Pretende assim que seja dado provimento ao recurso e substituída a sentença por outra que considere não decorrido o prazo de caducidade para resolver o negócio de compra e venda de 10.000 ações ao portador da sociedade “E..., S.A.”, devendo os autos prosseguirem os seus termos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se ocorreu caducidade do direito da ré proceder à impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda de ações em causa nos autos.
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OS FACTOS
É a seguinte a matéria de facto que foi considerada como assente pela 1ª Instância:
1 - Por sentença proferida em 06-08-2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de B... e de C....
2 - A insolvência destes foi requerida pela H..., S.A, em 05-12-2012. 3 – No período de tempo compreendido entre 13 de outubro de 2006 e, pelo menos, 31-08-2010, o insolvente assumiu o cargo de administrador da sociedade E..., S.A. – documento de fls. 264 a 267 do apenso B), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4 - Em 27 de dezembro de 2013 foi alterada a natureza da aludida sociedade, de sociedade anónima para sociedade por quotas, cujo capital social foi repartido em duas quotas, uma titulada pela própria sociedade, outra titulada por F..., o administrador, à data, da referida sociedade e a pessoa que, em nome da mesma, outorgou a escritura de transformação de sociedade – documento de fls. 268 a 273 do apenso B), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5 - Através de instrumento, datado de 03-09-2012, denominado de contrato de compra e venda de ações, o insolvente marido declarou que, na qualidade de acionista da sociedade E..., S.A. com o capital social de 50.000,00 € representado por 10.000 ações ao portador, cedia as referidas ações a F..., pelo seu valor nominal, ou seja, 50.000,00 €.
6 – Mais foi declarado, no aludido instrumento, que o referido preço já estava pago, dando-se quitação do mesmo – cfr. documento constante de fls. 301 do apenso B) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7 – Os documentos aludidos nos pontos 4 a 6, inclusive, dos factos tidos por assentes foram juntos pela sociedade E..., Lda, num seu requerimento datado de 23 de novembro de 2015, dirigido ao apenso B, tendo a Sr.ª Administradora da insolvência sido deles notificada em 26 de novembro de 2015.
8 – O documento referenciado no ponto 2 dos factos provados foi, também ele, junto pela Sr.ª Administradora da insolvência a instruir o seu relatório junto aos autos de insolvência a 17 de setembro de 2014 – cfr. fls. 839 a 845 dos autos principais.
9 – Foi a credora H..., S.A, quem requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência de B... e de C... como culposa, através de requerimento apresentado em juízo em 07 de outubro de 2014 – cfr. fls. 2 a 5, inclusive, do apenso B).
10 – No aludido requerimento, e para fundamentar a sua pretensão, a referida credora veio alegar, entre outros factos, que o insolvente foi acionista e administrador da sociedade E..., S.A, até 07-12-2012, continuando, na prática, a ser o dono e o administrador da aludida sociedade – cfr. artigo 5º de um tal requerimento.
11 – Nos artigos 15º e 16º de um tal requerimento foi ainda alegado pela aludida credora que o insolvente constituiu a sociedade E..., S.A. na forma de sociedade anónima tendo por único objetivo ocultar o seu património dos seus credores.
12 – No requerimento subscrito pela própria Sr.ª Administradora da insolvência, junto ao apenso B) concernente à qualificação da insolvência dos insolventes B... e C..., datado de 28 de outubro de 2014, é referido por esta que no período de tempo compreendido entre 13 de outubro de 2016 e 07 de dezembro de 2012 o insolvente B... assumiu o cargo de administrador e acionista único da sociedade E..., S.A.
13 – Mais é referido pela Sr.ª Administradora da insolvência, nesse seu requerimento datado de 28 de outubro de 2014 que “o insolvente B... trabalha com a categoria de fiel de armazém no E..., S.A; não obstante é o insolvente B... que mantêm a gerência de facto deste estabelecimento comercial, pois todo o aprovisionamento e demais diligências necessárias à exploração do mesmo passam pelo insolvente, conforme declarado pelo próprio em conversa telefónica à aqui signatária”.
14 – A Sr.ª Administradora remeteu aos autores B..., C... e F... a carta cuja cópia se mostra junta aos presentes autos a fls. 88 verso a 92, inclusive, e junta aos autos do apenso H) a fls. 78 verso a 82 verso, inclusive, datada de 11 de maio de 2016, na qual procede à resolução, em beneficio da massa insolvente que representa, do contrato de compra e venda de 10.000 ações da sociedade anónima E..., S.A, celebrado em 03 de setembro de 2012 – documentos citados cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
15 – Os autores tomaram conhecimento da aludida carta.
