Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5149/12.4TDPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: SENTENÇA
CORRECÇÃO
NULIDADES
MODIFICAÇÃO ESSENCIAL
INEXISTÊNCIA
Nº do Documento: RP201606015149/12.4TDPRT.P2
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: DECLARAÇÃO A INEXISTÊNCIA DA SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 680, FLS.198-227)
Área Temática: .
Sumário: I - Proferida a sentença o tribunal recorrido ao abrigo dos artºs 380 e 379º do CPP antes de subir o recurso ao tribunal superior (artº 414º 4 CPP) em face da arguição do recorrente apenas pode proceder a correcção ou retificação de meros lapsos se apreciar nulidades que decorrem desse facto e não pode apreciar todas as que possam contender com o objecto já apreciados a final.
II - Colidindo essa apreciação com o objecto do processo, tal acto constitui uma modificação essencial do decidido, o que implica a inexistência desse acto apreciativo, por se ter esgotado o seu poder jurisdicional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5149/12.4 TDPRT.P2

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:

No processo supra identificado, por sentença datada de 18/06/2015, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se

– absolver o arguido B… da prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nºs 1 e 3, do Código Penal;

– condenar o arguido C… pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de nove euros, no montante global de mil trezentos e cinquenta euros;.

– condenar o arguido D… pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano.

A par, mais se decidiu, julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante parcialmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados E…, SA, B…, C… e D… no pagamento àquele da quantia de vinte e cinco mil euros, acrescida de juros a contar da data da sentença e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o assistente F… interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 1.191 a 1.206, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

1ª. É público e notório e resultou também da prova produzida que o arguido B… era, à data da notícia, o director do jornal em causa e exercia efectivamente essas funções, tendo por isso obrigação de saber que lhe cabe, nos termos do artº 20º, nº 1, al. a) da Lei de Imprensa, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação.

2ª. Do contexto da notícia - o jornal em causa é um jornal diário, em que se exige do director um acompanhamento mais constante; de qualquer forma não estava em causa uma notícia do dia, porque os factos já haviam ocorrido há mais de 30 dias; e tratava-se de uma notícia de quase página inteira, ocupando pelo menos 4/5 da página e com um título escrito em letras garrafais - não se pode deixar de retirar a conclusão de que o arguido só podia ter tido conhecimento da mesma.

3ª. A notícia tem implícita uma linha editorial relativa a notícias sobre as magistraturas, em especial a judicial, pois se o visado não fosse S… de direito a mesma não teria qualquer interesse, o que implica uma decisão superior sobre a publicação da mesma.

4ª. Do destaque dado à notícia em termos de dimensão de página resulta, das regras de experiência comum, que a mesma só pode ter passado pelo crivo do director, sob pena de, não sendo assim, nada passar pelo crivo do director.

5ª. Esse conhecimento deriva também, em termos de regras de experiência, do facto de a notícia em causa poder vir a ter consequências graves para o jornal uma vez que o visado era um S… que exercia funções importantes no órgão de avaliação e disciplina dos oficiais de justiça e de o teor da mesma ser, para qualquer pessoa de conhecimentos médios, de carácter ofensivo.

6ª. De todo este circunstancialismo tem o Tribunal de concluir que o arguido B… teve necessariamente conhecimento da notícia recorrendo às ilações que decorrem das regras de experiência comum que podem ser usadas pelo julgador para retirar presunções judiciais, como recentemente afirmou o Tribunal Constitucional.

7ª. Estão também provados todos os demais elementos do tipo de ilícito de que o arguido vinha pronunciado: o arguido é director do jornal em causa, agiu livre e conscientemente, podia e devia ter impedido a publicação da notícia em apreço, não o tendo conscientemente feito e por via disso quis e conseguiu imputar ao assistente factos que bem sabiam serem ofensivos da sua honra e consideração, o que quis e conseguiu fazer através de um jornal de circulação nacional, que é um órgão de comunicação social, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

8ª. A criminalização do director do jornal, que a lei efectivamente pretende, não pode ser uma figura meramente decorativa do nosso ordenamento jurídico-penal, o que aconteceria se, independentemente das circunstâncias do caso, bastasse que os jornalistas do próprio jornal viessem dizer que o director nada sabia para ele nunca ser responsabilizado.

9ª. O montante de 25.000€ fixado na sentença não é suficiente para ressarcir o assistente dos danos morais que teve com a conduta dos arguidos em causa nos autos, tendo nomeadamente em conta que o quantum foi actualizado até à data da sentença, proferida cerca de 4 anos e meio após a publicação da notícia.

10ª. A situação em causa nos autos é uma situação de natureza muito excepcional quanto aos danos que foram causados e à grande intensidade do dolo com que agiram os arguidos no sentido de causarem esses danos e, como tal, a mesma tem de ter um tratamento a nível indemnizatório que reflicta essa excepcionalidade.

11ª. No caso dos autos não está em causa um artigo de opinião acerca da pessoa ou da conduta do assistente nem um artigo de crítica acintosa e afrontosa a alguma decisão proferida pelo assistente.

12ª. Está em causa algo de imensamente mais grave do que isso: está em causa uma notícia que é falsa; que imputa ao assistente a prática de um crime, que ele não só não cometeu, como agiu com toda a correcção e foi antes vítima da conduta de um fiscal do I…; à qual foi dado um destaque enormíssimo de quase página inteira com um título altamente difamatório escrito em letras garrafais; na qual o assistente vem identificado pelo nome completo, pela profissão e pelo cargo que à data exercia; que foi publicada sem sequer ter sido dada a oportunidade ao visado de sobre ela se pronunciar; e, por fim, uma notícia publicada num jornal que é vendido em todo o país e que é o jornal diário com maior tiragem nacional, tendo a notícia chegado ao conhecimento de pessoas de norte a sul do país.

13ª. A notícia foi toda ela concebida no sentido de causar o máximo de dano na honra e consideração do assistente e efectivamente conseguiu causar esse dano.

14ª. É preciso olhar para a situação no seu todo – profissão do assistente, cargo que ocupava e a forma como a notícia foi apresentada - para entender a intensidade da vergonha, do vexame e da humilhação que resultaram provados, para além de todos os demais danos, porque, apesar de tudo, há graus de intensidade a que é preciso atender e que resultam do contexto global dos factos e, neste caso, não há dúvida que o grau é elevadíssimo.

15ª. Os juízes, atendendo à elevada responsabilidade das funções que exercem, que são funções de soberania, estão mais sujeitos ao escrutínio público da sua conduta e, no caso em apreço, a notícia foi publicada e foi-o da forma que resulta dos autos porque o visado era S….

16ª. Por causa disso tem de existir necessariamente um reverso que é a exigência de um maior cuidado na construção da notícia, na pesquisa dos factos, no contraditório, no cumprimento rigoroso das regras profissionais e deontológicas da profissão de jornalista.

17ª. Um S… sente-se envergonhado, vexado e humilhado por notícias deste género e vê atingida a sua honra e consideração com muito mais intensidade do que um cidadão comum e daí que tenha de existir uma maior responsabilização de quem age violando gravemente os deveres a que está obrigado, como foi o caso, fixando-se valores de indemnização que correspondam à elevada intensidade da violação dos bens jurídicos que estão em causa.

18ª. A honra e consideração do assistente, como S…, como cidadão e como pessoa foram violadas de forma intensíssima, ao que acresce o facto de, à data, exercer o cargo de vice-presidente do M… (cargo que nos termos da lei só pode ser exercido por S… de direito), órgão de avaliação e disciplina dos oficiais de justiça, para o qual se exige especial probidade e conduta digna, tendo até um dos sindicatos dessa classe profissional pedido ao Director da DGAJ a demissão do assistente.

19ª. Trata-se de um situação completamente dantesca e kafkiana, em que o assistente foi julgado, condenado e executado sem sequer ter tido qualquer tipo de oportunidade de defesa em relação aos factos criminosos falsos e altamente difamatórios que lhe foram imputados.

20ª. Face a todos os danos que se provaram, à intensidade dos mesmos, ao grau de ilicitude e culpa com que agiram os arguidos, o montante de 50.000€ afigura-se mais adequado ao ressarcimento desses danos.

21ª. A decisão recorrida, ao não condenar o arguido B…, violou as regras de apreciação da prova e o disposto no artº 31º/3 da Lei de Imprensa, e, ao não fixar a quantia de 50.000€ de indemnização pelos danos morais causados, violou os artºs 562º, 564º/1 e 2 e 566º/1, todos do Código Civil.

Igualmente não se conformando com tal decisão, veio a demanda cível “E…”, conjuntamente com os arguidos B… e C…, dela interpor recurso nos termos que constam de fls. 1.207 a 1.276, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

A. O presente recurso visa o reexame da matéria de facto - nos termos das alíneas a) e b) do nº 3 do art. 412º do C.P.P., tendo por base a gravação da prova efectuada em audiência com a respectiva transcrição e a prova documental produzida nos autos, e também para reexame da matéria de direito.

B. Decidiu o Tribunal condenar o Arguido C… pela prática de um crime de difamação, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €9,00, em razão da publicação de uma notícia no “G…” com data de 15 de Outubro de 2011, julgando ainda parcialmente procedente o pedido de indemnização civil do assistente por danos morais, condenando a Demandada E…, SA e todos os Arguidos a pagar àquele a quantia de € 25.000,00.

C. Não há prova bastante nos autos que permitisse a condenação do Arguido e foi produzida prova da qual deveria ter resultado (e que impunha mesmo) convicção diversa, tendo havido errada apreciação da prova produzida em sede de julgamento, bem como dos elementos documentais dos autos.

D. Errou também na aplicação do direito aos factos, errando ainda ao condenar civilmente todos os Arguidos, a E…, SA e o Director da publicação (que absolveu do crime imputado).

E. A sentença dos autos é totalmente omissa quanto às conclusões contidas nas contestações apresentadas, quer pelos Arguidos, quer pela empresa Demandada Cível (que diz até não ter contestado!) violando o disposto no art. 374º, nº 1, d) do CPP.

F. Dos Factos Provados e Não Provados não consta parte da matéria alegada pelos Recorrentes em sede de contestações apresentadas (arts. 56, 60, 61, 69, 70, 75 e 84) designadamente aqueles que tangem com a culpabilidade, o erro, e com causas de justificação previstas no n.º 2 do artigo 180º do C.P. (para efeitos de não punibilidade da conduta), como manda o art. 368º, nº 2 do CPP.

G. Não factos (subjectivos) que permitam a condenação do Arguido C…, tudo constituindo uma grave violação das disposições conjugadas dos arts. 374º, nº 2, 368º, nº 2 e 339º, nº 4 do CPP, pelo que é nula a sentença, nos termos do art. 379º, nº 1, a) do CPP e por omissão de pronúncia, nos termos da al. c).

H. A Recorrente E… SA apresentou a sua contestação ao pedido, que foi admitida por despacho de fls. 891, tendo, entre o mais, alegado a prescrição do direito de indemnização, sendo que a fls. 926 (verso) o Tribunal decidiu que se pronunciava em sede de sentença.

I. O Tribunal não se pronunciou sobre a alegada prescrição, pelo que violou a lei, sendo uma vez mais a sentença nula por omissão de pronúncia (art. 379º, nº 1, al. c) do CPP).

J. Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos do art. 410º, nº 2, al. a) do CPP, porque a sentença é totalmente omissa nos Factos Provados e Não Provados quanto a factos alegados pela defesa de que devia conhecer, concretamente quanto à culpabilidade, e quanto aos factos de que a lei faz depender a punibilidade do agente, matéria expressamente invocada nos pontos 56, 60 e 61 e 68, 70, 75 e 84 da Contestação apresentada pelos Arguidos.

K. Tendo decidido o Tribunal pela condenação do Arguido Recorrente, era fundamental (até porque devidamente alegada) que o Tribunal concluísse pela respectiva prova ou não prova desses factos.

L. Não tendo o tribunal averiguado aqueles factos, verifica-se o vício de insuficiência da matéria de facto, pelo que deve a decisão ser modificada neste circunspecto, não sendo, porém, necessário o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º, nº 1, CPP, já que do processo constam todos os elementos de prova que lhe podem servir de base, designadamente testemunhais.

Entrando-se agora na impugnação da matéria de facto,

M. São apenas as expressões do título da notícia que, no entender do tribunal, são crime. Tudo o corpo da notícia ficou fora do juízo feito pelo Tribunal.

N. O Tribunal considerou que, em causa estava a realização de um interesse legítimo (art. 180º, nº 2, al. a) do CP).

O. A expressão “recusa validar bilhete” é verdadeira, o que resulta desde logo da Participação da PSP a fls. 212 dos autos, concretamente: «(…) H… disse ao F… que teria de sair na próxima estação a fim de validar o mesmo, obtendo como resposta que isso não era problema dele, mas teriam de ser os fiscais a resolver a situação pois as máquinas eram do I….».
P. Da Exposição à J… de fls. 281 também consta o mesmo e do documento de fls. 285 consta.

Q. Ou seja, independentemente de o ter tentado fazer antes de entrar na composição do I.., decorre dos documentos citados que, depois de entrar, o assistente recusou a validação do bilhete; no sentido de que recusou a alternativa apresentada pelos fiscais de sair para efeitos de regularizar o título Andante.

R. Aquilo a que não responde o Tribunal – dando por provado - é aos factos que se lhe seguiram, ie., aos factos ocorridos já dentro da composição do I…, pelo que devia ter dado como provado que o título estava inválido (como estava), e que, após a entrada na carruagem do I…, o assistente se recusou a validá-lo, a torná-lo válido.

S. Também a prova testemunhal produzida em audiência vai contra o entendimento do Tribunal e erradamente dado como provado, em como o assistente recusou a validação do bilhete, em especial do depoimento da testemunha H… (fiscal do I…), constantes da sessão de julgamento de 15/05/2015, 16h43 a 16h59, 01’51’’ a 04’58’’, do qual resulta que “Eu, no meu terminal também não conseguia proceder à fiscalização, portanto, tendo lhe dito a ele para se deslocar à Estação da … para proceder à validação, tendo-me este dito que negativo porque tinha que apanhar um comboio para …. (…) AA - O Sr. H… disse ao Dr. F… que tinha que sair na estação da … para validar o seu bilhete? H…Sim, para regularizar a situação, porque o bilhete tinha um problema. AA - Obtendo a resposta que isso não era problema dele? H…. – Sim, que tinha que ir para …, porque tinha que apanhar um comboio para ….”

T. A testemunha K… (também fiscal do I…), na mesma sessão de julgamento de 15/05/2015, 15h43 a 16h42, 01’49’’ a 21’31’’, declarou também que “o meu colega pegou no bilhete e disse-lhe “eu não consigo ver se o seu título tem viagens, o seu título encontra-se danificado. O Sr. o que tem de fazer é, porque dentro do veículo não pode viajar sem o título válido e validado, o senhor tem de fazer é uma coisa, o senhor faz o excelente favor de sair na seguinte saída, adquire um novo titulo, e depois junto de uma loja andante pede para lhe verem o cartão, e que o senhor tem o titulo danificado e com viagens e pede para lhe creditarem essas viagens no novo titulo.” E o senhor responde “Isso é que era bom, porque eu tenho mais para onde ir, isto é que é uma merda, vocês mandem arranjar a merda das maquinas, isso não é nada comigo”.

U. Mais declarou: “o meu colega já lhe deu todas as informações que precisava de saber e o senhor faz me um favor, sai na próxima estação, regulariza a sua situação, para conseguir proceder a viagem”. O senhor respondeu-me “o senhor está a negar-se a fiscalizar-me o meu titulo de transporte? O que é o senhor aqui?” E eu disse assim, “eu não me estou a negar a fiscalizar o seu titulo, eu só lhe estou a dizer que o senhor já tem as informações necessárias para saber o que fazer”, e senhor insistiu “faz favor fiscalize o titulo”, e eu disse “que vou fiscalizar o titulo, mas fica desde já avisado que se o seu titulo não der como válido como certamente será o caso, eu vou autua-lo na hora”, o senhor insistiu novamente “faz favor fiscalize-me o titulo”. Eu encostei o título à máquina e deu título inválido, e eu solicitei ao senhor o bilhete de identidade e ele “o senhor quem julga que é para me pedir o meu bilhete de identidade”, ao qual respondi “neste momento está diante um agente de fiscalização, neste momento eu sou autoridade aqui dentro do I…, exerço funções de autoridade dentro do I…, ou então seremos obrigados a sair numa estação para chamar as autoridades para o identificar”, sendo que este me respondeu “mas o senhor sabe com quem é que está a falar”, e eu respondi, “sei, eu estou a falar com um cidadão normal, como todos estes cidadãos que vão estão aqui, com uma grande diferença que é, que estes cidadãos estão aqui e já pagaram e o senhor ainda não pagou, vai à borla”. Porque, aquele senhor para mim não tinha pago, porque o título não estava validado, e assim, tinha que o autuar tinha que anexar o título invalidado ao auto, danificado, que ia para os serviços e depois se tivesse viagens, é os serviços que iam decidir se prosseguiam com o auto ou não, eu tinha feito o meu trabalho.”

V. Pelo que o Tribunal devia ter dado como provado que, após entrar na composição do I…, o assistente recusou-se a validar o bilhete, bem como a sair da referida composição, pois que “o problema” era do I… e tinha que ir para ….

W. É verdade que, e mesmo após a chamada da PSP ao local, o assistente não foi conduzido à esquadra, tendo o Tribunal considerado que não existia qualquer fundamento para se considerar a imputação como verdadeira.

X. Há contradição entre factos dados como provados e as conclusões e apreciações que o Tribunal acaba por fazer sobre a matéria, designadamente dos factos das págs. 6 (in fine) e 7 que descrevem as diligências do jornalistas para a elaboração da notícia.

Y. O Tribunal dá como provado que o jornalista D… entrou em contacto com duas fontes distintaso ex-inspector da PJ e uma funcionária judicialque lhe confirmaram os factos publicados, designadamente que o assistente havia recusado proceder à validação do bilhete do I…, que a discussão só tinha terminado quando chegou a PSP e que o assistente tinha sido conduzido à esquadra.

Z. Depois (facto que o Tribunal também deu como provado), o arguido D… consultou o documento de fls. 212, tendo o tribunal dado como provado que chegado à Redacção, o arguido deu conhecimento dos factos ao arguido C…, que lhe pediu que os confirmasse, o que aquele fez, contactando telefonicamente, por mais duas vezes a funcionária, perguntando-lhe se tinha a certeza do que lhe contara; conversa telefónica escutada pelo jornalista L….

