Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3404/18.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
PROFISSÃO
TRABALHO HABITUAL
EXAME
JUNTA MÉDICA
FUNDAMENTAÇÃO DO LAUDO
Nº do Documento: RP202001203404/18.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 01/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ANULADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa actividade profissional.
II - Assim, sempre que se encontre em discussão se as sequelas que o sinistrado apresenta, resultantes do acidente, lhe permitem ou não desempenhar aquele conjunto de tarefas que desempenhava aquando aquele e o laudo pericial não dê resposta, devidamente fundamentada e não existam outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a uma conclusão segura sobre essa questão, o juiz pode e deve requisitar pareceres prévios de peritos especializados, nomeadamente, dos serviços competentes do Ministério responsável pela área laboral (art. 21º, nº 4, da NLAT).
III – Tudo porque, o juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico, que não tem força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (art.s 389º, do CC e 489º do CPC).
IV – Pois, o exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem “o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, reflectido na formulação de conclusões fundamentadas em cumprimento do disposto no nº 8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI.
V - Se as conclusões a que chegaram os senhores peritos não se mostram fundamentadas, o Juiz não dispõe de todos os dados factuais essenciais para a formulação do juízo crítico subjacente à formação da sua convicção e, consequente, prolação de decisão sobre a fixação da incapacidade, particularmente, quando esta possa ser absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
VI - Assim, as deficiências e insuficiência, nomeadamente por falta de fundamentação, do laudo pericial da junta médica, na medida em que se reflectem na decisão do Juiz “a quo” que o acolhe, caso impossibilitem a reapreciação dos factos e a consequente decisão de direito, por parte do Tribunal “ad quem”, determinam a anulação da decisão recorrida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3404/18.9T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 4
Recorrente: B…
Recorrida: C…, SA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Na presente acção emergente de acidente de trabalho, em que é A./sinistrado, B…, com mandatária judicial constituída, e Ré, C…, SA, foi participado, aos 19.11.2018, acidente de trabalho por aquele sofrido no dia 15.06.2018, realizado exame médico singular que, considerou o A. afectado da IPP de 3%, desde a data da alta fixada em 16.11.2018, frustrou-se a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, por discordância de ambas as partes quanto ao resultado do exame médico singular, respectivamente, o A. por não aceitar a IPP de 3% e a R. por não aceitar que seja o sinistrado portar de qualquer incapacidade.
O sinistrado e a seguradora requereram a realização de perícia por junta médica e apresentaram quesitos, respectivamente, nos termos que constam a fls. 79, (salientando que “não foi atribuído coeficiente de desvalorização relativo à limitação conjugada da mobilidade (conjunto das articulações do ombro e do cotovelo), em qualquer dos Graus possíveis [Cap. 1. 3.2.7.3), conforme relatório médico, que ora se junta como doc. 1”), pergunta: “4.1 Quais as lesões que o sinistrado apresenta em consequência do acidente de trabalho?
4.2 O sinistrado apresenta algum grau de limitação de mobilidade?
4.3 Em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, qual o coeficiente de desvalorização que apresenta?
4.4 O sinistrado apresenta cicatriz entre o pescoço e o ombro?
4.5 Em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, qual o coeficiente de desvalorização que apresenta?
4.6 Qual a I.P.P. a atribui face à T.N.I.?”
e a fls. 89, perguntando: “1. Quais as lesões que o sinistrado sofreu em consequência do presente acidente?
2. Curaram estas lesões sem sequelas?
3. Em resposta negativa ao quesito anterior, quais as sequelas e grau de desvalorização que afetam o sinistrado?”.
*
Aquele relatório, junto a fls. 81, referido pelo sinistrado é do seguinte teor:
“Informação Clínica
Registada em: 17-04-2019
Nome: B…
INFORMAÇÃO CLINICA PERICIAL
Em 16-06-2018, teve acid de trabalho.... com corte a nível toracico por serra, disco de cortar pedra. Foi suturado no CH de Penafiel, e esteve internado por 3 dias. Teve diferentes ITP`s. Teve alta/DCML em 16-11-2018, com proposta de IPP de zero por cento (Cª. Seguros).