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O DIREITO
Entendeu a 1ª Instância, na sentença recorrida, que a Sr.ª Administradora da Insolvência, quanto mais não fosse à data em que apresentou o parecer de qualificação de insolvência – 28.10.2014 -, terá que ter tido conhecimento do contrato de compra e venda de ações, enquanto ato passível de resolução incondicional, razão pela qual ocorre caducidade do direito à resolução que por ela foi exercido através das presentes ações.
Sucede que a ré não concorda com este entendimento, sustentando, em via recursiva, que apenas teve conhecimento de que aquele contrato era prejudicial para a massa insolvente devido ao cruzamento das informações obtidas com o requerimento do autor F...de 23.11.2015 e o depoimento produzido pelo insolvente B... em 8.4.2016.
Vejamos então.
Dispõe o art. 123º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que «a resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência
A questão que aqui se coloca, tal como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2016 (proc. nº 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt), reconduz-se a saber se, relativamente ao administrador da insolvência, o prazo de seis meses se inicia com o conhecimento do ato, puro e simples, ou se se inicia com o conhecimento por este das circunstâncias e conteúdo do ato e da sua prejudicialidade relativamente à massa.
Acontece que a adotar-se a contagem do prazo, a partir do conhecimento do ato “tout court”, o administrador da insolvência, por cautela, seria tentado a resolver todos os atos do devedor ocorridos no “período suspeito” e daí resultariam “declarações resolutivas cegas” quanto à existência, ou consistente conhecimento do fundamento da resolução – a prejudicialidade do negócio em relação à massa -, o que, para além de colocar graves problemas aos pretensos visados, não deixa de colocar também dificuldades ao administrador da insolvência, sobretudo, se se entender, como parece ser comum, que sendo a ação de impugnação da resolução uma ação de simples apreciação negativa, não pode o administrador da insolvência, na contestação dessa ação, aduzir outros novos fundamentos tendentes ao preenchimento do requisito da prejudicialidade.
Por outro lado, a entender-se que o prazo se conta a partir da data em que o administrador da insolvência tem conhecimento do ato e dos seus contornos e verificando-se que este fica desde logo ciente que, pelo seu conteúdo, tal ato é prejudicial à massa insolvente, é de concluir que os dois momentos cognitivos são coincidentes.
Contudo, pode ocorrer que numa determinada data o administrador da insolvência tenha tomado conhecimento da realização pelo insolvente de um certo negócio, mas só passado algum tempo, em data posterior, ficou ciente de que o mesmo é prejudicial à massa.
Aí os dois momentos cognitivos não coincidem.
E, por isso, tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2016, a questão que se coloca é a seguinte: o administrador da insolvência deve resolver logo o ato, ou deve averiguar se este é prejudicial à massa para, em função dessa avaliação, decidir?
Com a opção pelo segundo entendimento evitar-se-ão, como é preferível, declarações resolutivas sem cabal conhecimento do conteúdo e fundamento do negócio, havendo, assim, menor risco de impugnação vitoriosa por parte dos visados.
É certo que o processo de insolvência reveste natureza urgente e que os seus procedimentos devem ser céleres, uma vez que os interesses dos credores, e do próprio devedor, podem ser severamente prejudicados se não for acautelada a massa insolvente que é garantia, quantas vezes debilitada, da satisfação dos direitos dos credores.
Mas a consideração da urgência do processo de insolvência, não nos deve levar a interpretar o art. 123º, nº 1 do CIRE de forma literal, contando o prazo de seis meses aí consagrado apenas a partir do conhecimento do ato.
Com efeito, importa dar ao administrador da insolvência margem para que averigue e possa avaliar se o ato praticado no “período suspeito” é prejudicial à massa, sabendo-se que esse prejuízo nem sempre resulta da aparência de um ato potencialmente lesivo, sendo prudente proceder a averiguações com vista a apurar, por exemplo, se o preço da venda de um imóvel é simulado ou não, ou se, através de negócios indiretos, mais ou menos complexos, mais se não visou que salvaguardar os interesses de certos credores em detrimento de outros.
Deste modo, sabendo-se que, nos termos do art. 9º do Cód. Civil, a letra da lei não é o único elemento de que o intérprete se deve socorrer para alcançar a “mens legis”, afigura-se-nos, em sintonia com o Acórdão do STJ de 27.10.2016, que temos vindo a seguir, que, nos casos em que exista fundada dilação entre a data do conhecimento do ato praticado e o efetivo conhecimento dos fundamentos e conteúdo desse ato, pode o administrador da insolvência comunicar a resolução nos seis meses subsequentes a esse efetivo conhecimento, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
Em suma: o conhecimento do ato não se basta com o simples conhecimento da realização do ato cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do ato em causa em benefício da massa insolvente (cfr. também Acórdãos da Relação do Porto de 26.11.2012, proc. 1056/09.6TBLSD-D.P1 e da Relação de Coimbra de 21.5.2013, proc. 928/11.2TBFIG-J.C2, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.).
