Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3047/20.7T8MAI-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: PERSI
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202212143047/20.7T8MAI-B.P1
Data do Acordão: 12/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não está na disponibilidade das partes, entidade bancária e cliente bancário, afastar as regras do PERSI, ainda que de mútuo acordo, que repetimos, são imperativas.
II - O ónus da prova do envio e respectiva recepção, das comunicações legalmente exigidas, no âmbito do PERSI, recai sobre a entidade financeira.
III - A proibição do artigo 18.º, n.º 1, al b) do PERSI terá que ser aplicada a todas aquelas situações em que ocorre incumprimento do cliente bancário, e a instituição de crédito ainda não deu início ao procedimento do PERSI, em manifesta violação da Lei, que lhe impõe tal comportamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º(1) 3047/20.7T8MAI-B.P1
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Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução da Maia J1

RELAÇÃO N.º 9
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
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I - RELATÓRIO.
AS PARTES
EMBTE.: AA.
EMBADO.: P... S.A.
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Por(2), apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa intentada por P... S.A., (…), contra AA, (…), BB, (…), CC, (…), DD, (…), veio o executado AA deduzir os presentes embargos de executado, pedindo a final que a oposição fosse julgada procedente por provada, e que, conhecendo-se das excepções dilatórias por falta de vencimento das obrigações peticionadas e falta de verificação da condição objectiva de procedibilidade, fosse julgada extinta a instância executiva.
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Através da acção executiva de que os presentes embargos são apenso, a exequente, na qualidade de cessionária da Banco 1..., pretende que sejam efectuadas as diligências necessárias à cobrança da quantia global de € 153.690,87 (cento e cinquenta e três mil e seiscentos e noventa euros e oitenta e sete cêntimos), acrescidas de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, até efectivo e integral pagamento.
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Para tal, deu à execução os seguintes documentos:
a) A escritura pública outorgada no dia 11 de Março de 2009, denominada de “Compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança” e respectivo documento complementar, através da qual a Banco 1... concedeu aos executados AA e BB, um empréstimo no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), destinado à aquisição da fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ......, da freguesia ..., destinada a habitação própria e permanente, composta de cave, rés-do- chão e andar, arrumos, lavandaria e garagem, terraços e zona ajardinada, através da qual aqueles executados se obrigaram a proceder ao reembolso da quantia emprestada em quatrocentas e oitenta prestações mensais de capital e juros e ainda, para garantia de pagamento do referido empréstimo, dos juros, da cláusula penal e das despesas, constituíram a favor daquela hipoteca sobre a referida fracção autónoma, e os executados CC e DD se constituíram solidariamente fiadores e principais pagadores da dívida contraída pelos mutuários, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, cuja cópia digitalizada de certidão se encontra a fls. 21 e segs., dos autos principais;
b) A escritura pública outorgada no dia 11 de Março de 2009, denominada de “Mútuo com hipoteca e fiança” e respectivo documento complementar, através da qual a Banco 1... concedeu aos executados AA e BB, um empréstimo no valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), destinado a facultar recursos para investimentos diversos não especificados, tendo-se estes executados obrigado a proceder ao reembolso da quantia emprestada em quatrocentas e oitenta prestações mensais de capital e juros e, para garantia de pagamento do referido empréstimo, dos juros, da cláusula penal e das despesas, constituíram a favor daquela entidade hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ......, da freguesia ..., destinada a habitação, composta de cave, rés-do-chão e andar, arrumos, lavandaria e garagem, terraços e zona ajardinada, tendo-se os executados CC e DD constituído solidariamente fiadores e principais pagadores da dívida contraída pelos mutuários, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, cuja cópia digitalizada de certidão se encontra a fls. 39 e segs., dos autos principais.
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A exequente alegou que por contrato de venda de créditos, assinado em 12 de Julho de 2019, a Banco 1... vendeu os créditos identificados como ... e ... que detinha sobre os executados e todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, à ora exequente P... S.A.
Alegou depois que a cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos, encontrando-se os créditos identificados na relação de créditos cedidos constante do referido contrato e do respectivo documento complementar, que faz parte integrante do mesmo.
Alegou de seguida que no exercício da sua actividade creditícia, a Banco 1..., celebrou com os executados AA e BB, dois contratos de mútuo, formalizados por escrituras que servem de títulos à presente execução e respectivos documentos complementares, nos montantes de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) e € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
Alegou depois que para garantia das obrigações assumidas, foram constituídas hipotecas voluntárias sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ......, da freguesia ..., sita na Rua ..., ... ..., que foram registadas na referida Conservatória do Registo Predial através das apresentações nºs 552 e 553, datadas de 11 de Março de 2009.
Alegou de seguida que nos documentos complementares anexos às escrituras, ficou convencionado que o pagamento do referidos mútuos seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros.
Alegou depois que os executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em 22 de Junho de 2019 e em 24 de Março de 2019, respectivamente.
Alegou de seguida que os executados CC e DD constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido pelos mutuários em consequência do empréstimo supra referido, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, aceitando todas as condições que o precedem.
Alegou depois que, apesar de interpelados para o respectivo pagamento, não o efectuaram, tendo-se vencido toda a dívida.
Concluiu que se encontra em dívida, em relação ao contrato ..., o montante total de € 123.800,73 (cento e vinte e três mil e oitocentos euros e setenta e três cêntimos), sendo € 117.829,14 (cento e dezassete mil e oitocentos e vinte e nove euros e catorze cêntimos) a título de capital, € 5.839,09 (cinco mil e oitocentos e trinta e nove euros e nove cêntimos) a título de juros e € 132,50 (cento e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos) a título de despesas, e em relação ao contrato ..., o montante total de € 29.890,14 (vinte e nove mil e oitocentos e noventa euros e catorze cêntimos), sendo € 28.144,49 (vinte e oito mil e cento e quarenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos) a título de capital, € 1.391,59 (mil e trezentos e noventa e um euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de juros e € 354,06 (trezentos e cinquenta e quatro euros e seis cêntimos) a título de despesas.
(…)
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Nos embargos, o executado invocou a inexigibilidade da obrigação, com base na invocação da mora do credor.
Para tal, alegou que a Banco 1... deixou de receber as prestações, no seguimento da cessão de créditos outorgada no dia 12 de Julho de 2019.
Invocou depois a invalidade da cessão de créditos.
Para tal, alegou que sempre seria obrigatória a integração pela credora originária Banco 1... do cliente bancário no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec.-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, integração que foi omitida quer quanto aos executados obrigados originariamente, quer quanto aos fiadores.
Concluiu que tal falta de integração no PERSI, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, possa ceder o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito.
Alegou depois que escolheu a instituição financeira que entendeu mais reputada e que lhe oferecia maiores garantias no mercado bancário, que nunca escolheria uma sociedade como a requerente, que não é uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira e que não se encontra sob supervisão do Banco de Portugal, estando arredada do âmbito de aplicação do Regime tutelado pela supervisão do Banco de Portugal, previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec.-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, e que por isso o crédito não pode ser cedido a pessoa colectiva que não tem a mesma natureza e objecto que uma entidade bancária.
Concluiu que a cessão de créditos destinados à aquisição de habitação própria e permanente, não podia ter sido efectuada à exequente, por violar a disciplina prevista no art. 577º, nº 1 do Código Civil e do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec.-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, sob pena de frade à lei.
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Por despacho proferido a fls. 34, foram recebidos os embargos de executado e determinou-se a notificação da exequente para contestar, querendo.
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Notificada, a exequente contestou a fls. 37 e segs., impugnando a factualidade alegada pelo embargante, respondendo às excepções e concluindo a final pela improcedência dos embargos.
Para tal, alegou que o embargante não provou o cumprimento das prestações mensais, e que os executados foram notificados através de cartas de interpelação para pagamento dos valores vencidos, tendo também recebido cartas de incumprimento definitivo.
Alegou depois que estamos perante uma cessão de créditos, a qual é legalmente admissível e produziu efeitos em relação a todos os executados.
Alegou de seguida que existiu incumprimento definitivo, motivo pelo qual os créditos peticionados se encontram vencidos, não sendo de aplicar os termos do Dec.-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
Alegou ainda que pelo credor originário foram cumpridos todos os requisitos legais referentes ao PERSI, prescritos no Dec.-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, numa fase em que ainda não existia incumprimento definitivo.
Concluiu pela inexistência de razão justificativa que impeça a cessão de créditos ocorrida de produzir efeitos.
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Foi elaborado, a fls. 161 e segs., despacho saneador que julgou competente o Tribunal, o processo próprio e isento de nulidades, as partes com personalidade, capacidade judiciária e legitimidade.
Relegou-se para final a decisão a proferir sobre as excepções dilatórias da invalidade, inadmissibilidade e ineficácia da cessão de créditos.

Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando procedentes os embargos, nos seguintes termos:
Julgo os presentes embargos de executado procedentes e em consequência, absolvo o executado embargante da instância executiva, com a consequente extinção da execução em relação ao mesmo.
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Custas pela exequente, nos termos do disposto no art. 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. “.