Diz-se com muitas dific. para trabalhar, construção civil/carpinteiro de cofragem; tem 45 anos. Tem cicatriz com alterações da sensibilidade cutânea, não aderente aos planos profundos e rigidez ligeira dolorosa do ombro dt° (homolateral).
Pelo INMLCF, IP teve proposta de IPP de 3% por cicatriz de 14 cm, com alterações da sensibilidade abrangendo pescoço/face lateral supra-clavicular e região superior do hemi-tórax dt°.
O caso clinico em apreço merece atribuição de IPP de 5,91%, atendendo aos cap. e artigos normativos da TNI, em vigor em Portugal:
Cap. I . 3.2.7.3 a) Grau I -0,00 a 0,05 (0,03);
Cap. II - 1.3.1 - 0,01 a 0,05 (0,03).
Em termos de compatibilidade profissional, mantém capacidade laboral apesar das dificuldades em pegar materiais e/ou utensílios pesados.
A. D…
(Antigo Chf Serviço de Ortopedia; perito médico-legal)”.
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Foi realizado, aos 26.06.2019, exame por junta médica e, no auto de fls. 98 e ss., os Srs. Peritos médicos, responderam aos quesitos, objecto da perícia, da seguinte forma: “SITUAÇAO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)
Os peritos médicos, após observação do examinando e consulta do processo, respondem por maioria (tribunal e seguradora) aos quesitos de fl. 89:
1. Ferimento na região cervical com seção do músculo platisma e veia jugular externa direita
2. Não
3. Dor na região da cicatriz com a mobilização do membro superior direito; IPP 2%
Pelo perito médico do sinistrado foi dito manter o parecer de fl. 81, ressalvando a especificidade da profissão, dado que necessita de trabalhar com os braços levantados.”.
Mais, consignaram naquele auto:
“Rubrica de tabelas a que correspondem Coeficientes de incapacidade
As lesões ou doenças previstos na tabela
II 1.3.1 0,01 - 0,05
Coeficientes arbitrados Capacidade restante Desvalorização arbitrada
(incapacidades parciais)
0,02 1 0,02”.
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Notificado este, o A. com os argumentos invocados a fls. 100 e ss., requereu o seguinte:
“a) Ordenar a prestação de esclarecimentos relativos à falta de pronúncia quanto ao conteúdo do requerimento de junta médica apresentado pelo sinistrado;
b) E, consequentemente, ordenar a resposta aos quesitos supra mencionados;
c) Ordenar o esclarecimento, e consequente repetição, de junta médica que permita fixar um coeficiente de incapacidade, tendo em conta a atividade exercida pelo sinistrado;
d) Ordenar a fixação de uma incapacidade permanente para o trabalho habitual;
e) Ordenar a realização de uma eletromiografia (E.M.G.);
f) E ordenar a realização de uma ressonância magnética na região do ombro e cotovelo.”.
Apreciando, este, a Mmª Juíza “a quo” proferiu o despacho de fls. 17, ordenando a notificação dos peritos médicos para, “por escrito em documento assinado por cada um deles ou conjuntamente:
1) responderem aos quesitos 4.2 a 4.5 do A. de fls. 80;
2) se o A. ficou a padecer de IPATH por força do acidente de trabalho dos autos;
3) se na resposta aos quesitos (os acima referidos e os respondidos a fls. 98) tiveram em consideração a profissão do A;”.
Cada um dos Peritos Médicos respondeu àquele, respectivamente:
A fls. 110
“Resposta ao solicitado em fl. 107 dos autos:
1)
4.2 - Não; o examinando apresenta dor na cicatriz com a mobilização do membro superior direito.
4.3 - Prejudicado
4.4 - Apresenta a cicatriz descrita no exame de fl. 70 dos autos
4.5 - IPP 2%
2) Não é de atribuir IPATH.
3) Sim, foi tida em conta a profissão do examinando (Carpinteiro de Cofragem)
Penafiel, 26 de Setembro de 2019
O Perito Médico
(Dr. E…)”.
A fls. 111
“Resposta aos quesitos solicitados em fl. 107 dos autos:
1) 4.2 - Não; referiu dores a nível da cicatriz da região lateral direita do pescoço, com a mobilização do membro superior direito.
