Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1846/16.3T9PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: RP202012021846/16.3T9PVZ.P1
Data do Acordão: 12/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A legitimidade de demandante é definida pela causa de pedir vertida no articulado do pedido de indemnização civil do enxerto cível, à luz do critério previsto no artigo 74.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ponderado nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, "ex vi" do artigo 129.º do Código Penal.
II - Não se provando quaisquer danos patrimoniais ou morais diretamente emergentes da prática do crime para um(a) demandante, a questão não será de ilegitimidade – que resultaria numa absolvição da instância, por se tratar de uma exceção dilatória -, mas do mérito substancial do pedido, resultando na absolvição do pedido.
III. As responsabilidades parentais compreendem os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração integrando o dever de auxílio e assistência a obrigação de prestar alimentos, conforme decorre do artigo 1874.º, n.º 2, ainda do mesmo Código.
IV. Sendo tais obrigações conjuntas, uma violação da obrigação de prestar alimentos por parte do pai sobrecarrega diretamente a mãe do menor não só com despesas acrescidas, pois passa a ter de assegurar sozinha o sustento, a segurança, a saúde e a educação do filho, com os inerentes danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
V - Os danos patrimoniais e morais diretamente sofridos pela mãe de menor beneficiário de prestações de alimentos e emergentes da prática de crime de violação da obrigação de alimentos p. e p. pelo disposto no artigo 250.º, números 1 e 2, do Código Penal, são indemnizáveis.

(sumário elaborado pelo relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1846/16.3T9PVZ.P1
Data do acórdão: 2 de Dezembro de 2020
Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
Acordam, por unanimidade, os juízes acima identificados da 4ª Secção Judicial
- 2ª Secção Criminal -
do Tribunal da Relação do Porto
nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a demandante B…;
I – RELATÓRIO
1. A demandante deduziu um pedido de indemnização civil contra o demandado C…, no valor global “não inferior a 3.500,--€” por danos patrimoniais e 2.500,--€ para compensar danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora.
2. Efetuado o julgamento, foi proferida a sentença na primeira instância, que terminou com a absolvição da instância cível do demandado, por falta de legitimidade ativa da demandante.
3. Inconformada com tal decisão, a demandante interpôs recurso da decisão final, concluindo a motivação de recurso nos seguintes termos:
“São as seguintes questões que se submetem ao V/ Douto conhecimento para consequente reapreciação:
– O arguido C… foi condenado pela prática do crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250º, nºs 1 e 2, do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova a delinear pela DGRSP.
– Nos mesmos autos, o arguido foi absolvido da instância cível.
A Recorrente não se conforma com a decisão cível.
A Recorrente peticionou a condenação do Recorrido, tendo formulado os seguintes pedidos: Nestes termos, nos melhores de direito, deve o pedido de indemnização civil ser julgado procedente, por provado, e, por via dele, ser o arguido / R condenado a pagar à demandante, indemnização não inferior a € 2.500,00 e € 1.000,00, quanto a danos patrimoniais, e, € 2.500,00 quanto a danos não patrimoniais, respectivamente, acrescidos de juros legais, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Mais se peticiona seja o demandado condenado nas custas processuais, encargos, despesas e honorários do mandatário da ofendida, cuja determinação deve ser relegada para liquidação de sentença, nos termos do n.º 2 do Artigo 609.º do CPC.
Para tanto, requer a notificação do demandado / arguido, para contestar, querendo, no prazo de 20 dias.
Não se pode concordar com o Tribunal a quo.
Esta mesma questão encontra-se decidida a 09/01/2013 por Douto Ac. do TRP, no âmbito do processo 342/10.7TACHV.P1, Relator Senhor Juiz Desembargador JOSÉ CARRETO.
A matéria de facto considerada provada é a seguinte:
“1º - O arguido é pai do menor D…, nascido a 11-1-2005.
2º - Por decisão proferida a 12-3-2013 no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos no antigo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde sob o nº 645/12.6TMMTS, foi regulado provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais do menor, que ficou a residir com a mãe, a B…, à qual foi atribuído em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais, e o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àquele seu filho com a quantia mensal de € 100, a liquidar até ao dia 8 de cada mês através de cheque, vale postal ou transferência bancária.
3º - Mais ficou o arguido obrigado a contribuir, na proporção de metade, nas despesas escolares, médicas e medicamentosas do menor, mediante exibição da mãe dos respectivos documentos comprovativos de tais despesas.
4º - Posteriormente, em 22-9-2015, por acordo homologado naqueles autos, ficou o arguido também obrigado a contribuir com metade da despesa do ATL do menor.
5º - E, por decisão transitada em julgado em 27-4-2017 proferida naqueles autos, ficou o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àquele seu filho com a quantia mensal de € 150, a ser entregue à progenitora por qualquer meio documentado, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, prestação essa actualizada em Janeiro de cada ano em € 2.
6º - Mais ficou determinado nessa sentença que todas as despesas escolares, médicas e medicamentosas do D… seriam suportadas em igual parte por cada um dos progenitores, mediante a apresentação de comprovativo.
7º - Todavia o arguido, não obstante ter possuído meios para o fazer, não pagou, entre Abril/2013 e Dezembro/2017, as prestações de alimentos e as despesas no valor total de, pelo menos, € 3.399,00, a título de capital.
8º - Com efeito o arguido é comproprietário duma moradia de 2 pisos, com garagem, lavandaria, alpendre e logradouro, que adquiriu juntamente com a B…. e que foi a casa de morada da família, sita na Rua …, nº …, em …, imóvel esse descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 851/19981130 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1593.
9º - É também comproprietário de vários prédios rústicos e urbanos na qualidade de herdeiro de património indiviso.
10º - O arguido tem trabalhado por conta própria na actividade de decoração de montras e vitrines e tem vindo a auferir do exercício dessa actividade profissional um rendimento mensal não concretamente apurado, não inferior a € 575,00/mensais.
11º - Está colectado no Serviço de Finanças com a actividade principal de Agências de Publicidade desde 2-1-2008, e com as actividades secundárias de Manutenção e Reparação de Veículos Automóveis e Comércio de Veículos Automóveis desde 5-10-2015, encontrando-se enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral e com contabilidade organizada por opção.
12º - Residiu, pelo menos até meados de 2017, em habitação própria, na referida moradia que adquiriu com a B….
13º - É proprietário, desde 2011, do veículo da marca Hyundai, de matrícula ..-..-MM.
14º - Tem pelo menos desde 2012 uma aplicação financeira em conta poupança em títulos da dívida pública do IGCP, no montante de € 14.760.
15º - Beneficiou dos juros dessa aplicação, que em 2015 foram no montante de € 259,04 e em 2016 no montante de € 180,80.
16º - Utilizou, para a sua vida e negócios pessoais, pelo menos uma conta que abriu em Maio de 2014 no balcão de … do Banco E… em nome do filho D… com o nº ……………, e que cancelou com saldo nulo em Fevereiro/2017, tendo movimentado em seu proveito próprio, durante esse período de tempo, o montante total de € 63.781,07 nos termos constantes dos extratos de fls. 444v a 462v que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
17º - E, conforme resulta desses extratos, o arguido teve sempre disponível verba mensal suficiente para pagar a pensão de alimentos ao menor.
18º - Devido ao não pagamento das pensões de alimentos e demais despesas com o menor, foi-lhe instaurado pela B…, em Março de 2017 e por apenso àquele processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, uma execução especial por alimentos, que ainda se encontra pendente.
19º - O menor D… encontra-se, desde 2012, na dependência exclusiva da mãe, a B…, que trabalha desde 1997 como contabilista para a sociedade “F…, Lda.”, na Póvoa de Varzim, onde aufere um rendimento mensal na ordem dos € 1.000.
20º - E, como encargos tem as despesas com a renda da casa, a água, a luz, a alimentação, vestuário e saúde do seu filho e sua, bem como com a educação daquele, e ainda o IMI relativo à casa que tem em compropriedade com o arguido, despendendo mensalmente quantia superior ao seu salário, que é suportada por si e por familiares seus aos quais pede ajuda.
21º - Na verdade, a D…, para fazer face a todas as despesas, tem recorrido, desde 2012, ao auxílio económico dos pais, e é à custa destes que tanto ela como o menor sobrevivem.
22º - O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito, conseguido, de se eximir ao pagamento das prestações alimentares que sabe serem-lhe legal e judicialmente exigíveis, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
23º - Para fazer face ao sustento do seu filho menor, a demandante vê-se obrigada a limitar os seus gastos.
24º - O arguido/demandado já levou o seu filho de férias por um número não concretamente apurado de vezes.
25º - Face à conduta do arguido, a demandante vive triste, angustiada, deprimida, humilhada e vexada, designadamente por ter que recorrer ao tribunal.
26º - A demandante instaurou contra o arguido seis incidentes de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais relativas à violação do dever de prestação de alimentos, com as consequentes e inerentes deslocações à PSP, escritório do seu mandatário e aos tribunais, o que sucedeu por um número não concretamente apurado de vezes.
