Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3484/16.1T8STS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ENTREGA JUDICIAL DE MENOR
CONVENÇÃO DE HAIA
REGRESSO AO PAÍS DE ORIGEM
Nº do Documento: RP201706203484/16.1T8STS-A.P1
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º773, FLS.13-18)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 13º, al. b) da Convenção de Haia o regresso da criança ao país de origem não será ordenado se existe risco grave desta, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável.
II - A decisão a tomar no sentido desse regresso – ou da sua recusa – deve ser norteada pelo critério fundamental do interesse da criança, sendo, por isso, essencial a sua audição, em qualquer idade; nas hipóteses de idade muito jovem, o Tribunal deve proceder oficiosamente a uma investigação acerca dos sentimentos da criança em relação ao regresso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 3484/16.1T8STS-A.P1
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Santo Tirso
Apelação
Recorrente: B…
Recorrido: Ministério Público
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O Min. Público veio requerer a entrega judicial da menor C… contra B….
Alegou para tanto que a menor é filha da requerida e de D…, que vivem separados. Corre termos no Tribunal de Família de E…, Reino Unido, o processo n.º BV16P00006 em vista à regulação das responsabilidades parentais da menor. Aí, foi atribuída à requerida a guarda da menor e a mãe assumiu o compromisso homologado por decisão judicial de, após férias em Portugal entre 30.10.2016 e 5.11.2016, fazer regressar a menor à área de jurisdição daquele tribunal. A mãe deslocou-se a Portugal em férias e não regressou ao Reino Unido. A Autoridade Central designada pelo Reino Unido no âmbito da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças solicitou à Autoridade Central portuguesa no âmbito da mesma convenção o regresso da criança ao Reino Unido.
Solicitou ainda que se mandasse realizar, de imediato e em 15 dias, inquérito social pela Segurança Social sobre a atual situação da criança no agregado familiar da mãe, a fim de ser apreciada a necessidade de aplicação de medidas de promoção e proteção e que se comunicasse a situação ao Gabinete Nacional SIRENE, para inserção dos dados identificativos de C… e de sua mãe no Sistema de Informações Schengen.
O Mmº Juiz “a quo”, nos termos do art. 49º, nº 2 do RGPTC, ordenou a comparência da menor e da mãe, na sequência do que foram tomadas declarações à mãe.
Após, a mãe pronunciou-se a fls. 53v e segs. no sentido do indeferimento da entrega, tendo requerido previamente a realização das seguintes diligências:
- seja solicitado às autoridades inglesas, nomeadamente à polícia inglesa que envie cópia dos autos/relatórios das ocorrências supra relatadas e outras, relacionadas com a menor e seus progenitores;
- seja solicitado aos serviços de segurança social inglesa que envie cópia dos relatórios das ocorrências supra relatadas e outras, relacionadas com a menor e seus progenitores;
- após a receção de tais documentos, seja ouvida em declarações a avó materna da menor C…, de seu nome F…, que a requerente se compromete a apresentar.
Em vista, o Ministério Público pronunciou-se, por sua vez, a fls. 79 e segs., pelo imediato regresso da criança ao Reino Unido.
Foi depois proferida decisão que julgou procedente a pretensão deduzida e, em consequência, determinou o regresso da criança C… ao Reino Unido da Grã-Bretanha.
Inconformada com o decidido, a requerida B… interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu determinar o regresso da criança C… ao Reino Unido da Grã-Bretanha.
2.ª A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, errou ao determinar o regresso da menor ao Reino Unido da Grã-Bretanha, pelas razões que se passam a expor.
3.ª Em sede de audição da mãe da criança, a ora Recorrente, a mesma indicou circunstâncias que obstam à entrega da criança.
4.ª Ora, a douta sentença recorrida foi proferida sem que tivesse sido produzido a prova requerida pela Recorrente.
5.ª Impunha-se ao Tribunal a quo que solicitasse os relatórios à Polícia Inglesa e à Segurança Social Inglesa, de molde a aferir se o regresso da menor ao Reino Unido da Grã-Bretanha, sujeitaria a criança a risco grave de ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer outro modo a ficar numa situação intolerável.
6.ª In casu, não houve qualquer informação prestada pelas autoridades competentes e portanto, foi preterida uma formalidade legal, o que determina a nulidade da sentença.
7.ª Por outro lado, a douta sentença recorrida foi proferida sem considerar o interesse primordial, a acautelar nestes casos e consagrado na Convenção de Haia: o superior interesse da criança.
8.ª A sua execução é, por si só, causadora de sujeição da menor a perigos de ordem psíquica e física, susceptíveis de comprometer irremediavelmente o seu desenvolvimento.
9.ª Ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 13.º da Convenção de Haia, cessa a obrigação de entrega da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha ao retorno provar que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer modo fica numa situação intolerável.
10.ª In casu, o Tribunal a quo deveria ter averiguado as causas impeditivas do regresso da menor à Grã-Bretanha invocadas pela Requerida, ora Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Convenção de Haia e ordenada a produção da prova oferecida.
11.ª O Meritíssimo Juiz a quo proferiu a decisão recorrida sem proceder à apreciação da prova que, para o efeito foi oferecida pela Requerida, prova que nem sequer foi produzida.
12.ª Por conseguinte, a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., porquanto o Meritíssimo Juiz a quo, deixou de se pronunciar sobre a apreciação da prova oferecida pela Requerida, que nem sequer foi produzida e a emissão da decisão sobre a verificação in casu, da causa impeditiva do regresso da menor à Grã-Bretanha, nos termos previstos no artigo 13.º da Convenção de Haia.
13.ª Ao desconsiderar a factualidade invocada e a prova oferecida, para a determinação no caso concreto do interesse superior da criança, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 13.º n.º 1 al. b) e 20.º da Convenção de Haia.
14.ª Acresce que o Tribunal a quo não averiguou se tinham sido tomadas medidas adequadas para garantir a protecção da menor após o regresso à Grã-Bretanha, como devia ter feito nos termos do artigo 11.º n.º 4 do Regulamento nº 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003.
16.ª Em face do exposto, a douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 615.º n.º 1 al. d) do CPC e artigo 13.º n.º 1 al. b) e 20.º da Convenção de Haia, devendo por conseguinte ser revogada e substituída por outra que recuse o regresso da menor ao Reino Unido da Grâ-Bretanha.
O Min. Público apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
Apurar se a decisão recorrida padece de nulidade, por terem sido preteridas formalidades legais;
Apurar se a decisão de determinar o regresso da menor ao Reino Unido se compagina com as disposições da Convenção de Haia.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
A recorrente, nas suas alegações, entende que a decisão recorrida foi proferida sem que o tribunal tivesse ordenado a realização das diligências por si requeridas, de modo a aferir do eventual perigo do regresso da menor ao Reino Unido, que assim ficaria sujeita, na sua ótica, a perigos de ordem física e psíquica ou numa situação intolerável.
A omissão de tais diligências, por se tratar de preterição de formalidade legal, determinaria a nulidade da decisão, da mesma forma que não se tendo nesta decisão tomado posição expressa sobre a prova oferecida pela requerida, ora recorrente, tal envolveria a sua nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil.
Vejamos então.
No caso “sub judice” está em causa a deslocação de um menor do Reino Unido para Portugal com a sua mãe, sem que depois esta tenha regressado ao Reino Unido na data prevista – 6.11.2016 -, sendo que a mãe não podia alterar o local de residência da criança para Portugal sem o consentimento do pai.
No art. 2º, ponto 11, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27.11.2003, diz-se que se verifica “deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, quando:
«a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e
b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»
Assim, tal como se entendeu na decisão recorrida, estamos neste caso perante deslocação ilícita de uma criança nos termos da última parte da alínea b) do ponto 11 do art. 2º do Regulamento (CE) nº 2201/2003.
Acontece que uma eventual decisão no sentido da recusa do regresso da menor ao Reino Unido poderia fundar-se no disposto no art. 23º deste Regulamento, onde se indicam os fundamentos para o não reconhecimento de decisões proferidas em matéria de responsabilidade parental, mas percorrendo tais fundamentos[1] logo se verifica que nenhum deles se ajusta ao caso dos autos, razão pela qual não se vislumbra qualquer motivo para não aceitar a decisão judicial do Reino Unido como válida na nossa ordem jurídica.