AA. O tribunal errou ainda na transcrição que fez (pág. 7, 5º parágrafo) do documento de fls. 212 e 213 (in fine), já que o que consta na referida participação (de fls. 212) é que “F… abandonou o local da ocorrência pelas 18h15 e esta Polícia às 18h30”.

BB. A palavra “Polícia” encontra-se na referida participação com letra maiúscula, o que releva para a defesa, para efeitos de prova do fundamento sério para reputar a informação recebida como verdadeira e da matéria do Erro.

CC. Para o Tribunal o facto de o assistente não ter sido contactado previamente à feitura da notícia, é elemento bastante para considerar que não existia fundamento sério para os arguidos reputarem a informação por verdadeira.

DD. O tribunal deu como provado que o jornalista D… contactou duas fontes distintas – o ex-inspector da PJ e uma funcionária judicial (aliás contactada por 3 vezes !) – que lhe “confirmaram os factos publicados”, e que os arguidos consultaram o documento-participação de fls. 212, documento do qual consta a versão dos factos que os Fiscais do I… transmitiram à PSP e do assistente (que o G… publicou).

EE. O tribunal deu como provado o teor da notícia (págs. 3 e 4), mas não deu como provado o que constava desta caixa da notícia que refere “S1… acusou os fiscais de serem arrogantes e não lhe terem devolvido o BI.”, errando aqui por omissão.

FF. Isto é, foram ouvidas duas fontes diferentes que relataram os factos consoante foram publicados; foi lido o teor da Participação que, para este efeito, representa uma terceira fonte (e escrita) do qual constam as versões de todos os visados na notícia: os Fiscais do I… e o assistente. E tudo foi publicado conforme ali consta.

GG. Factos que, por sua vez, o jornalista narrou ao Arguido Editor nesses termos, ficando absolutamente convencido que era verdade o que narraria, e que a qualquer médio jornalista, colocado na posição dos Arguidos, faria legitimamente acreditar em quanto seria publicado.

HH. Diz o Tribunal que eram “fontes indirectas”, mas são também fontes desinteressadas e o documento-participação de fls. 212 é um documento do qual constam ambas as versões em causa (que foram publicadas no corpo da notícia).

II. Dado que tinham recebido a informação de que o assistente tinha sido levado para a esquadra, esta referência final à “Polícia” (com maiúscula) deixava-os sem dúvidas quanto a este ponto.

JJ. Daí que se impunha que o Tribunal – tendo dado como provados os factos referidos nas págs. 6 e 7 da sentença – tivesse dado igualmente como provado que: o Arguido não tinha qualquer razão para supor que o que seria publicado podia ser inexacto ou porventura falso, tendo todo o fundamento para considerar que os factos eram verdadeiros, sobretudo pela credibilidade que mereciam as fontes contactadas, o documento obtido e a confiança que o Arguido Editor depositava no jornalista; que o Arguido publicou, assim, a notícia em causa, com base nas informações que lhe foram prestadas, e que foram investigadas e confirmadas, estando plenamente convencido da sua absoluta veracidade; limitando-se, em boa fé, a reproduzir informações que foram obtidas de fontes dignas da sua confiança.

KK. A conclusão que o Tribunal retirou é errónea, pois que possuía elementos probatórios (documentais e testemunhais) dos quais deveria retirar conclusão diversa sobre os pontos em crise, isto é, de que o Arguido agiu sem consciência de que podia atingir a honra do assistente, sem dolo, pois que se o tivesse previsto não teria publicado a notícia nos termos em que o fez.

LL. Devia também o Tribunal ter dado como provado que o Arguido agiu em erro, na leitura de “F… abandonou o local da ocorrência pelas 18h15 e esta Polícia às 18h30”.

MM. A citada expressão traduz a ideia de que o assistente esteve na esquadra, já que o sujeito da frase parece ser o assistente F… que “abandonou o local da ocorrência pelas 18h15 e esta (esquadra da) Polícia às 18h30”.

NN. E não se lê um documento com informação anterior num sentido da mesma maneira que se lê um documento sem qualquer informação prévia.

OO. A leitura que, à época, os Arguidos fizeram desta referência final foi a de que “Polícia” era a instituição, local, esquadra, processo mental que foi explicado ao tribunal pelo arguido C…. em sede de julgamento (sessão de 10/04/2015, 11h31 a 12h56, 42’30’’ a 43’56’’, 58’18’’ até aos 59’12’’ e de 1h07’53’’ a 01h16’46’’.

PP. Segundo o Arguido esse erro decorre de uma deficiência de redacção que acabou por levá-los a admitir que o assistente tinha ido para a esquadra; pois analisando linearmente, frase a frase, resulta que o sujeito tem uma acção num determinado momento e outra no momento a seguir; havendo um sujeito e duas acções; sobressaindo outro elemento gráfico que os induziu em erro e que é o de a palavra “policia” estar em maiúscula, fazendo supor que em causa esteja a Instituição.

QQ. Devia o tribunal ter concluído e dado como provado que, face aos termos em que se encontra redigida a participação de fls. 212, houve um erro involuntário, não querido, e induzido e determinado pela leitura do auto de polícia, e que o Arguido C… não tinha ou teve consciência do erro ou de que o que narrava acerca do assistente era falso.

RR. Também errou o tribunal ao dar como provado os danos morais do assistente, já que sobre os danos constantes da pág. 5, quinto parágrafo, e pág. 6, terceiro parágrafo não foi feita qualquer prova, apenas se tendo ouvido o assistente.

SS. Também o assistente, apesar da longa lista de testemunhas ouvidas, não logrou provar qualquer gravidade dos danos alegados, prova que lhe competia. Nem doença, impossibilidade de trabalhar, perda de amigos, desconsideração social.

TT. Apenas provou que sofreu “transtornos”, “incómodos” e “preocupações” que não são indemnizáveis.

UU. Os factos dados como provados (pág. 5, sexto e oitavo parágrafo) estão ainda em directa contradição com o que o Tribunal refere na Motivação da sentença, concretamente na pág. 10, segundo parágrafo, quando o tribunal reconhece que as testemunhas inquiridas na sua generalidade referiram «que a credibilidade e imagem daquele não ficou para si afectada».

VV. O pedido de exoneração do assistente do cargo de Vice - Presidente do M… apresentado pelo N… não teve qualquer consequência, já que o assistente apenas abandonou o cargo cerca de um ano depois da notícia (12.09.2012), sendo que tal pedido de exoneração só aconteceu após o envio do email - comunicado do assistente para os tribunais de todo o país, pelo que errou o tribunal ao dar também estes factos como provados e como consequência um do outro para efeitos de danos.

Errando o tribunal por violação da lei

WW. O Tribunal reputou os factos narrados no título da notícia de ofensivos da honra do assistente.

XX. Não constitui facto ilícito noticiar factos verdadeiros, como se provou ser a recusa do assistente em validar o bilhete de I….

YY. Também esta parte do título não possui o significado que o tribunal lhe atribui, que (aliás) como qualquer título tem de ser lido com o respectivo corpo da notícia.

ZZ. E consta expressamente do segundo parágrafo da notícia que o assistente interpelou os funcionários do I… para lhes dizer que “não tinha conseguido validar o andante”.

AAA. Como está lá o resto, dando-se nota ao longo da notícia que se tratava de informações tal como foram relatadas pelos funcionários do I… (o que o cotejo com o documento de fls. 212 demonstra), usando o discurso indirecto e os verbos no condicional.

BBB. Também não temos como certo que a expressão “acaba na esquadra” seja (por si só) ofensiva da honra, pois e como se demonstrou (a fls. 213, penúltimo parágrafo), o assistente recusou-se a fornecer a sua morada.

CCC. Não se trata ainda de facto ilícito noticiar factos relativamente aos quais se tem fundamento para, em boa fé, reputar por verdadeiros, como os factos que foram transmitidos ao Arguido no artigo publicado.

DDD. O comportamento do Recorrente C… se enquadra no âmbito do exercício do direito - dever constitucional de informar, função do jornalista e base dos alicerces de um Estado de Direito Democrático, pelo que se ilicitude houvesse, esta sempre devia ser excluída por força do art. 31º, nº 2, al. b) do Código Penal.

EEE. Acresce que face à prova testemunhal produzida - e que o Tribunal deu como provada -, podemos concluir que o Recorrente estava, na realidade, absolutamente convicto da verdade de quanto foi publicado, pois que, caso contrário, não o teria feito.

FFF. Não agiu de modo consciente ou voluntário, antes motivado pela revelação de factos que acreditava, face à investigação feita pelo jornalista D…, serem verdadeiros.

GGG. O Recorrente não é o jornalista. Não foi ele que falou com as fontes. Mas confiou que este tinha trabalhado os factos, cruzado informações, e confirmado os factos narrados. E confiou porque este lhe deu motivos para acreditar, tendo garantido que eram factos verdadeiros e fidedignos.

HHH. O jornalista confirmou os facto com um ex - Inspector da PJ que nunca lhe deu motivos de desconfiança e com uma funcionária judicial. E com esta última fê-lo por três vezes! e depois leram o documento de fls. 212 e 213, documento que contém as duas versões dos factos.

III. E, como tal, não devia, nem podia, o comportamento do Arguido ser passível de qualquer sanção penal, antes merecendo ser absolvido.

JJJ. A boa fé do Recorrente não significa aqui uma pura convicção subjectiva por parte do mesmo na veracidade dos factos, antes assenta numa imprescindível dimensão objectiva, fundada no respeito e confiança que depositava no jornalista, em como este cumprira as regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e que lhe impõe o cuidadoso cumprimento de um dever de informação antes da publicação da notícia.

KKK. Não existe qualquer forma de dolo, ainda que genérico. O Arguido não teve qualquer intenção de realizar o tipo de crime em causa, até porque não tinha consciência dele; não o representou como consequência directa ou necessária da sua conduta, ou sequer como consequência possível, muito menos se conformando com ela.

LLL. Mesmo que assim não fosse, sempre se deve admitir inserir-se parte da notícia - que refere que o assistente foi à esquadra - na categoria do designado erro desculpável.

MMM. Lido o documento, este inculca uma interpretação como a que consta do título da notícia, pois que termina declarando “que o F… abandonou o local da ocorrência pelas 18h15 e esta Polícia às 18h30”.

NNN. O tribunal esquece que, quando os Arguidos leram o documento, já possuíam a informação em como o assistente tinha sido levado para a esquadra, ficando sem dúvidas sobre a matéria.

OOO. Devia, pois, o tribunal ter valorado esta circunstância como radicando num erro, involuntário, não querido, erro induzido e determinado pela leitura do auto de polícia, mas, ainda assim um erro, erro que releva como erro sobre a ilicitude.

PPP. O erro, nos termos do artº 17º do CP não é censurável, porque foi induzido pela leitura feita do auto da polícia.

QQQ. O próprio art. 16º do Código Penal exclui o dolo sempre que exista erro sobre os elementos de facto, de direito, ou sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto.

RRR. Violou, assim, a decisão recorrida, por erro de interpretação, o disposto nos arts. 13º, 16º, 17º, 31º, nº 2 e 180º, nº2 do CP, ao não ter aplicado tais normas à situação sub iudice, tendo feito uma interpretação errónea dos factos provados subsumidos às disposições normativas aplicáveis.

SSS. Errou também na condenação cível, desde logo porque não havia prova bastante nos autos que permitisse a condenação criminal do Arguidos e, por outro lado, foi produzida prova da qual deveria ter resultado (e que impunha mesmo) convicção diversa.

TTT. A Recorrente E… não podia ser condenada no pagamento da indemnização, primeiro porque se encontrava já prescrito o direito peticionado, ao abrigo do art. 498º, nº 1 do Código Civil.

UUU. A Recorrente só foi citada do pedido cível no dia 19.02.2015, e a notícia foi publicada no dia 15.10.2011, ie. mais de 3 anos depois.

VVV. Não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção da prescrição, designadamente para efeitos do art. 323º, nº 1 do CC, pois a Demandada NUNCA interveio nos presentes autos, nem foi chamada, citada ou notificada de qualquer acto do assistente que exprimisse, directa ou indirectamente, a intenção do mesmo de exercer o seu direito, muito menos de que este havia deduzido pedido de indemnização civil contra ela no presente processo, senão no referido dia 19.02.15.

WWW. Não se aplica o art. 498º, nº 3 do CC, uma vez que se trata de regime que radica, unicamente, na prática de ilícitos criminais e a Demandada pessoa colectiva não é, por lei, agente passível de responsabilidade criminal (cfr. art. 11º, nº 1 e nº 2 a contrario do CP).

XXX. Violou, pois, o tribunal recorrido o disposto nos art. 498º, nº 1 do CC, violando igualmente o art. 29º, nº 2 da Lei de Imprensa, que é norma especial e faz depender a responsabilização cível solidária da empresa jornalística do conhecimento prévio do texto sub iudice pelo Director e de uma eventual não oposição do mesmo à respectiva publicação, o que o Tribunal deu como não provado.

YYY. Também não foi feita prova de que a notícia tenha sido previamente autorizada por parte do substituto legal do Director (que não era o Arguido Editor), porque substituto legal é, nos termos e do art. 21º, nº 1 da LI, o(s) director(es) adjunto(s) ou subdirector(es).

ZZZ. Violou também a lei ao condenar civilmente o Director, pois não houve qualquer “omissão” do Director das suas funções, nem tal foi dado como provado (o que sempre seria condição para a decisão de condenação).

AAAA. Por outro lado, nem sequer é verdade que apenas ao Director compitam, legalmente, as funções de orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação, pois, e LEGALMENTE, tais funções estão igualmente cometidas aos Directores Adjuntos e Subdirectores que substituem o Director na sua ausência ou impedimento.

BBBB. Não é, portanto, o Director que escolhe ou “permite” (para usar a palavra do tribunal) que outrem exerça as suas funções, mas sim a LEI.

CCCC. Não se pode concluir que o Director se tenha “demitido das suas funções” ou omitido qualquer dever, exactamente porque o dever a que o tribunal alude (na pág. 28, 3º parágrafo da sentença) compete também, por lei, a outras pessoas, que se encontram identificados no cabeçalho da primeira página de todas as edições do G….

DDDD. Sustenta o tribunal o sua doutrina numa pretensa relação de comitente - comissário (art. 500º do CC) que existiria entre o Director e o jornalista e o editor da notícia, o que não é o caso.

EEEE. Primeiro porque em lado nenhum dos factos provados consta que o tribunal tenha dado como provado que o jornalista (D…) e o editor (C…) no exercício das suas funções permitiram e publicaram o artigo em causa

FFFF. Também não se provou quem foi o responsável – Director adjunto ou Subdirector – que determinou tal publicação, e nem o disposto no art. 500º do CC tem aplicação nesta sede.

GGGG. A responsabilidade prevista no art. 500º do CC é uma responsabilidade fundada no risco, que é tratado num capítulo autónomo ao da responsabilidade civil por actos ilícitos de que ora nos curamos (arts. 483º e 484º do CC).

HHHH. Os casos de responsabilidade objectiva têm carácter excepcional, como decorre do nº 2 do artigo 483º, não podendo as disposições que os admitem aplicar-se por analogia.

IIII. Acresce que o termo “comissão”, empregue no nº 1 do art. 500º do Cód. Civil, pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, e a relação dos jornalistas com o Director é de total autonomia, não existindo sequer dependência económica, pois a entidade patronal dos jornalistas é a sociedade proprietária do Jornal e não o Director da publicação.

JJJJ. E, portanto, errou (e muito) o tribunal ao aplicar a norma do art. 500º do CC, já que só tem aplicação nesta sede a norma do art. 29º, nº 2 da LI, que o tribunal simplesmente ignora, e é NORMA ESPECIAL de responsabilidade, inexistindo qualquer responsabilidade objectiva.

KKKK. Violou (grosseiramente) o tribunal não apenas o disposto no art. 483º, nº 2 do CC, como também (e novamente) o art. 29º, nº 2 da Lei de Imprensa.

LLLL. - Errando finalmente na condenação do Arguido C…, pois não resultaram provados quaisquer dos pressupostos da responsabilidade civil, a saber, o facto ilícito, a culpa do agente, a existência de danos e o nexo de causalidade entre esses putativos danos e a conduta do agente.

MMMM. A vergonha, a humilhação e preocupação não decorre de qualquer prova produzida, mas apenas as declarações do assistente, e também não foi provada qualquer gravidade dos danos alegados.

NNNN. Não pode o Tribunal substituir-se neste exercício e fazer um juízo de adivinhação acerca do que é o sofrimento médio de um homem médio.
OOOO. Os € 25.000,00 arbitrados como indemnização não são equitativos e justos, além de serem excessivos tendo em conta os valores de indemnização normalmente atribuídos pela nossa jurisprudência a danos de consideravelmente maior valor do que os que peticionados, como é o caso do dano moral morte (entre €20.000,00 e €30.000,00).

PPPP. O tribunal recorrido afrontou com a sua decisão as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Juntaram um documento (cfr. fls. 1.277 a 1.279).

Também inconformado com o decidido, veio o arguido D… interpor recurso da sentença proferida nos termos que constam de fls. 1.281 a 1.300vº, aqui tidos como renovados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição, sem as três notas de rodapé atinentes a obras citadas e a um acórdão de fixação de jurisprudência):

MATÉRIA CRIMINAL

1. Não se conformando o arguido com a sentença proferida e que o condenou pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artg. 180º nº 1 e 3 do CP, interpõe o presente recurso abarcando matéria criminal e civil, tendo por desiderato a revogação da decisão recorrida e sua substituição por uma outra que, conforme a justiça, alvitre a sua absolvição.

2. Os fundamentos de recurso obedecem a diferentes considerações, sendo uns invocados por eclosão de ilegalidades, e, outros, por omissão/excesso de pronuncia e erros de julgamento.

SENTENÇA RECORRIDA – DECISÃO – CONDENAÇÃO - CRIME DE DIFAMAÇÃO p. e p. pelo artg. 180º. 1 e 3 do CP – MOLDURA PENAL ERRO NOTÓRIO - INEXISTÊNCIA JURIDICA

3. Resulta do dispositivo da sentença recorrida, fls. 30, a condenação do arguido na pena de 8 meses de prisão (suspensa no seu regime de execução pelo período de 1 ano) pelo cometimento de um crime de difamação p. e p. pelo artg. 180º. nº 1 e 3 do CP, sendo a moldura penal abstracta constante do tipo de ilícito cominado situa-se entre o limite mínimo legal – 1 mês – e o limite máximo previsto – 6 meses.