27º - A situação descrita em 26º acarretou para a demandante despesas com deslocações, serviços extrajudiciais e honorários de valor não concretamente apurado, bem como um dispêndio de tempo cuja quantificação não foi concretamente apurada.
28º - A conduta do arguido causa à demandante desgosto, indignação, revolta, frustração, ansiedade e agonia.
29º - Por força da conduta do arguido, a demandante fez sacrifícios económicos e viu-se obrigada a despender quantias não concretamente apuradas para suprir a falta de pagamentos por parte do arguido.
30º - Em virtude da sua conduta, a demandante foi afectada na sua paz e tranquilidade.
31º - No dia 26.02.2020, o arguido procedeu ao depósito na conta da demandante da quantia de € 970,00 por conta da dívida de alimentos ao seu filho menor D….
32º - Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, proferido a 24.10.2019, no âmbito do processo nº645/12.6TMMTS-C.P1, decidiu-se nos seguintes termos:
“Por tudo quanto ficou exposto, acorda-se nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação alterando a al. a) do dispositivo da sentença recorrida e assim reconhecer a existência de incumprimento por parte do requerido quanto à entrega da quantia global de € 3.399,00 (três mil, trezentos e noventa e nove euros), acrescida do pagamento dos juros moratórios, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações de alimentos não pagas, até integral pagamento, sendo que entretanto o Requerido pagou a quantia de € 2.429,00 (dois mil, quatrocentos e vinte e nove euros) (…)”.
33º - O arguido reside sozinho, prevendo a necessidade de mudança de residência a partir do próximo mês de abril de 2020.
34º - Despende em consumos básicos de água, electricidade e gás, as quantias, respectivamente, de € 40,00/mensais, € 40,00/mensais e € 80,00/semestrais.
35º - Tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.
36º - Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado a:
i) 28.04.2006, por sentença transitada em julgado a 15.05.2006, no âmbito do processo nº182/05.5GAVCD, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Vila do Conde, pela prática a 12.02.2005 de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 6,00.
ii) 20.09.2013, por sentença transitada em julgado a 10.02.2014, no âmbito do processo nº2471/12.3TAVCD, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Vila do Conde, pela prática a 1.10.2012 de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1, al. b), e nº2, do CP, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.
iii) 14.11.2017, por sentença transitada em julgado a 9.04.2018, no âmbito do processo nº856/14.0PAPVZ, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde (Juiz 1), pela prática a 16.10.2015 de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1, al. b),e nº2, do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.”
É muito relevante e extensa a matéria de facto provada.
Estando em causa crime de violação da obrigação de alimentos devidos ao filho, também os danos que a demandante – enquanto mãe – sofreu, têm a sua origem na prática do aludido crime de violação da obrigação de alimentos.
A possibilidade de formulação nos autos de pedido de indemnização civil, resulta na prática do crime, tendo legitimidade para a dedução o titular do direito, enquanto “… lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime … ainda que não possa constituir-se assistente” – vide artigos 71.º do CP e 74.º, n.º 1 do CPP.
Lesado directo pela prática do crime é o filho da assistente, o qual, por se tratar de menor, se encontra devidamente representado pela recorrente mãe, tendo para tal se constituído como assistente.
São estes quem podem ser considerados como lesados e, assim, deduzir pedido de indemnização civil emergente da prática do crime examinado nestes autos, que visa a protecção do direito a alimentos.
Como resulta do artigo 74.º CPP, o conceito de lesado é mais amplo e abrange todos os lesados, ou seja, todos os que sofreram danos, sendo um conceito mais amplo como emerge da própria norma do que a de assistente.
É patente e encontra-se provado nos autos que a mãe / Demandante sofreu danos resultantes da prática pelo arguido do crime de que foi acusado.
Ao considerar o crime provado e que o arguido se colocou na situação de incumprimento de forma voluntaria, livre e consciente, tem igualmente a Recorrente, direito a ser ressarcida do capital em divida, juros e despesas conexas com a realização judicial do direito que a lei lhe confere.
O pedido de pagamento de juros formulado pela Recorrente resulta da obrigação incumprida pelo Recorrido de efectuar as prestações alimentícias em cada uma das datas de vencimento, sendo certo que as mesmas se assumem como obrigações de prazo certo, constituindo em mora o devedor independentemente de interpelação, nos termos do artigo 805, n.º 2, alínea a) do CC.
A obrigação de indemnizar e reparar os danos causados ao credor, traduz-se no correspondente cálculo de juros a contar desde cada um dos dias em que o devedor se constituiu em mora, à respectiva taxa legal, de harmonia com o previsto no artigo 806, n.º1 e 2 do CC.
Também são devidos à Recorrente juros de mora, computados à respectiva taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações vencidas e de cada interpelação ao Recorrido para pagamento das despesas assumidas pela Recorrente no que tange à educação, livros e material escolar, bem como quanto a despesas médicas e medicamentosas, calculadas até efectivo integral pagamento.
Sendo as prestações alimentícias obrigações de prazo certo, existe mora independentemente de interpelação, de harmonia com o artigo 805, n.º 2, alínea a), do CC, constituindo-se o devedor na obrigação de indemnizar (artigo 804, n.º1), obrigação essa relativa aos juros a contar da data da constituição do arguido em mora, à respectiva taxa legal (artigo 806, n.º1 e 2), sendo, assim, devidos os respectivos juros de mora, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento.
Ficou provado nos autos que o arguido / Recorrido tem aplicações financeiras de valores avultados em nome próprio e do filho, sendo o respectivo movimentador; vive numa vivenda cuja prestação bancária para pagamento do mútuo ascende ao valor mensal de cerca de € 600,00; é co-herdeiro há muitos anos e não tem intenção de peticionar a partilha da herança indivisa; possui 3 viaturas (duas das quais são mercedes), mantendo o registo de propriedade em nome de terceiros, tudo com o intuito de não evidenciar sinais exteriores de riqueza; e, também movimentou conta bancária com elevados valores financeiros.
Ficaram provadas as elevadas capacidades e meios financeiros do arguido.
Apenas relativamente à conta bancária a que se refere o facto provado em 16.º, que o arguido utiliza em nome próprio – camufladamente em nome do filho D… – para a sua vida e negócios pessoais, resultando em operações a crédito e a débito originárias nas contas do menor e subscritas em nome do filho menor, que aconteceu no mês de Abril de 2014 e até Janeiro de 2017, o arguido movimentou € 63.781,07, que correspondente a saldo médio mensal durante os 34 meses de € 1.875,91.
Ficaram também provados os danos causados à assistente, como consta da matéria de facto provada nos pontos 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 da Sentença.
Quanto aos danos a indemnizar pelo arguido, somam-se ainda os derivados da privação de uso, resultado da manifesta indisponibilidade das verbas que eram atempadamente devidas à Recorrente. A vida quotidiana e o livre arbítrio da Recorrente ficaram fortemente diminuídos e afectados negativamente.
Aos danos elencados é de acumular os danos não patrimoniais, conquanto se traduzam na ressarcibilidade dos danos causados à lesada pelos actos ilícitos na esfera da sua consciência, como sejam a dor, a tristeza, as preocupações, os incómodos e aborrecimentos, o mau estar causado pelo sentimento derivado do incumprimento da regulação das responsabilidades parentais.
Devem ser compensados economicamente na justa medida em que proporcionem uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à lesada que lhe permita atenuar ou compensar as dores, desilusões, desgostos e sofrimentos.
Recai sobre o Recorrido a responsabilidade inerente, competindo-lhe assegurar o pagamento de todos os valores devidos a título de ressarcimento de danos, apurados ou ainda a apurar, decorrentes dos actos reportados àquele. A todas as importâncias reclamadas, devem acrescer juros, à taxa legal, vencidos e vincendos.
Pelas razões de facto e de direito invocadas e as demais mui Doutamente supridas por V.ªsEx.as, concedendo provimento ao recurso, e, a final, ordenando-se a alteração da decisão sobre o PIC (absolvição do Recorrente), condenando o Recorrido no capital, juros devidos (inerentes à falta de cumprimento pelo arguido) e indemnização a favor da Recorrente conforme pedidos formulados, na sequência da decisão crime em que o Recorrido foi, justamente, condenado, substituindo-se a Sentença por douto Acórdão nos termos peticionados na PI.
Nestes termos e nos melhores de direito, das razões de facto e de direito invocadas e as demais mui Doutamente supridas por V.ªsEx.as, concedendo provimento ao recurso, e, a final, alterando-se a decisão recorrida sobre o pedido de indemnização cível, conferindo-se indemnização condigna a favor da Recorrente, correspectiva aos actos praticados pelo recorrido, substituindo-se a Sentença, nessa parte, por douto Acórdão nos termos peticionados pela Recorrente na PI, assim se fará inteira, habitual e sã justiça.”
4. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público respondeu, apresentando contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
“O objecto do recurso ao qual respondemos prende-se com a resolução da seguinte questão: - saber se a assistente, enquanto mãe do menor ofendido num crime de violação da obrigação de alimentos, deve ser considerada lesada nos termos e para os efeitos previstos no art. 74º do Código de Processo Penal.
Da solução encontrada
Analisada a questão sob discussão, e salvo melhor opinião sobre o assunto em apreço, tendemos a concordar com a assistente quando defende que, perante a factualidade consolidada nos autos, e apesar de não ser vítima do crime, deve, na qualidade de lesada civil, ser protegida pela tutela legal conferida pelo art. 74º do Código de Processo Penal.
A primeira razão de tal concordância tem que ver com o facto de que a assistente deve ser considerada como lesada directa da prática do crime em apreço pois tem uma relação específica e particular com a vítima do crime da qual não se pode dissociar, precisamente por ser sua mãe e representante legal, e porque dessa relação específica resulta, como resultou, a obrigação de assegurar o suprimento das carências materiais do menor resultantes das sucessivas e repetidas omissões do pagamento da pensão de alimentos protagonizadas pelo progenitor.
Em face desta dinâmica factual, concluímos que existe uma relação directa fundamental entre o conteúdo do crime – que se reconduz precisamente aos incumprimentos dolosos do arguido em matéria de alimentos ao filho menor – e o papel substitutivo que, do ponto de vista económico, a assistente teve de assumir obrigatoriamente para com o filho expostos e que determinou os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados.
A segunda razão de tal concordância tem que ver com o facto da interpretação por nós defendida ser a mais compatível com o princípio da economia processual subjacente à regra processual penal que promove o conhecimento do P.I.C. em processo penal na medida em que os factos aqui em causa são sempre necessariamente discutidos e apurados no processo crime para apreciar e julgar o crime em causa e com ele apresentam uma relação inextricável.
Face a todo o exposto, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, é nosso parecer que o arguido deverá ser condenado no pagamento à assistente das quantias pela mesma peticionadas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por ela sofridos declarando-se, portanto, procedente o recurso interposto.”
5. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, por ter por objeto uma decisão absolutória respeitante ao enxerto cível.
6. Nesta instância, o Ministério Público apôs o visto.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as necessárias formalidades [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
Questões a decidir
Do “themadecidendum” do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina[1] 1 e a jurisprudência[2] 2 são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que a recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todas as questões que foram legitimamente colocadas à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso - que sintetizam as conclusões da recorrente, constituindo, assim, o objeto do recurso:
Dos alegados erros em matéria de direito:
- Da alegada ilegitimidade da demandante;
e, no caso de proceder a primeira questão:
- Do montante da indemnização.
Para decidir as questões controvertidas, importará, primeiramente, recordar a fundamentação em matéria de facto e de direito plasmadas na sentença recorrida, quanto ao enxerto cível.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – A decisão recorrida;
“II – Fundamentos de facto:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
1º - O arguido é pai do menor D…, nascido a 11-1-2005.
2º - Por decisão proferida a 12-3-2013 no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos no antigo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde sob o nº 645/12.6TMMTS, foi regulado provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais do menor, que ficou a residir com a mãe, a B…, à qual foi atribuído em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais, e o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àquele seu filho com a quantia mensal de € 100, a liquidar até ao dia 8 de cada mês através de cheque, vale postal ou transferência bancária.
3º - Mais ficou o arguido obrigado a contribuir, na proporção de metade, nas despesas escolares, médicas e medicamentosas do menor, mediante exibição da mãe dos respectivos documentos comprovativos de tais despesas.
4º - Posteriormente, em 22-9-2015, por acordo homologado naqueles autos, ficou o arguido também obrigado a contribuir com metade da despesa do ATL do menor.
5º - E, por decisão transitada em julgado em 27-4-2017 proferida naqueles autos, ficou o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àquele seu filho com a quantia mensal de € 150, a ser entregue à progenitora por qualquer meio documentado, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, prestação essa actualizada em Janeiro de cada ano em € 2.
6º - Mais ficou determinado nessa sentença que todas as despesas escolares, médicas e medicamentosas do D… seriam suportadas em igual parte por cada um dos progenitores, mediante a apresentação de comprovativo.
7º - Todavia o arguido, não obstante ter possuído meios para o fazer, não pagou, entre Abril/2013 e Dezembro/2017, as prestações de alimentos e as despesas no valor total de, pelo menos, € 3.399,00, a título de capital.
8º - Com efeito o arguido é comproprietário duma moradia de 2 pisos, com garagem, lavandaria, alpendre e logradouro, que adquiriu juntamente com a B… e que foi a casa de morada da família, sita na Rua …, nº …, em …, imóvel esse descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 851/19981130 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1593.
9º - É também comproprietário de vários prédios rústicos e urbanos na qualidade de herdeiro de património indiviso.
10º - O arguido tem trabalhado por conta própria na actividade de decoração de montras e vitrines e tem vindo a auferir do exercício dessa actividade profissional um rendimento mensal não concretamente apurado, não inferior a € 575,00/mensais.
11º - Está colectado no Serviço de Finanças com a actividade principal de Agências de Publicidade desde 2-1-2008, e com as actividades secundárias de Manutenção e Reparação de Veículos Automóveis e Comércio de Veículos Automóveis desde 5-10-2015, encontrando-se enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral e com contabilidade organizada por opção.
12º - Residiu, pelo menos até meados de 2017, em habitação própria, na referida moradia que adquiriu com a B….
13º - É proprietário, desde 2011, do veículo da marca Hyundai, de matrícula ..-..-MM.
14º - Tem pelo menos desde 2012 uma aplicação financeira em conta poupança em títulos da dívida pública do IGCP, no montante de € 14.760.
15º - Beneficiou dos juros dessa aplicação, que em 2015 foram no montante de € 259,04 e em 2016 no montante de € 180,80.
16º - Utilizou, para a sua vida e negócios pessoais, pelo menos uma conta que abriu em Maio de 2014 no balcão de … do Banco E… em nome do filho D… com o nº ……………, e que cancelou com saldo nulo em Fevereiro/2017, tendo movimentado em seu proveito próprio, durante esse período de tempo, o montante total de € 63.781,07 nos termos constantes dos extratos de fls. 444v a 462v que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
17º - E, conforme resulta desses extratos, o arguido teve sempre disponível verba mensal suficiente para pagar a pensão de alimentos ao menor.
18º - Devido ao não pagamento das pensões de alimentos e demais despesas com o menor, foi-lhe instaurado pela B…, em Março de2017 e por apenso àquele processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, uma execução especial por alimentos, que ainda se encontra pendente.
19º - O menor D… encontra-se, desde 2012, na dependência exclusiva da mãe, a B…, que trabalha desde 1997 como contabilista para a sociedade “F…, Lda.”, na Póvoa de Varzim, onde aufere um rendimento mensal na ordem dos € 1.000.
20º - E, como encargos tem as despesas com a renda da casa, a água, a luz, a alimentação, vestuário e saúde do seu filho e sua, bem como com a educação daquele, e ainda o IMI relativo à casa que tem em compropriedade com o arguido, despendendo mensalmente quantia superior ao seu salário, que é suportada por si e por familiares seus aos quais pede ajuda.
21º - Na verdade, a B…, para fazer face a todas as despesas, tem recorrido, desde 2012, ao auxílio económico dos pais, e é à custa destes que tanto ela como o menor sobrevivem.
22º - O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito, conseguido, de se eximir ao pagamento das prestações alimentares que sabe serem-lhe legal e judicialmente exigíveis, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
23º - Para fazer face ao sustento do seu filho menor, a demandante vê-se obrigada a limitar os seus gastos.
24º - O arguido/demandado já levou o seu filho de férias por um número não concretamente apurado de vezes.
25º - Face à conduta do arguido, a demandante vive triste, angustiada, deprimida, humilhada e vexada, designadamente por ter que recorrer ao tribunal.
26º - A demandante instaurou contra o arguido seis incidentes de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais relativas à violação do dever de prestação de alimentos, com as consequentes e inerentes deslocações à PSP, escritório do seu mandatário e aos tribunais, o que sucedeu por um número não concretamente apurado de vezes.
27º - A situação descrita em 26º acarretou para a demandante despesas com deslocações, serviços extrajudiciais e honorários de valor não concretamente apurado, bem como um dispêndio de tempo cuja quantificação não foi concretamente apurada.
28º - A conduta do arguido causa à demandante desgosto, indignação, revolta, frustração, ansiedade e agonia.
29º - Por força da conduta do arguido, a demandante fez sacrifícios económicos e viu-se obrigada a despender quantias não concretamente apuradas para suprir a falta de pagamentos por parte do arguido.
30º - Em virtude da sua conduta, a demandante foi afectada na sua paz e tranquilidade.
31º - No dia 26.02.2020, o arguido procedeu ao depósito na conta da demandante da quantia de € 970,00 por conta da dívida de alimentos ao seu filho menor B….