Prosseguindo, haverá que ter em atenção que o art. 11º, nº 2 do Regulamento torna aplicáveis no que concerne à recusa do regresso do menor os arts. 12º e 13º da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 25.10.1980.
Dispõe-se o seguinte no art. 12º da Convenção de Haia:
«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para um outro Estado, pode então suspender o processo ou rejeitar o pedido para o regresso da criança
Ora, a retenção da menor em Portugal tornou-se ilícita a partir do momento em que esta não regressou ao Reino Unido em consonância com a decisão que aí tinha sido proferida, mas sobre esse momento ainda não decorreu um ano e, por outro lado, não há suspeitas de que esta tenha sido novamente deslocada para um outro Estado.
Por seu turno, o art. 13º da Convenção de Haia estabelece o seguinte:
«Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança
No que toca à alínea a), a mesma é desde logo de afastar, porquanto a requerida era a detentora da guarda relativamente à criança e a sua deslocação a Portugal foi consentida. Tal como perante uma criança com três anos de idade não faz sentido equacionar a sua eventual recusa de regresso fundada no seu grau de maturidade.
Passando à alínea b), há a destacar que as circunstâncias aí previstas remetem para os conceitos de perigo físico ou psíquico e derivam diretamente da consideração do interesse da criança como critério de decisão. Sucede que estes conceitos devem ser compreendidos à luz da relação afetiva da criança com a pessoa de referência que cuida de si no dia-a-dia e da opinião da própria criança, a qual pode ser relevante em qualquer idade, desde que expressa de forma inequívoca – cfr. Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 6ª ed., pág. 150.
Com efeito, se é certo que a Convenção de Haia teve por fim proteger a criança no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita e estabelecer formas que garantam o regresso imediato da criança ao estado da residência habitual, bem como assegurar a proteção dos direitos de visita, não é menos certo que foram razões inerentes à salvaguarda dos superiores interesses das crianças que estiveram na base do estabelecimento das exceções à aplicação do regime de recondução das mesmas para o país onde se encontravam antes da atuação ilegítima, isto é, foram essas razões que estiveram na base da previsão do seu art.º 13.º, em particular, da alínea b) do mesmo – cfr. Ac. Rel. Coimbra de 22.2.2005, proc. 2544/04, disponível in www.dgsi.pt.
Isto é, não se pode ignorar que a Convenção de Haia tem, acima de tudo, como objetivo fundamental a proteção da criança, de tal forma que se tudo indicar que o regresso da criança, por força da Convenção, não vá de encontro ao seu interesse, este não deve ser determinado.
No caso dos autos, deverá ter-se em atenção que a menor C… tem apenas três anos de idade[2], o que, face a tão diminuta idade, torna muito relevante a sua ligação com a figura materna, com a qual sempre viveu.
O regresso da menor ao Reino Unido, não sendo eventualmente acompanhada pela mãe, poderá vir a criar para ela uma situação intolerável, o que cabe evitar, de resto, em consonância com o art. 13º, al. b) da Convenção de Haia.
A 1ª Instância determinou o imediato regresso da menor ao Reino Unido, mas cremos que, antes de tomar tal decisão, deveria ter desenvolvido maior atividade investigatória a fim de apurar da aplicabilidade – ou não – no presente caso do preceito que temos vindo a referir da Convenção de Haia.
Salienta Clara Sottomayor (ob. cit., pág. 152) que “… nestes processos, norteados pelo critério fundamental do interesse da criança, é essencial a sua audição, em qualquer idade, ou, nas hipóteses de idade muito jovem, que o Tribunal proceda ex officio a uma investigação acerca dos sentimentos da criança em relação ao regresso.”[3]
Concordamos inteiramente com esta posição e, por isso, face à reduzida idade da criança, que torna inviável a sua audição em tribunal, e tendo em conta também a exiguidade dos elementos que dispomos quanto a ela, entendemos que deve ser solicitada à Segurança Social a realização de inquérito, através de profissionais especializados na área da psicologia infantil, com vista a apurar da atual situação da criança no agregado familiar da sua mãe, procurando-se igualmente apurar quais os seus sentimentos em relação ao regresso ao Reino Unido.