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A embargada, exequente, vem desta decisão interpor recurso, acabando por pedir o seguinte:
Nestes termos e nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de vossas excelências, deve conceder-se integral provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra nos termos da antecedente motivação e conclusões, seguindo o processo os seus trâmites até final “.
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A ora recorrente, embargada, apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de 03-06-2022, que julgou os embargos à execução procedentes por considerar verificada a excepção dilatória inominada de falta de integração no PERSI.
B. Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida, fez uma errónea aplicação do Direito aos factos, nomeadamente dos artigos 14.º n.º 4 e 17.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e do artigo 362º CC.
C. A douta sentença da qual se recorre entendeu que não ficou provado que a Recorrente tivesse integrado a Recorrida no regime de PERSI, por não ter demonstrado a recepção das cartas simples que remeteu, entendimento esse que não se aceita.
D. Com efeito, a Recorrente juntou aos autos as cartas de integração e extinção do PERSI, remetidas à Recorrida, com a data de 03-04-2013, respectivamente, ou seja, depois da mora e antes da data do incumprimento.
E. Assim, a Recorrida teve a oportunidade de ser integrada no PERSI e não foi por incumprimento da sua parte dos requisitos necessários para o efeito.
F. Ora, aqui em causa está apenas a questão de saber se se pode considerar que a Recorrida foi integrada no PERSI por via do envio das referidas cartas, pois a existência da dívida é certa e provada.
G. Com efeito, as cartas foram enviadas para a morada prevista e não temos porque considerar que não foram entregues, sendo que a lei apenas exige envio por meio duradouro.
H. Nessa senda, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021, processo 2915/18.0T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt, o qual decidiu que:
“1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência.”
I. No regime do PERSI, a lei não exige o envio de carta registada com aviso de receção, mas tão-somente que o cliente/destinatário seja informado mediante comunicação em “suporte duradouro”.
J. Importará salientar que de acordo com o disposto no artigo 4.º n.º 1 do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012:
“1 - Nos casos em que no regime geral de prevenção e regularização do incumprimento de contratos de crédito não se exija a comunicação em suporte duradouro, as instituições de crédito, no âmbito dos procedimentos previstos no PARI e no decurso do PERSI, podem contactar os clientes bancários de forma presencial ou através de qualquer meio de comunicação à distância.”
K. Isto é, o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 aponta no mesmo sentido que o Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, não exigindo que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas mediante correio registado e/ou registo com aviso de receção.
L. Por seu turno, também não decorre da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (que regulamenta o Decreto-Lei nº 227/2012) qualquer menção à observância e obrigatoriedade do envio de correio registado/aviso de receção.
M. A lei não exige, portanto, que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efetuadas através de carta registada com aviso de receção.
N. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que efetuou tais comunicações em suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/09/2020, Relator: Vítor Sequinho, disponível in www.dgsi.pt, proc. n.º 1834/17.2T8MMN-A-E1).
O. Conforme teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/11/2018, Relator: Augusto de Carvalho, proc. n.º 3413/14.7TBVFR-A.P1 disponível em www.dgsi.pt:
“I - O artigo 14º, nº 4, do DL nº 227/2012, de 25 de outubro, exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
II - O artigo 3º, alínea h), do DL nº 227/2012, define o suporte duradouro como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
III - Ao exigir-se como forma da declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo.
IV - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.”
P. No mesmo sentido, sumaria o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/01/2021, Relatora: Maria da Conceição Saavedra, proc. n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt:
“II- A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. arts. 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail.”
Q. E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/06/2021, proc. n.º 2738/21.0T8SNT.L1, disponível em www.dgsi.pt:
“II - As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro, o qual poderá incluir uma carta ou um e-mail.
III - O indeferimento liminar só é possível nas situações previstas no artigo 590.º, n.º 1 do CPC, fluindo da análise do preceito, designadamente da expressão de forma evidente, quanto às exceções dilatórias insupríveis como o caso da exceção dilatória inominada da falta da condição de procedibilidade, que o despacho de indeferimento liminar representa uma última solução a utilizar criteriosamente pelo juiz.
IV - Na falta da evidência exigida por lei para o indeferimento liminar, o Tribunal a quo deveria ter aguardado cautelosamente pela posição da Ré perante os factos alegados na petição inicial e os documentos juntos.”
R. Neste sentido, exigindo o diploma legal, como forma da declaração, uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo.
S. A exigência de comunicação em suporte duradouro remete-nos para a noção de documento que é dada pelo artigo 362.º do Cód. Civil: «qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».
T. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a obrigação legal sub judice (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/05/2020, Relator: Tomé de Carvalho, proc. n.º 715/16.1T8ENT-B.E1, disponível em www.dgsi.pt).
U. A Recorrida invoca falta de integração do PERSI, mas também não demonstra que estivessem preenchidos os requisitos para aplicação do mesmo.
V. De facto, não demonstrou que tenha comunicado dificuldades ou alertado o Banco para o risco de incumprimento.
W. Quando o Banco tentou dar oportunidade à Recorrida para regularizar o seu incumprimento, tal não aconteceu por inércia sua, a qual não pode ser imputada à Recorrente.
X. Pelo exposto, pretende a Recorrente que o presente recurso seja julgado totalmente procedente e, em consequência, seja considerado provado que a Recorrente integrou a Recorrida no regime do PERSI, o qual se extinguiu e por isso deverão os autos principais prosseguir os seus temros, por não se verificar qualquer excepção dilatória. “.
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O embargado, executado, apresentou contra alegações, acabando por concluir “Nestes termos e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso interposto da, aliás, douta sentença proferida no presente processo ser julgado não provido, por desprovido de razões de Direito e a sentença ser mantida nos seus precisos termos, a bem da Justiça“.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:
Da incorrecta operação jurídica operadas na sentença ora recorrida quanto à demonstração da existência de PERSI (Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) e sua extinção. A sua inexistência (não demonstração) configura uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância (cf. artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2 e 578.º, todos do Código de Processo Civil).
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OS FACTOS
A sentença ora em crise deu como prova e não provada a seguinte factualidade.
A) FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão a proferir, ficaram apurados os seguintes factos:
a) Por acordo celebrado através de escritura pública, denominado “Cessão de créditos”, outorgado em 12 de Julho de 2019 entre a Banco 1... e a ora exequente P... S.A., a Banco 1... vendeu à ora exequente os créditos identificados como ... e ..., que detinha sobre os executados; (Resp. art. 1º Req. Exec.)
b) A cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos; (Resp. art. 2º Req. Exec.)
c) No âmbito desse contrato, incluiu-se o crédito sobre os ora executados, identificado na relação de créditos constante do referido contrato e do respectivo documento complementar, que faz parte integrante do mesmo; (Resp. art. 3º Req. Exec.)
d) No exercício da sua actividade creditícia, a Banco 1..., celebrou com os executados AA e BB, dois contratos de mútuo, formalizados por escrituras que servem de títulos à presente execução e respectivos documentos complementares, nos montantes de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) (contrato ...) e € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) (contrato ...); (Resp. art. 6º Req. Exec.)
e) Para garantia das obrigações assumidas, foram constituídas hipotecas voluntárias sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ......, da freguesia ..., sita na Rua ..., ... ..., que foram registadas na referida Conservatória do Registo Predial através das apresentações nºs 552 e 553, datadas de 11 de Março de 2009; (Resp. art. 7º Req. Exec.)
f) Nos documentos complementares anexos às escrituras, ficou convencionado que o pagamento do referidos mútuos seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros; (Resp. art. 8º Req. Exec.)
g) Os executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas, em 22 de Junho de 2019 e em 24 de Março de 2019, respectivamente; (Resp. art. 9º Req. Exec.)
h) Os executados CC e DD constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido pelos mutuários em consequência do empréstimo supra referido, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, aceitando todas as condições que o precedem; (Resp. art. 10º Req. Exec.)
i) A Banco 1... deixou de efectuar o débito bancário a partir da prestação vencida em Julho de 2019; (Resp. art. 11º p.i.)
j) A aquisição por compra da fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ......, da freguesia ..., sita na Rua ..., ... ..., está registada a favor dos executados AA e BB, pela apresentação nº 551, datada de 11 de Março de 2009; (Resp. art. 26º p.i.)
l) O crédito garantido pela hipoteca inscrita pela apresentação nº 552, de 11 de Março de 2009, respeita a crédito destinado à aquisição de habitação própria e permanente; (Resp. art. 28º p.i.)
m) O crédito garantido pela hipoteca inscrita pela apresentação nº 553, de 11 de Março de 2009, respeita a crédito destinado a “investimentos diversos não especificados”; (Resp. art. 29º p.i.)
n) A exequente foi constituída como sociedade anónima, tendo o pacto social sido registado em 29 de Novembro de 2018, através da apresentação nº 15, datada de 29 de Novembro de 2018, com o capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo que apenas € 15.000,00 (quinze mil euros) foi realizado pelos sócios, a sua sede foi inicialmente fixada no ..., nº ..., sita na União de Freguesia .., ..., ... e ..., no concelho de Vila Nova de Gaia, o objecto social consiste na “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração dos imóveis propriedade da sociedade, incluindo o seu arrendamento, e quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com as mencionadas actividades.”; (Resp. art. 36º p.i.)
o) A exequente enviou aos executados as cartas registadas datadas de 13 de Fevereiro de 2020, referentes às operações ... e ..., solicitando o pagamento da quantia total de € 149.830,68 (cento e quarenta e nove mil e oitocentos e trinta euros), no prazo de trinta dias, sob pena de considerar verificado o incumprimento definitivo, e enviou-lhes as cartas registadas datadas de 20 de Março de 2020, comunicando-lhes que, por ter decorrido o prazo de trinta dias sem que tivesse ocorrido qualquer pagamento, considerava resolvidos os contratos e vencida imediatamente toda a dívida, sendo as cartas enviadas aos executados AA e BB para a morada sita na Rua ..., ... Maia, e as enviadas aos executados CC e DD para a morada sita na Rua ..., ... Porto; (Resp. art. 6º contestação)
p) A Banco 1... enviou aos executados as cartas registadas datadas de 12 de Julho de 2019, comunicando-lhes que os créditos referentes às operações 074.21.101405-0 e 074.27.100820-8, foram cedidos à ora exequente P... S.A., através de contrato de cessão de créditos celebrado no dia 12 de Julho de 2019, sendo as cartas enviadas aos executados AA e BB para a morada sita na Rua ..., ..., ... Maia, e as enviadas aos executados CC e DD para a morada sita na Rua ..., ... Porto; (Resp. art. 13º contestação)
q) A Banco 1... enviou ao executado AA a carta datada de 2 de Abril de 2013, a informar que havia sido integrado no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), a datada de 12 de Junho de 2013 a comunicar a extinção do enquadramento no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) por regularização, a datada de 4 de Maio de 2014 a informar que havia sido integrado no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), e a datada de 4 de Agosto de 2014 a comunicar a extinção do enquadramento no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) por expiração; (Resp. art. 17º contestação)
r) Nos contratos outorgados no dia 11 de Março de 2009, ficou a constar que os executados AA e BB tinham domicílio na Rua ..., ..., Maia (cfr. cópias digitalizadas de certidões de escrituras públicas de fls. 21 a 55, dos autos principais);
s) Nos contratos outorgados no dia 11 de Março de 2009, ficou a constar que os executados CC e DD tinham domicílio na Travessa ..., ..., ..., Matosinhos (cfr. cópias digitalizadas de certidões de escrituras públicas de fls. 21 a 55, dos autos principais);
t) A exequente, através do averbamento constante das apresentações nºs 1175 e 1176, datadas de 12 de Março de 2020, procedeu ao registo a seu favor da transmissão dos créditos hipotecários por cessão, constantes das apresentações nºs 552 e 553, datadas de 11 de Março de 2009 (cfr. cópia digitalizada de certidão permanente de fls. 56 e segs., dos autos principais);
u) A acção executiva de que os presentes embargos são apenso, deu entrada no dia 29 de Setembro de 2020 (cfr. certificação electrónica de fls. 2, dos autos principais);
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou:
a) Que em 12 de Julho de 2019 os créditos se encontrassem a ser cumpridos; (Resp. art. 9º p.i.)
b) Que o pagamento da prestação mensal tivesse sido realizado através do desconto do valor liquidado pelo Banco 1... na conta à ordem que o embargante era titular nessa instituição bancária; (Resp. art. 10º p.i.)
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Não se provaram quaisquer outros factos que tivessem sido alegados pelo embargante na petição inicial ou pela exequente no requerimento executivo ou na contestação, para além dos que constam do elenco dos provados, não se tendo dado resposta a alguns dos pontos dessas peças processuais por conterem apenas matéria conclusiva ou de direito, ou meras repetições da factualidade já dada como provada.“, realçado nosso.
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DE DIREITO.
Como se aludiu supra, a questão a decidir diz respeito ao cumprimento ou não, por parte da exequente ou do primitivo credor, das regras do PERSI.
A recorrente sustenta que tais regras imperativas foram cumpridas, discordando da decisão proferida pela primeira instância.

Vejamos de modo rápido o regime do PERSI – Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – e que ao caso tem relevância.
Impõe o Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25.10 no seu artigo 12.º que as instituições de crédito promovam “as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. “.
Por sua vez, nos termos do artigo 14.º, n.º 1 do citado diploma, caso ocorra “incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
Com efeito, é intenção do legislador “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários “ – preambulo do citado diploma.
O PERSI extingue-se, nos casos expressamente expressos no artigo 17.º, n.º 1 e 2 do citado diploma.
Esta extinção tem que ser comunicada ao cliente bancário nos termos dos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo “3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento. 4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.

A jurisprudência tem acolhido este instituto de protecção dos consumidores bancários, dando-lhe a devida relevância. No Ac Tribunal da Relação do Porto, de 08.06.2022, 4204/20.1T8MAI-A.P1, relatado pela Des. EUGÉNIA CUNHA, “Destarte, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários consumidores que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, pacificamente o caso, obviando a que as instituições bancárias possam, ante um incumprimento, desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos, sendo que a omissão do PERSI integra exceção dilatória inominada que determina a absolvição do Réu da instância. É ao Autor/ou Exequente que cabe o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a receção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI e, na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo devedor das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui qualquer abuso do direito[8]. Na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor constitui o normal exercício de um direito, sendo que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias considerando o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca[9].
O recurso a tal procedimento, de aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do DL nº 227/2012, de 25 de outubro, constitui condição prévia de admissibilidade à instauração de ação pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento da dívida ou mesmo declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo, e sendo a ação intentada com preterição daquela obrigação, estar-se-á perante uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos[10].
Com efeito, a “falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”, sendo que “O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas)[11]. A integração em PERSI e a comunicação de extinção do procedimento funcionam como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 18º/1 b) do DL 227/2012 de 25 de outubro)[12].
Deixando os devedores/consumidores, de pagar as prestações do crédito, entrando em mora, cabe à instituição de crédito/credora, contactá-los para negociar soluções de pagamento para a regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, beneficiando aqueles no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento de direitos e de garantias, consagrados para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais. (…)
Portanto, a matriz deste regime é imperativa, na obrigatoriedade das regras impostas, e o sancionamento do seu incumprimento com impossibilidade de recorrer às vias judiciais com objectivo de satisfação dos créditos – artigo 18.º, nº 1, alínea b) do citado diploma. Como decorre do preambulo, o legislador impôs este regime, com base em razões de interesse público – protecção dos consumidores bancários. Sendo este o fim visado com esta legislação, estamos perante normas imperativas ou injuntivas, onde podemos identificar a protecção de interesses gerais ou individuais muito fortes, que no entender do legislador, implicam uma necessidade inderrogável de acatamento.
Não está na disponibilidade das partes, entidade bancária e cliente bancário, afastar estas regras, ainda que de mútuo acordo, que repetimos, são imperativas.

O ónus da prova do envio e respectiva recepção, das comunicações legalmente exigidas, no âmbito do PERSI, recai sobre a entidade financeira, no caso à embargada.
A jurisprudência tem afirmado unanimemente recair sobre a entidade financeira o ónus de alegação e prova a inclusão de cliente bancário no PERSI nas situações previstas no artigo 14.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 227/2012.
Entre outras decisões temos Ac Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, 1311/19.7T8ENT-B.E.S1, relatado pela Cons. GRAÇA AMARAL, in dgsi (I-A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do. mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.°, n.° 2, do CPC). II- Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.° do CC. III- Tratam-se de declarações recepticias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada; IV-A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como principio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.”. Em igual sentido, Ac Tribunal da Relação do Porto, de 08-06-2022, 4204/20.1T8MAI-AP1, relatado pela Des. EUGÉNIA CUNHA, in dgsi.pt. No mesmo sentido Ac Tribunal da Relação do Porto, de 27-06-2022, 5480/16.0T8PRT-A.P1, relatado pelo Des. PEDRO DAMIÃO E CUNHA, Ac Tribunal da Relação do Porto, de 23-01-2021, 8821/19.4T8PRT-A.P1, relatado pelo Des. RODRIGUES PIRES, Ac Tribunal da Relação de Coimbra, 824/20.2T8ANS.C1, relatado pelo Des. JOSÉ AVELINO GONÇALVES, Ac Tribunal da Relação do Porto de 08-06-2022, 9290/20.1T8PRT-A.P1, relatado pelo Des. MANUEL DOMINGOS FERNANDES e Ac Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2022, 1112/20.0T8LOU-A.P1, relatado pelo Des. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, todos in dgsi.pt.

Sopesando o que atrás ficou expresso, podemos afirmar que a embargada não cumpriu o imposto pelo citado diploma legal.
Tendo o embargante e demais executados entrado em estado de incumprimento das prestações em Março de 2019 e Julho de 2022, a então entidade bancária, Montepio, não deu início ao processo de PERSI, como impõe a Lei – facto g) dos factos provados – no prazo legal imposto, entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data do vencimento da obrigação em causa.
É certo ter o Montepio dado início e fim a PERSI na sequência de incumprimento ocorrido no ano de 2013, facto alínea q) dos factos provados. Mas, dos factos provados não há notícia, nem foi alegado pelas partes, ter ocorrido um PERSI no ano de 2019 ou nos subsequentes anos.