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Regressando ao caso dos autos, verifica-se que B... e C... foram declarados insolventes por sentença proferida em 6.8.2014, estando aqui em causa a resolução em benefício da massa insolvente de um contrato de compra e venda de 10.000 ações, celebrado em 3.9.2012, e através do qual o insolvente marido B..., na qualidade de acionista da sociedade “E..., S.A.” com o capital social de 50.000,00€ representado por aquelas 10.000 ações ao portador, as cedeu a F... pelo seu valor nominal, ou seja 50.000,00€.
Quando a Sr.ª Administradora da Insolvência, em 28.10.2014, emite parecer no âmbito do incidente de qualificação da insolvência, tinha conhecimento da realização deste negócio, bem como dos elementos registrais relativos à sociedade “E..., S.A.” e sabia ainda que, apesar do negócio efetuado, quem continuava a gerir de facto a sociedade era o insolvente B....
Contudo, o conhecimento mais preciso dos contornos do negócio efetuado em 3.9.2012, da sua prejudicialidade para a massa insolvente e do consequente direito à sua resolução sobreveio em data posterior.
Conforme refere a Sr.ª Administradora da Insolvência na carta resolutiva enviada aos insolventes, datada de 11.5.2016, só na audiência de discussão e julgamento realizada em 8.4.2016 no âmbito do incidente de qualificação da insolvência (apenso B) é que esta chegou ao conhecimento de todas as circunstâncias que rodearam o negócio efetuado em 3.9.2012 justificativas da sua resolução em benefício da massa insolvente.
De facto, apenas nesta ocasião é que surgiu prova relevante, através das declarações do próprio insolvente B..., no sentido de que como contrapartida da venda das ações não foi entregue qualquer quantia pecuniária, sendo que até esse momento não havia qualquer elemento que apontasse, de forma firme, nesse sentido.
Sucede que a não entrega de contrapartida pela venda das ações se trata de aspeto da maior relevância para a resolução desse ato em benefício da massa insolvente e, por isso, se compreende que a Sr.ª Administradora da Insolvência a não tivesse requerido em momento anterior, até porque, como já atrás se realçou, é sempre de evitar uma declaração resolutiva “cega” e pouco consistente.
Não perfilhamos, assim, a posição assumida na sentença recorrida pela Mmª Juíza “a quo”, onde se considerou que a Sr.ª Administradora da Insolvência desde o momento da elaboração do seu parecer no incidente de qualificação da insolvência – 28.10.2014 – disporia de elementos que lhe permitiriam proceder à resolução do negócio em causa nestes autos.
Com efeito, para que o administrador da insolvência possa proceder a tal resolução torna-se imprescindível que este tenha conhecimento do conteúdo e dos fundamentos do negócio e, no caso “sub judice”, este conhecimento só se concretizou em 8.4.2016 com as declarações prestadas pelo insolvente B..., a cuja audição procedemos, em que este afirmou nada ter recebido pela venda das ações do autor F....
Até essa ocasião, o que constava dos elementos a que a Sr.ª Administradora da Insolvência tinha acesso é que o preço correspondente à venda das ações – 50.000,00€ - teria sido efetivamente pago.
Deste modo, uma vez que o conhecimento por parte da Sr.ª Administradora da Insolvência das circunstâncias do negócio e da consequente verificação dos requisitos necessários à existência do direito de resolução terá que ser reportado ao dia 8.4.2016, lógico é concluir que a declaração resolutiva, datada de 11.5.2016, foi enviada dentro do prazo de seis meses a que se refere o art. 123º, nº 1 do CIRE.
Tal como também foi enviada dentro do período de dois anos subsequente à data de declaração de insolvência, que se verificou em 6.8.2014.
Por conseguinte, não tendo ocorrido caducidade do direito de proceder à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda de 10.000 ações ao portador da sociedade “E..., S.A.”, celebrado em 3.9.2012, terão os autos que prosseguir a sua tramitação, com produção de prova, para conhecimento dos fundamentos da resolução.
Procede, pois, o recurso interposto.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela ré Massa Insolvente de B... e C... e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas do presente recurso a cargo dos autores/insolventes.

Porto, 30.5.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira