Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
865/13.6TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: LEI DO ORÇAMENTO DO ESTADO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
SECTOR PÚBLICO
ASSOCIAÇÃO DE DIREITO PRIVADO
Nº do Documento: RP20150615865/13.6TTPRT.P1
Data do Acordão: 06/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: As disposições da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12 (Orçamento do Estado para 2012) e da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2013) que estabelecem a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal em 2012 e, em 2013, a suspensão do subsídio de férias, aplicam-se, tão só, aos trabalhadores do sector público nelas referenciados, e não a trabalhadores de uma associação de direito privado sem fins lucrativos, ainda que a remuneração dos trabalhadores desta provenha de fundos transferidos pela D….
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 865/13.6TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… intentou a presente acção declarativa comum contra C…, associação de direito privado sem fins lucrativos, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 10.307,02 a título de créditos salariais vencidos e não pagos, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese: que foi admitida pela R. em 31 de Janeiro de 2008, para, sob as ordens, direcção e fiscalização da R., desempenhar as funções de investigadora, mediante a retribuição mensal de € 3.191,82; que tal contrato de trabalho cessou por caducidade em 31 de Janeiro de 2013; que a R. não lhe pagou os subsídios de férias e de Natal de 2012; que à data da cessação do seu contrato de trabalho, em Janeiro de 2013, a R. também lhe não pagou o subsídio de férias; que não gozou as férias vencidas em 2013, e que acordou por escrito com a R., em Fevereiro de 2013, o pagamento fraccionado do montante do valor de € 20.721,71, que lhe foi pago, sendo que relativamente à parte sobrante em dívida, de € 10.307,02, nada foi pago pela R..
A R. apresentou contestação (a fls. 25 e ss.) na qual invoca, em resumo: que as verbas destinadas ao pagamento das retribuições devidas aos investigadores ao seu serviço provinham da D…, sendo que esta, em 2012, lhe deu conhecimento de que deveria proceder à aplicação dos cortes e reduções remuneratórias determinados pela entrada em vigor da Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2012), razão pela qual o demandado suspendeu os pagamentos dos subsídios de férias e Natal aos investigadores ao seu serviço no ano de 2012; que procedeu do mesmo modo no ano de 2013, por força da Lei do Orçamento do Estado de 2013; que em 31 de Julho de 2012, A. e R. subscreveram um denominado Acordo, pelo qual ajustaram que a R. não efectuaria o pagamento do subsídio de férias devido à A. no mês correspondente, “até que se encontrem esclarecidas as dúvidas suscitadas”, com a questão decorrente de a D… ter informado a R. que não seriam transferidos para o demandado os montantes correspondentes a essa retribuição, nem os mesmos seriam elegíveis para efeitos de reembolso, relativamente aos investigadores e técnicos ao seu serviço cuja remuneração fosse directamente imputada aos fundos recebidos pela R. da D…; que foi por essa razão que a R. não pagou à A., a partir do ano de 2012, o subsídio de férias, tendo pedido à Procuradoria Geral da República um parecer, pedido que se mostra tramitado sob o n.º 34/2012. Conclui pela improcedência da presente acção.
Foi proferido despacho saneador em que se relegou para a sentença o conhecimento da excepção do pagamento e se dispensou a elaboração da base instrutória.
Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto controvertida e, após, foi proferida sentença que julgou procedente a presente acção e condenou a R. C… a pagar à autora B… a quantia de € 10.168,83 (dez mil, cento e sessenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), a título de subsídio de férias de 2012, de subsídio de Natal de 2012 e de subsídio de férias de 2013.
Pedida a rectificação de tal sentença, veio o Mmo. Juiz a quo a deferir ao requerido, condenando ainda a R. a pagar juros legais de mora desde 16 de Fevereiro de 2013 sobre a quantia de € 10.168,83.
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão, formulando requerimento dirigido ao tribunal a quo e juntando alegações dirigidas ao tribunal ad quem, as quais rematou com as seguintes conclusões:
“I – A douta decisão não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios competentes.
II – Afigura-se ao Recorrente que se verifica oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como a falta de fundamentação, pelo que a sentença recorrida dever ser declarada nula, porquanto na fundamentação da decisão recorrida consta terem sido dados como provados os factos que impediram a Recorrente de efetuar o pagamento das quantias reclamadas, vindo a decisão a seguir um caminho diferente, ao considerar que tais pagamentos ainda assim teriam de ser efetuados.
III- Ficou de forma inequívoca e cabalmente demonstrado que o Recorrente sempre informou a Recorrida da necessidade e obrigatoriedade de efetuar os cortes relativos aos subsídios.
IV- Não ficou provado que a Recorrida não tenha gozado férias, tanto mais que as mesmas não eram formalmente marcadas, e que lhe cabia esse ónus probatório.
V- A factualidade, assim provada, não podia permitir ao tribunal invocar e determinar a existência de receitas próprias da Recorrente para fundamentar o pagamento de tais quantias.
VI- Decisão que carece em absoluto do respetivo suporte legal, atenta a natureza especial do contrato e da entidade.
VII- O mesmo se passando com a forma com que o tribunal fez caducar a vontade das partes e a condição suspensiva a que a recorrida se sujeitou, nomeadamente com assinatura de um acordo, e a expetativa de emissão de um Parecer da Procuradoria Geral da República.
VIII – A decisão recorrida violou as normas e princípios constantes dos art.ºs 615º n.º 1 alínea b), c) e d) do C.P.C. , Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro (artº 21º) LOE2012, e Acórdão do Tribunal Constitucional 353/2012, publicado em DR.140 – 1ª série, de 20 de Julho de 2012, porquanto as mesmas não foram interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, em todas as suas determinações, com as demais consequências legais.”
1.3.Não consta que tenha sido apresentada resposta às alegações.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 126-127, no qual se considerou não se verificar a invocada nulidade.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de se não conhecer das nulidades da sentença, de improceder a impugnação da decisão de facto e de que o recurso não merece provimento.