Sustenta a exequente, embargada, que em consequência do aludido em q) dos factos provados, está cumprida a sua obrigação legal de dará início ao PERSI.
A sentença recorrida entendeu precisamente o contrário, nos seguintes dizeres:
Discutida a causa, apurou-se que os executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas, em 22 de Junho de 2019 e em 24 de Março de 2019, respectivamente, conforme resulta da resposta ao artigo 9º, do requerimento executivo.
Deste modo, no dia 12 de Julho de 2019, quando a primitiva credora Banco 1... procedeu à cessão dos créditos emergentes dos contratos agora dados à execução para a ora exequente, os executados já se encontravam em mora relativamente ao cumprimento dos mesmos.
E a primitiva credora Banco 1... procedeu à referida cessão de créditos sem que tivesse promovido a integração dos executados clientes bancários no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI).
A exequente alegou que pelo credor originário foram cumpridos todos os requisitos legais referentes ao PERSI, prescritos no Dec.-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, numa fase em que ainda não existia incumprimento definitivo.
Na verdade, discutida a causa, apurou-se que a Banco 1... enviou ao executado AA a carta datada de 2 de Abril de 2013, a informar que havia sido integrado no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), a datada de 12 de Junho de 2013 a comunicar a extinção do enquadramento no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) por regularização, a datada de 4 de Maio de 2014 a informar que havia sido integrado no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), e a datada de 4 de Agosto de 2014 a comunicar a extinção do enquadramento no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) por expiração, conforme resulta da resposta ao artigo 17º, da contestação.
Ou seja, a embargante logrou apenas alegar e provar que o executado AA havia sido integrado no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), nos anos de 2013 e 2014, face a anteriores situações de mora.
Não obstante, a embargante não alegou nem comprovou que a primitiva credora Banco 1... tivesse promovido a integração dos ora executados clientes bancários no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), face à mora verificada em 22 de Junho de 2019 e em 24 de Março de 2019.
E a ora exequente, que adquiriu por cessão os referidos créditos em 12 de Julho de 2019, ou seja, quando já se verificava a mora dos executados, também não alegou nem comprovou que a própria tivesse promovido tal integração dos executados clientes bancários no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI). (…)
Do exposto resulta que a falta de integração obrigatória dos executados, clientes bancários, no PERSI, por parte da primitiva credora Banco 1..., constitui um impedimento legal a que a mesma, enquanto instituição de crédito, credora mutuante, cedesse o seu crédito à ora exequente, que não é uma instituição de crédito.
E tal sucede face ao impedimento que resulta do preceituado no art. 18º, nºs 1, c) e d), e 2, c), “a contrario”, daquele Dec.-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro (Plano de ação para o risco de incumprimento – PARI).
Ainda que assim se não entendesse, admitir a validade e eficácia de tal cessão de créditos para a exequente cessionária que, por não ser uma instituição de crédito, não estaria sujeita ao regime daquele diploma legal, a mesma sempre consubstanciaria uma situação de fraude à lei, face ao preceituado no art. 37º, nº 1, do Dec.-Lei nº 74-A/2017, de 23 de Junho (Regime dos contrato de crédito relativos a imóveis), que, sob a epígrafe “Fraude à lei”, preceitua que “São nulas as situações criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicação do disposto no presente decreto-lei.”, e no nº 2, estabelece que “Configuram, nomeadamente, casos de fraude à lei: a) A transformação de contratos de crédito sujeitos ao regime do presente decreto-lei em contratos de crédito excluídos do âmbito da aplicação do mesmo;(…).”, realçado nosso.

Tudo sopesado, aderimos integralmente à argumentação expendida pelo M.mo. Juiz.
Não se diga que a ora exequente, por força da cessão de créditos, está fora do âmbito das regras imperativas que decorrem do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25.10.
Aquando da cessão do crédito, 12.07.2019, já os executados, e portanto, o aqui embargante estava em situação de incumprimento, prestações de 24.03.2019 e de 22.06.2019.
Incumpriu, assim, o credor Montepio as regras que lhe impunham o início obrigatório do procedimento do PERSI. A entidade bancária, Montepio, não cumpriu as obrigações que para si decorrem do diploma em causa, não tendo dado sequência à obrigatória integração no PERSI do ora recorrido, enquanto devedor mutuário, não se mostrando, por isso, tal procedimento iniciado e consequentemente, também, concluído.
Qual a consequência, para o caso de tal incumprimento legal, que como vimos, é imperativo, não dependente da vontade dos contratantes?
No atrás citado artigo 18.º, sob a epígrafe “garantias do cliente bancário”, são impostas uma série de consequências legais para a entidade bancária.