Deverá também proceder-se à audição da avó materna da menor, F…, conforme foi solicitado pela requerida.
Já quanto às demais diligências solicitadas, referentes a informações a fornecer pela polícia e pela segurança social inglesas, entendemos que estas se mostram desnecessárias por, conforme o alegado, se reportarem essencialmente a episódios que terão envolvido a mãe e o pai da menor.
Assim, como foram preteridas diligências que reputamos de essenciais para a correta apreciação do caso dos autos, há que anular a decisão recorrida. E depois destas diligências efetuadas, aí se destacando a realização do inquérito atrás referido, e de outras que na sequência destas possam surgir como imprescindíveis, o Tribunal “a quo” proferirá nova decisão, onde, na posse de melhores e mais detalhados elementos em relação à menor, decidirá no sentido do seu regresso ao Reino Unido ou da recusa desse regresso por verificação da situação prevista no art. 13º, al. b) da Convenção de Haia, não podendo perder de vista nunca que o critério fundamental a ter em atenção nestes casos é o do interesse da criança.
Mais se refere, antes de finalizar, que na nova decisão a proferir, ao invés do que sucedeu na presente, o tribunal deverá proceder à fixação da matéria de facto provada, ficando ainda prejudicada a apreciação das demais questões colocadas no presente recurso.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- Nos termos do art. 13º, al. b) da Convenção de Haia o regresso da criança ao país de origem não será ordenado se existe risco grave desta, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável.
- A decisão a tomar no sentido desse regresso – ou da sua recusa – deve ser norteada pelo critério fundamental do interesse da criança, sendo, por isso, essencial a sua audição, em qualquer idade; nas hipóteses de idade muito jovem, o Tribunal deve proceder oficiosamente a uma investigação acerca dos sentimentos da criança em relação ao regresso.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerida B… e, em consequência:
- anula-se a decisão recorrida;
- determina-se que a Segurança Social proceda à realização de inquérito, através de profissionais especializados na área da psicologia infantil, com vista a apurar da atual situação da criança no agregado familiar da sua mãe, procurando-se igualmente apurar quais os seus sentimentos em relação ao regresso ao Reino Unido;
- determina-se a audição da avó materna da menor;
- uma vez realizadas estas diligências, e outras que na sequência delas possam ter surgido como imprescindíveis, será proferida nova decisão, na qual se deverá proceder à fixação da matéria de facto provada.
Sem custas.

Porto, 20.6.2017
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] A decisão não é de reconhecer:
«a) Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido, tendo em conta o superior interesse da criança;
b) Se, excepto em caso de urgência, tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida, em violação de normas processuais fundamentais do Estado-Membro requerido;
c) Se a parte revel não tiver sido citada ou notificada do acto introdutório da instância ou acto equivalente, em tempo útil e de forma a poder deduzir a sua defesa, excepto se estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca;
d) A pedido de qualquer pessoa que alegue que a decisão obsta ao exercício da sua responsabilidade parental, se a decisão tiver sido proferida sem que essa pessoa tenha tido a oportunidade de ser ouvida;
e) Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental no Estado-Membro requerido;
f) Em caso de conflito da decisão com uma decisão posterior, em matéria de responsabilidade parental noutro Estado-Membro ou no Estado terceiro em que a criança tenha a sua residência habitual, desde que essa decisão posterior reúna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado-Membro requerido; ou
g) Se não tiver sido respeitado o procedimento previsto no artigo 56.»
[2] Nasceu em 9.1.2014.
[3] Clara Sottomayor produziu esta afirmação logo após dar notícia do Acórdão de Relação de Guimarães de 16.7.2009 (CJ, 2009, tomo III, págs. 302/304), no qual se entendeu ordenar o regresso de uma criança de quatro anos à Bélgica, considerando-se desnecessário ouvi-la devido à sua pouca idade.