A recorrente pronunciou-se sobre tal Parecer nos termos de fls. 143 e ss, concluindo como nas alegações de recurso.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado. Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar as questões que se suscitem no Parecer do Ministério Público. Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da arguida nulidade da sentença;
2.ª – da impugnação da decisão de facto;
3.ª – da suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal vencidos nos anos de 2012 e 2013.
*
3. Da nulidade da sentença
*
Afirma a recorrente nas suas alegações que a sentença recorrida é nula nos termos do art. 615.º do CPC porque não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e os fundamentos estão em oposição com a decisão, porquanto na fundamentação da decisão recorrida consta terem sido dados como provados os factos que impediram a Recorrente de efectuar o pagamento das quantias reclamadas, vindo a decisão a seguir um caminho diferente, ao considerar que tais pagamentos ainda assim teriam de ser efectuados.
Mas no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal a quo (fls. 108) a recorrente não faz qualquer alusão à nulidade da sentença, limitando-se a dizer o seguinte:
«Ex.mo Senhor Juiz de Direito
C…, Ré nos autos da ação à margem identificados, em que é Autora B…, não se conformando com a douta decisão de fls. dos autos, pretende recorrer para o Venerando Tribunal da Relação do Porto.
Assim, requer a V.Ex.ª que, junto a este aos autos, se considere interposto o respetivo recurso, o qual é de APELAÇÃO, com efeito devolutivo e subida imediata nos próprios autos, seguindo-se ulteriores termos.
Tudo nos termos e para os efeitos dos artigos – 79º- A, nº 1, 80º, 81º, 83º, 83º-A todos do Código de Processo de Trabalho e 644º, nº 1 a) do Código de Processo Civil, pelo que oferece as seguintes ALEGAÇÕES DE RECURSO(…)»
Ora, por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso. Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades (a substanciação das razões por que se verificam) devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida e possibilitando-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
Em consonância com esta especialidade estabelecida pela lei processual laboral, a jurisprudência tem considerado pacificamente que não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem a nulidade da sentença em processo laboral que não foi arguida no requerimento de interposição de recurso.
É certo que se tem admitido que aquela exigência se mostrará cumprida, no caso de o requerimento e a alegação constituírem uma peça única, com a indicação de que se apresenta a arguição de nulidades da sentença no requerimento de interposição de recurso e a exposição dos motivos determinantes das nulidades feita na alegação, imediatamente a seguir ao requerimento stricto sensu, de forma perfeitamente clara e autónoma – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.10.31, Recurso n.º 1442/07, de 2008.03.12, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005 (também em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade a norma constante do art. 77.º do CPT/99 “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição de recurso com referência a que se apresenta a arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço do tribunal superior”.
Mas tem sido igualmente jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a de não ser inconstitucional o entendimento de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, in D.R., II Série, de 2000.12.13, reportado ao artigo 72º n.º 1 do CPT/81 e n.º 439/2003, in www.tribunalconstitucional.pt, reportado ao artigo 77º n.º 1 do CPT/99).
No fundo, apenas se admite ser desproporcionado que, relativamente aos recursos interpostos das decisões proferidas em 1.ª instância, o tribunal ad quem decline o seu conhecimento quando o recorrente referencia genericamente a existência do vício decisório no dito requerimento, mas vem a efectivar a sua substanciação no corpo alegatório de forma clara e autónoma. Embora este comportamento não observe inteiramente o prescrito no art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, admite-se que nestas situações o tribunal superior aprecie a questão da nulidade a que o recorrente alude em termos gerais no requerimento, desde que a motivação desta, no corpo da alegação, se mostre explanada de forma expressa e de molde a facilitar ao juiz a percepção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que está colocada a questão da nulidade da sentença.
Mas não é isso que ocorre no caso sub judice, pois a recorrente não chega sequer a arguir as nulidades no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal da 1.ª instância, aí não lhes fazendo qualquer referência.
Note-se que nunca a esta instância se colocaria a questão de determinar o aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal a quo, uma vez que os artigo 652.º e ss. do Código de Processo Civil conferem ao relator a incumbência de dirigir o processo e deferir os termos do recurso até final pressupondo, portanto, ultrapassada a fase que se processa na 1.ª instância, em que é apreciado aquele requerimento dirigido ao tribunal a quo. Acresce que, de acordo com os artigos 652.º, n.º 1, alínea a), 653.º, 654.º e 639.º, n.º 3, do CPC, as funções correctivas que são cometidas ao relator, para além do poder de corrigir o efeito atribuído ao recurso e de corrigir o respectivo modo de subida, se circunscrevem à possibilidade de emitir despacho de aperfeiçoamento das conclusões das alegações[2].
Assim, uma vez que as nulidades da sentença não foram oportunamente arguidas como comanda o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – e independentemente da avaliação do seu mérito e, até, da adequação dos fundamentos invocados na apelação às hipóteses de nulidade da sentença previstas na lei –, não pode apreciar-se a argumentação da recorrente no sentido de saber se verificam as apontadas nulidade da sentença nos termos do preceituado no artigo 615.º do Código de Processo Civil[3].
Não se conhece, pois, das arguidas nulidades.
*
4. Fundamentação de facto
*
4.1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1. O réu (R., de ora em diante) C… celebrou em 31.JAN.08 com a autora (A., de ora em diante) B… um contrato de trabalho a termo certo, mediante a retribuição mensal inicial de €3.101,87 e com a duração de 01.FEV.08 a 31.JAN.11, renovável até ao limite de 5 anos, para aquela desempenhar as funções de Investigadora Auxiliar.
2. Em 2008, a remuneração acordada foi actualizada para o montante de €3.191,82.
3. Esse contrato de trabalho renovou-se em Fevereiro de 2011 e em Fevereiro de 2012, tendo cessado, por caducidade, em 31.JAN.13.
4. No contrato referido no ponto 1., as partes estipularam que o mesmo era celebrado nos termos do art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, al. g) da Lei 99/03, de 27.AGO e que, para a integração das lacunas e para a resolução de dúvidas emergentes do estipulado pelas partes se aplicariam as disposições do DL. 125/99, de 20.ABR. e da Lei 99/03, de 27.AGO.
5. A remuneração paga pelo R. à A. e demais investigadores ao seu serviço provinha de fundos transferidos para o R. pela D….
6. O montante desses fundos provenientes da D… ascendiam a cerca de 50% das receitas do R.
7. As receitas restantes procediam de prestação de serviços efectuadas pelo R. a entidades terceiras e da actividade de investigação realizada pelo demandado.
8. O R. recebeu, em data anterior a 31.JUL.12, uma comunicação da D…, no âmbito do Contrato-Programa celebrado com o demandado, no sentido de proceder à aplicação dos cortes e reduções remuneratórias determinados pela entrada em vigor da Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2012), pelo que o R. suspendeu os pagamentos dos subsídios de férias e Natal aos investigadores ao seu serviço, não só no ano de 2012, como posteriormente em 2013, por força da Lei do Orçamento do Estado de 2013.
9. Em 31.JUL.12, A. e R. subscreveram um denominado Acordo, pelo qual ajustaram que o R. efectuaria o pagamento do subsídio de férias devido à A. logo que ficasse esclarecida a questão decorrente de a D… ter informado o R. que não seriam transferidos para o demandado os montantes correspondentes a essa retribuição, nem os mesmos seriam elegíveis para efeitos de reembolso, relativamente aos investigadores e técnicos ao seu serviço cuja remuneração fosse directamente imputada aos fundos recebidos pelo R. da D….
10. Por isso, o R. não pagou à A., a partir desse ano de 2012, o subsídio de férias.
11. Até 31.JAN.13, o R. nada entregou à A., nem nas datas legais, nem em nenhum outro momento, para pagamento dos subsídios de férias e de natal do ano de 2012.
12. A A. não gozou, em 2013, quaisquer férias, cujo direito se venceu em Janeiro de 2013, nem recebeu o respectivo subsídio.
13. Através de escrito particular datado de 15.FEV.13, A. e R. reconheceram a cessação, por caducidade, do referido contrato de trabalho e acordaram nos termos do pagamento fraccionado, à A. pelo R., do valor de €20.721,71 (vinte mil setecentos e vinte e um euros e setenta e um cêntimos), a satisfazer em seis prestações mensais e sucessivas de €3.450,00 cada, a partir de 25.FEV.13.
14. Nesse mesmo documento, as partes fizeram constar que aquele valor correspondia a uma compensação pela caducidade do contrato de trabalho que a ambas vinculava, à razão de dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo.
15. O R. não pagou à A. qualquer outro valor para além daquele referido no ponto 13.
[...]»
*
4.2. No decurso das suas alegações, a recorrente indica que impugna a decisão de facto e defende que se impõe darem-se como provados os factos constantes dos artigos 15.º, 16.º e 17.º da contestação por ter sido realizada prova cabal no sentido da sua demonstração, vindo nas conclusões a afirmar que ficou cabalmente demonstrado que sempre informou a recorrida da necessidade e obrigatoriedade de efectuar os cortes relativos aos subsídios e que não ficou provado que a recorrida não tenha gozado férias, tanto mais que as mesmas não eram formalmente marcadas, e que lhe cabia esse ónus probatório (conclusões III e IV).
4.2.1. Como ressalta da mera leitura das conclusões da apelação, nelas não são indicados quais os pontos de facto que a recorrente entende mal julgados por referência ao elenco fixado na sentença ou ao alegado nos articulados, limitando-se a recorrente a fazê-lo no corpo das alegações.
Segundo Lopes do Rego, “[a] expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente”.[4]
Ora, como é consensual na jurisprudência, uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária a indicação, nas conclusões, pelo menos, dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda.
Quanto à indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância em conformidade com o que estabelece o artigo 640.º do CPC, admite-se que a mesma possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação[5]. Mas a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
Na palavra do douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, “enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”.
No caso vertente, a despeito de as conclusões apresentadas pela recorrente restringirem claramente a impugnação de facto (das conclusões III e IV pode descortinar-se uma crítica à decisão de facto), não deixaremos de analisar também a sua alegação na parte em que a mesma contende com factos que se encontram plenamente provados nos autos, vg. através de documento com força probatória plena, tendo em consideração os poderes oficiosos nque nesta matéria cabem à Relação. Com efeito, nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito) pelo que, de acordo com estas prescrições legais, o Tribunal da Relação deve ter em consideração os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância, se relevantes para a decisão do pleito.
4.2.2. É o seguinte o teor da alegação constante da contestação que a recorrente diz estar provada:
«15. Acresce que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e Ré se insere, tal como indicado na sua cláusula “Segunda”, que se transcreve: “…em razão da duração do projecto C1… financiado no quadro o programa C2… e cuja instituição proponente é o C….”
16. Razão pela qual o contrato em causa se encontrava igualmente subordinado à lei especial – Decreto-Lei 125/99, de 20 de Abril, conforme disposto na cláusula “Sétima”, sob a epígrafe “Lacunas e dúvidas”, e que corresponde ao regime jurídico aplicável às instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico.
17. Configurando uma situação especial face ao universo de contratos individuais de trabalho regulados pelo Código do Trabalho.»
Como bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, para além da reprodução de cláusulas do contrato de trabalho celebrado entre as partes, esta matéria não contém factos mas juízos conclusivos e matéria de direito, indicando qual o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho, pelo que não pode integrar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nos termos do preceituado nos artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil, apenas os factos são objecto de prova e, por isso, o artigo 607.º, n.º 3 do CPC prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados”. O direito aplica-se a um conjunto de factos, que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos, não estando o juiz “sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (artigo 5.º, n.º 3 do CPC).