32º - Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, proferido a 24.10.2019, no âmbito do processo nº645/12.6TMMTS-C.P1, decidiu-se nos seguintes termos:
“Por tudo quanto ficou exposto, acorda-se nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação alterando a al. a) do dispositivo da sentença recorrida e assim reconhecer a existência de incumprimento por parte do requerido quanto à entrega da quantia global de € 3.399,00 (três mil, trezentos e noventa e nove euros), acrescida do pagamento dos juros moratórios, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações de alimentos não pagas, até integral pagamento, sendo que entretanto o Requerido pagou a quantia de € 2.429,00 (dois mil, quatrocentos e vinte e nove euros) (…)”.
Mais se apurou que:
33º - O arguido reside sozinho, prevendo a necessidade de mudança de residência a partir do próximo mês de abril de 2020.
34º - Despende em consumos básicos de água, electricidade e gás, as quantias, respectivamente, de € 40,00/mensais, € 40,00/mensais e € 80,00/semestrais.
35º - Tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.
36º - Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado a:
i) 28.04.2006, por sentença transitada em julgado a 15.05.2006, no âmbito do processo nº182/05.5GAVCD, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Vila do Conde, pela prática a 12.02.2005 de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 6,00.
ii) 20.09.2013, por sentença transitada em julgado a 10.02.2014, no âmbito do processo nº2471/12.3TAVCD, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Vila do Conde, pela prática a 1.10.2012 de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1, al. b), e nº2, do CP, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.
iii) 14.11.2017, por sentença transitada em julgado a 9.04.2018, no âmbito do processo nº856/14.0PAPVZ, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde (Juiz 1), pela prática a 16.10.2015 de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1, al. b),e nº2, do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
(…)
IV – Fundamentos de Direito:
(…)
VI – Do pedido de indemnização cível:
A assistente B… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionado a condenação deste no pagamento de quantia não inferior a € 2.500,00 e € 1.000,00 quanto a danos patrimoniais, e € 2.500,00 quanto a danos não patrimoniais, acrescidas de juros legais, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Ora, neste âmbito haverá, antes de mais, que levar em linha de conta que, nos termos do preceituado no artigo 129º do CP, “[a] indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, pelo que a apreciação do pedido de indemnização cível está sujeito ao princípio do pedido.
Contudo, no caso, dos autos, sem prejuízo da prova produzida, importa aferir de uma questão prévia relacionada com a verificação dos pressupostos processuais do pedido cível.
Com efeito, temos que, de acordo com o preceituado no artigo 74.º, n.º 1, do CPP, “O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou possa constituir-se assistente”.
Ora, no caso dos autos, quer relativamente aos danos patrimoniais peticionados, quer relativamente aos danos não patrimoniais, independentemente do que se provou, temos que estes não radicam no crime de violação da obrigação de alimentos mas antes numa conduta do arguido dirigida à pessoa da demandante, a qual, apesar de associada ao incumprimento da obrigação alimentícia (aí, dirigida ao menor), dela é autónoma.
Com efeito, verifica-se que a causa de pedir do pedido cível em apreço se reporta ao sofrimento e despesas provocadas à demandante, em nome próprio, originadas por força da conduta do arguido. Significa isto que a demandante não está a pedir uma determinada quantia em representação do seu filho, por desgosto por este sofrido.
Todavia, temos que não pode ser afirmado que a demandante sofreu, directamente, danos ocasionados pelo crime, visto que a vítima é o menor, ou seja, a demandante não pode ser vista como lesada, mas antes como alguém que, reflexamente, surge na qualidade de terceiro, faltando-lhe, aqui, legitimidade para, nestes autos, demandar o pai do menor, nos termos em que o fez.
Assim, não há, também, que conhecer de mérito, no que tange ao pedido de indemnização relativamente aos danos não patrimoniais peticionados, devendo, pois, o demandado ser absolvido da instância, no que tange ao pedido de indemnização cível, na sua totalidade, o que se decide (neste sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.09.2010, proc. 462/06.2TATMR.C2, in www.dgsi.pt: “A mãe do menor não tem legitimidade para, em nome próprio, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor com base na violação da obrigação de prestar alimentos ao filho menor.”).”

B – O direito:
§ 1 - Da alegada ilegitimidade da demandante;
A sentença recorrida condenou o arguido pela prática de um crime de violação da obrigação de alimentos p. e p. pelo disposto no artigo 250º, números 1 e 2, do Código Penal e absolveu o demandado da instância cível, por ilegitimidade ativa da demandante, considerando que a assistente não é lesada à luz do disposto no artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais que sustentam o pedido de indemnização civil, o tribunal considerou que os mesmos não radicam no crime de violação da obrigação de alimentos, mas numa conduta autónoma dirigida à pessoa da demandante.
De acordo com a fundamentação da decisão recorrida, apenas o filho da demandante foi vítima do crime e, em relação a este, a ora recorrente, enquanto sua representante legal, não peticionou qualquer indemnização.
A recorrente discorda de tal interpretação do artigo 74.º do Código de Processo Penal, entendendo que o conceito de lesado é mais amplo e abrange todos os lesados, ou seja, todos os que sofreram danos. Tendo resultado provado que a demandante sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo arguido com a prática do crime, a demandante entende ter direito à indemnização peticionada.
Em resposta à motivação do recurso o Ministério Público manifestou integral concordância com a posição da recorrente, por considerá-la lesada pela prática do crime, acrescendo à mesma razões de economia processual que justificam a previsão legal do enxerto cível em processo penal.
Cumpre apreciar e decidir.
A norma jurídica cuja interpretação constitui matéria controvertida no recurso é o artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Penal:
“Artigo 74.º
Legitimidade e poderes processuais
1 - O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente.”
Do teor da sua estatuição resulta que tem legitimidade para deduzir um pedido de indemnização civil em processo penal toda e qualquer pessoa que tenha sofrido danos (patrimoniais ou não patrimoniais) ocasionados pela prática do crime, mesmo que não seja a ofendida no crime à luz dos critérios previstos no artigo 68º do Código de Processo Penal.
Tal norma ainda deverá ser articulada com a lei civil, como bem salientado na decisão recorrida, pois “a indemnização por perdas e danos emergentes do crime é regulada pela lei civil” (artigo 129º do Código Penal). Compreende-se, assim, que seja a lei substantiva civil a definir quem é lesado e titular de um direito a indemnização pela prática de um facto ilícito e culposo e, desse modo identificar a(s) pessoa(s) lesada pela prática do crime.
A norma jurídica basilar aplicável à questão em apreço é, como é consabido, o artigo 483º do Código Civil: "1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.".
Não existe obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade extracontratual à margem desta norma. Por conseguinte, a interpretação do artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Penal carece sempre de ser ponderada à luz da norma atrás reproduzida. A questão suscitada no recurso e a solução encontrada na sentença recorrida estão intimamente relacionadas com as interrogações concretizadas por Antunes Varela[3], ao referir que o artigo 483º, nº 1, do Código Civil coloca em destaque três exigências fundamentais para o surgimento deste tipo de ilícito:
a) Delimitação, por via interpretativa, do círculo de interesses particulares protegidos pela norma legal;
b) Necessidade de à violação dos interesses particulares corresponder o não acatamento de uma norma legal; e
c) Exigibilidade do dano recair no círculo de interesses protegidos pela norma legal.
De entre todos os pressupostos mencionados, este último revela-se de mais difícil aferição, por implicar juízos de causalidade.
A questão colocada pela recorrente é especialmente interessante no plano da dicotomia entre direito e justiça, pois um sistema dominado pela tipicidade (dos factos ilícitos e das causas típicas de indemnização) oferece resultados com maior segurança jurídica mas, ao mesmo tempo, tem a potencialidade de gerar maiores entraves à busca de soluções mais equitativas e justas. Por outro lado, um sistema sem essa tipicidade implica uma maior incerteza na correta distribuição dos danos sofridos no contacto social.
O ensinamento de Antunes Varela, acima exposto, está relacionado com outra dicotomia ainda bem atual na literatura jurídica alemã e portuguesa[4] existente entre a causalidade fundamentadora e a causalidade preenchedora da responsabilidade. A primeira teria como função ligar o comportamento do sujeito à lesão do direito subjetivo ou do interesse e a segunda serviria para estabelecer o nexo entre a lesão do direito ou do interesse e os danos subsequentes. Para Paulo Mota Pinto[5], a “distinção não é uma determinação da natureza das coisas, mas deve ser adotada como distinção entre dois nexos de causalidade e não apenas como um problema de causalidade e um outro de avaliação e medida dos danos” e “a distinção é necessária nos casos em que a conduta do responsável não seja relevante sem mais, mas apenas na medida em que preenche uma previsão legal que concede relevância a um resultado lesivo”.
O dever de indemnizar tem de exigir não só a relação entre o comportamento (ou a omissão, como é o caso presente) e um determinado evento lesivo integrador da responsabilidade, como a relação entre aquele e os danos a reparar, nos termos em que se distingue a diferença que separa a previsão do artigo 563º do Código Civil - referente à causalidade integrante da responsabilidade – da pressuposição da causalidade fundamentadora da responsabilidade contida no artigo 483º do mesmo texto legal.
Descrito o enquadramento jurídico fundamental a aplicar, interessa recordar a causa de pedir vertida no articulado do pedido de indemnização civil do enxerto cível, que define a legitimidade da demandante à luz do disposto no já citado artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Penal (não sendo aplicável ao caso o artigo 30º, nº 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 4º do Código de Processo Penal, por não existir lacuna na legislação processual penal a respeito da questão da legitimidade em demandar em processo penal):
A omissão do arguido integrante da prática do crime que constitui o objeto deste processo gerou alegados danos patrimoniais e não patrimoniais à demandante: “a conduta do arguido, ora demandado, sobre a ofendida, ora demandante, constitui o tipo de ilícito criminal subsumível no crime de violação da obrigação de alimentos, na forma consumada, p. p. nos termos do artigo 250º do Código Penal.
O arguido praticou tal crime, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na douta acusação pública que se encontra reproduzida nos autos, quanto à conduta criminosa que perpetrou à custa do sacrifício patrimonial da demandante. (…)
Resulta dos autos que o arguido agiu voluntariamente e com intenção em causar danos. Danos esses que são resultado direto e necessário dos factos praticados e que são objeto da acusação crime. (…)”
Por conseguinte, tendo em conta a descrição dos factos vertida na acusação e no articulado do pedido de indemnização civil formulado nos autos, não há dúvida de que, na formulação da demandante, a mesma tem legitimidade para deduzir o pedido de indemnização civil por danos diretamente emergentes da prática do crime, de acordo com o critério legal previsto no artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Nestes termos, a argumentação da recorrente tem fundamento legal, não podendo subsistir a absolvição da instância do demandado, por ilegitimidade da demandante em formular o pedido de indemnização civil:
a) A legitimidade é aferida em relação ao conteúdo do articulado do pedido de indemnização civil – que, recorde-se, foi liminarmente admitido nos autos –; e,
b) Se em julgamento não se tiverem provado os factos integradores dos pressupostos e requisitos da obrigação de indemnizar (designadamente, não se tendo provado a existência de quaisquer danos patrimoniais ou morais diretamente emergentes da prática do crime para a demandante) a questão não será de ilegitimidade – a qual resulta na absolvição da instância decidida na sentença recorrida, por se tratar de uma exceção dilatória -, mas do mérito substancial do pedido – que resulta na absolvição do pedido.
Do exposto resulta que agora se impõe apreciar o mérito da pretensão indemnizatória formulada pela demandante, nos termos atrás concretizados, na medida em que lhe é reconhecida legitimidade para deduzir tal pretensão.
Como já referido, encontra-se no cerne da questão a definição do círculo de interesses jurídicos protegidos pelas normas legais que impõem, “in casu”, a obrigação do demandado prestar alimentos ao seu filho, que ficou a cargo da mãe.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 69º, nº 1, garante às crianças o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Tal princípio também decorre do Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança[6], de acordo com o qual a criança deve poder crescer e desenvolver-se de maneira sã, devendo ser-lhe assegurados cuidados especiais, como alimentação, alojamento, recreio e cuidados médicos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança[7] trouxe o reconhecimento jurídico da criança como sujeito autónomo de direitos, ao mesmo tempo que destacou a importância da família para o seu bem-estar e desenvolvimento harmonioso. Como se pode ler no seu Preâmbulo, "a família, elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na comunidade". Para além de integrar o direito interno português (artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), a Convenção sobre os Direitos da Criança assume um papel de relevo enquanto instrumento interpretativo das disposições da nossa Constituição e da Lei Ordinária que consagram direitos da criança, contribuindo, assim, para a sua "densificação criativa e dinâmica"[8]:
O artigo 36º da Constituição da República Portuguesa estatui que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e o artigo 69º assegura que “As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral…”. Concretizando tais princípios na lei ordinária, o artigo 1878° nº 1 do Código Civil estatui que “compete aos pais velar pela segurança e saúde dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens”, prevendo, deste modo, o conteúdo das responsabilidades parentais. Estas são estabelecidas no interesse e proveito dos filhos, traduzindo-se num conjunto de poderes e deveres que compete aos pais relativamente à pessoa (artigos 1885° a 1887° do Código Civil) e aos bens (artigos 1888º a 1900º do mesmo texto legal) dos filhos menores não emancipados. São poderes-deveres de natureza pessoal, designadamente, os poderes de auxílio e de assistência (artigos 1874º nº 1 e 2 e 1878º nº 1, ainda do mesmo Código), sendo dever do Estado cooperar nessas funções (artigos 26.°, 43º, 47º, 67º nº2, alínea c), 68º, 69º, 70º, 74º e 79º da Constituição da República Portuguesa).
É neste contexto que se compreende o direito da criança à prestação alimentar, a qual devido à sua importância vital para o alimentando, goza de uma forte proteção legal que resulta, nomeadamente, na sua indisponibilidade (artigo 2008º, nº 1, do Código Civil) e na sua tutela penal (artigo 250º do Código Penal).
O dever de alimentos é de interesse público e ordem pública.
Cabe aos pais, em primeira linha, o poder-dever de educação e manutenção dos filhos (artigos 36º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, 1874º e 1878º nº 1, do Código Civil, a Recomendação do Conselho da Europa R(84) 4 e 27º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança).
O Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 306/05, explicitou que “O dever de alimentos a cargo dos progenitores, um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com filhos menores, não pode reduzir-se a uma mera obrigação pecuniária, quando se trata da ponderação da constitucionalidade dos meios ordenados a tornar efectivo o seu cumprimento. Ainda que se conceba o vínculo de alimentos como estruturalmente obrigacional, a natureza peculiar (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família) marca o seu regime em múltiplos aspectos (…)".
De acordo com o disposto no artigo 1874º, nº1, do Código Civil, “Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência”, acrescentando o nº 2 que “O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos (…)” e, à luz do estatuído no artigo 1878º do mesmo texto legal, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
As responsabilidades parentais compreendem assim os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração (artigos 1885º a 1887º do Código Civil), integrando o dever de auxílio e assistência a obrigação de prestar alimentos, conforme decorre do artigo 1874º, nº 2, ainda do mesmo Código.
Com efeito, cumpre aos pais prover ao sustento dos filhos e assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, na medida em que os filhos não se encontrem em condições de as suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos (artigos 1878º, nº 1, 1879º e 2003º, do mesmo texto legal).
Sobre cada progenitor impende o dever e a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento e manutenção do filho, sendo que o princípio constitucional da igualdade de deveres se realiza através da proporção da contribuição – cada um deles deverá contribuir em função (proporção) das suas capacidades económicas -.
Daqui resulta, inelutavelmente, que a obrigação de prestar alimentos é conjunta e, no caso do obrigado à prestação alimentar faltar totalmente com a sua obrigação, recai sobre o outro progenitor assegurar na íntegra o sustento, a segurança, a saúde e educação do filho.
Revertendo para o caso concreto, o menor alimentando ficou à guarda da mãe – a demandante e ora recorrente – e o arguido demandado ficou obrigado a contribuir a título de alimentos devidos ao seu filho com uma determinada quantia mensal e metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas.
Todavia, não obstante ter possuído meios para o fazer, o arguido não pagou entre Abril de 2013 e Dezembro de 2017 as prestações de alimentos e as despesas no valor total de, pelo menos, € 3.399,00.
Não há quaisquer dúvidas em identificar o menor alimentando como credor de tal importância, tal como está subjacente à fundamentação da decisão recorrida[9].
Porém, sendo a obrigação conjunta, resulta também inequívoco que uma violação da obrigação de prestar alimentos por parte do pai do menor sobrecarrega diretamente a mãe do menor não só com despesas acrescidas, pois a mesma passa a ter de assegurar sozinha o sustento, a segurança, a saúde e a educação do filho, com os inerentes "danos patrimoniais" e "danos não patrimoniais".
Tais danos são, pois, diretamente emergentes da prática do crime para a demandante – e acentuados, "in casu", pela precaridade económica da demandante e a duração de cerca de quatro anos e seis meses da violação da obrigação da prestação de alimentos por parte do progenitor do filho -.
Nos termos do artigo 563º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que a lesada provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão.
Conforme já concretizado anteriormente, a responsabilidade civil extracontratual exige a verificação dos seguintes requisitos:
1º Um facto ilícito;
2º A culpa do agente;
3º A existência de prejuízo; e
4º Um nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa e o prejuízo.
O legislador consagrou no artigo 483º, nº 1, do Código Civil, a chamada teoria da causalidade adequada: o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Sendo a ilicitude, na sua essência, a negação pelo homem/mulher de valores, interesses ou bens jurídicos (isto é, tutelados pelo direito) e sendo o direito à prestação alimentar um desses bens ou valores de interesse público juridicamente protegidos, o demandado incorreu na prática de um ato ilícito, ao cometer o crime integrante da causa de pedir articulada no enxerto cível.