4.3 - Prejudicado
4.4 - Cicatriz descrita em exame de fl. 70 dos autos
4.5 - IPP 2%
2) Não é de atribuir IPATH.
3) Sim, foi considerada a profissão do sinistrado (Carpinteiro de Cofragem)
Penafiel, 30 de Setembro de 2019
O Perito Médico
(Dr. F…)”.
A fls. 113
“Em relação ao solicitado na Ref supramencionada, tendo a informar o seguinte:
1- Resposta ao quesito do Autor, de fis 87 - 4.2: sim, tendo abdução de cerca de 90 com dor;
2- Resposta ao quesito do A, de fls. 87 - 4.3: Corresponde um valor de IPP de 3%.
3- Resposta ao quesito do A, fls 87 - 4.4: sim, tem cicatriz extensa de 14 cm de comprimento, com perturbação da sensibilidade cutânea. Abrange a face lateral dtª do pescoço, face lateral da região supraclavicular dtª, e região superior do hemitórax direito.
4- Resposta ao quesito do A, de fls 87 - 4.5: IPP de 3%.
5- Valor de IPP final: 05,91%.
6- Sem atribuição de IPATH; contudo, apesar de se entender existir compatibilidade (parcial) com profissão habitual, há tarefas laborais que não poderá executar de forma normal ou segura, sendo por ex. aquelas que dependem do MSD em elevação, ou pegando em pesos ou materiais / instrumentos de risco (como uma serra de cortar pedra, por ex.) que exigem força normal cervical, ombro e braço direitos, e região escapular / supra-clavicular dtª. Tais situações poderão originar dores súbitas de esforço muscular no esternocleidomastoideu dtº, e no supraespinhoso dtº (músculos lacerados, e suturados após o acidente), com risco de agravamento clinico e queixas dolorosas incapacitantes naquele momento.
7- A profissão habitual/especifica do examinando foi atendida.
Esperando ter dado resposta cabal ao solicitado, subscrevo-me de V. Ex.,
A. D…
(Espec. em Ortopedia /Traumatologia; Perito médico-legal)”.
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De seguida, nos termos que constam a fls. 114 e ss., foi proferida a decisão recorrida, do seguinte modo: “…,Ora, no caso presente, os Srs. Peritos médicos, na junta médica realizada, fixaram, por unanimidade, uma IPP 2%.
Assim, tendo em conta este parecer unânime e, bem assim, as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, as suas sequelas, o estado geral, a idade e a profissão do sinistrado, sendo certo que inexiste fundamento que permita um entendimento diverso do sufragado pela unanimidade dos senhores peritos médicos, nos termos do disposto no artigo 140.º do Código de Processo do Trabalho, considero que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho ficou afectado de 2% de IPP” que, terminou com o seguinte dispositivo:
Assim, e nos termos do disposto no artigo 140.º/1 do Código de Processo do Trabalho, reconhecendo-se que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho do qual lhe resultou uma incapacidade permanente parcial de 2% desde o dia 16 de novembro de dois mil e dezoito, condena-se a entidade responsável a pagar-lhe:
1- o capital de remição da pensão anual de € 132,47, devida desde o dia 17 de novembro de dois mil e dezoito, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ano, desde tal data e até efectivo e integral pagamento;
2 - a quantia de € 85,81 de despesas com deslocações obrigatórias a tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde o dia 17 de novembro de dois mil e dezoito e até efectivo e integral pagamento;
3 - a quantia de € 209,11 correspondente ao montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias que o sinistrado sofreu em consequência directa e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, a que acresce juros de mora, a contar sobre a quantia diária de cada uma daquelas indemnizações, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento
*
Custas pela seguradora - artigo 446.º/1 e 2 do Código de Processo Civil.
Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 76.º do Código de Processo do Trabalho e calcule-se o capital de remição, nos termos do disposto no artigo 149.º do mesmo diploma legal.
Fixo o valor de processo em € 2.237,46 - artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.
Registe e notifique.”.
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Inconformado o sinistrado veio apresentar recurso, nos termos das alegações juntas a fls. 120 e ss. que, finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
A. O presente recurso vem interposto da douta sentença que fixou definitivamente a incapacidade para o trabalho do sinistrado - ora recorrente - em 2% de Incapacidade Permanente Parcial.