Ora, têm natureza eminentemente jurídica e não devem integrar o elenco dos factos provados, nem constituir objecto da instrução, as afirmações de que o contrato “se encontrava igualmente subordinado à lei especial” e de que o mesmo “configura uma situação especial face ao universo de contratos individuais de trabalho regulados pelo Código do Trabalho”. Aliás, a própria R. retira tais conclusões na sua contestação da análise do que as partes acordaram nas cláusulas contratuais que referencia nos artigos 15.º e 16.º da contestação, estas sim – enquanto expressão concreta da vontade das partes expressa no documento – inseríveis no domínio dos factos. Nunca poderiam, pois, aquelas afirmações constar da decisão de facto.
De todo o modo, uma vez que o contrato de trabalho celebrado entre as partes que se encontra nos autos foi junto pela A. e não impugnado pela R., que veio igualmente a juntá-lo (cfr. o artigo 376.º do Código Civil), altera-se o ponto 4. da matéria de facto de modo a inscrever no mesmo de forma fidedigna o que efectivamente as partes fizeram constar das indicadas cláusulas contratuais, ficando o mesmo com a seguinte redacção:
4 – No contrato referido no ponto 1., celebrado entre as partes em 31 de Janeiro de 2008, ficou clausulado, além do mais, o seguinte:
«Segunda (Justificação do Termo)
O presente contrato é celebrado, nos termos do disposto nos números 1 e 2, alínea g) do artigo 129.º, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto e vigorará pelo prazo estabelecido na cláusula anterior em razão da duração do projecto C1… financiado no quadro do programa C2… e cuja instituição proponente é o C….
(…)
Sétima (Lacunas e dúvidas)
Na integração das lacunas e resolução das dúvidas eventualmente emergentes do clausulado do presente contrato, aplicar-se-ão as disposições do Decreto-Lei 125/99, de 20 de Abril e da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.»
4.2.3. No que diz respeito à alegação de estar provado que a recorrente sempre informou a recorrida da necessidade e obrigatoriedade de efectuar os cortes relativos aos subsídios (conclusão III), é manifesta a sua irrelevância para afirmar o eventual direito aos subsídios, afirmação que resultará da análise do regime jurídico aplicável, independentemente das informações que tenham sido prestadas pelo empregador e da sua convicção quanto à necessidade e obrigatoriedade da suspensão do pagamento. Embora possa descortinar-se algum interesse nesta convicção e informação para aferir da boa fé na conduta do empregador, uma vez que no ponto 9. da decisão de facto, se encontram provados os termos do acordo subscrito pelas partes logo em 31 de Julho de 2012, segundo o qual as partes “ajustaram que o R. efectuaria o pagamento do subsídio de férias devido à A. logo que ficasse esclarecida a questão decorrente de a D… ter informado o R. que não seriam transferidos para o demandado os montantes correspondentes a essa retribuição, nem os mesmos seriam elegíveis para efeitos de reembolso, relativamente aos investigadores e técnicos ao seu serviço cuja remuneração fosse directamente imputada aos fundos recebidos pelo R. da D…, cremos que este ponto 9. da decisão é suficiente para se considerar demonstrado nos autos que a recorrente informou a recorrida (correcta ou incorrectamente, não é disso que estamos por ora a aferir) das razões que, segundo entendia, determinaram a suspensão do pagamento dos subsídios em causa a partir de 2012.
4.2.4. Ainda neste âmbito da decisão de facto, também não pode acolher-se a alegação da recorrente de que não ficou provado que a recorrida não tenha gozado férias, com fundamento no facto de as mesmas não serem formalmente marcadas e de lhe caber o ónus probatório da falta de gozo das férias vencidas no ano de 2013 (conclusão IV).
Pretenderá a recorrente referir-se ao ponto 12. da decisão de facto da sentença, correspondente à alegação que fez a A. no artigo 7.º da petição inicial de que não gozou em 2013 as férias vencidas nesse ano.
Analisada a contestação, verifica-se que, apesar do que diz relativamente ao sistema de marcação de férias e à possibilidade de a A. as ter gozado no mês de Janeiro em que cessou o contrato de trabalho, a R. confessa ter pago uma remuneração “a título de férias não gozadas” conforme discrimina (artigo 9.º da contestação) e conclui que desta forma “só poderia ser reclamado pela Autora, as quantias eventualmente exigíveis a título de subsídio de férias e subsídio de Natal” (artigo 10.º da contestação).
Assim, a sentença da 1.ª instância considerou provado que a A. não gozou as férias que se venceram em Janeiro de 2013 (facto 12.) e outra coisa não podia ter feito na medida em que a recorrente, apesar do que alegou quanto ao sistema de marcação de férias, aceitou expressamente aquele facto alegado pela A. no artigo 7.º da petição inicial, aceitação que consubstancia confissão judicial espontânea, pela Ré, do facto ali alegado pela A. (cfr. os artigos 352.º, 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, todos do Código Civil).
Tendo em consideração que a única retribuição de férias pedida na petição inicial é a vencida em 1 de Janeiro de 2013 (para além dos proporcionais relativos a um mês de vigência do contrato nesse ano), é manifesto que as férias não gozadas a que se reporta a contestante, e cujo pagamento alega ter feito com vista a não ser condenada no respectivo montante, são as vencidas em 1 de Janeiro de 2013 pelo que, por força da aludida confissão e independentemente das regras da ónus da prova nesta matéria, bem andou o tribunal a quo em considerar provado que as mesmas não foram gozadas nesse ano e nada há a alterar a este propósito.
*
5. Fundamentação de direito
5.1. O contrato de trabalho sub judice foi celebrado entre uma pessoa singular e uma associação de direito privado sem fins lucrativos em 31 de Janeiro de 2008 e, ulteriormente renovado, vindo a cessar por caducidade em 31 de Janeiro de 2013.
Como dos seus próprios termos consta, foi o mesmo celebrado nos termos do disposto no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (cláusula 2.ª), convocando ainda o texto do convénio, para a resolução das “lacunas e dúvidas”, além do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, o disposto no Decreto-Lei 125/99, de 20 de Abril (cláusula 7.ª), diploma que estabelece o quadro normativo aplicável às instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico.
É assim de concluir que o referido contrato se mostrou sucessivamente sujeito ao Código do Trabalho de 2003 e ao Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, cuja lei preambular revogou o primeiro. Este Código passou a aplicar-se às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos após a sua entrada em vigor (dia 17 de Fevereiro de 2009 — artigo 2.º da Lei).
Como lei de aplicação subsidiária (para as lacunas e dúvidas), há ainda que ter presente o Decreto-Lei 125/99, de 20 de Abril, para o qual remete a cláusula 7.ª do contrato de trabalho, além de uma redundante remissão para o Código do Trabalho já anteriormente referenciado no texto contratual (cláusulas 2.ª e 6.ª) e que naturalmente rege em primeira linha as relações laborais estabelecidas entre um particular e uma pessoa colectiva de direito privado.
*
5.2. A sentença da primeira instância condenou a recorrente a pagar à recorrida “a quantia de € 10.168,83 (dez mil, cento e sessenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), a título de subsídio de férias de 2012, de subsídio de Natal de 2012 e de subsídio de férias de 2013” e, em fundamento da sua decisão, exarou o seguinte:
«[…]
Percorrendo a matéria de facto provada, verifica-se que o R. não pagou à A., a partir do ano de 2012, o subsídio de férias, que, até 31.JAN.13, o R. nada entregou à A., nem nas datas legais, nem em nenhum outro momento, para pagamento dos subsídios de férias e de natal do ano de 2012 e que a A. não gozou, em 2013, quaisquer férias, cujo direito se venceu em Janeiro de 2013, nem recebeu o respectivo subsídio (pontos 10. a 12.)
5. O réu, não contestando que efectivamente incumpriu essa sua obrigação, sustenta que tal resultou da circunstância de a remuneração paga pelo R. à A. e demais investigadores ao seu serviço provir de fundos transferidos para o R. pela D…. e que, em data anterior a 31.JUL.12, recebeu uma comunicação da D…, no âmbito do Contrato-Programa celebrado com tal organismo, no sentido de proceder à aplicação dos cortes e reduções remuneratórias determinados pela entrada em vigor da Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2012), pelo que suspendeu os pagamentos dos subsídios de férias e Natal aos investigadores ao seu serviço, não só no ano de 2012, como posteriormente em 2013, por força da Lei do Orçamento do Estado de 2013.
6. Com efeito, demonstrou-se que a remuneração paga pelo R. à A. provinha de transferências da D… (ponto 5.) e que, por informação daquela D…, não seriam transferidos para o demandado os montantes correspondentes a subsídio de férias, nem os mesmos seriam elegíveis para efeitos de reembolso, relativamente aos investigadores e técnicos ao seu serviço cuja remuneração fosse directamente imputada aos fundos recebidos pelo R. da D… (pontos 8. e 9.).
7. Não obstante, importa não perder de vista que os fundos da D… não são a exclusiva fonte de rendimentos e de financiamento do R. 8. Com efeito, o montante desses fundos provenientes da D… ascendiam a cerca de 50% das receitas do R., sendo que as receitas restantes procediam de prestação de serviços efectuadas pelo R. a entidades terceiras e da actividade de investigação realizada pelo demandado (pontos 6. e 7.).
9. Por outro lado, em parte alguma do contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes se faz depender o pagamento de quaisquer parcelas da sua remuneração do pagamento ou reembolso por terceiros (designadamente a D…) das verbas a ela referentes.
10. Por outro lado, a referência que se faz nesse contrato ao DL 125/99, de 20.ABR em nada contende com o que se acaba de referir, uma vez que esse diploma legal não contém qualquer norma atinente ao modo e modalidade de retribuição dos investigadores ao serviço de instituições particulares de investigação, como é o caso do réu.
11. Ora, considerando que os fundos provenientes da D… ascendiam a cerca de 50% das receitas do R. e que as receitas restantes procediam de prestação de serviços efectuadas pelo R. a entidades terceiras e da actividade de investigação realizada pelo demandado (pontos 6. e 7.), não estava o mesmo impossibilitado de proceder ao pagamento das quantias que, reconhecidamente, deve à autora.
12. É certo poder argumentar-se que por força do acordo ajustado entre as partes, em 31.JUL.12 (ponto 9.), o réu não tinha que efectuar o pagamento reclamado pela autora, enquanto não ficasse definitivamente esclarecida a questão.
13. Porém, uma vez que, em 15.FEV.13, A. e R. reconheceram a cessação, por caducidade, do referido contrato de trabalho e acordaram nos termos do pagamento fraccionado, à A. pelo R., do valor de €20.721,71 (vinte mil setecentos e vinte e um euros e setenta e um cêntimos), a satisfazer em seis prestações mensais e sucessivas de €3.450,00 cada, a partir de 25.FEV.13 (ponto 13.), a cessação do contrato de trabalho que unia ambas as partes pôs necessariamente termo a esse convénio.
14. Daí que, como o réu nada mais pagou à A. para além do resultante desse acordo (ponto 15.) e que esse pagamento correspondia a uma compensação pela caducidade do contrato de trabalho que a ambas vinculava, à razão de dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo (ponto 13.), resulta daí que o demandado seja devedor da autora pelos montantes referentes créditos salariais referentes a subsídio de férias de 2012, de subsídio de Natal de 2012 e de subsídio de férias de 2013; mais pretende a demandante que a R. lhe pague as remunerações referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho por si prestado no ano de 2013, que ascendem a €13.565,25.
15. Como, por força dos pagamentos efectuados pelo réu à autora em cumprimento do acordado pelas partes em Fevereiro de 2013, o réu já havia pago mais do qua a compensação devida (que era de €17.325,29), resta ser o réu devedor da diferença, que se cifra em €10.168,83.