No tocante à culpa, esta é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, "ex vi" do art. 487º, nº 2 do Código Civil. Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação devia ter agido de outro modo. É claro que a culpa do autor material de um facto ilícito pressupõe a sua imputabilidade, isto é, que ele seja uma pessoa dotada de discernimento ou capacidade natural para prever os efeitos ou consequências dos seus atos e para avaliar ou valorar estes, bem como da liberdade de se autodeterminar em função das valorações feitas. Dito isto, resulta clara a culpa do demandado na omissão de pagamento da prestação de alimentos ao seu filho, tendo-a concretizado de forma consciente e com dolo direto.
À data da prática do facto típico ilícito o demandado possuía em grau bastante as necessárias capacidades de entender e querer e, por conseguinte, nesse momento relevante era civilmente imputável.
Reconhece-se, ainda, a estreita conexão entre a omissão do pagamento da prestação de alimentos e os danos da demandante - tão estreita que aquela foi causa adequada destes e estes consequência também adequada daqueles -: como o demandado bem sabia, no caso de não pagar a prestação de alimentos ao seu filho, seria forçosamente a demandante, enquanto progenitora deste, por força da lei e das regras da experiência comum, a suportar com sacrifício o encargo acrescido com o sustento e as demais despesas correntes do alimentando.
§ 2 – Do montante da indemnização.
Tendo-se concluído pela existência de legitimidade da demandante em deduzir o pedido de indemnização civil, reconhecendo-se a existência de responsabilidade civil extracontratual do demandado e contendo a sentença recorrida todos os factos necessários para a decisão, importa fixar a indemnização.
A demandante deduziu um pedido de indemnização civil nos autos, englobando a importância de danos patrimoniais no valor global nunca inferior a € 3.500,00 e a importância de € 2.500,-- para ressarcimento dos danos não-patrimoniais sofridos pela ofendida, valores aos quais acrescem juros de mora..
Para consubstanciar a causa de pedir de tais pedidos, a demandante articulou, em suma, os seguintes factos:
"O menor encontra-se, desde 2012, na dependência exclusiva da A, a qual trabalha como trabalhadora por conta de outrém da sociedade designada "F…, Lda", exercendo a actividade de contabilista, e auferindo um rendimento médio mensal de € 1.000,00.
A A. tem encargos elevados com o pagamento da renda de casa, impostos, água, electricidade, alimentação, vestuário, saúde, educação e higiene, quer com a própria, quer com o menor.
A A. tem necessidade de recorrer a apoio e ajuda dos seus familiares, nomeadamente seus.
O R. faz recair sobre a progenitora a obrigação exclusiva de sustentar o filho de ambos.
O R. tem consciência que a A. não tem rendimentos que lhe permitam, só por si, satisfazer todas as necessidades do menor, considerando o montante de encargos que suporta, nomeadamente, com o pagamento de renda de casa, impostos, água, electricidade, alimentação, vestuário, saúde, higiene, educação e demais bens essenciais à sua sobrevivência do filho.
A A. vê-se obrigada a limitar os gastos para fazer face aos referidos encargos.
O R sabe que está legalmente obrigado a prestar alimentos, é conhecedor do acordo que lhe impõe as mensalidades, porém não cumpre as suas obrigações.
Encontram-se instaurados pela A. vários Incidentes de Incumprimento da Regulação das Responsabilidades Parentais, sob os n.os 645/12.6TMMTS-A, 645/12.6TMMTS-B, 645/12.6TMMTS-C, 645/12.6TMMTS-F, 645/12.6TMMTS-I, 645/12.6TMMTS-J, com pedidos e diligências judiciais às quais o R. se tem mostrado absolutamente insensível e indiferente, continuando sem pagar mensalmente os valores devidos.
A A. vive com dificuldades económicas.
O R. ignora os interesses e necessidade de alimentos do menor, porém, não se coíbe de o levar de férias.
A A. vive muito triste, angustiada e deprimida com a situação.
A A. vive profundamente angustiada com a falta de cuidado, tratamento e atenção que o pai dedica ao filho, nomeadamente quanto a proporcionar-lhe o bem-estar e a qualidade de vida, na respectiva proporcionalidade, como o mesmo necessita e merece.
A A. sente-se humilhada, vexada e fracassada perante toda a situação, para mais quando tem sistematicamente de recorrer aos serviços do tribunal, como é mais este caso.
O sacrifício económico da A. é evidente, sendo os valores a que tem direito nesta data especialmente avultados.
(…)
A A. é pobre e tem dificuldades financeiras, muitas delas resultam da falta de recebimento das verbas que o R. não entrega.
A A. tem dedicado muito tempo da sua vida para lutar contra os incumprimentos e violação das regulações das responsabilidades parentais.
A A. tem retirado muito do seu tempo de trabalho e descanso para procurar fazer valer os seus direitos, quer com deslocações à PSP para reportar o conjunto de incumprimentos do arguido, quer ao escritório do seu mandatário, quer com deslocações aos Tribunais para reportar a situação da violação de alimentos.
A A. suportou vários encargos e despesas para procurar resolver as sucessivas situações causadas pelo demandado, nomeadamente com a elaboração de comunicações e memorandos, envio de correspondência, despesas de deslocação e transporte, portagens, desgaste da viatura e combustíveis.
A A. despendeu tempo, recursos financeiros e físicos para efectuar várias deslocações e despender tempo para a resolução do presente assunto, em número nunca inferior a 48 horas, as quais devem ser consideradas e computadas no valor a fixar para efeitos de indemnização por danos e perdas assacáveis ao comportamento do arguido.
A atitude omissiva e dolosa do R., tudo continuando a fazer para não pagar atempadamente a pensão de alimentos e os valores de que bem sabe ser devedor, prejudica e perturba a eventual sã relação dos progenitores e a normal convivência dos pais com o filho menor, como era desejável.
Tudo por culpa exclusiva do R.
O R. não cumpre culposamente as obrigações na sua dimensão mais básica e elementar, a de prover aos alimentos devidos ao menor.
Ignora as necessidades do menor enquanto ser humano dependente de cuidados e bons tratos pelos respectivos progenitores.
Ignora os interesses e direitos da A.
Tal facto causa na A. desgosto, indignação, revolta, frustração e ansiedade.
A atitude do R. é de enorme gravidade, agravada por ser reiterada e perpetuada no tempo, causando agonia constante à A.
O R. ignora os direitos da A. e os superiores interesses do filho ao não cumprir com as suas obrigações materiais.
Ignora e desrespeita a RRP em vigor, desprezando desde há longo tempo o regime vigente, cujos concretos e exactos termos lhe são totalmente indiferentes, violando os direitos da aqui A e as decisões do tribunal.
Com tal atitude, reiterada e sistemática, o R. causou - e causa - evidente prejuízo moral e económico à A., pois a mesma não recebe atempadamente o que lhe cabe, fazendo sacrifícios económicos e financeiros sobredimensionados à sua condição económica e financeira, tanto mais que o R. se afasta e nega cada vez mais as necessidades do filho menor, atento o facto da carestia de vida ser uma constante, a par da maior idade e crescimento do menor.
Situação que tantas vezes causou - e causa - à A. dificuldades financeiras, ansiedade, desassossego e preocupações com a forma de amortizar as suas despesas.
A A. viu-se obrigada a despender avultadas verbas para, em substituição do pai, fazer face à sucessiva omissão de auxílio e dever de assistência do R., tudo em razão do incumprimento culposo deste,
Sem que tenha sido ressarcida das despesas suportadas.
Sacrifício económico esse que indevidamente vai suportando.
Com a conduta descrita ao R., este obriga a demandante a suportar indevidamente verbas com a sua defesa, patrocínio jurídico e acções judiciais, implicando esforços acrescidos e sacrifícios económicos, causando preocupações e situações de stress para solver às dívidas originadas com tais despesas.
A atitude do R. obriga a A. a:
- Despender tempo e dinheiro com deslocações para a PSP, tribunais e escritório do seu mandatário;
- A amortizar verbas relativas a despesas, serviços extrajudiciais e honorários forenses;
- A preparar, elaborar e obter documentos, bem como a proceder ao envio de sucessivas comunicações e a reportar os incumprimentos, por correio ou e-mail;
- A efectuar frequentes contactos com o seu mandatário e a preparar, enviar e recepcionar interpelações judiciais e extrajudiciais.
(…)
O R. tem capacidade económica e financeira para pagar atempadamente a pensão de alimentos.
A saúde, paz e tranquilidade da ofendida viram-se afectados, tanto mais que a A. teve que canalizar esforços, atenções e recursos, físicos e intelectuais, para a defesa dos seus direitos, dedicando sucessivas horas para denunciar a conduta do arguido, tanto mais que a A. teve que canalizar esforços, atenções e recursos, físicos e intelectuais, para a defesa dos seus direitos, dedicando sucessivas horas para denunciar a conduta do arguido.