B. Os fundamentos que levam o Recorrente a não concordar com a douta sentença passam pela reapreciação da matéria de facto.
C. O Recorrente não concorda com a incapacidade fixada definitivamente na douta sentença e com o facto descrito no ponto 5 (do acidente resultaram para o sinistrado, como consequência direta e necessária, as lesões e sequelas descritas no exame médico de fls.98).
D. O Recorrente não concorda com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sempre entendendo que a mesma se encontra desprovida da devida fundamentação, que a mesma é incompatível com as sequelas resultantes do acidente de trabalho e com a profissão por ele exercida.
E. O Tribunal a quo limitou-se a anuir ao resultado do exame realizado por junta médica, sem mais considerações, afirmando apenas:
No caso presente, os Srs. Peritos médicos, na junta médica realizada, fixaram por unanimidade, um IPP 2%.
Assim, tendo em conta este parecer unanime e, bem assim, as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, gravidade destas, as suas sequelas o estado geral, a idade e a profissão do sinistrado, sendo certo que existe fundamento que permita um entendimento diverso do sufragado por unanimidade dos senhores peritos médicos (…), considero que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho ficou afetado em 2% de IPP.
F. Quanto à atividade profissional do Recorrente, não há uma referência expressa ao facto de o Recorrente ser Carpinteiro de Cofragem, nem tão pouco se há uma limitação da mobilidade para o exercício dessa profissão!
G. O Recorrente exerce uma profissão de enorme esforço físico, designadamente o uso dos braços para transportar os materiais de construção a partir dos quais são construídas as cofragens, que são dispositivos em madeira ou ferro, para suster e moldar o betão até à sua completa solidificação. Executa todas estas tarefas, carregando pesadas ferramentas e pesadas estruturas, para a qual necessita de força de braços!
H. Entendemos que a referência apenas à expressão “a profissão do sinistrado”, não é, com o devido respeito, suficiente para relacionar e fundamentar as lesões sofridas pelo sinistrado com a sua profissão.
I. Ademais, não se vislumbra qualquer referência há existência ou não de IPATH! O que, com o devido respeito, não é de surpreender – nunca se poderia atender a uma incapacidade para o trabalho habitual, se sequer foi feita qualquer avaliação ao posto de trabalho.
J. Quanto “às informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, gravidade destas, as suas sequelas, o estado geral”, existem nos autos outras opiniões científicas que contrariam o resultado da junta médica, designadamente o relatório médico junto no requerimento de junta médica pelo Recorrente.
K. Além do relatório médico, sempre houve expressa referência por parte do perito médico do sinistrado à existência de limitação conjugada da mobilidade das articulações do ombro e do cotovelo e apenas este médico atendeu à especificidade da sua profissão, quer no Auto de Junta Médica, quer na resposta ao Requerimento do sinistrado. E, a limitação da mobilidade já constava da informação clínica junta ao processo, aquando da participação do acidente de trabalho (cf. fls. 18, 19, 32, 37 e 38 dos autos).
L. Temos que existe fundamento médico que permita um entendimento diverso do sufragado pelos peritos na Junta Médica! Portanto, impunha-se que o Tribunal se pronunciasse e analisasse esta perceção científica!
M. O que percecionamos, claramente, é um total desinteresse pela formulação de um juízo sobre a incapacidade que considere ou tenha presente a concreta atividade do sinistrado, bem como as condições em que habitualmente é exercida!
N. É que, com o devido respeito o Tribunal deveria analisar, desde logo, os motivos pelos quais não houve concordância de nenhuma nas partes na tentativa de conciliação, bem como deveria verificar que a Seguradora fundamentou a sua discordância no facto de o sinistrado estar curado sem qualquer desvalorização, sem que tenha realização previamente qualquer avaliação do dano corporal.
O. Ambas as partes requereram a realização de junta médica e o Recorrente fundamentou devidamente o seu requerimento, tendo juntado, além dos quesitos necessários, um relatório médico devidamente elucidativo da sua incapacidade para o trabalho, peticionado um grau de desvalorização para limitação conjugada do ombro e do cotovelo.