[…]»
A recorrente, por seu turno, defende que a factualidade provada, não podia permitir ao tribunal invocar e determinar a existência de receitas próprias da recorrente para fundamentar o pagamento das quantias em causa e que a decisão da 1.ª instância carece de suporte legal, atenta a natureza especial do contrato e da entidade, o mesmo se passando com a forma como o tribunal fez caducar a vontade das partes e a condição suspensiva a que a recorrida se sujeitou com a assinatura de um acordo e a expectativa de emissão de um Parecer da Procuradoria Geral da República (conclusões V a VII).
Resulta da alegação desenvolvida no corpo da alegação que, na perspectiva da recorrente, é a natureza especial do contrato de trabalho, porque enquadrado no D.L nº 125/99, de 20 de Abril, que permite a aplicação dos cortes e reduções remuneratórias a todas as instituições de investigação científica e desenvolvimento tecnológico incluídas no Sistema Científico Nacional.
Adiantando, devemos dizer que não lhe assiste razão, a nosso ver, sendo de subscrever o juízo decisório da 1.ª instância, também sufragado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto Parecer, embora com fundamentação não inteiramente coincidente.
Senão vejamos.
*
5.3. Quer no âmbito da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12 (Orçamento do Estado para 2012), quer no âmbito da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2013), os preceitos que estabelecem a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal em 2012 e, em 2013, a suspensão do subsídio de férias, inserem-se no capítulo III de cada uma das leis, cuja epígrafe é, nos dois sucessivos, diplomas “[d]isposições relativas a trabalhadores do sector público” e “[d]isposições relativas a trabalhadores do setor público, aquisição de serviços, proteção social e aposentação ou reforma”.
É o seguinte o teor do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011:
«Artigo 21.º
Suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes
1 - Durante a vigência do Programa de Assistência Eco­nómica e Financeira (PAEF), como medida excecional de estabili­dade orçamental é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja superior a € 1100.
2 - As pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100, ficam sujeitas a uma redução nos subsídios ou prestações previstos no número anterior, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídios/prestações = 1320 – 1,2 X remuneração base mensal.
3 – O disposto nos números anteriores abrange todas as prestações, independentemente da sua designação formal, que, direta ou indiretamente, se reconduzam ao pagamento dos subsídios a que se referem aqueles números, designadamente a título de adicionais à remuneração mensal.
4 – O disposto nos n.os 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de serviços celebrados com pessoas singulares ou coletivas, na modalidade de avença, com pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de uma ou duas prestações de igual montante.
5 – O disposto no presente artigo aplica-se após terem sido efetuadas as reduções remuneratórias previstas no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, bem como do artigo 23.º da mesma lei.
6 – O disposto no presente artigo aplica-se aos subsídios de férias que as pessoas abrangidas teriam direito a receber, quer respeitem a férias vencidas no início do ano de 2012 quer respeitem a férias vencidas posteriormente, incluindo pagamentos de proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de emprego.
7 – O disposto no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, ao subsídio de Natal.
8 – O disposto no presente artigo aplica -se igualmente ao pessoal na reserva ou equiparado, quer esteja em efetividade de funções quer esteja fora de efetividade.
9 – O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.»
E o equivalente artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, este relativo apenas ao subsídio de férias (já que quanto ao subsídio de Natal foi previsto o seu pagamento em duodécimos), estabelece o seguinte:
«Artigo 29.º
Suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalente
1 — Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 27.º cuja remuneração base mensal seja superior a € 1100.
2 — As pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 27.º cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100 ficam sujeitas a uma redução no subsídio de férias ou nas prestações correspondentes ao 14.º mês, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídio/prestações = 1320 – 1,2 × remuneração base mensal.
3 — O disposto nos números anteriores abrange todas as prestações, independentemente da sua designação formal, que, direta ou indiretamente, se reconduzam ao pagamento do subsídio de férias a que se referem aqueles números, designadamente a título de adicionais à remuneração mensal.
4 — O disposto nos n.os 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de serviços celebrados com pessoas singulares ou coletivas, na modalidade de avença, com pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de duas prestações de igual montante.
5 — O disposto no presente artigo aplica -se após terem sido efetuadas as reduções remuneratórias previstas no artigo 27.º, bem como as constantes do artigo 31.º
6 — O disposto nos números anteriores aplica -se ao subsídio de férias que as pessoas abrangidas teriam direito a receber, incluindo pagamentos de proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de emprego.
7 — O disposto nos números anteriores aplica -se igualmente ao pessoal na reserva ou equiparado, quer esteja em efetividade de funções quer esteja fora de efetividade.
8 — O Banco de Portugal, no quadro das garantias de independência estabelecidas nos tratados que regem a União Europeia, toma em conta o esforço de contenção global de custos no setor público refletido na presente lei, ficando habilitado pelo presente artigo a decidir, em alternativa a medidas de efeito equivalente já decididas, suspender o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês aos seus trabalhadores durante o ano de 2013, em derrogação das obrigações decorrentes da lei laboral e dos instrumentos de regulamentação coletiva relevantes.
9 — O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.»
As pessoas referidas no n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, que foram abrangidas pela medida de suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes, decretada pelo transcrito artigo 21.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, são as seguintes:
«a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro -Ministro;
d) Os Deputados à Assembleia da República;
e) Os membros do Governo;
f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;
g) Os Representantes da República para as regiões autónomas;
h) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
i) Os membros dos governos regionais;
j) Os governadores e vice-governadores civis;
l) Os eleitos locais;
m) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da Assembleia da República;
n) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice -Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do Presidente e Vice -Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça e do Procurador -Geral da República;
o) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas;
p) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios;
q) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;
r) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º e nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64 -A/2008, de 31 de dezembro, e 3 -B/2010, de 28 de abril, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária;
s) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;
t) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial;
u) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;
v) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efetividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no ativo.»
O artigo 27.º, n.º 9 da Lei n.º 66-B/2012, para que remete o transcrito artigo 29.º, n.º 1 do mesmo diploma, fixa idêntico elenco, apenas não contemplando os governadores e vice-governadores civis [da anterior alínea j)] e incluindo ex novo os trabalhadores das “entidades reguladoras independentes” na alínea q) [correspondente à anterior alínea s)] e os trabalhadores e dirigentes das “fundações públicas de direito privado” na alínea s) [correspondente à anterior alínea u)].