Consequência ainda dos actos praticados pelo demandado, a ofendida não vive de forma pacifica e tranquila,
Designadamente, de forma a procurar remediar e obter meio de ser ressarcida dos danos e prejuízos que lhe foram causados,
A ofendida ficou triste, magoada, preocupada, indignada e muito revoltada com os actos praticados pelo arguido,
Sentindo-se vexada e humilhada, tendo os actos praticados pelo arguido causado enorme transtorno e arrelia na ofendida,
Tais factos limitaram - e limitam - a vida da ofendida de forma bastante significativa.
Resultado da conduta dolosa do arguido, os hábitos da ofendida viu-se alterada, atento os prejuízos financeiros que sofreu, vendo-se constrangida e diminuída na habitual liberdade pessoal e financeira.
Há ainda a considerar outros danos patrimoniais causados pelo demandado à aqui ofendida, directamente resultantes da necessidade desta ter dedicado tempo - situação que se mantém - atenção e recursos financeiros e económicos à defesa dos seus interesses, disponibilizando tempo, em número de horas nunca inferior a 48 horas, consideradas (apenas) até esta data,
Despendendo tempo para contratar advogado, reunindo, conferenciando, pessoalmente e via telefone, fornecendo dados, elementos e documentos, e, providenciando a tudo para lograr obter justiça com a condenação do arguido, mormente com deslocações à PSP, Serviços do MP, Tribunal e ao escritório do mandatário, no âmbito e na sequência do inquérito crime, eE provendo a tudo quanto necessário para instruir os autos, o que resultou em tempo e recursos financeiros despendidos,
O R. assumiu nos autos do processo com o n.5 645/12.6TMMTS-C, ter actualmente constituído outro depósito a prazo, na ordem dos € 3.000,00.
O R. também fez aplicações financeiras em títulos de divida pública do IGCP, tendo constituído poupanças no montante de € 14.760,00.
Tais aplicações financeiras, que o R. tem vindo a constituir em nome do filho menor e cujo volume global se desconhece, tem gerado juros, como foi o caso dos relativos ao ano de2016, os quais, por via do menor viver com a A. são imputados em sede de declaração de IRS desta.
Talqualmente, essas aplicações financeiras, constituídas pelo R. em nome do filho menor, gerou juros durante o ano de 2015, os quais, como sucedeu no ano seguinte, por via do menor viver com a A. foram imputados em sede de declaração de IRS desta."
Em primeiro lugar, importa excluir liminarmente do universo de danos indemnizáveis o valor que corresponde ao agravamento do montante sujeito a tributação fiscal (I.R.S.), uma vez que o facto que originou o alegado prejuízo é distinto e independente da omissão de pagamento de alimentos ao menor – o crime que constituiu o objeto deste processo -.
De resto, para determinar a indemnização devida à demandante, impõe-se recordar a factualidade provada relevante:
a) quanto à caracterização da obrigação alimentar e do seu (in)cumprimento:
O arguido é pai do menor D…, nascido a 11-1-2005.
Por decisão proferida a 12-3-2013 no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos no antigo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde sob o nº 645/12.6TMMTS, foi regulado provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais do menor, que ficou a residir com a mãe, a B…, à qual foi atribuído em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais, e o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àquele seu filho com a quantia mensal de € 100, a liquidar até ao dia 8 de cada mês através de cheque, vale postal ou transferência bancária.
Mais ficou o arguido obrigado a contribuir, na proporção de metade, nas despesas escolares, médicas e medicamentosas do menor, mediante exibição da mãe dos respectivos documentos comprovativos de tais despesas.
Posteriormente, em 22-9-2015, por acordo homologado naqueles autos, ficou o arguido também obrigado a contribuir com metade da despesa do ATL do menor.
E, por decisão transitada em julgado em 27-4-2017 proferida naqueles autos, ficou o arguido obrigado a contribuir a título de alimentos devidos àquele seu filho com a quantia mensal de € 150, a ser entregue à progenitora por qualquer meio documentado, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, prestação essa actualizada em Janeiro de cada ano em € 2.
Mais ficou determinado nessa sentença que todas as despesas escolares, médicas e medicamentosas do D… seriam suportadas em igual parte por cada um dos progenitores, mediante a apresentação de comprovativo.
Todavia o arguido, não obstante ter possuído meios para o fazer, não pagou, entre Abril/2013 e Dezembro/2017, as prestações de alimentos e as despesas no valor total de, pelo menos, € 3.399,00, a título de capital.
O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito, conseguido, de se eximir ao pagamento das prestações alimentares que sabe serem-lhe legal e judicialmente exigíveis, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(Apenas) no dia 26.02.2020, o arguido procedeu ao depósito na conta da demandante da quantia de € 970,00 por conta da dívida de alimentos ao seu filho menor D….
Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, proferido a 24.10.2019, no âmbito do processo nº645/12.6TMMTS-C.P1, decidiu-se nos seguintes termos:
“Por tudo quanto ficou exposto, acorda-se nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação alterando a al. a) do dispositivo da sentença recorrida e assim reconhecer a existência de incumprimento por parte do requerido quanto à entrega da quantia global de € 3.399,00 (três mil, trezentos e noventa e nove euros), acrescida do pagamento dos juros moratórios, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações de alimentos não pagas, até integral pagamento, sendo que entretanto o Requerido pagou a quantia de € 2.429,00 (dois mil, quatrocentos e vinte e nove euros) (…)”.
b) quanto à caracterização da situação económica do devedor:
Com efeito o arguido é comproprietário duma moradia de 2 pisos, com garagem, lavandaria, alpendre e logradouro, que adquiriu juntamente com a B… e que foi a casa de morada da família, sita na Rua …, nº …, em …, imóvel esse descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 851/19981130 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1593.
É também comproprietário de vários prédios rústicos e urbanos na qualidade de herdeiro de património indiviso.
O arguido tem trabalhado por conta própria na actividade de decoração de montras e vitrines e tem vindo a auferir do exercício dessa actividade profissional um rendimento mensal não concretamente apurado, não inferior a € 575,00/mensais.
Está colectado no Serviço de Finanças com a actividade principal de Agências de Publicidade desde 2-1-2008, e com as actividades secundárias de Manutenção e Reparação de Veículos Automóveis e Comércio de Veículos Automóveis desde 5-10-2015, encontrando-se enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral e com contabilidade organizada por opção.
Residiu, pelo menos até meados de 2017, em habitação própria, na referida moradia que adquiriu com a B….
É proprietário, desde 2011, do veículo da marca Hyundai, de matrícula ..-..-MM.
Tem pelo menos desde 2012 uma aplicação financeira em conta poupança em títulos da dívida pública do IGCP, no montante de € 14.760.
Beneficiou dos juros dessa aplicação, que em 2015 foram no montante de € 259,04 e em 2016 no montante de € 180,80.
Utilizou, para a sua vida e negócios pessoais, pelo menos uma conta que abriu em Maio de 2014 no balcão de … do Banco E… em nome do filho D… com o nº ……………, e que cancelou com saldo nulo em Fevereiro/2017, tendo movimentado em seu proveito próprio, durante esse período de tempo, o montante total de € 63.781,07 nos termos constantes dos extratos de fls. 444v a 462v que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
E, conforme resulta desses extratos, o arguido teve sempre disponível verba mensal suficiente para pagar a pensão de alimentos ao menor.
O arguido reside sozinho, prevendo a necessidade de mudança de residência a partir do próximo mês de abril de 2020.
Despende em consumos básicos de água, electricidade e gás, as quantias, respectivamente, de € 40,00/mensais, € 40,00/mensais e € 80,00/semestrais.
c) quanto à caracterização da situação económica da demandante:
O menor D… encontra-se, desde 2012, na dependência exclusiva da mãe, a B…, que trabalha desde 1997 como contabilista para a sociedade “F…, Lda.”, na Póvoa de Varzim, onde aufere um rendimento mensal na ordem dos € 1.000.
E, como encargos tem as despesas com a renda da casa, a água, a luz, a alimentação, vestuário e saúde do seu filho e sua, bem como com a educação daquele, e ainda o IMI relativo à casa que tem em compropriedade com o arguido, despendendo mensalmente quantia superior ao seu salário, que é suportada por si e por familiares seus aos quais pede ajuda.
d) quanto à caracterização dos danos morais:
Na verdade, a B…, para fazer face a todas as despesas, tem recorrido, desde 2012, ao auxílio económico dos pais, e é à custa destes que tanto ela como o menor sobrevivem.
Para fazer face ao sustento do seu filho menor, a demandante vê-se obrigada a limitar os seus gastos.
Face à conduta do arguido, a demandante vive triste, angustiada, deprimida, humilhada e vexada, designadamente por ter que recorrer ao tribunal.
A conduta do arguido causa à demandante desgosto, indignação, revolta, frustração, ansiedade e agonia.