4. O arguido foi condenado na pena concreta de 8 meses de prisão decorrendo, pois, uma ostensiva ilegalidade da decisão proferida a quo porquanto se excedeu em dosimetria concreta o que em abstracto o legislador penal não cogitou.
5. Constatando-se o erro de aplicação da Lei ao caso concreto, sendo este notório e constante do texto da decisão recorrida, impõe-se a anulação da sentença ora posta em crise, porquanto ferida de inexistência jurídica, e, consequentemente, determinando-se a devolução do processo para o tribunal a quo para que este, no limite dos poderes conferidos pela Lei Penal, adeque a pena concreta ao limite balizado pelo tipo incriminador.

CRIME DE DIFAMAÇÃO – ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO – DOLO - FACTOS PROVADOS – SUA INSUFICIÊNCIA – Art. 410º nº 2 al. b) do CPP

6. O crime de difamação na sua dimensão típica objectiva prevê a “…imputação de um facto ofensivo da honra a outra pessoa, a formulação de um juízo ofensivo da honra de outra pessoa ou a reprodução daquela imputação ou deste juízo..” sendo que, na dimensão típica subjectiva, se “…admite qualquer modalidade de dolo…”.

7. Calcorreados os factos provados da sentença recorrida (e que digitalmente se acham transcritos in totum supra em sede de fundamentação e para os quais se remete), constata-se a inexistência de qualquer facto que permita a imputação subjectiva do tipo legal de crime de difamação - dolo.

8. Não resultou, pois, provado que o direito de informar que subjaz à publicitação da notícia tenha sido exercido, como ensina a doutrina e aceita a jurisprudência, com o intuito/consciência de ofender a honra ou consideração alheias ou sequer prever uma ofensa.

9. Falece a acusação particular/pronuncia por se não acharem provados os factos atinentes ao elemento subjectivo do tipo e cuja imputação criminal ali constava, maxime, artigos 36º e 60º.

10. A condenação do arguido pela prática do crime de difamação sem que se tenham por provados quaisquer factos que possibilitem a imputação subjectiva do ilícito fulmina a sentença recorrida com erro ostensivo, constante do seu próprio do texto (in casu, mercê da omissão factual tida por provada), gerando a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito proferida, nos termos para os efeitos do art.º 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP, o que expressamente se requer seja reconhecido pelo tribunal ad quem e, em consequência, seja o arguido absolvido da prática do crime pelo qual se achou condenado a quo.

DA (DES)CONSTRUÇÃO DA SENTENÇA - MATÉRIA DE FACTO ERRADAMENTE JULGADA – INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO DE DIREITO – ILEGALIDADES- ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO NOTÍCIA – TÍTULO – AUTORIA OMISSÃO DE PRONUNCIA – NULIDADE DA SENTENÇA

11. O crime imputado ao arguido apela a facto constante de título e sub - título de notícia sujeita a escrutínio, sendo que o corpo desta, ou seja, o seu conteúdo descritivo, se acha acessório face à imputação desonrosa vertida naquele.

12. Isso mesmo resulta da fundamentação da sentença recorrida, repescando-se no enquadramento jurídico - penal a delimitação concreta do que verdadeiramente importa(va) julgar: “…vejamos se a expressão contida no título do artigo de desenvolvimento (parte da noticia em que concretamente é imputado um facto ao assistente, é ou não atentória da honra e consideração do assistente (independentemente do próprio corpo do artigo…)”.

13. Com um recorte factual calibrado pelo título aposto na notícia, e, não perdendo de vista o que dispõe o artg. 124º do CPP ao estabelecer como objecto de prova “…todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido..” não poderia o tribunal a quo desmerecer os elementos de prova que sobre a autoria do título (afinal é ele o substracto ilícito) foram produzidos em audiência de julgamento.

14. Sobre a autoria do título, importa atentar nas declarações prestadas pela testemunha O…, audiência de 15/5/2015, id. 201505115111440_96178…, 00.00 a 21.52, importando reter o seguinte (artg. 412º nº 3 als. a), b) e c), nº 4 e 6 do CPP):
“O… (O…): O editor edita as peças… Tem de fazer o título para caber, tem de fazer os resumos, tem de fazer destaques, tem de fazer as caixas. Esse é o trabalho do editor (14m45s);
Defensor (DF): Tanto quanto percebi não é o jornalista que faz o título das notícias…
O…: Não! Raramente é assim. Há uma questão de adequação e o jornalista nunca sabe se a notícia vai sair a uma coluna, a duas colunas, a quatro colunas, a cinco colunas… O editor é que é responsável pelos títulos, que adequa os títulos.
DF: Quando fala em adequar fale em termos de espaço ou de conteúdo?
O…: As duas coisas, não é? Em condições normais terá sido o C… a fazer o título e os destaques (20m46s).”

15. Produzindo-se prova sobre tal facto, sendo esse facto elemento essencial à prática delitiva e sua autoria, impunha-se a respectiva averiguação pelo tribunal a quo e a decisão, em sede deliberativa, sobre a autoria do título da notícia, se de autoria singular, conjunta ou difusa.

16. Omitindo, como omitiu, o tribunal a quo decisão sobre este concreto e essencial facto, incorreu no vício previsto no artg. 379º nº 1 al. c) do CPP, pois, não se pronunciou sobre matéria que se lhe impunha conhecer e sobre a qual foi produzida prova em audiência, o que se requer seja declarado com as legais consequências.

17. Para tanto, dando guarida à disposição legal que autoriza a reparação do vício detectado, cumpre eleger como facto provado “O arguido D… não foi o autor do título da notícia nem o sub-titulo da notícia, nem tal tarefa cabe no desempenho profissional dispensado aos jornalistas”, e, nessa sequência, cumpre proferir sentença que compatibilize a matéria de facto provado ao direito aplicável, absolvendo o arguido por ser de elementar justiça e conforme a lei.

18. Do título da notícia importa destacar o facto de este não contemplar o nome do assistente, pelo que, a imputada desonra que dele decorre não tem destinatário, sendo que, o leitor, para alcançar a identificação do visado, terá de efectuar a leitura do corpo da notícia. E lendo o corpo da notícia, que transcreve na sua quase integralidade o teor da participação policial, fica posse de toda a decorrência factual que estribou a altercação, segundo a versão dos intervenientes e de acordo com a precariedade própria da “frescura” probatória.

19. Vale por dizer, que o título não encerra qualquer ilicitude criminal porquanto se não pode ler este sem o compaginar com o corpo da notícia. Nas palavras de P… “…Importa, assim, proceder a uma cuidada análise dos títulos, confrontando-os com a restante notícia, em ordem a detectar eventuais divergências quanto ao conteúdo informativo… A questão que se coloca nestes casos consiste, pois, em saber se para efeitos de realização típica se deve considerar autonomamente o título ou se, ainda aqui, a sua análise tem de ser feita em conjunto com o restante artigo… Assim, negar-se-ia a tipicidade caso o conteúdo difamatório do título, decorrente do distanciamento do seu conteúdo informativo face ao do artigo, fosse corrigido pelo resto da notícia. Isto é: se com a leitura do artigo se alcançasse uma imagem real da factualidade, as eventuais deformações do título deveriam ter-se por irrelevantes…”,

20. Impondo-se apelar a consideração da atipicidade do comportamento do arguido se intercruzado o teor do título da notícia (que nem sequer é da sua autoria) com o corpo desta e que o concretiza, absolvendo-se nos termos decorrentes de tal aferição factual e legal.

ACUSAÇÃO/PRONUNCIA VS. SENTENÇA - TRANSMUTAÇÃO DO OBJECTO DO PROCESSO

21. Comparando a acusação particular vertida na pronúncia com os factos dados como provados na sentença, dir-se-á que o processo transmutou-se da apreciação de uma notícia reputada como difamatória para um julgamento sobre o comportamento de um S… num incidente ocorrido numa estação a linha do I….

22. É que, enquanto a acusação particular/pronuncia fixa a notícia – melhor se diga, o título da notícia - como objecto imediato do processo, a sentença parece erigir a objecto principal do caso um julgamento sobre o comportamento do S… – assistente - para depois reescrever o acontecimento à luz do que alega o S1… queixoso.

23. Se esta modificação, de forma e de sequência, entre os factos constantes na acusação particular e o que veio a constar como provado na sentença, poderá não se subsumir numa alteração substancial de factos, nos termos do artº 1.º, alínea f) e artº 359.º do CPP, o certo é que esta inversão da ordem de apreciação da pronuncia interfere com o julgamento da matéria de facto e, a final, com a subsunção dos factos ao direito, com vista a decidir se ao arguido deve ser aplicada, ou não, uma sanção jurídico - penal, pela prática de uma ação típica, ilícita (eventualmente não justificada), culposa (eventualmente sem causa de exclusão de culpa) e punível (sem causa de exclusão de punibilidade).

24. É que, em nome de um princípio de Justiça, para se apreciar se estão preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos da prática do tipo de ilícito de difamação, deve o julgador atender aos elementos informativos conhecidos ou que devessem ser conhecidos pelos arguidos, no momento da redação da notícia em causa (alegados em contestação de co - arguidos e nas versões dos arguidos vertidas nas suas declarações em audiência de julgamento).

25. Ou seja, o julgador deve efetuar uma viagem no tempo, colocar-se na posição do agente e fazer um juízo de prognose póstuma, aquilatar do elemento volitivo do dolo, e questionando-se se o resultado - a prática de um ilícito de natureza criminal – era ou não previsível.

26. A perspetiva de valoração é, pois, ex ante, pois só nesse contexto se pode apurar se o arguido atuou com dolo, enquanto conhecimento e vontade de realização de um ilícito-típico de natureza criminal; atuou sob alguma causa de justificação da ilicitude; atuou em erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, excludentes do dolo (art.º 16º nº 1 do CP), o que só é possível de saber se atendermos aos elementos conhecidos ou que devessem ser conhecidos pelo arguido; se atuou em erro sobre causas de justificação da ilicitude da conduta (art.º 16º nº 2 do CP); atuou em erro sobre a ilicitude (art.º 17.º do CP); ou, noutra perspetiva, tinha fundamento, em boa fé, para reputar a imputação como verdadeira, caso em que, nos termos do artº 180º, n.º 2, do CP, a conduta não seria punível.

27. O que a sentença fez foi um percurso oposto ao descrito e que decorre da lei. Partiu de uma suposta verdade material descoberta ao fim de uma panóplia de sessões de julgamento, apurada mediante a versão do assistente e algumas testemunhas que lhe são próximas, impondo para apuramento da dita verdade a audição de uma vintena de testemunhas (que a nada assistiram, que nada sabiam, que nada ouviram…). Depois, compararam-se os factos dados como assentes sobre o incidente no I… com o título da notícia, e, concluiu que a notícia não corresponderia à verdade.

28. Note-se que é total a omissão e ostensiva desconsideração do teor da participação policial da PSP que, inclusivamente e como foi referido em audiência de julgamento, deu origem à abertura pelo Ministério Público de um inquérito criminal por indícios de “burla nos transportes”, em que é denunciado o agora assistente e que esteve, afinal – e sabemo-lo hoje - na origem da notícia.

29. É que, tendo sido dado como provado que o arguido recorrente contactou com duas fontes - o inspetor Q… e uma funcionária do Tribunal de Matosinhos - e tendo obtido através desta um documento policial em que surgem descritas as versões dos intervenientes, incluindo a do S… visado e aqui assistente, é notório que a informação não estava sustentada em zuns-zuns, em “ouvir dizer”, ou, que não tinha base de credibilidade para ser publicada, como consta da sentença recorrida por apelo ao acordão proferido pelo Tribunal da Relação.

30. A participação policial foi elaborada e assinada por dois agentes da autoridade, funcionalmente colocados na Esquadra da PSP de Matosinhos, integrada por sua vez no Comando Metropolitano do Porto. Para a elaboração do documento, perante um conflito verificado na estação do I… de …, os agentes policiais recolheram as versões dos fiscais e do cidadão S…, transcrevendo inclusivamente expressões com uso de aspas. Perante o respetivo teor, ao invés de ser liminarmente arquivado, os agentes policiais entenderam remeter o documento para os serviços do Ministério Público, no DIAP do Porto, sendo recebido o expediente e instaurado um procedimento criminal, tendo sido atribuído o nº 14308/11.6 TDPRT – 3ª secção - cfr. fls....

31. Instaurado o processo-crime, ao invés de ser liminarmente arquivado, como legalmente é consentido, um S1… do DIAP do … entendeu declarar a sua incompetência territorial e ordenar a remessa para os serviços do Ministério Matosinhos., sendo que, por sua vez, o Ministério Público de Matosinhos – 3ª secção - também não foi apologista de proferir um arquivamento liminar – cfr. certidão junta aos autos a fls....

32. O inquérito criminal viria a ser arquivado, sim, mas por falta de manifestação de vontade da ofendida I… em prosseguir o procedimento criminal, vale por dizer, apresentação de queixa - pressuposto imprescindível da ação penal pelo Ministério Público, dado tratar-se de crime semipúblico.

33. A participação policial, exarada como foi com as formalidades legais e nos limites da competência dos agentes da autoridade, assume a natureza de documento autêntico, nos termos do disposto no artg. 366º e 370º do Código Civil. E atenta a fé pública que merece o documento está credibilizado o respetivo teor.

34. Neste conspecto, como poderiam os arguidos colocar em causa a veracidade do teor das versões colhidas em sede de participação policial, quando – é sabido – as próprias leis processuais penais e contraordenacionais aludem à sua “fé pública”? Como compaginar a desconfiança vertida na sentença sobre a participação policial com a lei processual penal que lhes concede o valor substitutivo de acusação para submissão a julgamento em processo sumário (artg. 389º do CPP)?

35. Só existiu notícia porque um documento idóneo fornecia dados sobre o acontecimento; o referido documento relatava ambas as versões dos factos, atribuindo declarações aos intervenientes; foi aberto um inquérito - crime naquela altura pendente no Tribunal de Matosinhos (hoje sabe-se que, ao contrário do constante na notícia, não era por injúrias, mas sim por burla nos transportes – mais grave); a informação era do domínio público, pelo menos no Tribunal de Matosinhos; a informação era de interesse público; a informação cumpria requisitos de noticiabilidade vigentes e aceites na profissão jornalística, como seja o facto de a versão das partes com interesses atendíveis constar de peça processual, incorporada em autos de processo - crime.

DO ERRO DA TESE VERTIDA NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO - SUA INSCRIÇÃO NA SENTENÇA

36. A tese que dimana da decisão é, sinteticamente, a seguinte: não se encontra cumprido o dever de informação quando os jornalistas se baseiam numa notícia, como “única” fonte, num documento lavrado sobre uma ocorrência policial, pois devem certificar-se se os factos descritos nesse documento correspondem à verdade; para tal, devem ouvir/entrevistar pessoalmente os intervenientes mencionados no documento, mesmo que ali constem versões atribuídas aos mesmos. A decisão recorrida nada mais faz do que transcrever na sua quase integralidade o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu revogar a não pronúncia dos arguidos.

37. Erigir uma tese geral com uma visão das coisas como esta, permite cogitar os seguintes exemplos: os jornalistas não podem noticiar acusações proferidas pelo Ministério Público, por si só, porquanto deveriam entrevistar os visados, bem como averiguar a credibilidade de todos os meios de prova que sustentam as acusações; por cautela, os jornalistas não devem redigir qualquer notícia baseada numa sentença judicial porque o S… pode não ter escrito a verdade sobre o que dizem as testemunhas ou simplesmente porque omitiu uma parte da verdade relevante do ponto de vista da defesa do arguido; os jornalistas não podem acreditar no teor dos documentos subscritos por advogados, na parte em que descrevem as versões dos arguidos, porque estes poderão ter efetivamente versões distintas; os jornalistas não devem fazer notícia com base em comunicados oficiais da Procuradoria Geral da República ou das diversas forças policiais, devendo antes entrevistar os visados pelos mesmos quando identificáveis (e atribuir-lhes absoluta credibilidade, sobretudo se forem pessoas com notoriedade social), porque tal prática pode traduzir a propagação de informações falsas e ofensivas da honra de pessoas com notoriedade; os jornalistas não devem acreditar no teor dos documentos elaborados por outras autoridades públicas, mesmo que sem o valor de certidão, porque podem corresponder a casos de “falsidade intelectual”.

38. A assunção do trabalho jornalístico nos moldes propostos pela sentença recorrida imporia a realização pelo jornalista de um julgamento sumário com apelo a factualidade precária e com recurso a meios de prova circunstanciais que, de todo, abonariam a função própria que lhe está destinada: INFORMAR. E é aqui precisamente que erra o tribunal a quo, como já havia errado o Tribunal da Relação, porquanto equipara a função jornalística à dupla função desempenhada pelo Ministério Público a montante com a investigação, e, o Tribunal a jusante com a decisão. E não é essa a função do jornalista. Nem podia ser sob pena de usurpação de funções.

NÃO CUMPRIMENTO DE DEVER DEONTOLÓGICO - ESTATUTO DO JORNALISTA – EXLUSÃO DA BOA-FÉ – LEGIS ARTIS- COMISSÃO DA CARTEIRA PROFISSIONAL DE JORNALISTA - COMPETÊNCIA - EXCESSO DE PRONUNCIA – NULIDADE DE SENTENÇA (arttg. 379º do CPP)

39. Um dos elementos argumentativos em prol da condenação do arguido, repescado pelo tribunal a quo no acordão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto aquando da decisão de revogação do despacho de não pronúncia (pag. 16 a 24 da sentença recorrida), apela ao afastamento da previsão não punitiva do agente constante do artg. 180º nº 2 al. b) in fine e nº 4 do CP levando em consideração o incumprimento dos deveres deontológicos que sobre o arguido – jornalista – impendiam e que constam do Estatuto do Jornalista.

40. Repesca - se da fundamentação da sentença recorrida que a lei justifica o comportamento do agente se este tiver para fundamento sério para, em boa-fé, a reputar como verdadeira e “…Para que tal aconteça, importa que o jornalista se convença objectivamente de que os factos são verdade, o que tem a ver e por isso é sindicável com a observância dos deveres legais e das regras da arte e em geral com o código deontológico, sendo que não há boa fé “quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham sobre a verdade da imputação…” avançando ainda, recortando a exigência imposta para aquilitar da boa-fé presumida, “…A boa fé tem uma vertente subjectiva (convicção da verdade dos factos), mas tem uma dimensão objectiva, concretizada pelo cumprimento pelo agente das regras profissionais…(as legis artis do jornalista, e nesse acervo global se incluem os deveres deontológicos do jornalismo…”, concluindo-se pelo incumprimento dos deveres deontológicos porquanto foram “…incumpridas as regras da arte do jornalista, e se não cumpriram as regras relativas a dever de esclarecimento ou dever de informação que sobre ele impende, nem observaram os deveres de cuidado que a situação exigia e eram possíveis, não existindo boa-fé, e inexistindo boa-fé, não há fundamento sério para reputar o relato como verdadeiro… Podemos assim concluir que os jornalistas não cumpriram com o seu dever de informação, violando os deveres legais e regras deontológicas relativa à sua profissão…”

41. A profissão de jornalista, em toda a sua dimensão, obedece a regulamentação própria e específica, pois, o seu exercício compreende uma panóplia de direitos e deveres com merecimento constitucional, sendo que o seu desenvolvimento compreende matérias cuja conformidade com as “legis artis” apenas pode ser apreciada por órgão próprio e sindicadas pelos seus “pares”.

42. Reconhecendo o melindre do objecto que enforma a actividade de jornalista, decidiu o legislador, em sede disciplinar, pela estrita regulamentação do processo de averiguação da conduta denunciada de jornalista e punição do prevaricador.

43. Olvidou, contudo, o tribunal a quo a existência de órgão com merecimento legal e competência para pronuncia sobre (in)cumprimento dos deveres deontológicos, sua conformidade com as legis artis, averiguação e punição: Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (artg. 18º-A do Estatuto de Jornalista). E decidindo, como decidiu, pela violação dos deveres do arguido - jornalista postergando a decisão e/ou parecer da CCPJ sobre matéria de sua competência reservada, excedeu pronúncia sobre matéria cuja competência lhe não está deferida, e, por via dessa decisão, fulminou a sentença recorrida com nulidade prevista no artg. 379º nº 1 al. c) do CPP.

44. A CCPJ, nº 1 do artg. 18º-A do Estatuto de Jornalista, “…é um organismo independente de direito público ao qual incumbe assegurar… o cumprimento dos deveres fundamentais que sobre eles – jornalistas – impendem nos termos da presente lei”, dotada de competência para, nos termos do nº 3 do mesmo preceito legal, “…apreciar, julgar e sancionar a violação dos deveres enunciados no nº 2 do artg. 14º”, merecendo particular atenção a composição de tal comissão, pois, como é patente do nº 2 do artg. 18º-A, os elementos que a compõem são, eles próprios, jornalistas com reconhecida experiência e um jurista com idêntica experiência na área em apreço; ou seja, a apreciação da actividade e conduta do jornalista mereceu do legislador o reconhecimento de que o desenvolvimento da sua actuação obedece a critérios e particularidades cuja apreciação apenas poderá ser atestada pelos seus “pares”. Daí o regime constante do artg. 21º do Estatuto de Jornalista com a tramitação própria conducente à apreciação e decisão sobre a violação dos deveres inscritos no artg. 14º nº 2 do aludido estatuto.

45. A regulamentação da actividade da CCPJ consta do Dec. Lei 70/2008, de 15/4, importando atentar no disposto no artg. 23º e ss., sendo patente o deferimento de competência para apreciação disciplinar ao CCPJ; ademais, elucidativo o preambulo do diploma em apreço, reconhecendo que a esta CCPJ incumbe “…verificar, e eventualmente sancionar, o incumprimento de alguns dos deveres legais que sobre eles impendem…”.

46. Acarreta tal decisão a nulidade da sentença recorrida por violação do artg. 379º nº 1 al.c) do CPP, e, artgs. 180º nº 2 e 4 do CP, e, artgs. 14º nº 2 e 3 e 21º do Estatuto de Jornalista e artgs. 4º e 23º e ss. do Regulamento da CCPJ, impondo-se, pois, a revogação da sentença recorrida e a sua devolução ao tribunal a quo para que seja oficiada à CCPJ apreciação sobre o ilícito disciplinar e parecer sobre a conduta do jornalista no caso concreto.

DO VALOR PROBATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO POLICIAL - LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA – EXCEPÇÕES (artg. 127º) - NULIDADE DE SENTENÇA (artg. 379º nº 1 al. c) do CPP)

47. Em sede processual-penal, atento o valor probatório atribuído ao documento participação policial, está o mesmo subtraído ao princípio da livre apreciação da prova, isto é, o tribunal deveria dar como provado o teor do texto que consta no documento da PSP na sua integralidade.

48. E não apenas uma única frase – como se o restante não existisse -, para de seguida fazer a sua interpretação sobre a mesma, configurando-a como a única correcta, em termos de língua portuguesa.

49. Como é sabido, o princípio da livre apreciação da prova consta do artigo 127º do Código de Processo Penal e tem como sua limitação, como não pode deixar de ser, a chamada prova legal.

50. No caso em apreço, o legislador no art.º 169º do CPP veio prescrever que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”, sendo que o tribunal a quo não declarou a falsidade do documento participação policial, ao abrigo do art.º 170º do CPP.

51. De outra sorte, a participação policial é relativa a outro inquérito de natureza criminal, que não os presentes autos, pelo que não tem aplicação in casu a jurisprudência que defende excepcionar-se do art.º 169.º do CPP as participações policiais ou os autos de notícia.

52. Pelo que nada impedia, nem impede, dar-se como provado o texto da participação policial efectuado pela da PSP e que, de resto, fundou a notícia, decorrendo que, a desconsideração nos moldes encetados pelo tribunal a quo e sem que fundamente tal divergência constitui nulidade de sentença cabível na previsão do artg. 379º nº 1 al. c) do CPP, o que se requer seja declarado com as legais consequências.

DA NÃO APRECIAÇÃO DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DA FACTUALIDADE TÍPICA - DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE UMA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO (art. 16º ns. 1 e 2 do C. Penal)

53. Pese embora ser tido por provada a frase constante da participação policial, “Da participação apresentada consta que “F… abandonou o local da ocorrência pelas 18.15h e esta polícia às 18.30h”, a sentença não cura de uma questão essencial.

54. A interpretação daquela frase, mesmo que incorrecta, dada como assente pelos arguidos aquando da redação da notícia – e cujo carácter dúbio foi também aceite pela Mma. juíza de instrução do TIC que exarou despacho de não pronúncia, pelo procurador do Ministério Público no mesmo TIC e pelo procurador - geral adjunto do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto – consubstancia, ou não, um erro sobre os pressupostos de facto do art.º 16.º, n.º 1, do Código Penal? Ou um erro sobre causa de justificação, do art.º 16.º, n.º 2, do Código Penal?

55. É importante não olvidar que, nos termos do art.º 124º do CPP, constitui objecto de prova “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”.

56. Resulta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.10.2014, referência, RP201410156941/10.0TDPRT.P1, consultável em www.dgsi.pt, que “A liberdade do jornalista compreende também o recurso possível a uma certa dose de exagero ou mesmo, de provocação. Ao prever-se no referido parágrafo 2º do artigo 10º, a possibilidade de se submeter o exercício da liberdade de expressão a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, desde que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a protecção da honra ou dos direitos de outrem, pressupõe-se a existência de uma necessidade social imperiosa. Se os Estados gozam de uma certa margem de apreciação para julgar sobre a existência de uma tal necessidade, esta margem deve ser acompanhada por um controlo europeu, tendo o TEDH competência para estatuir em derradeira instância sobre a questão de saber se uma restrição, se concilia com a liberdade de expressão protegida no artigo 10º, já mencionado. Alcançada a prova de ter sido cumprido o dever de verificação da veracidade das imputações, ainda então não nos parece inconveniente – bem pelo contrário - que continue a conceder-se ao ofendido a possibilidade de provar que os factos imputados eram em definitivo inexactos. No entanto alcançada aquela prova, não vai ela tornar punível a imputação, devendo servir apenas para obrigar a um desmentido ou rectificação, nos termos que a Lei de Imprensa prevê como “direito de resposta”. O arguido, com a publicação da notícia, apenas agiu com o propósito de informar e, no exercício do direito constitucional à informação, sendo certo que estava (como está) absolutamente convicto da verdade.“

57. Em decorrência jurisprudencial e com relevo para a questão escrutinada, resplandece do Ac. STJ, 27-11-2007 - Revista n.º 3341/07 - 6.ª S, “Daí que as informações a serem divulgadas devam, além do mais, corresponder à verdade dos factos, - sem esquecer que mesmo a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa, e que essa divulgação deva ser realizada de forma a não integrar mensagens subliminares ocultas ou de algum modo viciadas nem a provocar equívocos, sugerindo interpretações incorrectas susceptíveis d e originarem ofensas à personalidade, à dignidade ou ao bom nome de alguém”.

58. Ainda o Ac. STJ, de 13-03-2008 - Revista n.º 49/08 - 1.ª Secção, “Estando provado que os factos noticiados foram transmitidos ao jornal da Ré pelo Núcleo de Investigação Criminal da GNR, fonte que merece credibilidade, cumpriu a Ré, antes da publicação da notícia, o dever de informação cuidada que lhe é imposto pelo n.º 4 do art. 180.º do Código Penal. III - Não pode, por isso, qualificar-se a conduta da Ré como constituindo um crime de difamação cometido através de meio de comunicação social, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, do Código Penal. Mesmo a entender-se que a publicação da notícia integrava tal tipo de crime, sempre estaria presente uma causa de justificação, que excluiria a ilicitude”, alvitrando-se em outro aresto que “Não é ilícita a notícia que, fora um ou outro pormenor, é verdadeira e está escrita com sobriedade” - ac. STJ, 04-03-2010 - Revista n.º 677/09.1YFLSB - 7.ª Secção.

59. Sobre o cumprimento do dever estatutário de conformidade com as legis artis, “Deve ter-se como cumprido o dever de verdade quando o jornalista realizou previamente um trabalho de averiguação dos factos sobre os quais versa a informação e a referida indagação se realizou com a diligência exigível a um profissional de informação. VIII - A publicação de notícias e comentários sobre factos que envolvam pessoas que exerçam cargos públicos e, como tal notoriamente conhecidas, relacionadas com o exercício do respectivo cargo (interesse público), representa o exercício legítimo do direito de liberdade de expressão e informação através da imprensa e, como tal, insusceptível de desencadear responsabilidade civil, a menos que se demonstre que o respectivo autor tinha consciência da sua falsidade ou actuou com negligência grosseira quanto a saber se eram ou não falsos (falta de preocupação com a verdade).” Ac. do STJ, 24-05-2011 - Revista n.º 4957/04.4TVPRT.S1 - 2.ª Secção.

60. Sendo estes os princípios a considerar, o que decorre da matéria de facto dada como provada? São compagináveis os princípios elencados com os factos apurados? Cremos bem que não.

61. A notícia foi feita a partir de uma participação da PSP, na informação de um “ex - inspector” e de uma funcionária - fls. 17 da sentença. Atenta a fé pública que merece um auto – art.º 363.º e 370º do Código Civil e art.º 169.º do CPP - , só por si não estava credibilizada a notícia? Não é isso o que decorre do aresto acima do STJ 13-03-2008 - Revista n.º 49/08 - 1.ª Secção?

62. Não se preenche assim o dever do jornalista de “antes da publicação da notícia [exercer] o dever de informação cuidada que lhe é imposto pelo n.º 4 do art. 180.º do Código Penal”, como referido no aresto acima 13-03-2008 - Revista n.º 49/08 - 1.ª Secção?

63. Será legal e processualmente adequado, mesmo em termos de ónus da prova, dizer-se o que se lê a fls. 19 da sentença sobre a fiabilidade da fonte e sua identificação para contradita? Impõe-se ao arguido a prova do facto e a revelação da fonte conquanto se está perante jornalista a coberto de segredo dispensado pela lei? Ademais, a dúvida sobre a idoneidade da fonte vale contra o jornalista arguido? É obrigado a revelar as fontes, para se averiguar da credibilidade desta? E não tem como suporte, pelo menos, a versão da PSP, em participação policial – fls. 22?

64. A referência ao comportamento de um S1…, tal como decorre do auto de notícia e do dado como provado, pois que se diz que “instado a sair, ao que retorquiu “, sic. fls. 2 (se retorquiu, foi porque não acatou, certo?!), não é um facto que “envolva(m) pessoas que exerçam cargos públicos, relacionadas com o exercício do respectivo cargo (interesse público)”, a traduzir o exercício legítimo do direito de liberdade de expressão e informação através da imprensa a que alude o aresto de 24-05-2011 - Revista n.º 4957/04.4TVPRT.S1 - 2.ª Secção?

65. Não é uma das situações a que alude o Doutor Costa Andrade e que é referida na sentença? Não tem a ver com o modo como um S1…, que faz cumprir as leis assume, na sua vida quotidiana, a noção de obediência a ordens lícitas – a identificação numa situação de contraordenação, ainda que indiciada somente?

66. Indiciava-se, pois, estar-se perante notícia de facto que se devia reputar como verdadeiro, de interesse público, e relativamente ao qual se devia considerar assegurado o dever de “antes da publicação da notícia [exercer] o dever de informação cuidada”.

67. O ponto crucial terá sido o de haver erro quanto ao tempo e local onde decorreu a identificação do ofendido.

68. Entre o que o auto contava e o que a notícia refere há alterações que, se em termos processuais, nunca se qualificariam como “alteração substancial”, parece evidente que se trata de quadro em que, “ fora um ou outro pormenor, é verdadeira e está escrita com sobriedade “ – tal como se sublinha no aresto ” de 04-03-2010 - Revista n.º 677/09.1YFLSB - 7.ª Secção – o que afasta a ilicitude da conduta.

69. Nos termos expostos, omitiu o tribunal a quo a apreciação do comportamento do arguido à luz da existência de erro nos pressupostos da factualidade típica (artg. 16º nº 1 do CP), ferindo de nulidade a sentença recorrida nos termos constantes do artg. 379º nº 1 al. c) do CPP, bem como, omitiu pronuncia sobre a subsunção da conduta do arguido em causa excludente da ilicitude, por erro (artg. 16º nº 2 do CP), ferindo de nulidade a sentença recorrida por violação do artg. 379º nº 1 al. c) do CPP, o que se requer seja declarado com as legais consequências.

MATÉRIA CIVIL

70. Afastada a ilicitude do comportamento nos moldes propostos e, cuidando a indemnização civil dos danos ocasionados pelo ilícito criminal, outra não poderá ser a decisão do tribunal ad quem que não seja concluir pela absolvição do arguido, não havendo, pois, que perscrutar a responsabilidade por danos não patrimoniais.

71. Se assim se não entender, o que se concebe mas não admite, impõe-se reivindicar a exorbitância do valor fixado, €25.000, diríamos mesmo, um absurdo.

72. Em sede de danos não patrimoniais, esse valor não é atribuído pela jurisprudência a um pai pela morte de um filho num acidente de viação!

73. Nos termos da Portaria nº 377/2008, esse valor surge limitado a 10 mil euros, no caso de perda de um filho adulto, e, o valor máximo de 25 mil euros surge previsto para o caso de perda de um cônjuge após mais de 25 anos de casamento.

74. Ora, mediante os factos dados como provados na sentença, como sustentar a gravidade de um dano que merece a tutela do direito, com atribuição de 25 mil euros de indemnização, em face dos critérios praticados pela jurisprudência em casos muitíssimo mais graves? A qualidade de S… do assistente?

75. Pelos factos dados como provados, o assistente exerceu direito de resposta e rectificação, tendo sido publicada no jornal a sua versão (como quis e a apresentou) para o mesmo círculo de destinatários, pelo que não pode este facto deixar de ser classificado como dirimente do próprio dano; a participação da PSP continha, na essencialidade, os factos que vieram a ser plasmados na notícia, não tendo sido os arguidos a redigir o mesmo; assim, é de concluir que houve concurso de factos para a produção do dano, nomeadamente do agente da PSP, dos fiscais do I…, fonte do teor da participação policial; há nexo de causalidade entre o teor do documento policial e a produção do dano, derivado da notícia, até pelo carácter dúbio da frase final, o que até foi reconhecido por uma juíza de instrução criminal, um procurador da República e um procurador - geral adjunto, pelo que, em síntese, não é imputável em exclusivo ao arguido o dano – porque pelos vistos também haveria de imputar a quem teria “inventado” o uso de expressões que vieram a constar no documento policial.

76. Nos termos propostos, impõe-se a drástica redução do montante fixado a título de indemnização civil, montante este que não deverá exceder, e já dando margem de exagero, a quantia de €500.
Os recursos foram regularmente admitidos, mas mal quanto ao efeito fixado ao recurso do assistente, o que foi já corrigido no despacho preliminar (cfr. fls. 1.305 e 1.418).

A demanda cível “E…” e os arguidos B… e C… vieram responder ao recurso interposto pelo assistente nos termos constantes de fls. 1.312 a 1.324, aqui tidos como reproduzidos, tendo concluído que o recurso deveria ser rejeitado e, em qualquer caso, ser julgado totalmente improcedente.

O assistente também veio responder ao recurso interposto pela demanda cível “E…” e pelos arguidos B… e C… nos termos que constam de fls. 1.325 a 1.336vº (com fax, incompreensivelmente, a fls. 1.338 a 1.349), aqui tidos como renovados, tendo concluído no sentido da sua total improcedência, crime e cível.

O Ministério Público veio responder separadamente aos recursos interpostos pelo assistente, pelo arguido C… e pelo arguido D… nos termos constantes de fls. 1.351 a 1.360, 1.361 a 1.375, 1.376 a 1.387, respectivamente, aqui tidos como reproduzidos, tendo concluído, quanto a todos, pela manutenção da sentença recorrida.

Antes de ser determinada a subida dos autos a este tribunal, foi proferido em 14/12/2015 o despacho que consta de fls. 1.388 a 1.393, aqui tido como reproduzido, através do qual se procedeu à rectificação da sentença no tocante ao dispositivo da sentença por forma a que dele passasse a constar que o crime pelo qual os arguidos C… e D… iam condenados era subsumível na previsão dos artigos 180º e 183º, nº 2, do Código Penal.
A par, foram ali apreciadas e decididas as nulidades que os recorrentes B… e C… e pela demandada “E…”, rectificando-se e reparando-se a sentença nos termos ali expressos.

Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer junto a fls. 1.403 a 1.406, aqui tido como especificado, através do qual suscitou a questão prévia atinente ao facto de o referido despacho de fls. 1.388 a 1.393, através do qual o tribunal recorrido supriu as nulidades invocadas em sede de recurso, ter extravasado o poder de decisão, preconizando que, por se verificarem as omissões suscitadas, deveria declarar-se a sentença nula e os autos baixarem à 1ª instância para que seja proferida nova sentença, expurgada de tais nulidades, com o inerente prejuízo para as demais questões suscitadas em todos os recursos.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, apenas o recorrente D… veio responder para sufragar o que consta de tal parecer, preconizando a sua procedência (cfr. fls. 1.412).

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

Factos provados.

No dia 13 de Setembro de 2011, pelas 16.55h, o assistente apanhou o I… na Estação …, com destino a …, para depois seguir no comboio Alfa, das 17.45h, com destino ao seu local de trabalho em ….

No dia anterior, o assistente comprou o título de transporte (andante – Zona …) com duas viagens.

No dia em que seguia viagem, não conseguiu validar o título de transporte nas três tentativas efectuadas em diferentes estações, tendo, por essa razão, tomado a iniciativa de pedir ajuda aos agentes de fiscalização que se encontravam na composição para averiguarem o que de errado poderia existir com o cartão andante.

Os funcionários não souberam determinar o que aconteceu ao cartão andante, pois o mesmo não emitia qualquer sinal nos equipamentos de que dispunham.

Perante este facto o assistente foi instado a sair do I…, ao que retorquiu, dado que possuía um título de transporte devidamente carregado, conforme comprovativo que foi exibido ao agente fiscalizador.

O assistente disse que saía, tendo exigido ao fiscal a identificação do mesmo, que se recusou a fazê-lo e, em face dessa solicitação, este exigiu àquele a identificação.

O assistente entregou o seu bilhete de identidade ao fiscal, que se recusou a devolver-lhe o bilhete de identidade depois de ter tomado nota dos elementos identificativos.

Devido à recusa em devolver-lhe o bilhete de identidade, o assistente solicitou telefonicamente a presença da PSP ao local para identificar o fiscal que, reteve indevidamente o seu bilhete de identidade.

Só com a chegada da PSP ao local é que o referido indivíduo procedeu à entrega do bilhete de identidade ao assistente, sem que tivesse sido lavrado qualquer auto de detenção do assistente.

O assistente viu-se obrigado a comprar novo título de transporte para poder seguir a viagem de I… até à estação de …, ode de seguida apanhou o comboio para ….

Em 21 de Setembro de 2011 o assistente apresentou participação disciplinar junto da Administração do I… pelos factos ocorridos no dia 13 de Setembro de 2011 com um fiscal.

No dia 15 de Outubro de 2011 (Sábado) o G… publicou na página .., na secção de …, ocupando cerca de 4/5 da página, um artigo de desenvolvimento intitulado “S… recusa validar bilhete de I… e acaba na esquadra” e, em subtítulo, “Discussão com fiscais em … por causa de andante só terminou quando chegou a PSP”.

O artigo tinha o seguinte teor:
“S… recusa validar bilhete do I… e acaba na esquadra.
Discussão acaba com fiscais em … por causa de andante só terminou quando chegou a PSP

C… e D…

«Uma altercação entre um S… e fiscais do I… que tentaram fazê-lo sair de uma composição por não ter um bilhete válido acabou com o S1… na esquadra da PSP, onde foi identificado. Pelo meio ficam acusações mútuas de tratamento desrespeitoso.
Tudo aconteceu a 13 de Setembro último, eram 17.06h. Segundo o relato efectuado pelos funcionários do I… às autoridades, o S1… interpelou de forma muito arrogante os dois seguranças, para lhes dizer que não tinha conseguido validar o andante – o título de transporte usado no I… –, na estação de ….
Como é normal, foi-lhe dito que teria de sair “na próxima estação” para validar o referido título. F… terá recusado adiantando que o problema era das máquinas e não seu, pelo que teriam de ser os funcionários a resolver o assunto. A discussão terá descambado quando o S… lhes disse que não sabiam “com quem se estavam a meter”, frase que estes tomaram como ameaça.
Os seguranças terão aceitado verificar o bilhete numa máquina portátil, avisando o passageiro que se esta “não desse qualquer leitura” teria mesmo de sair na estação seguinte para ser levantado um auto de contra - ordenação.
Passado na máquina, o título revelou-se de novo inválido, pelo que foi exigida a identificação a F…. O S1… apresentou o seu bilhete de identidade.
Segundo os seguranças – K… e H… –, o S…, em conversa ao telefone com um interlocutor que os funcionários desconhecem, disse que um dos fiscais estava “armado ao pingarelho”, para logo de seguida, e dirigindo-se directamente aos dois, dizer: “Estou a marimbar-me, pois vou fazer tudo para que gajos como estes vão para a rua”.
Depois, voltando aparentemente a falar com quem estava ao telemóvel, terá dito: “Estes gajos devem comer juízes ao pequeno-almoço e ficam maldispostos”.
Segundo os fiscais da I…, o S1… terá continuado no mesmo tom, o que os levou a chamar a Polícia. Deste facto terão dado conta ao S….
Já à PSP F… identificou-se como “S… no Tribunal Cível de Vila Franca de Xira”, com um “gabinete no Tribunal Judicial de Matosinhos”. Também perante os polícias o S1… terá recusado fornecer a sua morada para colocar no auto de detenção e, por isso, acabou por ser conduzido à esquadra de Matosinhos.
O S1… acusa os fiscais de não lhe terem (“por razões desconhecidas”) devolvido o Bilhete de Identidade, acusando-os ainda, de o tratarem de forma arrogante. E pior, com estas e com outras, acabara por perder o comboio para ….
Uma participação do caso acabou por ser enviada pela Polícia para o tribunal de Matosinhos, pois poderia estar-se perante uma caso de injúrias. No entanto, não é conhecido o seguimento dado ao caso.”
Ao lado do texto da notícia foi publicada um caixa intitulada Pormenores com o seguinte teor:
«Magistrados não pagam.
Os magistrados não têm de pagar viagens nos transportes públicos nos percursos casa - trabalho - casa. Mas as empresas de transportes não são obrigadas a prestar o serviço gratuitamente. Compete ao Ministério da Justiça fazer requisições, com vista a pagar aos concessionários.
Avalia Funcionários.
F… é actualmente vice-presidente do M…, órgão que aprecia o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre os ….
Processo só na Relação
Por se tratar de um magistrado em eventual processo decorrente de eventual queixa por injúrias seria tratado pelo Ministério Público no Tribunal da Relação”.

O assistente é S… e, à data dos factos, era vice-presidente do M… (M…), exercendo funções de âmbito nacional.

O assistente exerceu funções como S… no tribunal de Matosinhos desde 1999 até 2007, foi membro da direcção da T… (T…) nos anos de 2001 a 2003. E de 2003 a 2009 foi membro do conselho geral da T….

No canto direito da página foi publicada uma caixa de texto intitulada de “Pormenores”, onde é divulgada de forma completa a identificação do assistente e descrita a sua actividade profissional, sem o seu prévio consentimento.

O artigo de desenvolvimento foi redigido e assinado por C… e D…, ambos jornalistas do G….

No dia 22 de Outubro de 2011 o mesmo jornal publicou na página 13, na secção segurança, ocupando cerca de 1/6 da página, o direito de resposta do assistente, tendo sido publicada uma nota de Direcção.

Em consequência da publicação da notícia o assistente sentiu-se envergonhado, humilhado e vexado.

Em consequência da publicação da notícia a credibilidade, a reputação e imagem do assistente ficou lesada.

O assistente é utilizador do I… nas suas deslocações entre … e …., utilizando o I… para a deslocação entre … e …, nunca tendo tido qualquer problema a excepção do aqui relatado.

O arguido B… era ao tempo dos factos director do G….
A notícia provocou impacto no círculo de amigos do assistente e no seu meio profissional.

O assistente é considerado no seio da comunidade jurídica, conhecido e respeitado na área onde os factos ocorreram.

À data da publicação da notícia o assistente encontrava-se em Lisboa e foi alertado para a mesma.
Devido à publicação da notícia o assistente foi contactado pelo S… secretário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tendo este órgão inscrito o assunto em tabela para sessão plenária.

O assistente prestou explicações por escrito, tendo o assunto, por causa dessas explicações, sido arquivado.

Por causa do teor da notícia o U… (U…) dirigiu uma missiva, datada de 22.10.2012, ao director–geral da Administração da Justiça, exigindo que o demandante fosse demitido.

O assistente recebeu inúmeros contactos, por telefone e pessoais, de colegas de vários pontos do país questionando-o sobre o teor da notícia e obrigando-o a prestar sucessivos esclarecimentos e a proceder ao seu desmentido.

Atendendo às funções de âmbito nacional exercidas e à ampla divulgação do texto publicado, o assistente viu-se obrigado a elaborar e a enviar a todos os tribunais um comunicado para que as pessoas soubessem a sua versão.

A notícia chegou ao conhecimento do lar de terceira idade onde a mãe do assistente se encontrava, em estado de saúde grave, tendo tal facto provocado ao assistente angústia e preocupação.

O arguido B… não teve conhecimento da notícia antes da sua publicação, não lhe tendo o mesmo sido submetido para apreciação.

No G… existem diversas pessoas, como editores, sub - editores, editores executivos, sub - directores e directores adjuntos responsáveis pelo fecho de cada edição.

No G… ao director estão atribuídas outras funções, como a representação externa do jornal, reuniões com a gestão e administração do jornal, com os diversos sectores de produção, publicidade, marketing, recursos humanos e fotografia.

O G… é um jornal composto por uma média de 50 páginas/dia, que integram uma média de 250 notícias/dia, que não são sujeitas ao escrutínio do director, sobretudo se não foi sequer à primeira página da edição do dia.

O arguido B… não foi o responsável pelo fecho da edição do dia da publicação da notícia em causa.
O arguido C… é editor do G….

O arguido D… foi o jornalista que fez a investigação e esteve encarregue de apurar os factos.

Foi o arguido D… que teve o primeiro contacto com a matéria narrada na notícia após um telefonema que manteve com o ex - inspector chefe da polícia judiciária, Q….

O identificado ex - inspector deu conhecimento ao arguido D… dos factos narrados na notícia do G… e referiu-lhe que entrasse em contacto com o Tribunal de Matosinhos que confirmasse a história, pois toda a gente sabia, já que se tratavam de factos do conhecimento geral de funcionários e magistrados do tribunal.

O arguido G… entrou em contacto com uma funcionária judicial e esta, em encontro que manteve com o mesmo, confirmou-lhe os factos publicados., designadamente que o assistente havia recusado proceder à validação do bilhete do I… e que a discussão só tinha terminado quando chegou a PSP e que o assistente tinha sido conduzido à esquadra por este se ter recusado a fornecer a respectiva morada.

A funcionária entregou ao arguido D… cópia da participação apresentada na PSP.

Chegado à redacção o arguido D… deu conhecimento dos factos ao arguido C…, que lhe pediu que os confirmasse, o que aquele fez, contactando telefonicamente por mais duas vezes a funcionária, perguntando-lhe se tinha a certeza do que lhe contara.

A última conversa foi escutada pelo jornalista L…, a quem o arguido D… pediu que ouvisse a conversa através do sistema de alta voz.

Da participação apresentada consta que “F… abandonou o local da ocorrência pelas 18.15h e esta polícia às 18.30h”.

O arguido B… é director geral do V…, auferindo mensalmente € 5 000,00.

Vive em casa própria.

Entrega à mulher a título de alimentos a quantia de € 900,00.
Paga uma prestação mensal relativa à aquisição a crédito de habitação no valor de € 500,00.

O arguido C… é jornalista no G…, auferindo mensalmente a quantia de € 2 000,00.

Vive em casa arrendada, pagando uma renda de cerca de € 400,00.

Paga uma prestação mensal relativa à aquisição a crédito de veículo no valor de € 200,00.

O arguido D… é jornalista no G…, auferindo mensalmente a quantia de € 800,00.

Vive em casa da mãe

Do certificado de registo criminal dos arguidos B… e C… nada consta.

Do certificado de registo criminal do arguido D…, que aqui se dá por reproduzido constam as condenações de fls. 723 a 733, pela prática de crimes de difamação e de condução em estado de embriaguez, tendo a última condenação pela prática do crime de difamação transitado em julgado em 28.06.2010.

Factos não provados.

O cartão andante não funcionou devido a falha do equipamento

O arguido B… conscientemente não impediu a publicação da notícia em causa, agindo com plena consciência de que essa conduta era proibida e punida por lei.

A notícia em causa foi publicada com o conhecimento e sem oposição do director da publicação.

O pedido de demissão dos U… foi publicado pelo G….

A mãe do assistente tomou conhecimento da notícia.

O G… quis entrar em contacto com o assistente através do jornalista L…, tendo aquele recusado, afirmando que a única declaração que iria prestar seria através do direito de resposta.

Motivação.

O tribunal formou a convicção com base na prova produzida em julgamento, analisada de forma conjugada e crítica à luz das regras da experiência comum.
Assim…
A descrição sobre o ocorrido no dia 13.09.2011 resultou da conjugação das declarações do assistente com os depoimentos das testemunhas W…, X… e Y…, H… e Z…, as primeiras S… e S2…, ao tempo no e junto do extinto tribunal judicial da comarca de Matosinhos, o penúltimo fiscal da J…, ao tempo dos factos a exercer funções no I…, e o último agente da PSP.
O assistente descreveu todo o percurso efectuado e abordagem com os fiscais nos termos descritos nos factos provados. Por seu turno, a testemunha H…, igualmente descreveu um comportamento adequado pelo assistente na abordagem que este lhes fez dizendo que não conseguia validar o bilhete, não se tendo apercebido de qualquer exaltação por parte deste, nem o tendo ouvido dizer designadamente «Não sabe com quem se está a meter» nem a expressão «merda». Neste contexto, a testemunha K…, igualmente fiscal da J… que se encontrava acompanhado da testemunha H…, acabou fragilizado, não merecendo credibilidade porque não só se mostrou desacompanhado de outro depoimento, mas porque foi mesmo contrariado por este – é que, diversamente deste, a testemunha K… procurou transmitir durante o seu depoimento um estado de exaltação do assistente desde que entrou na estação de …, referindo que logo que entrou na estação de … o assistente se dirigiu ao colega dizendo «isto é uma merda, vocês arranjem a merda das máquinas, veja lá que tenho viagens no andante e não consigo validar as viagens da merda do andante».
As testemunhas W…, X… e Y… confirmaram ainda os contactos que no momento foram feitos pelo assistente, procurando saber o contacto da polícia. Disseram que lhes foi esclarecido pelo assistente que a pretensão de contacto com a polícia se prendia com o facto de lhe ter sido retido o bilhete de identidade. Estes depoimentos emprestaram consistência ao referido pelo assistente de que contactou com a polícia.
A testemunha Z… confirmou ter-se deslocado ao local e ter elaborado a participação, conforme consta de fls. 212/3 e esclareceu que em momento algum o assistente foi conduzido à esquadra – certo também que do referido auto não consta qualquer deslocação nesse sentido, sendo o referido pelo arguido D… para justificar a notícia da deslocação pouco consistente (com efeito, sendo a participação descritiva no decurso da intervenção policial em parte alguma se diz que os intervenientes se deslocaram à esquadra, mostrando-se precipitada e carecida de objectividade qualquer interpretação nesse sentido da expressão «de referir que o F… abandonou o local da ocorrência pelas 18h15 e esta policia pelas 18h30.».
Por fim, no que a esta matéria tange considerou-se o teor dos documentos de fls. 19 e 20 (cópia dos talões de aquisição de viagens) documento de fls. 12 – participação feita pelo assistente à administração da I… logo no dia 21 de Setembro, onde pelo mesmo é relatado, conforme referiu em julgamento o decurso dos acontecimentos, participação esta recebida por tal entidade conforme consta de fls. 278 a 280 (documentos confirmados pela testemunha AB… (à data presidente do conselho de administração da I…).
A integralidade da notícia publicada (artigo e caixas) e resposta constam de fls. 308 e 11, respectivamente.
O assistente esclareceu ainda sobre o modo como tomou conhecimento da notícia e sobre as implicações e repercussões que a notícia teve quer a nível pessoal, quer a nível social e profissional (referindo os contactos a que teve de ser sujeito quer pelo Conselho Superior de Magistratura quer pela DGAJ em função do pedido de exoneração das funções do assistente em face da publicação do G… (conforme documento de fls. 164).
A testemunha AC…, advogado na extinta comarca de Matosinhos, confirmou ter sido quem comunicou ao assistente a publicação da notícia.
Sobre a consideração do assistente e a repercussão da publicação da notícia e consequências respectivas depuseram ainda as testemunhas X…, AE…, S…, AF… que trabalhou no lar onde se encontrava a mãe do assistente, AG…, ao tempo secretário do M…, AH…, AI…, AJ…, AK…, juízes de direito, AL…, secretária … e inspectora do M…, AM…, jurista da Câmara Municipal de …, e AN…, inspector do M…. Importa concretizar quanto a esta matéria e mais especificamente quanto à imagem e suspeita criada sobre o assistente, que apesar de as testemunhas inquiridas na sua generalidade terem referido que a credibilidade e imagem daquele não ficou para si afectada, o certo é que, face ao teor do artigo, se mostra seguro que para quem não se relaciona com aquele restará sempre pelo menos a dúvida sobre o labéu imputado, do que, de resto, é significativo o pedido de exoneração do assistente. O assistente confirmou ainda envio da comunicação com o esclarecimento sobre o ocorrido.
A testemunha AO…, S3…, presidente do M… ao tempo dos factos confirmou o envio do ofício do U… para exoneração do assistente das suas funções de vice-presidente do órgão.
Os arguidos e as testemunhas K…, O… e L…, ao tempo dos factos, respectivamente director adjunto, sub - director e jornalista do G… prestaram declarações e depuseram no sentido de esclarecer as concretas competências no momento do arguido B… e modo de distribuição do serviço, designadamente quanto ao fecho da edição – referindo que em cada semana havia um responsável diferente pelo fecho da edição e que ao arguido B… apenas era dado conhecimento prévio de notícias relevantes, designadamente das constantes da primeira página (o que não era o caso). Neste contexto o arguido B… esclareceu que, apesar das atribuições que legalmente são atribuídas ao director do jornal, no caso concreto, como em todos os casos que não são de primeira página, não tomou conhecimento da notícia. É assim, que, apesar de ser possível presumir, face ao que consta da Lei de imprensa quanto a competências do director, que o mesmo tem conhecimento de todas as notícias publicadas, não havendo razões para colocar em causa o depoimento das testemunhas quanto a tal matéria, se considerou como não provado tal conhecimento e provado o desconhecimento no caso concreto pelo arguido B….
Os arguidos C… e D… e a testemunha K… esclareceram as diligências que foram efectuadas antes da publicação da notícia, referindo que foi o segundo arguido quem trouxe a notícia, veiculada pela testemunha Q…, inspector - chefe reformado da polícia judiciária que disse dela ter tido conhecimento no tribunal através de um conjunto de elemento que aí se encontravam reunidos e lhe transmitiram o sucedido no I…, e que depois contactou por três vezes uma pessoa que lhe forneceu a participação. Confirmaram ainda, como também o disse o assistente, que este não foi ouvido quanto ao teor da notícia (esclarecendo que no seu entender o contraditório estaria assegurado pelo facto de com base na participação constarem as versões de todos os intervenientes). Por fim, com relevância, disseram que o autor da notícia foi o arguido D…, sendo o arguido C… o responsável pela secção, assinando com aquele, como resulta dela, a notícia e que o título era obtido depois de discutido.
Os arguidos prestaram declarações sobre as respectivas situações pessoais e os certificados de registo criminal constam dos autos.
Os factos não provados mereceram resposta negativa não só em função do que da apreciação supra resulta, mas também na ausência de prova nesse sentido.
*
Enquadramento jurídico - penal.

Aos arguidos encontra-se imputada a prática de um crime de difamação, p.p. pelos arts. 180.º e 183.º do CP.
Constituem elementos típicos objectivos dos crimes de difamação (como de injúria) a formulação de juízos ou a imputação de factos, ofensivos da honra ou consideração dirigidos a outrem.
Com esta incriminação dá-se protecção à honra, que, no dizer de Muñoz Conde (Derecho Penal - Parte Especial, 6.ª ed., Sevilha, 1985, p. 95), «é um dos bens jurídicos mais subtis e mais difíceis de apreender do ponto de vista jurídico - penal».
Actualmente predomina a concepção normativa da honra, de acordo com a qual esta é um elemento intrínseco da pessoa humana, aparecendo o seu conteúdo vinculado ao cumprimento de valores éticos. Directamente envolvido neste tema, o art. 26.º da Constituição da República consagra, entre outros direitos da personalidade, o direito ao bom nome e reputação, corolário lógico de outro valor constitucional nuclear - a dignidade da pessoa humana (art. 1.º da Constituição da República). Aí se reconhece o valor eminente do homem enquanto pessoa como ser autónomo, livre e (socialmente) responsável (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, ps. 106 e ss.).
Consequentemente, os crimes de difamação, em particular, consumam-se quando a imputação é compreendida pelo destinatário. É nesse momento que se viola uma pretensão de respeito pela dignidade devida à pessoa humana em todas as suas vertentes, daí que também se exija uma avaliação casuística sobre se a imputação é adequada a diminuir o visado.
É também este critério do destinatário que nos permite concluir que está em causa a honra subjectiva – desde que o visado compreende que numa declaração a terceiro lhe estão/ou foram imputados factos ou formulados sobre si juízos de valor susceptíveis de ofender a sua honra e consideração, então, independentemente de quem mais compreendeu a declaração, tem-se por violada a sua pretensão de respeito.
Podem ser vários os processos executivos do tipo legal em causa: i) a imputação de um facto ofensivo, ainda que sob a forma de suspeita; ii) a formulação de um juízo de valor; e iii) a reprodução de uma imputação ou de um juízo susceptíveis de ofender a honra de outrem (cfr. Leal Henriques - Simas Santos, Código Penal Anotado, II, 2.ª ed., Lisboa, 1997, p. 317).
Pressuposto é que a imputação do facto ou a formulação do juízo de valor atinja o ofendido como destinatário. É através do critério do destinatário que se distingue a difamação da injúria, na medida em que aquela se verifica quando alguém «dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo ofensivos da sua honra ou consideração» ( art. 180.º).
Facto é qualquer acontecimento, evento ou situação, passada ou presente, susceptível de ser objecto de prova. A sua afirmação pode estar condensada, consistindo numa simples frase do género «A. é ladrão» ou aparecer ligada a um conceito normativo (v.g., «B. roubou-me»), desde que a valoração ainda permita que se reconheça a relação com o facto (a situação, o acontecimento) afirmado (Augusto Silva Dias, Alguns Aspectos jurídicos dos Crimes de Difamação e Injúrias, em Materiais para o Estudo da Parte Especial do Direito Penal - Estudos Monográficos: 3, Revista da AAFDUL, 1989, p. 15). O juízo de valor, por seu turno, analisa-se numa apreciação pessoal sobre o carácter da vítima (ainda que alicerçada em determinados factos quando a vertente valorativa seja prevalente).
E esta distinção não é irrelevante. Vejamos.
O n.º 2 do art. 180.º do Código Penal contempla casos de não punibilidade da conduta típica. Diz-se ali que não é punível a conduta desde que a imputação seja feita para realizar interesses legítimos e o agente prove a verdade da mesma imputação ou tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira (inexistindo boa - fé quando se omitem os cuidados de informação acerca da verdade da imputação – n.º 4).
Como resulta do teor dos referidos textos estas causas de exclusão da punibilidade aplicam-se apenas quando se trate de factos – apenas os factos se imputam; os juízos de valor formulam-se.
Ao nível do elemento subjectivo o tipo em análise exige apenas o dolo genérico, ainda que na forma de dolo eventual – cfr. art. 14.º do Código Penal. O que significa que o preenchimento do tipo prescinde de qualquer específica intencionalidade de causar ofensa na honra ou consideração do terceiro, bastando-se com a simples consciência de que tal acontece ou pode acontecer.
Posto isto, e antes de avançarmos na especificidade do crime pela circunstância de os factos terem sido praticados através da comunicação social nos termos do art. 183.º, n.º 2, do Código Penal, vejamos se a expressão contida no título do artigo de desenvolvimento (parte da notícia em que concretamente é imputado um facto ao assistente, é ou não atentatória da honra e consideração do assistente (independentemente do próprio corpo do artigo (onde, em desenvolvimento se faz menção das citações dos intervenientes, além da referência feita sem recurso a citações a mandados de detenção)
Diz-se no mencionado título «S… recusa validar bilhete de I… e acaba na esquadra».
O acto de recusa de validação de bilhete de I…, não pode deixar de constituir a imputação ao assistente da intenção de circular no I… sem pagar a respectiva viagem – não validar o bilhete para uma viagem que se efectua significa circular no meio de transporte sem pagar. Tal constitui a imputação, não só de um acto desonesto, mas mesmo de um acto ilícito. E esta natureza do acto imputado surge acentuada pela parte final do título «e acaba na esquadra» – é que esta expressão (em que se faz referência a um órgão de polícia), à luz de um leitor mediano, confere força à imagem de ilicitude do acto. E se esta imputação se apresenta como atentatória da honra e consideração de outrém, mais grave o será quando imputada a um S… (aquele que tem por incumbência, além do mais, o julgamento da prática de actos ilícitos).
Vale isto por dizer, à luz do que acima se disse, que neste título se imputa ao assistente (identificado concretamente na notícia) a prática de factos que atingem a sua honra e consideração – na medida em que atinge a consideração que os outros podem ter de si (traduzindo desde logo o título da notícia, como resulta nos termos sobreditos, um ataque directo à pessoa do assistente e permite que sobre ele se forme uma opinião desfavorável).
Vejamos agora se o facto em causa – imputação constante do título – pode não ser punível, nos termos do já mencionado n.º 2 do art. 180.º do Código Penal, tendo em consideração ainda que a imputação foi feita através de um meio de comunicação social. É que o tipo de ilícito assim apreendido assume contornos específicos quando, como no caso, está em causa a difamação cometida através de meios de comunicação social – concretamente através de um jornal diário de grande tiragem a nível nacional e de maior incidência na região norte do país.
Sobre o direito e liberdade de expressão dispõe o art. 37.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), de acordo com o qual:
«1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente nos termos da lei».
Especificamente, sobre a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, o art. 38.º da CRP dispõe que:
«1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;
b) o direito dos jornalistas, nos termos da lei, aos acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção.;
(…)».

Também o legislador ordinário consagrou o direito à liberdade de imprensa através da Lei de imprensa (Lei 2/99, de 13.01).
Dispõe esta no art. 1.º que:
«1. É garantida a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei.
2 - A liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
3 - O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.»
E o n.º 2 que:
«1 - A liberdade de imprensa implica: a) O reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente os referidos no artigo 22.º da presente lei;
(…)»
Sendo que o art. 22.º define como direitos fundamentais dos jornalista:
«a) A liberdade de expressão e de criação;
b) A liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respectiva protecção;
c) O direito ao sigilo profissional;
d) A garantia de independência e da cláusula de consciência;
e) O direito de participação na orientação do respectivo órgão de informação.».
Ao nível comunitário o direito à liberdade de expressão encontra-se consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Posto isto, retomemos o artigo e o respectivo título, aqui em causa.
Tendo em consideração o que antes se disse a propósito da gravidade da imputação, cremos que, a ser verdadeira, a sua divulgação constituiria a realização de um interesse legítimo. Pese embora o S… não seja um homem público, não deixa de ser visto, à luz dos demais, como alguém de quem se exige um acrescido dever de respeito perante o dever - ser e perante as normas que regem a vida em sociedade – e a demonstração perante o público (em plena crise do judiciário) de que uma determinada pessoa com tal acrescido dever afinal o não tem em consideração não pode deixar de constituir a realização de um interesse legítimo (o tal dever de informar consagrado nas normas antes citadas).
Vejamos agora se está verificado o segundo requisito exigido para exclusão da punibilidade – veracidade da imputação ou existência de fundamento para, em boa fé, a reputar de verdadeira.
E quanto a este cremos, contrariamente ao primeiro, que não se mostra verificado.
Consta do título da notícia «S… recusa validar bilhete de I… e acaba na esquadra».
No primeiro período do título o conceito chave é o de recusa de validação, utilizado singularmente – este conceito pressupõe que o utilizador do I… (no caso, um S…) recusou cumprir com as regras de utilização deste meio de transporte tout court, designadamente a de validar (pagar) a viagem.
Ora, como resulta da matéria de facto, tal não corresponde à verdade. O assistente procurou por 3 vezes validar o bilhete do I…, tendo inclusivamente solicitado ao fiscal que verificasse o título e percebesse o que se passava. Não se tratou, pois, de uma recusa de validação do título.
Como este, também o 2.º período do título não corresponde à verdade, pois que nunca o assistente foi conduzido à esquadra.
Dito isto, teriam os responsáveis pelo artigo e respectivo título razões para em boa fé reputar os factos deste constante como verdadeiros?
Quanto a este aspecto e posto que em julgamento nada mais relevante se apurou, passar-se-á a citar o excerto do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto na fase de instrução, para, como no mesmo, se concluir que não existia qualquer fundamento para se considerar a imputação como verdadeira.
Diz-se, então, no acórdão:
«Mas como a verdade é “algo” muito complicado e difícil de alcançar e existem muitas “verdades”, consoante o fim ou o método (desde a verdade judiciária à histórica e assim também a jornalística - cfr. Ac RP de 10/10/2012, in www.dgsi.pt que considera: “II – O conceito de “verdade jornalística” não tem que se traduzir numa verdade absoluta, pois, o que importa em definitivo é que a imprensa não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente.”), em face do dever de informação ou de esclarecimento que está subjacente à actividade jornalística, a cujas regras (legis artis) ou normas deve obedecer, o legislador permite (equiparando) que a acção esteja justificada e a conduta não punível se o seu autor tiver cumprido essas regras na averiguação dos factos, que em face dos deveres de cuidado que geram o levaram a aceitar como boa a informação que explanou no artigo que publicou.

Mas para isso, e não provando o verdade dos factos que noticia, a lei justifica a sua conduta desde que o seu autor tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
Para que tal aconteça, importa que o jornalista se convença objectivamente de que os factos são verdade, o que tem a ver e por isso é sindicável com a observâncias dos deveres legais e das regras da arte e em geral com o código deontológico, sendo que não há boa fé “quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação” (nº 4 do artº 180º CP), o que se prende assim com o dever de investigação do facto (recolha de informações e fontes, e com o dever de “…antes da imputação de factos desonrosos a alguém identificado na noticia se dê possibilidade ao visado de apresentar a sua própria versão dos factos” Comentário cit. pág. 623;
Ou como refere ainda P. Pinto Albuquerque, Comentário cit. pág. 497 “ A prova da verdade dos factos pode ser substituída pela prova da boa fé do agente para reputar o facto como verdadeiro (…). A boa fé tem uma vertente subjectiva (convicção da verdade dos factos), mas tem uma dimensão objectiva, concretizada pelo cumprimento pelo agente das regras profissionais para obtenção da informação (o chamado “dever de esclarecimento”) de acordo com as características do caso concreto. Entre essas regras encontra-se o dever de ouvir a pessoa visada, desde que ela esteja em condições de se pronunciar sobre o facto que lhe é imputado…”
Do mesmo modo Costa Andrade ensina que para que se possa validar a convicção do jornalista e reputar como verdadeira a noticia importa que o jornalista tenha feito tudo o que era possível para averiguar os factos, tenha observado os deveres de cuidado que lhe são exigíveis nessa actividade e no caso concreto, por estar em causa uma ofensa à honra, e tenha cumprido as regras da arte (“legis artis” do jornalista, e nesse acervo global se incluem os deveres deontológicos do jornalismo. Só cumpridas todas essas normas e regras se pode chegar á conclusão que o jornalista podia ter a convicção de que o que relatava era verdadeiro (e como tal o reputava).

Ora e desde logo este último dever (ouvir a pessoa visada) não foi cumprido (nem pelos vistos e conscientemente tentado), pois a pessoa visada e identificada nunca foi ouvida pelos jornalistas, nem contactada facto que eles admitem em instrução, e por isso não tem qualquer interesse para o feito que tenham procurado contactar depois de sair a noticia, sendo destituído de sentido esse contacto se com vista a ouvir do visado a sua versão, ou considerar que foi satisfeito o contraditório porque “ descreveu ambas as versões dos factos”, quando nem isso é verdade e nunca dispensaria a observância daquela regra essencial. Assim de acordo com as regras da profissão, insertas desde logo na lei 1/99 de 13/1 (e Lei 64/2007 de 6/11) Estatuto do jornalista um dos seus deveres é o de “informar com rigor … rejeitando o sensacionalismo” – artº 14º1ª), o que se não mostra de todo observado, desde logo face ao titulo do artigo, face ao seu carácter apelativo e sensacionalista que pouco ou nada tem a ver com o texto, devendo ser lembrado que “os títulos possuem uma acrescida eficácia corrosiva” e que “deve reconhecer-se autonomia aos títulos e subtítulos em termos de preenchimento dos crimes contra a honra” Comentário cit. págs. 620 e 621, o que no caso ocorre;

Deve por outro lado “procurar a diversificação das suas fontes de informação…” artº 14º 1e) Estatuto do Jornalista (EJ). Ora quanto a esta matéria, é manifesto que esse dever não foi cumprido.

Desde logo parte de “uns zuns zuns” que qua tale não são fonte nem como tal pode ser considerado, pois nada diz do que seja, tal como se expressa o depoimento de O… que terá contactado o arguido D…, limitando-se a isso e como tal não constitui fonte de informação (ou seja) do facto.

Se o seu contacto foi como alega no RAI uma funcionária judicial e o acesso que lhe foi facultado com cópia da participação da PSP, então ele é manifestamente insuficiente, pois não só não existiu diversificação das fontes, como se mostra contraditória nos factos.
Nenhuma delas (fontes) é pelos vistos directa, a funcionária não presenciou os factos, pelo que não os pode relatar, não sendo fonte dos factos e o conhecimento desta resume-se afinal ao conhecimento da participação enviada pela PSP ao tribunal (a que teve acesso a funcionária e por via dela o jornalista) e que é a mesma entregue ao jornalista e sendo aquela a fonte de ambos, dela (participação) não resulta a recusa de validação do bilhete, nem a condução à esquadra ou detenção, nem a recusa a fornecer a morada) pelo que tudo se traduz numa única e exclusiva fonte: a participação da PSP (sendo a funcionária mero meio de acesso à fonte).

Dizer-se como alega que a funcionária foi contactada mais duas vezes telefonicamente (por outro jornalista e com outro jornalista a ouvir em alta voz - como alegam no RAI) não a transforma em mais fonte de informação, nem a torna mais válida, antes transforma esse acto em mero meio de prova de que o jornalista teria cumprido o seu dever de esclarecimento (tinha uma testemunha que a ouviu falar telefonicamente com ela (fonte), mas sem este saber quem era afinal).

Pena que não se saiba que funcionária é essa (e não tenha sido ouvida, tal como se ouviu o funcionário da PJ - do auto de inquirição não consta tal qualidade) e muito menos as suas funções e categoria para aquilatar da seriedade e credibilidade dessa fonte e se não houve afinal violação de deveres funcionais que por essa via podem abalar a seriedade da fonte (por não ser leal e de “fiar” como é costume dizer-se) e para se poder afinal aquilatar de que, como refere o despacho recorrido “O jornalista deve, pois, utilizar fontes sérias, dignas de confiança e assegurar-se antes da publicação, da seriedade da noticia que pretende publicar”
Mas como a fonte é sempre a mesma, não passamos de uma única e exclusiva fonte de informação.

Foi omitido por isso o dever de diversificar as fontes, e que eram bem fáceis de obter, pois em presença da participação da PSP que identificava os directos intervenientes podiam contactá-los eles sim fonte directa de informação, mas se não quisessem ouvir os intervenientes e porque os factos se referiam ao G… e ao levantamento de autos de contra - ordenação, bastava contactar a G…, que como se vê dos documentos que requereram com a abertura da instrução estavam de posse de todos os dados relevantes conforme se demonstra dos documentos juntos a fls. 315 e ss, tal como podiam se quisessem contactar os agentes da PSP que tomaram conta da ocorrência, tal como foram agora ouvidos na instrução, e certamente pelo menos do que ocorreu na sua presença tinham um conhecimento directo, embora o mais fosse um conhecimento indirecto.

Nada disso fizeram.
E essa fonte (única consultada) não permite a notícia tal como foi veiculada (nem no titulo nem no texto).

Impõe o mesmo artº 14º1 e) como seu dever “…e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem”, pelo que sendo visado com a noticia o S… que identificam deviam ouvir o mesmo, o que nunca fizeram nem se preocuparam em fazer antes de publicar a noticia (única que interessa), e sendo este o único com verdadeiro interesse e único visado, até porque no texto da noticia existe a preocupação de transcrevendo frases ou expressões que são atribuídas ao assistente e que seriam reveladoras de uma atitude incorrecta, não transcrevem outras que dela constam mas que poderiam por em causa a seriedade dos fiscais e imediatamente a seguir àquelas como seja “o gajo está a combinar com o colega o que vão dizer, mas eu estou-me a marimbar ….” o que manifesta ser o S… a pessoa visada e por isso o que tinha maior interesse em ser ouvido, e não foi sendo incumprido esse dever;
Tal como aliás na noticia apenas se preocupam com o facto relativo à morada do magistrado (para dizer que também à policia se recusou a fornecer a morada quando não é verdade) que indica o Tribunal de Matosinhos, esquecendo que esta é uma morada ou domicilio profissional (domicilio legal: imposto por lei às pessoas que exercem funções publicas - artº 87º CC) e tão válido como o local de residência, mas que no caso assume até maior relevância, por constituir domicilio necessário, pois em conformidade com o disposto no artº8º do EMJ ( lei 21/85 de 30/7 “Os magistrados judiciais têm domicilio necessário na sede do juízo onde exercem funções…”, como não apenas os agentes da I… sabem, mas também o sabem os Srs. jornalistas (pois não concebemos que ignorem) que até neste processo ao serem ouvidos (como se vê dos respectivos autos) indicaram como seu domicilio o seu domicilio profissional (que também é legal – artº83º CC); Assim ao não aceitar o domicilio indicado pelo S… como Tribunal de Matosinhos, os agentes fiscalizadores procederam mal (pois é tão válido um domicilio como o outro), e especificamente os Srs. agentes da I… indicaram também nestes autos o seu domicilio profissional, donde importaria perguntar se o domicilio profissional é válido para um processo judicial e criminal não o será também para um processo contraordenacional, cuja infracção é menos grave? sabendo já o agente que se tratava de um S… e que tinha como domicilio profissional o tribunal? e mais como domicilio necessário por imposição legal ? e quando o agente da I… autuante indica no auto que lavrou apenas como local de serviço “G…”? (fls. 318); tal como omitiram o facto de o agente da I… ao ser-lhe pedida a identificação remete para o seu cartão (afixado ou não no casaco) que é manifestamente insuficiente, pois dele não constam quaisquer dados a não ser o nome e nº; Mas e de um modo geral podemos dizer que esse dever foi totalmente incumprido pois nunca houve a preocupação de ouvir quem quer que fosse dos intervenientes, incumprindo por isso também o artº 1º do Código Deontológico que estabelece que “… Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesse atendíveis no caso”.

Quer-nos por isso parecer que do confronto com a própria fonte documental e dos documentos relativos à situação entregues pela G… nestes autos, que o sentimento que se extrai é o de que se fosse observado o dever de audição dos interessados, não haveria noticia pois esta ficaria sem interesse para os leitores (que não poderiam verberar contra o visado ou a profissão que exercia), pois não traria qualquer sensacionalismo, e o mesmo aconteceria se tivesse em conta a parte da participação onde se descrevem todas as vezes que tentou validar o bilhete G1… (tendo-se ficado pela “ meia verdade”), mais a mais se se viesse a apurar que o próprio S… telefonou a pedir a intervenção da PSP (o que ainda não está apurado inequivocamente dos autos, pois inequívoco é de que pediu e lhe foi fornecido o nº da PSP);
Assim o modo de proceder no caso, não se compadece com o, indicado na decisão recorrida, “enorme cuidado no tratamento e publicação de noticias” que impende sobre os jornalistas e a imprensa;

Além disso, de todos os jornalistas não pode deixar de ser conhecido até porque de uma regra de boa fé, bom senso e civilidade e de observância do dever de cuidado que se sobre ele impende, se trata e se traduz em “quanto mais séria e grave for a informação veiculada pelo jornalista, mais cautela ele deve ter na pesquisa e transmissão da informação, sobretudo quando se trate da imputação de factos criminosos ou ilegais” Cfr. P. Pinto Albuquerque, Comentário Cód Penal, UCP, 2ª ed. 2010, pág. 565 e ss, seguindo jurisprudência do TEDH, e sendo dirigida a uma identificada pessoa, não pode ser omitida a sua audição, constituindo esta uma regra deontológica e um dever legal essencial, e um principio fundamental e impostergável numa sociedade democrática, para a qual deve concorrer a comunicação social e por isso lhe reconhece o TEDH tão larga margem de actuação;

Impõe ainda por outro lado o artº 14º1 f) do EJ o dever de “Identificar … as suas fontes de informação…” e, além disso ainda lhe é imposto o dever de “ abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência” - artº 14º 2 c) EJ, e artº 2 º e 7 do Código Deontológico do jornalista, que considera a acusação sem provas como “grave falta profissional.”

Ora não há dúvida que é imputado à pessoa visada uma ilícito no mínimo contra - ordenacional (que é referenciado expressamente no texto) e no máximo o crime de injurias que é referenciado no final do texto;

Se quanto a este se diz que “não é conhecido o seguimento dado ao caso” já quanto àquela nada se diz, sendo que em momento algum se refere à decisão quanto à contra - ordenação, ficando no ar no mínimo a suspeita da sua prática, quando essa questão se cumprido fosse o dever de esclarecimento como lhe é imposto pelo menos através da G… saberia o resultado.

Do mesmo modo lendo a noticia pareceria que as fontes de informação são identificadas, pois começando por se referir “ao relato efectuado pelos funcionários do G… às autoridades”, “Segundo os seguranças L… e J…” “Segundo os funcionários do G…”, “Já á PSP”, “O S1… acusa” donde resultaria uma enormidade de fontes, quando afinal foi usada apenas uma: a participação da ocorrência elaborada pela PSP, e ao fazê-lo só podem ter visado levar os ouvintes a pensar que a informação foi obtida com observância das regras deontológica e legais ouvindo todos os interessados, sendo certo que nunca identificou afinal a que seria a fonte meio da notícia: a que forneceu o documento;
O facto de a Policia ter para elaborar a participação ouvido os intervenientes (dando no final a sua - da policia - versão dos factos - não como ocorreram mas como os apurou ou interpretou) não dispensa nem supre que o jornalista para elaborar a sua noticia ouça, como lhe compete os intervenientes e aí apurar a sua - do jornalista - versão dos factos.

À polícia não compete exercer as funções do jornalista.

Donde mostram-se incumprido também tais deveres;

E dessa forma incumpridas as regras da arte do jornalista, e se não cumpriram as regras relativas ao dever de esclarecimento ou dever de informação que sobre eles impende, nem observaram os deveres de cuidado que a situação exigia e eram possíveis, não existe boa fé, e inexistindo boa fé, não há fundamento sério para reputar o relato como verdadeiro.

Faz sentido por isso referenciar o que se decidiu no ac. desta Relação de 12/2/2014 www.dgsi.pt/jtrp “I – A lei não pune o uso de expressões difamatórias quando estas são proferidas prosseguindo interesses legítimos e o agente prove a verdade das mesmas, ou creia de boa - fé na sua veracidade [art. 180.º, n.º 2, do Cód. Penal].
II – Para que haja uma crença justificada na verdade dos factos e boa-fé é necessário que a convicção do agente decorra de uma busca de provas minimamente objetiva (investigação jornalística) para, de acordo com as regras da experiência comum, ficar convencido da verdade do que escreve.”

Ao contrário do que se alega no despacho recorrido de que a expressão “acaba na esquadra” resulta de uma leitura precipitada do auto da PSP e de que nada tem de injuriosa, não se mostra correcta, o que escorando-se nas conclusões dos arguidos no debate instrutório agora é reafirmado na resposta.

É que sobre o jornalista impende o dever expresso mais uma vez no artº 1 do Código Deontológico de “relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade”.

E não só não os relata com rigor e honestidade como não os interpreta dessa forma. O que consta do auto “ sua fonte “é que:

No inicio do auto: “De serviço de Patrulhamento à área de …, a mando da I1… adstrita a este comando, desloquei-me ao local de ocorrência onde havia noticia de um individuo para identificar.

No local apresentou-se o fiscal nº ….” No final do auto: “De referir que o E… abandonou o local de ocorrência pelas 18H15 e esta Policia às 18H30” (sublinhados nossos);

Nada permite a interpretação de que o E… foi para a esquadra da Policia, pois só há um local: “o da ocorrência”.

Tudo se conjuga é antes para dar sentido à noticia de que “Também perante os policias o magistrado terá recusado fornecer a sua morada para colocar no auto de detenção, e, por isso, acabou por ser conduzido à esquadra de Matosinhos” factos estes que não constam da participação nem de forma alguma são insinuados nela, mas pura invenção e de modo nenhum se podem extrair do auto quer no inicio quer no fim, pois nunca houve detenção até porque bem sabe a policia que se tivesse ocorrido a detenção tal teria de ficar escrito (facto que os jornalistas não podem de modo algum ignorar, e se porventura essa ignorância ocorresse cumprido que fosse o dever de esclarecimento, não incorreriam em erro). Para já não falar no estatuto dos magistrados quanto a este ponto.

Não há por isso má interpretação do auto (que não é consentida) nem erro desculpável, há sim é falta de cumprimento do dever de esclarecimento e violação do Código Deontológico na parte citada;

Ou seja se já o auto não traduz mais do que uma percepção subjectiva de quem o redige (o agente policial) e assim faz o seu juízo, não pode mais permitir-se que seja mal interpretado, fazendo constar da noticia o que não consta do auto ou subvertendo o seu sentido, como seja omitir toda a parte que ali se descreve (fls. 3) como tendo sido a conduta do assistente nas várias tentativas de validação do bilhete, e afinal a noticia ser “recusa de validar o bilhete”.

Podemos assim concluir que os jornalistas não cumpriram com o seu dever de informação, violando as deveres legais e as regras deontológicas relativa à sua profissão, de acordo com os próprios parâmetros do TEDH “O tribunal adopta as regras deontológicas como padrão de avaliação jurídica da conduta dos jornalistas, como por exemplo o dever de investigar os factos e odever de ouvir previamente o visado sobre os factos (acórdão do TEDH Prager e Oberschlick de 26/4/1995 e acórdão Shabano v. e Tren v.Russia de 14/12/2006)” in P. Pinto Albuquerque, Comentário … ob. e loc. cit; e não ocorre a causa de exclusão da punição que o artº 180º 2 CP prevê; (…)»

Sendo certo que, como já constava no acórdão a propósito dos indícios na fase de instrução, nenhum elemento com conhecimento directo dos factos foi contactado (sendo as duas pessoas ouvidas pelo jornalistas «fontes indirectas» que relataram o que por terceiro ou documento lhes foi transmitido), não tendo sido igualmente ouvidos os visados, nenhum fundamento existia que permitisse aos responsáveis, no caso, pelo título da notícia, ter os factos dele constantes como verdadeiros – certo também que nem o teor da participação permitia concluir nos termos daquele constante, como resulta do excerto do acórdão citado e se adiantou já na motivação da matéria de facto mostra-se precipitada e com falta de qualquer objectividade a interpretação do auto no sentido de que o assistente se deslocou à esquadra, posto que daquele nada consta na descrição nesse sentido.
Posto isto…
Resultando também do conjunto dos normativos atinentes à liberdade de imprensa que a liberdade de expressão e de informação não são direitos absolutos ou ilimitados (maxime do art. 3.º da Lei de imprensa de acordo com o qual «a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática»), impõe-se a sua harmonização com do direito ao bom nome e consideração social das pessoas (certo que não existe hierarquização entre eles).
E no caso, resultando não ser verdadeira a imputação constante do título do artigo, nem haver fundamento sério para em boa fé assim a considerar, resulta não ser justificada a compressão do direito à honra e consideração do assistente, não havendo razão para excluir a punibilidade da conduta.
Verifiquemos, por fim, se os três arguidos podem ser responsabilizados pela ofensa cometida.
Dispõe o art. 31.º da Lei de imprensa que: «1 - Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras.
2 - Nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido.
3 - O director, o director - adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.»
Os arguidos C… e D… não podem, por isso, deixar de ser responsabilizados pela publicação, posto que foram o autor e responsável pelo artigo (constando na notícia os dois nomes.
Vejamos agora o arguido B… – director do periódico, a quem, nos termos do art. 20.º da mesma Lei de imprensa, compete, em especial, orientar, superintender e determinar o conteúdo das publicações.
Tendo-se como certo que a punição do director não depende do seu consentimento na publicação da notícia, entendemos, todavia, que depende do efectivo conhecimento da mesma – ou seja, designadamente por virtude de delegação de poderes, o facto de o arguido ter podido conhecer a notícia e não a ter efectivamente conhecido não permite a sua responsabilização a título de dolo (esta depende do prévio conhecimento da notícia), sendo que a negligência não é punida. Recaindo sobre o director o dever de agir, este dever depende do conhecimento efectivo da notícia e do seu carácter ofensivo, que no caso, não se provou.

No caso, não se tendo provado o conhecimento pelo arguido B… do teor da notícia (artigo e respectivo título), impõe-se sem necessidade de outras considerações, a sua absolvição.
*
Nos termos do disposto no art. 30.º, n.º 1, da Lei de imprensa, «A publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.»
Nos termos do art. 183.º, n.º 2, do Código Penal, se o crime for praticado através de meio de comunicação social o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
Prevendo-se em alternativa a pena privativa e a pena não privativa de liberdade, há que dar preferência à segunda, desde que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (arts. 70.º e 40.º do Código Penal).
No caso concreto, uma vez que se desconhecem antecedentes criminais, designadamente desta natureza, ao arguido C…, é de entender que a pena de multa se mostra suficiente para satisfazer os fins das sanções penais aplicáveis.
Já não assim quanto ao arguido D…, o qual apesar das condenações anteriores, designadamente, pela prática de crime de idêntica natureza em pena de prisão suspensa na execução, voltou a incorrer na prática de mais este crime.
Na determinação da medida da pena deverão ser atendidas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham favor do agente ou contra ele, de harmonia com os critérios contidos no art. 71.º do Código Penal.
Assim, atender-se-á ao conteúdo das imputações, às consequências da publicação, às exigências de prevenção geral que são elevadas neste tipo de criminalidade, atento o elevado número de condenações, e à culpa dos arguidos, que é igualmente média tendo em consideração o contexto em que actuaram.
Nestes termos, entendemos ser adequada e necessária a aplicação ao arguido C… de uma pena de 150 dias de multa pelo crime de difamação.
A taxa diária, a ser encontrada tendo em atenção a situação económica do arguido, fixa-se em € 9,00.
Quanto ao arguido D… reputa-se adequada a pena de 8 meses de prisão.
Nos termos do art. 50.º do Código Penal entende-se suspender a execução daquela pena de 8 meses de prisão pelo período de um ano, tendo em consideração a data da última condenação e a inserção profissional e familiar do arguido (sendo certo que, atenta a ineficácia das anteriores penas de multa, se entende que a substituição da prisão por multa ou trabalho a favor da comunidade não assegurará as finalidades da punição).
*
O art. 129.º do Código Penal estabelece que «a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil».
Também o art. 29.º, n.º 1, da Lei de imprensa estipula no seu n.º 1 que «na determinação das forma de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais».
A obrigação de indemnizar pressupõe a existência de um facto voluntário do agente, que infrinja objectivamente as regras disciplinadoras da vida social. Pressupõe ainda a imputação do facto ao lesante e que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano dela resultante (art. 483.º do Código Civil).
Quanto aos demandados C… e D…, enquanto autores e responsáveis pelo artigo e respectivo título, ao agirem do modo descrito, violaram, de modo ilícito, o direito ao bom nome e reputação dos demandantes (cfr. Diogo Leite de Campos, Lições de Direitos da Personalidade, Coimbra, 1995, ps. 111-112). Como se viu, daí resultaram danos para o demandante, sendo certo que entre estes e a conduta dos demandados mediou o necessário nexo de causalidade em termos tais que se pode afirmar que esta foi causa directa e necessária daqueles (cfr. art. 563.º do Cód. Civ.).
Vejamos agora a responsabilidade dos demandados B… e E…, SA.
Quanto ao primeiro começar-se-á por dizer que vale aqui a doutrina do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/99 (in DR I-A, de 03-08-1999) [Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art. 377.º, n.º 1, do CPP, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual]. Deste modo, apesar da absolvição pela prática do crime imputado, não fica excluída a responsabilidade civil do demandado B… decorrente da prática de eventual facto ilícito.
Como se disse já, nos termos do art. 20.º da Lei de imprensa, incumbe ao director da publicação, além do mais orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação. Esta competência permite-lhe opor-se a determinadas publicações, designadamente àquelas que venham a conter ofensa a direitos absolutos, sem que se justifique a sua compressão.
Tendo por base esta competência e dever legal, naturalmente que se o director se demite das suas funções (designadamente, permitindo que outrem as exerça),vindo a ocorrer a lesão do direito à honra e consideração em virtude da publicação de um determinado artigo, terá o mesmo de ser responsabilizado civilmente. É que, nos termos do disposto no art. 486.º do Cód. Civil «as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido».
Impõe-se, por isso, também a responsabilização do demandado B… pelos danos causados ao demandante: apesar de se ter provado que não conhecia o teor do artigo e respectivo título, o mesmo tinha a competência e o dever, atribuídos por lei, de o conhecer e de se opor à sua publicação (o que, não tendo acontecido, permitindo por omissão a sua publicação, gerou os danos que se consideraram provados.
Quanto à segunda, a sua responsabilidade emerge do disposto no art. 500.º do Cód. Civil. Diz-se neste dispositivo legal que: «1- Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar. 2- A responsabilidade do comitente só existe se o facto danos for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada».
Ora, no caso, sabe-se que os demais demandados, eram o director, o editor e jornalista da E…, SA., e que os mesmos no exercício das suas funções permitiram e publicaram, respectivamente o artigo em causa, tendo, por isso, actuado no âmbito da relação comitente/comissário.
Recaindo sobre os demais demandados a obrigação de indemnizar por factos praticados no exercício das suas funções, assumirá também a demandada E…, SA, a responsabilidade pelos danos causados.
Quanto aos danos importa, antes de mais, dizer que estes podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Seguindo a terminologia da Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, I, 9.ª Ed., Coimbra, 1996, ps. 622-623), os primeiros são «os prejuízos que sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária)», e os segundos são aqueles prejuízos que, «sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (...) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (...) do que uma indemnização.» Quer isto significar que a reparação do dano não patrimonial visa, em primeira linha, proporcionar, na medida do humanamente possível, uma compensação pelo sofrimento que foi causado.
No caso, importa apenas considerar os danos não patrimoniais, por terem sido os peticionados.
Quanto aos danos não patrimoniais, a lei manda atender apenas àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do C. Civ.), o que implica que a gravidade do dano se deve medir por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos  cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª Ed., Coimbra, 1987, p. 499 , embora se deva considerar que, como referem Garcia Blazques / Perez Piñeda (Manual de Medicina Legal para profesionales del Derecho, Granada, 1992, p. 334) «os efeitos que a lesão provoca num indivíduo são muito diversos, dependendo da natureza da própria lesão e do indivíduo. Perante agressões iguais, e inclusive lesões semelhantes, as reacções individuais são muito diversas.»
No caso, sabe-se que o demandante sofreu os danos descritos nos factos provados (que incluem a humilhação vergonha e preocupação, designadamente pela possibilidade de alastramento do conhecimento dos factos à sua mãe, e os transtornos profissionais e sociais que teve de ultrapassar – de elevada gravidade (designada e concretamente, atendendo à imagem do assistente no seio da classe, o pedido de exoneração do cargo de vice-presidente do M… e contacto promovido pelo CSM para apuramento dos factos).
Importa, portanto, fixar o quantum indemnizatório a atribuir como forma de compensar este dano. Este constituiu um dos problemas mais complicados que se levantam em sede de responsabilidade civil pois, como escreve Vela Torre (Criterios Legales y Judiciales para Cálculo de Indemnizaciones, em Cuadernos de Derecho Judicial — Responsabilidad Civil, Madrid, 1993, p. 228), «entronca com problemas culturais e éticos, relativos ao sofrimento humano, e assenta sobre bases extremamente movediças, pois o dinheiro dificilmente poderá substituir bens como a saúde ou a própria vida.»
Há que atentar no critério do art. 496.º, n.º 3, 1.ª parte: «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º» Nesta última disposição, por seu turno, ao dizer-se que «quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado as demais circunstâncias do caso o justifiquem», consagra-se uma ressalva ao critério geral fixado no art. 566.º, n.º 2.
No caso concreto, considerando a natureza dos danos sofridos, e as circunstâncias e o modo como ocorreram os factos, designadamente o facto de terem sido praticados através de meio de comunicação social de larga tiragem, entende-se adequada a indemnização de € 25 000,00 a suportar solidariamente por todos os demandados.
Ao montante fixado acrescem juros a contar da data da presente sentença, visto que aquele foi actualizado à presente data.
*
b) apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2].
Sublinhe-se também que aqui importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente relativamente a todos os recorrentes, à total revelia do consignado no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Antes disso, convirá apreciar as seguintes
Questão prévias.

1. Junção de documento.

Juntamente com o recurso interposto, a demandada cível “E…” e os arguidos B… e C… juntaram o documento que consta de fls. 1.277 a 1.279, intitulado de “EDITORIAL”, da autoria do Vice-Presidente do M… que foi substituir o aqui assistente naquelas funções, com vista a demonstrar que este último apenas abandonou tais funções cerca de um ano após o sucedido, pelo que o pedido de exoneração do cargo apresentado pelo N… não teve qualquer consequência, aspecto inserido no capítulo que dedicam à discussão do montante indemnizatório fixado.
Sucede, porém, que tal documento não poderá ser apreciado nesta instância, pois que a sua admissão implicaria exceder o âmbito do objecto submetido a recurso, à revelia da 1ª instância, que tal ignorava e, por isso, não o considerou na decisão ora sob censura. Ou seja, e tal como anotado pelo STJ, “…o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida”[3].
Assim sendo, o que temos como pacífico, não será atendido o referenciado documento junto aquando da interposição dos recursos em apreço, com o inerente prejuízo para a subjacente argumentação, sem prejuízo, claro está, da restante motivação aduzida a este propósito.

2. Despacho de fls. 1.388 a 1.393.

Conforme se anotou, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que elaborou, suscitou a questão prévia atinente ao facto de o referido despacho, através do qual o tribunal recorrido supriu as nulidades invocadas em sede de recurso, ter extravasado o poder de decisão, preconizando que, por se verificarem as omissões suscitadas, deveria declarar-se a sentença nula e os autos baixarem à 1ª instância para que seja proferida nova sentença, expurgada de tais nulidades, com o inerente prejuízo para as demais questões suscitadas em todos os recursos.
Já demos nota de que apenas o recorrente D… veio responder para sufragar o que consta de tal parecer, preconizando a sua procedência.

Apreciando.

Para uma melhor compreensão, e no que aqui importa reter, o referido despacho é do teor seguinte (transcrição):

Das nulidades e lapsos invocados pelos arguidos

1. O arguido D… disse em sede de recurso ter sido, como consta do dispositivo da sentença, condenado pela prática de um crime de difamação, p.p. pelo art. 180.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal numa pena de 8 meses de prisão suspensa na execução, o que constitui um ilegalidade porquanto a moldura penal de tal crime é de prisão até 6 meses.
Conforme resulta, quer da imputação feita na pronúncia, quer do teor da sentença, o crime porque o arguido foi submetido a julgamento e julgado foi o previsto no art. 183.º, n.º 2, do Código Penal (com referência ao art. 180º do mesmo diploma). Crime esse que é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias, como se refere na sentença na fase da escolha e determinação concreta da pena. A menção feita no dispositivo ao art. 180.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, constitui, por isso, um mero lapso de escrita que importa rectificar nos termos e ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, aI. b), do CPP.
Assim, procede-se à rectificação da sentença no sentido de, onde consta: «Condenar o arguido C… pela prática de um crime de difamação, p.p pelos arts. 180.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de C 9,00 (nove euros), no montante global de € 1 350,00 (mil trezentos e cinquenta euros).
Condenar o arguido D… pela prática de um crime de ditamação, p.p. pelos arts. 180.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano ( ... ).
Passe a constar:
«Condenar o arguido C… pela prática de um crime de difamação, p.p. pelos arts. 180.º e 183.º, n.º 2, do Código Penal na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de C 9,00 (nove euros), no montante global de C 1 350,00 (mil trezentos e cinquenta euros).
Condenar o arguido D… pela prática de um crime de difamação, p.p. pelos arts. 180.º, e 183.º, n.º 2, do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano.»
Notifique.

2.
Os arguidos AP… e AQ… invocaram a nulidade decorrente da falta de indicação sumária das conclusões da contestação no relatório da sentença.
Procedendo nos termos previstos nos arts. 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 414.º, n.º, 4, do mesmo diploma, entende-se manter nessa parte a sentença, por quanto do relatório respectivo consta a referência às conclusões da contestação (« ... ) concluindo pela respectiva absolvição»), sendo que estas, como consta da mencionada contestação a fls. 645, são: «A) São os arguidos inocentes. B) Não estão preenchidos o elementos típicos do crime pelo qual os arguidos vêm acusados. C) Pelo que devem ser absolvidos da prática do mesmo. Devem os demandados ser igualmente absolvidos do pedido. E) Sendo em todo o caso o pedido de indemnização civil formulado nos autos julgado por improcedente». A referência feita na sentença constitui, por isso, uma síntese de tais conclusões, nenhuma nulidade se verificando, por isso.

3.
A demandada E…, Publicações, SA, invocou a nulidade decorrente da falta de apreciação da matéria alegada na contestação respectiva relativamente à invocada prescrição, aduzindo ainda que, contrariamente ao que consta dos autos, se fez menção no relatório que a mesma não contestou.
Nesta parte assiste razão à demandante, impondo-se proceder nos termos do disposto nos arts. 380.º, n.º 1, aI. b), do Código de Processo Penal, 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e 414.º, n.", 4, do mesmo diploma, à rectificação e reparação da sentença nessa parte, porquanto se trata de matéria (prescrição (o demais foi apreciado)) sobre a qual o tribunal se devia ter pronunciado e não o fez, tendo-se feito constar indevidamente a falta de contestação.
Assim, procede-se à rectificação da sentença no sentido de, onde consta:
«O arguido D… e a demandada E…, Publicações, SA., não contestaram.»
Passe a constar:
«A Demandada E…, Publicações, SA, contestou, concluindo pela incompetência deste tribunal para o julgamento e pela prescrição do direito da assistente.
O arguido D… não contestou.».
Procede-se ainda à reparação da sentença, passando a conhecer-se da invocada prescrição do direito invocado pelo assistente, passando esta a fazer parte integrante da sentença.
A demandada E…, Publicações, SA, invocou a prescrição do direito à indemnização.
Disse que os factos que subjazem ao pedido ocorreram no dias 15.10.2011 e que apenas foi citada para contestar o pedido de indemnização civil em 19.02.2015.
Decidindo.
Nos termos do art. 498.º, n.º 1, do Código de Pocesso Civil o direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos, dispondo o art. 323.º, n.º 1, do Código Civil que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence. O n.º 2 deste preceito legal acrescenta que se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias.
Conforme resulta dos autos, os factos ocorreram em 15.10.2011, o pedido de indemnização civil foi formulado contra todos os demandados em 14.02.2013, tendo o processo, após a fase da instrução (com decisão instrutória e recurso) sido remetido para julgamento em 02.07.2014 (data em que, não existindo incidentes, deveria ter sido ordenada e efectuada a notificação para contestar o pedido de indemnização civil).
Conforme resulta dos autos, após a remessa ds autos à distribuição para julgamento foi suscitado o incidente de escusa e só após, em 3.·12.2014, foi ordenada a notificação para contestar o pedido de indemnização civil. Ainda, assim, tal só veio a acontecer em 19.02.2015, por lapso da secretaria (fls. 734).
Como resulta do exposto, a falta de notificação da demandada E…, Publicações, SA, não resulta de facto imputável ao demandante, sendo que o pedido de indemnização civil foi formulado dentro do prazo de 3 anos a que se refere o art. 498.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não tendo a notificação para contestar o pedido de indemnização civil ocorrido dentro do referido prazo por facto imputável ao demandante - antes a motivos de ordem processual.
Deste modo, e tendo em consideração o iterprocessual, tem-se a precsrição como interrompida 5 dias após o termo do prazo para o requerimento de abertura de instrução (acto que ocorreu em 08.04.2013).
De resto acompanhado a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.04.1979, citado no requerimento do demandante a fls 924, a própria constituição de assistente e dedução de acusação constituem expressão bastante da intenção do exercício do direito de pedir a indemnização - o que, ademais aconteceu nos próprios autos em que a demandada foi notificada, respectivamente em 07.12.2012 e 14.02.2013.
Julga-se, por isso, improcedente a excepção de prescrição invocada pela demandada E…, Publicações, SA.
Notifique.
*
4.
Os arguidos invocaram a nulidade decorrente da falta de indicação na matéria de facto provada dos factos referentes ao elemento subjectivo do tipo.
Nesta parte assiste igualmente razão aos arguidos no que respeita aos arguidos, impondo-se proceder nos termos do disposto nos 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e 414.º, n.º, 4, do mesmo diploma, à reparação da sentença nessa parte, porquanto se trata de matéria (factos constantes da acusação para que remete o despacho de pronúncia) sobre os quais o tribunal se devia ter expressamente pronunciado, considerando-os provados ou não provados em função da respectiva motivação, sendo que desta constam os fundamentos para a respectiva resposta positiva quanto aos arguidos C… e D… (elementos que permitem concluir que os arguidos C… e D… agiram com a vontade e conhecimento referidos na acusação) e que todo o enquadramento jurídico relativamente a estes foi efectuado com basse nessa resposta e para a resposta negativa quanto ao arguido B…, como também resulta da motivação e enquadramento jurídico.
Procede-se, pois, à reparação da sentença, passando a incluir-se na factualidade provada os seguintes factos que farão parte integrante dos factos provados da sentença.
Os arguidos C… e D… agiram livre e conscientemente, quiseram e conseguiram imputar ao assistente factos que bem sabiam serem ofensivos da honra e consideração do assistente, o que quiseram e conseguiram fazer através de um jornal de circulação nacional, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
E passando a incluir-se na factualidade não provada os seguintes factos que farão parte integrante dos factos provados da sentença
O arguido B… agiu livre e conscientemente, quis e conseguiu imputar ao assistente factos que bem sabia serem ofensivos da honra e consideração do assistente, o que quis e conseguiu fazer através de um jornal de circulação nacional, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

Visto o teor do despacho, e analisando-o, deverá adiantar-se que na parte que respeita a correcção ou rectificação de meros lapsos nada obstava à sua prolação, a coberto da disciplina contida no artigo 380º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal, com referência ao preceituado no arrigo 249º, este do Código Civil.
Assim sendo, cremos evidente que a linear leitura da sentença no seu todo permite reter que a incriminação que constava do dispositivo ficou a dever-se a mero lapso, o que legitima a operada correcção desse segmento do decidido.
Quanto à intitulada nulidade decorrente da falta de indicação sumária das conclusões da contestação no relatório da sentença, bem como à falta de menção no mesmo relatório de que a demandada “E…” não contestara, também nada obstava a que o tribunal recorrido se tivesse pronunciado nos moldes em que o fez, já que, esta falta de menção da contestação acaba por configurar também um mero lapso, ali rectificado, e é aceitável (embora não desejável) que se entenda que a alusão à absolvição abarca o que constava a montante da contestação dos arguidos B… e C….
Já o demais ultrapassa claramente aquilo que era então ainda possível apreciar, uma vez que se esgotara já o poder jurisdicional.
Com efeito, estipula o artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil (equivalente ao artigo 666º, nº 1, da anterior versão deste diploma), aqui aplicável “ex vi” artigo 4º do Código de Processo Penal, que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do S… quanto à matéria da causa”, pelo que só em sede de recurso pode ser a mesma revogada ou alterada.
Com as excepções precisamente decorrentes da possibilidade da sua correcção ou do suprimento de nulidades, mas nos estritos termos que constam dos artigos 380º e 379º, com referência ao artigos 414º, nº 4, todos do Código de Processo Penal, o que significa que, no tocante às nulidades, a sua possibilidade de apreciação não pode contender com os aspectos atinentes ao objecto do processo já apreciados a final, sendo esse o sentido e alcance da remissão operada no artigo 379º, nº 2, para o artigo 414º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, quando ali se determina essa aplicação “com as necessárias adaptações”.
Já antes vimos que, afora os aspectos antes salientados, no mais, a apelidada “rectificação” e/ou “reparação” da sentença colide com o objecto do processo nesta mesma apreciado, ou seja, constituiu uma modificação essencial do decidido, pelo que, nessa parte, tal despacho é perfeitamente inexistente[4], sendo certo que, e tal como escreve Maia Gonçalves “essa modificação essencial afere-se em relação ao que estava no pensamento do tribunal decidir, e não em relação ao que ficou escrito; por isso se incluem aqui os erros materiais ou de escrita. Cremos, por isso, que em relação ao que estava no pensamento do tribunal escrever todas as modificações são essenciais, pois de outro modo ficaria aberto o caminho para alterar o decidido quando o poder de jurisdição está esgotado”[5].
Resta, pois, declarar o despacho em questão inexistente na parte afectada, e, posto que o mesmo contaminou a sentença proferida, já que, e considerando expressamente que tal fazia parte integrante desta, ali fez albergar nova factualidade e o tratamento de questões antes não apreciadas, decretar a inexistência da própria sentença, o que implicará que o tribunal recorrido determine a reabertura da audiência para efeito de tomada de nova deliberação, seguindo-se a prolação de nova sentença, devendo aproveitar-se para suprir todas as apontadas nulidades, mormente por omissão de pronúncia.
Flui do que vai dito que fica naturalmente prejudicada a apreciação dos recursos interpostos, aqui apenas indirectamente interferentes na parte em que acabaram por “provocar” a prolação do sobredito despacho, inexistente nos moldes sobreditos.
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, e na apreciação da sobredita questão prévia, os juízes desta Relação acordam em declarar o despacho de fls. 1.388 a 1.393 parcialmente inexistente e, por inerência, decretar a inexistência da própria sentença proferida, determinando-se que o tribunal recorrido proceda à reabertura a audiência para efeitos de tomada de nova deliberação, seguindo-se a prolação de nova sentença, devendo aproveitar-se para suprir todas as apontadas nulidades, mormente por omissão de pronúncia, tudo nos moldes sobreditos.

Sem tributação.
*
Porto, 01/06/2016[6].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
________
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] Citação do ponto IV do sumário Ac. do STJ, datado de 27/10/2010, in http://www.dgsi.pt. Tal jurisprudência tem sido seguida neste TRP, podendo ver-se, a título de exemplo, o Acórdão datado de 26/05/2010, relator Dr. Álvaro Melo, publicado no mesmo site, no qual se sustentou, além do mais, que “III- Ao tribunal de recurso não compete proferir decisões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, mas sim analisar as decisões por este proferidas e aferir da sua conformidade com a lei e com as provas a que o tribunal teve acesso”.
[4] Neste sentido, e embora ali se trate questão diversa, veja-se o Acórdão do STJ datado de 06/05/2010, relatado por Álvaro Rodrigues, a consultar in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “ Fora dos casos em que, nos termos legais, é permitido ao S… rectificar a decisão (artºs 666º e 667º do CPC), o seu poder jurisdicional esgotou-se por imperativo legal, pelo que a nova decisão que padeça de tal vício é juridicamente inexistente, não vale como decisão jurisdicional”.
[5] Citação extraída do AC do TC 89/07, proc. 535/2006, de 06/02/2007, a consultar no respectivo Link.
[6] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).