Ora a recorrente é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, que não se enquadra naquele elenco legal, o mesmo sucedendo com a recorrida, nada permitindo que esta se possa qualificar como uma trabalhadora do “sector público” (ou que aufere pensões de reforma ou aposentação através do sistema público de segurança social), o que desde logo afasta a subsunção do contrato de trabalho que vinculou as partes, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho e submetido em primeira linha às normas desta lei geral do trabalho, a qualquer das prescrições legais dos referidos capítulos III das sucessivas Leis do Orçamento do Estado de 2012 e 2013, todas direccionadas para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades públicas.
Mesmo a norma do art. 22.º da Lei n.º 64-B/2011 (a que corresponde o artigo 32.º da Lei n.º 64-B/2011) se inscreve neste mesmo capítulo III, contemplando apenas pessoas que trabalham no sector público e, por isso, auferem remunerações salariais directamente de entidades públicas.
Ao estabelecer que “[d]urante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), e no âmbito dos contratos-programa celebrados entre a D,…, e as instituições do sistema científico e tecnológico nacional, nelas se incluindo as instituições de ensino superior públicas, não são deduzidos às transferências a realizar por aquela D… os montantes correspondentes aos subsídios de férias e de Natal ou equivalentes sempre que se comprove que igual redução é feita no orçamento da entidade beneficiária da transferência”, esta norma reporta-se claramente a instituições do sistema científico e tecnológico nacional já contempladas no orçamento de Estado e visa obstar a uma dupla redução dos proventos auferidos pelos trabalhadores do sector público que nelas prestam a sua actividade, nada justificando que a mesma estenda os seus efeitos a trabalhadores do sector privado, ainda que as entidades empregadoras privadas beneficiem de financiamento da D….
Não logra, pois, aplicação às instituições particulares que se vinculam laboralmente perante os seus trabalhadores e que assumem a obrigação de lhes satisfazer periodicamente as prestações convencionadas no contrato e as que a lei laboral comum coloca a ser cargo, como ocorre com os subsídios de férias e de Natal – cfr. os artigos 263.º e 264.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2009, em vigor à data a que se reportam os pedidos formulados na petição inicial.
*
5.4. Por outro lado, a circunstância de ao contrato de trabalho sub judice se aplicarem, subsidiariamente e com vista à integração de lacunas e resolução das dúvidas emergentes do nele clausulado, as disposições do Decreto-Lei n.° 125/99, não altera os dados do problema pois que em nada bole com a natureza privada do contrato e das pessoas nele coenvolvidas. Além disso, este diploma que estabelece o quadro normativo aplicável às instituições que se dedicam à investigação científica e desenvolvimento tecnológico não contém quaisquer regras que permitam a equiparação dos investigadores ao serviço de entidades privadas aos trabalhadores do sector público, vg. para efeitos de submissão destes às regras das Leis do Orçamento de Estado que directamente os não contemplam.
Aliás, é de notar que o diploma estabelece regimes diferenciados, mesmo ao nível dos princípios gerais aplicáveis às instituições científicas e de desenvolvimento tecnológico, consoante se trate de instituições públicas ou de instituições particulares de investigação integradas em programas de financiamento público. É o que sucede com o artigo 11.º, que não estende a estas instituições particulares os princípios relativos à mobilidade dos recursos humanos. Por seu turno o artigo 14.º, que contém as disposições relativas aos recursos humanos, reporta-se inequivocamente aos “laboratórios do Estado” e às “outras instituições públicas de investigação”.
O Decreto-Lei n.° 125/99 destina-se primordialmente a definir o estatuto das instituições públicas de investigação, limitando a modelação do regime das instituições particulares beneficiárias de financiamento estatal, cujos princípios de auto-organização e auto-regulação ressalva, à necessidade de observar determinados princípios organizativos e de adoptar um limitado conjunto de regras incidentes sobre a respectiva orgânica (cfr. os artigos 5.º, 11.º, n.º 2 e 20.º, n.º 4).
Esta intenção resulta do próprio preâmbulo do diploma, onde o legislador anunciou que no mesmo “também” se modela o regime das instituições particulares objecto de financiamento estatal, mas “[s]em prejuízo dos princípios de auto-organização e auto-regulação, as instituições particulares de investigação e desenvolvimento beneficiárias de financiamento público deverão observar determinados princípios organizativos e adoptar um limitado conjunto de regras incidentes sobre a respectiva orgânica”, concluindo que, no fundo se trata de “estabelecer condições a que se sujeita a concessão daquele financiamento”.
Por isso se compreende a atenção conferida no diploma às avaliações externas, periódicas ou excepcionais, das quais depende a eventual correcção e continuidade dos financiamentos públicos de que são beneficiárias as instituições científicas e de desenvolvimento tecnológico (artigos 29.º e 30.º) e se compreende também que nele se não descortine qualquer norma que regule o modo e modalidade da retribuição e dos subsídios a conferir aos investigadores ao serviço de instituições particulares de investigação, ou que os equipare de qualquer modo aos trabalhadores do sector público para estes efeitos.
Nunca seria pois, pela via da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n.° 125/99 ao contrato de trabalho sub judice que poderia afirmar-se a submissão do mesmo à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal vencidos em 2012 prescrita na Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), ou à suspensão do subsídio de férias vencido em 2013 e prescrita na Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013).
*
5.5. A recorrente invoca ainda os efeitos ex nunc do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2012, com reflexos não só em entidades pertencentes à Administração Pública tradicional, como nos organismos de direito público equivalentes inscritos nas sucessivas Leis do Orçamento de Estado desde o ano de 2012.
É certo que este aresto publicado no DR, série I, de 20 de Julho de 2012 declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012)” e, ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determinou “que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012”.