Entre elas, temos a proibição da instituição de crédito estar inibida de propor acções judiais com vista à satisfação do seu crédito – artigo 18.º, n.º 1, al b), do citado diploma.
A proibição, no nosso entender terá que ser aplicada a todas aquelas situações em que ocorre incumprimento do cliente bancário, e a instituição de crédito ainda não deu início ao procedimento do PERSI, em manifesta violação da Lei, que lhe impõe tal comportamento. A não ser assim, estaríamos a deixar entrar pela janela, aquilo que o legislador não quis deixar entrar pela porta. Isto é, aquela instituição de crédito que de modo diligente na sequência de incumprimento deu início do procedimento do PERSI, tal como a Lei lho impõe, e em consequência, fica sob a alçado das proibições ou inibições do artigo 18.º. Enquanto aqueloutra que de modo negligente perante uma situação de incumprimento do seu cliente, não dá início do procedimento do PERSI, ficaria deste modo, fora da alçada das sanções do artigo 18.º.
Só assim o sistema decorrente do diploma legal em apreço tem sentido. Vejamos, para tanto, o disposto no artigo 18.º, n.º 3, do citado diploma, que estando pendente processo de PERSI, tendo a instituição de crédito cedido o crédito ou transmitido a sua posição contratual “a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual”.
No caso dos autos, estamos perante caso em que a instituição de crédito não deu início ao procedimento do PERSI e procedeu à cessão do crédito, algo que como vimos, estaria impedido, caso tivesse dado início do PERSI, como era obrigatório – artigo 18.º, n.º 1, alínea c).
Como excepção a esta proibição, pode a instituição de crédito, na pendência do PERSI pode “b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.”, do n.º 2 do artigo 18.º do citado diploma legal. Como nota importante, é que cedência ou transmissão se faça a uma outra instituição de crédito.
Não foi o que ocorreu no caso dos autos.
O credor originário com a cessão à aqui exequente, que não é instituição de crédito, está a desvirtuar ou contornar o regime do PERSI.
Neste sentido, acompanhamos e seguimos de perto o Ac do Tribunal da Relação de Guimarães, 5520/18.8T8VNF-A.G1, de 30.01.2020, relatado pelo Des ALCIDES RODRIGUES, in dgsi.pt:
Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação contemplada pelo Dec. Lei n.º 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – cfr. art. 18.º, n.º 1, al. b) (8) – que no caso ocorre porque nem sequer se teve o procedimento por iniciado, muito menos por extinto.
Não fazendo o legislador distinção entre ação declarativa e executiva, atendendo aos princípios e razões que subjazem à implementação do PERSI, deve ter-se por mais adequada a interpretação que inclui no âmbito daquela previsão os dois tipos de ações (9).
Proíbe-se, portanto, que sejam intentadas ações (declarativas e executivas) para satisfazer o crédito no âmbito do decurso do PERSI.
Por outro lado, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito [al. c)] ou transmitir a terceiro a sua posição contratual [al. d)].
Porém, nos termos do n.º 2 do citado normativo, a instituição de crédito pode ceder créditos para efeitos de titularização [al. b)] ou ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito [al. c)]; neste último caso, sendo exigível que a cessionária seja outra instituição de crédito, “fica esta obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual” (n.º 3).
A razão de ser desta última exceção – permitir a cedência ou a transmissão do crédito de cliente bancário integrado em PERSI –, justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento – o que poderá ser vantajoso em situações em que o cliente bancário consiga melhores condições com outra instituição de crédito –, pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI (10). Ora, a nosso ver, também nesta parte são de acolher as considerações e a conclusão firmadas na decisão apelada, no sentido de que “a entidade bancária não podia ter cedido o crédito dos autos à exequente sem ter previamente cumprido as exigências legais, não podendo a ora exequente escudar-se na circunstância de não ser uma entidade de crédito para, desde modo, evitar que sejam cumpridas as exigências legais, não se descortinando em que medida a missiva que foi remetida pelo embargante à embargada (mencionada em 21º dos factos provados) consubstancia uma renúncia ao cumprimento das formalidades legais”.
Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (art. 18.º, n.º 1, al. a)), intentar ações judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respetivos créditos (al. b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (al. c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)).
Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.
Ora, como se salienta no Ac. da RE de 06/10/2016 (relator José Tomé de Carvalho), in
www.dgsi.pt., estamos perante “incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da ação judicial (execução), conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei (vg. artº 18º do Dec. Lei 227/2012)” (11).
Desta feita, terá que improceder in totum a pretensão recursiva, mantendo-se na integra a decisão recorrida porque legal.
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III DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, embargada (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 14 de Dezembro de 2022
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
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(1) O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
(2) Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.