Em virtude da sua conduta, a demandante foi afectada na sua paz e tranquilidade.
e) quanto à caracterização dos danos patrimoniais:
Por força da conduta do arguido, a demandante fez sacrifícios económicos e viu-se obrigada a despender quantias não concretamente apuradas para suprir a falta de pagamentos por parte do arguido.
Devido ao não pagamento das pensões de alimentos e demais despesas com o menor, foi-lhe instaurado pela B…, em Março de 2017 e por apenso àquele processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, uma execução especial por alimentos, que ainda se encontra pendente.
A demandante instaurou contra o arguido seis incidentes de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais relativas à violação do dever de prestação de alimentos, com as consequentes e inerentes deslocações à PSP, escritório do seu mandatário e aos tribunais, o que sucedeu por um número não concretamente apurado de vezes.
Essa situação acarretou para a demandante despesas com deslocações, serviços extrajudiciais e honorários de valor não concretamente apurado, bem como um dispêndio de tempo cuja quantificação não foi concretamente apurada.
Por força da conduta do arguido, a demandante fez sacrifícios económicos e viu-se obrigada a despender quantias não concretamente apuradas para suprir a falta de pagamentos por parte do arguido.
De jure;
No tocante ao “quantum” da indemnização, rege o princípio geral contido no artigo 562º do Código Civil, que dispõe o seguinte: "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
Dano, é todo o prejuízo, lesão ou detrimento que uma pessoa sofra na sua pessoa ou nos seus bens e a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor; a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial da lesada, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º, números 1 e 2, do Código Civil).
No plano dos danos patrimoniais, resultou provado que a prática do crime cometido pelo arguido gerou prejuízo patrimonial para a demandante (note-se que não entra neste cômputo o valor das prestações de alimentos omitidas10, "qua tale", uma vez que o credor do valor das mesmas é o filho da demandante e do demandado), cujo valor não chegou a ser concretizado por esta no articulado inicial do enxerto cível, nem foi apurado em julgamento, respeitante à instauração de seis incidentes de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, com as inerentes deslocações à esquadra da P.S.P., escritório do mandatário forense e aos tribunais, gastando dinheiro com honorários e deslocações, bem como o suprimento da falta de dinheiro das prestações em falta (prestações que chegaram a um total de € 3.399,00). Como é evidente, tais despesas resultaram diretamente para a demandante, por ser a mãe do menor alimentando, a quem compete, legalmente, assegurar o pagamento de todas as despesas correntes e pugnar pelo exercício dos direitos do filho, faltando o contributo do pai, ora demandado.
A demandante sofreu assim um prejuízo de valor que não foi possível apurar concretamente e que resultou diretamente da prática do crime pelo demandado.
Este circunstancialismo impõe que se fixe uma indemnização mediante a formulação de um juízo de equidade (artigo 566º, nº 3, do Código Civil). Ponderando a duração da violação das prestações de alimentos (quatro anos e seis meses), o valor global de tais prestações em falta (€ 3.399,--) que sobrecarregaram financeiramente a demandante com as despesas acrescidas que teve de suportar, o número de incidentes de incumprimento instaurados (6), com as inerentes despesas e outros dispêndios e, por outro, tendo-se presente a situação económica do devedor (artigo566º, nº 1, "in fine", do mesmo texto legal), considera-se ajustada, porque equitativa, uma indemnização fixada em 2.300,-- (dois mil e trezentos euros), valor que se considera atualizado[10] à presente data.
Além dos danos patrimoniais, também são suscetíveis de reparação os chamados danos não patrimoniais ou morais, cuja indemnização a demandante também peticiona.
Preceitua o artigo 496º, nº 1 do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Trata-se agora de prejuízos que não afetam o património diminuindo-o ou frustrando o seu acréscimo, mas outros bens de carácter imaterial.
Tais danos ou prejuízos, dada a sua natureza não patrimonial, não são propriamente indemnizáveis, na medida em que não são ressarcíveis nos mesmos termos que os danos patrimoniais: contrariamente ao que se passa em relação a estes, não é possível, quanto àqueles, a reconstituição natural nem que o dinheiro “repare” diretamente o lesado.
No entanto, os danos não patrimoniais são suscetíveis de uma reparação, de forma indireta, mediante determinada quantia em dinheiro que, embora não repare a lesada dos males que a tal título haja experimentado tem, todavia, a virtualidade de a aliviar e compensar dos sofrimentos e desgostos que haja sofrido, mediante as satisfações, alegrias e prazeres que pode proporcionar-lhe, impondo-se que tal compensação, atenta a natureza dos bens lesados e a sua importância relativa, não seja meramente “simbólica” ou miserabilista. Por outro lado, também não deverá ser excessivamente onerosa para o devedor.
Assim sendo, entende-se serem merecedores da tutela do direito os seguintes danos não patrimoniais que resultaram provados: em consequência da falta de pagamento das prestações de alimentos, a demandante teve de recorrer durante os quatro anos e seis meses ao auxílio económico dos seus pais, teve de limitar os seus gastos (leia-se diminuir o seu "padrão de vida") e passou a viver triste, angustiada, deprimida, humilhada e vexada, tendo sofrido desgosto, indignação, revolta, frustração, ansiedade e agonia, tendo sido afetada a sua paz e tranquilidade.
Ponderando a extensão dos danos morais sofridos e, por outro, a situação económica do devedor, considera-se ajustada uma indemnização fixada em € 2.700,-- (dois mil e setecentos euros), montante que se considera atualizado à presente data, que corresponde à módica importância de € 50,-- (cinquenta euros) por cada mês de omissão do pagamento de alimentos por parte do arguido demandado (v.g. o hiato temporal em que decorreu a prática do crime).
Pelo exposto, o demandado será condenado a indemnizar a demandante com a importância global de € 5.000,-- (cinco mil euros) – resultante do somatório dos montantes de € 2.300,-- e € 2.700,-- -, à qual acrescem juros de mora vincendos[11], até efetivo e integral pagamento, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 805°, nº 3, parte final e 806°, números 1 e 2, ambos do Código Civil.
Das custas:
Sendo o recurso julgado provido, sem oposição do demandado, não há lugar ao pagamento de custas na instância recursiva (artigo 523º do Código de Processo Penal e 527º, nº 1, "a contrario sensu", do Código de Processo Civil).
Quanto ao enxerto cível, enquanto tal, as custas serão suportadas pela demandante e demandado na proporção da respetiva sucumbência, nos termos do disposto nos mesmos preceitos legais.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em conferência e por unanimidade, em julgar provido o recurso da demandante B… e, em consequência:
a) revogar a absolvição da instância do demandado C…;
b) condenar o demandado a indemnizar a demandante com a importância global de € 5.000,-- (cinco mil euros), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, até integral e efetivo pagamento; e
c) absolver o demandado do demais peticionado.
Sem custas na instância do recurso.
Custas do enxerto cível a cargo da demandante e do demandado na proporção da respetiva sucumbência.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 2 de Dezembro de 2020.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
______________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, Coimbra, Almedina, 2005, p. 539 ss.
[4] A este respeito, com maior desenvolvimento, Mafalda Miranda Barbosa, in Do nexo de causalidade ao nexo de imputação. Contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual, Princípia, 2013; Responsabilidade civil extracontratual: novas perspetivas em matéria de nexo de causalidade, Princípia, 2014; e Lições de responsabilidade civil, Princípia, 2017.
[5] Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 927.
[6] A Declaração dos Direitos da Criança foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1959.
[7] A Convenção sobre os Direitos da Criança foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989, assinada em Nova Iorque em 26 de Janeiro de 1990, pela Resolução da Assembleia da República nº20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº49/90 de 12 de Setembro.
[8] Segundo o Juiz Conselheiro Armando Gomes Leandro, "Família do Futuro? Futuro da Criança…”, "in" Infância e Juventude, Lisboa, Instituto de Reinserção Social, I, 1997, página 12.
[9] A sentença recorrida sustenta também a sua posição na jurisprudência, invocando neste âmbito o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29 de Setembro de 20109 (processo nº 462/06.2TATMR.C2), segundo o qual “A mãe do menor não tem legitimidade para, em nome próprio, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor com base na violação da obrigação de prestar alimentos ao filho menor.”). O mesmo aresto exclui, na sua fundamentação, a possibilidade de indemnização por danos morais da mãe do alimentando, por não radicar no crime de violação da obrigação de alimentos mas antes "numa conduta do arguido dirigida à pessoa da demandante, a qual, apesar de associada ao incumprimento da obrigação alimentícia (aí, dirigida ao menor), dela é autónoma". Na presente decisão, pelo contrário, considerou-se que a causa de pedir articulada pela demandante integrou um crime tipificado no artigo 250º do Código Penal, do qual foi vítima o filho das partes civis e do qual resultaram diretamente danos patrimoniais e não patrimoniais para a mãe do alimentando.
[10] Nem a demandante peticiona o pagamento de juros no enxerto cível, apesar de fazer uma referência descabida ao cálculo de juros tendo por referência a mora no pagamento das prestações de alimentos.
[11] O acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/02, de 9 de Maio, fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.