Simplesmente, para que esta ressalva dos efeitos da lei relativos ao ano de 2012 e a consequente suspensão dos subsídios vencidos nesse ano operasse, necessário seria que a mesma abarcasse na sua hipótese a relação laboral sub judice o que, como vimos, não ocorre.
Aliás, deve notar-se que a própria recorrente, na sua alegação, limita os reflexos dos indicados efeitos ex nunc do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2012 às “entidades pertencentes à Administração Pública tradicional” e aos “organismos de direito público equivalentes inscritos nas sucessivas Leis do Orçamento de Estado desde o ano de 2012”, não referenciando as associações de direito privado.
*
5.6. Alega ainda a recorrente que carece de suporte legal a forma como o tribunal fez caducar a vontade das partes e a condição suspensiva a que a recorrida se sujeitou com a assinatura de um acordo e a expectativa de emissão de um Parecer da Procuradoria Geral da República.
A este propósito, ficou provado que em 31 de Julho de 2012, A. e R. subscreveram um denominado Acordo, pelo qual ajustaram que o R. efectuaria o pagamento do subsídio de férias devido à A. logo que ficasse esclarecida a questão decorrente de a D… ter informado o R. que não seriam transferidos para o demandado os montantes correspondentes a essa retribuição, nem os mesmos seriam elegíveis para efeitos de reembolso, relativamente aos investigadores e técnicos ao seu serviço cuja remuneração fosse directamente imputada aos fundos recebidos pelo R. da D… e que, por isso, a R. não pagou à A., a partir desse ano de 2012, o subsídio de férias e até 31 de Janeiro de 2013, nada entregou à A. para pagamento dos subsídios de férias e de natal do ano de 2012 (factos 9. a 11.).
Temos que reconhecer o carácter sui generis deste convénio, fazendo depender a exigibilidade de subsídios de férias do esclarecimento de dúvidas sobre se os mesmos são ou não devidos, embora possa compreender-se que as partes tenham ficado com tais dúvidas em face da informação da D… à recorrente no sentido de proceder à aplicação dos cortes e reduções remuneratórias determinados pela entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2012) e de que não seriam transferidos para a recorrente os montantes correspondentes a essa retribuição.
Contudo, dado que a própria lei admite o relevo da vontade das partes quanto ao momento do pagamento do subsídio de férias (o n.º 3 do artigo 264.º do Código do Trabalho de 2009 ressalva o “acordo escrito em contrário”), o acordo deverá ser tido como válido nesta perspectiva da possibilidade de diferir o pagamento do subsídio para momento ulterior ao do gozo das férias.
De todo o modo, independentemente da legalidade da moratória estabelecida em tal acordo, a verdade é que no mesmo não se fez depender a exigibilidade do subsídio de férias de 2012 da concreta emissão do Parecer da PGR, como agora parece defender a recorrente, acordando-se simplesmente em que tal valor não será pago “até que se encontrem esclarecidas as dúvidas suscitadas, sem prejuízo da situação ser reposta logo que possível” (vide o documento de fls. 36).
Seja como for, com a cessação do contrato os créditos relativos a subsídios de férias tornam-se imediatamente exigíveis, começando então a correr o prazo prescricional previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho para o exercício do direito respectivo, deixando o acordo referido de constituir obstáculo ao reconhecimento judicial dos créditos em causa (que sempre dissipa as dúvidas sobre a sua exigibilidade) e à condenação da empregadora no seu pagamento à ora recorrida.
*
5.7. No que concerne à alegação da recorrente de que a factualidade provada, não podia permitir ao tribunal invocar e determinar a existência de receitas próprias da recorrente para fundamentar o pagamento das quantias em causa, carece a mesma de relevo na medida em que, como decorre do exposto, a nossa consideração de que o contrato de trabalho sub judice não se encontra sujeito às suspensões de subsídios determinadas pelas Leis do Orçamento de Estado de 2012 e 2013 não depende do peso percentual do financiamento da D… nas receitas da recorrente, mas da natureza privada desta e da não consideração da recorrida como trabalhadora do sector público ou de algum modo submetida às enunciadas prescrições legais dos Decretos-Lei n.°s 64-B/2011 e 66-B/2012, nesta estrita medida não se acompanhando cabalmente a fundamentação da sentença sob censura, cuja decisão final, não obstante, se acolhe em conformidade com o exposto.
*
5.8. Finalmente, é de notar que a recorrente não questionou autonomamente a condenação em juros moratórios nem o dies a quo fixado na sentença para a sua contagem.
Nos termos do preceituado no artigo 635.º, n.º 5 do Código de Processo Civil “[o]s efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo,”
Assim, tendo em consideração que o decidido em 1.ª instância com fundamento não impugnado não pode ver os respectivos efeitos modificados no recurso de apelação interposto daquela sentença, uma vez reconhecido o direito da recorrida aos subsídios em causa, resta confirmar in totum a decisão final da 1.ª instância, negando provimento ao recurso.
*
5.9. As custas do recurso interposto da sentença final deverão ser suportadas pela R. recorrente, que nele decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
*
6. Decisão
Em face do exposto:
6.1. altera-se o ponto 4. da decisão de facto nos termos sobreditos;
6.2. nega-se provimento ao recurso, confirmando a decisão final constante da sentença da 1.ª instância.
Custas pela R..
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 15 de Junho de 2015
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
___________
[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Vide António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 2014, p. 122.
[3] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2010, Processo: 08S3846, in www.dgsi.pt.
[4] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 608.
[5] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.02.23, Processo n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1 e, mais recentemente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 e de 04 de Março de 2015, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt.
______________
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
As disposições da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12 (Orçamento do Estado para 2012) e da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2013) que estabelecem a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal em 2012 e, em 2013, a suspensão do subsídio de férias, aplicam-se, tão só, aos trabalhadores do sector público nelas referenciados, e não a trabalhadores de uma associação de direito privado sem fins lucrativos, ainda que a remuneração dos trabalhadores desta provenha de fundos transferidos pela D….

Maria José Costa Pinto