P. Do auto de Junta Médica apenas consta a resposta aos quesitos formulados pela Seguradora, não tendo sido dada qualquer resposta aos quesitos formulados pelo Recorrente. Assim, o Recorrente solicitou esclarecimentos baseados na deficiência e obscuridade do Auto de Exame de Junta Médica e peticionou que o grau de desvalorização para o trabalho fosse fixado em função da atividade exercida, fixando-se uma incapacidade para o trabalho habitual.
Q. O Recorreu solicitou, também, a realização de exames complementares para a descoberta da verdade material, porém o Tribunal a quo, até à data, jamais se pronunciou.
R. Porém, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o relatório médico junto pelo Recorrente, nem tão pouco sobre o grau de desvalorização que este alegou até então!
S. Nem se pronunciou sobre a atividade exercida pelo Recorrente, nem se padece de alguma Incapacidade para o Trabalho Habitual! Além de que, o Recorrente solicitou a realização de exames complementares para descoberta da verdade material e o Tribunal nunca redigiu qualquer palavra sobre aqueles!
T. Tratam-se de questões que foram levantadas no processo e que deveriam constar da douta sentença, com a consequente fundamentação do Tribunal.
U. O Tribunal apenas procedeu à aplicação definitiva da incapacidade do sinistrado/Recorrente e à fixação da remissão da pensão anual do sinistrado, juros e despesas de deslocação ao tribunal devidas pela Seguradora ao Recorrente.
V. Estando o auto por Junta Médica sujeito à livre apreciação do julgador, devia a sentença, na sua fundamentação, pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas nos autos.
W. O Tribunal dever-se-ia ter norteado pelo princípio da livre apreciação da prova, libertando-se da inexorável prova por Junta Médica e observando regras da experiência e os critérios da lógica.
X. Resulta claramente da douta sentença, que o Tribunal a quo não só não apresentou qualquer divergência relativa ao auto de junta médica, como apenas se limitou a sustentar a sua decisão em razões de ordem processual, não atribuindo qualquer valor a todos os factos importantes à boa decisão da causa.
Y. Temos que, da análise crítica das informações clínicas juntas aos autos, resulta claramente uma limitação conjugada da mobilidade, proveniente do conjunto das articulações do ombro e do cotovelo (cf. Cap. I.3.2.7.3 da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), além da cicatriz que produz deformação ligeira (Cf. Cap. II 1.3.1 da TNI). Por conseguinte, deverá ser atribuído um grau de desvalorização a limitação, expressão da rúbrica Cap. I.3.2.7.3 da TNI.
Z. Ademais, as repercussões das sequelas resultantes do acidente de trabalho deverão ser apreciadas em relação às tarefas subjacentes à profissão do sinistrado e, consequentemente, deverá ser fixada uma IPATH.
Termos em que deva dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e requer-se que seja substituída por outra que:
a)Dê como provadas como sequelas resultantes do acidente de trabalho: a cicatriz que produz deformação e a limitação conjugada, proveniente das articulações do ombro e do cotovelo;
b)Fixe uma incapacidade para o trabalho, relacionando as sequelas da alínea anterior com a profissão efetivamente exercida pelo sinistrado;
c) E, consequentemente, seja fixada uma IPATH.
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A seguradora não apresentou contra-alegações.

O recurso foi devidamente admitido e ordenada a sua subida a esta Relação do Porto, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos termos do art. 87º nº3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
Em resposta a este, o sinistrado, defende que “deve o recurso ser julgado procedente, atribuindo-se um grau de desvalorização à limitação da mobilidade, proveniente das articulações do ombro e do cotovelo (Cf. Cap. I.3.2.73 da TNI), além da desvalorização atribuída à cicatriz que produz deformação ligeira, bem como a atribuição de uma incapacidade para o trabalho habitual”.

Cumpridos os vistos, nos termos do disposto no nº 2 do art. 657º do CPC, cumpre decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, cfr. art.s 87º do CPT e art. 639º, 635º nº 4 e 608º n.º2, do CPC, as questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, à questão única de saber se a decisão recorrida se encontra desprovida de fundamentação.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos relevantes para apreciação do recurso são os que resultam do relatório que antecede.
O Tribunal “a quo”, considerou “Por acordo das partes e documentos encontram-se assentes os seguintes factos:
1 - O sinistrado sofreu um acidente no dia 15 de Junho de dois mil e dezoito...
2 - ... Quando trabalhava por conta de “G…, Unipessoal, Lda.” ...
3 - ... Mediante o salário anual de €580,00 x 14 + 122,01€ x 11 (total anual 9462,11€).
4 – A responsabilidade infortunístico laboral da entidade patronal encontrava-se transferida para a seguradora pelo referido salário anual.
5 – Do acidente resultaram para o sinistrado, como consequência directa e necessária, as lesões e sequelas descritas no exame médico de fls. 98.
6 – A consolidação médico-legal das lesões ocorreu no dia 16 de Junho de dois mil e dezoito.
7 – O sinistrado despendeu em deslocações obrigatórias a tribunal a quantia de €85,81.
8 – O sinistrado não recebeu 209,11 € a título de diferenças devidas pelas incapacidades temporárias que sofreu.
9 - O sinistrado nasceu no dia 24 de Setembro de 1973.”.
*
Vejamos.
Previamente, tendo em atenção, que os Srs. Peritos médicos em junta médica concluíram, por maioria, que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho em referência sofreu lesões e sequelas determinantes de um coeficiente global de incapacidade (IPP) de 2%, importa apontar o lapso, a este propósito, constante na decisão recorrida, ao referir que o grau de IPP de 2% foi fixado por “unanimidade”.
Analisemos, então se há falta de fundamentação e contradições na decisão recorrida por, apenas, ter atendido ao lado pericial sem atender à actividade profissional do sinistrado.
O sinistrado discorda daquela, alega que não concorda com a mesma, por entender que se encontra desprovida da devida fundamentação e que é incompatível com as sequelas resultantes do acidente de trabalho e com a profissão por ele exercida, por isso, defende que deve ser revogada e substituída por outra que, dê como provadas como sequelas resultantes do acidente de trabalho: a cicatriz que produz deformação e a limitação conjugada, proveniente das articulações do ombro e do cotovelo, fixe uma incapacidade para o trabalho, relacionando as sequelas da alínea anterior com a profissão efectivamente exercida pelo sinistrado e, consequentemente, seja fixada uma IPATH.
Mais, fundamenta a sua discordância, alegando que, “quanto à atividade profissional do Recorrente, não há uma referência expressa ao facto de o Recorrente ser Carpinteiro de Cofragem, nem tão pouco se há uma limitação da mobilidade para o exercício dessa profissão!”.
E continua alegando que, “exerce uma profissão de enorme esforço físico, designadamente o uso dos braços para transportar os materiais de construção a partir dos quais são construídas as cofragens, que são dispositivos em madeira ou ferro, para suster e moldar o betão até à sua completa solidificação. Executa todas estas tarefas, carregando pesadas ferramentas e pesadas estruturas, para a qual necessita de força de braços!”.
Que dizer?
A resposta à questão de saber se deve ou não ser revogada a decisão recorrida e, eventualmente, decidido que o sinistrado na sequência das lesões sofridas com o acidente dos autos e sequelas que apresenta se encontra em situação de IPATH, como o mesmo defende e sempre, questionou nos autos, passa, desde logo, por analisar se o tipo de prova em causa, o laudo pericial, (Junta Médica inicial e completada pelas respostas de cada um dos peritos) que a Mª Juíza “a quo” considerou, atentas as demais informações clínicas, inexistir fundamento para dela discordar, concluindo que o sinistrado se encontra afectado de 2% de IPP, se encontra, suficientemente, fundamentado de modo a permitir esta conclusão, ou tal não acontece, como defende o recorrente, por as demais informações clínicas juntas ao processo, conterem outras opiniões científicas que contrariam o resultado expresso naquela.
Vejamos.
É sabido que, o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, cuja força probatória está sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz, conforme decorre do art. 389º do CC e dos art.s 489º e 607º do CPC.
Sobre a aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, concluiu (Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. IV, (Reimpressão), 1987, pág. 186), que: “É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas.
Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo, como adverte Mortara; mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.”.
Está em causa, o exame por junta médica realizado nos autos, nos termos do art. 139º do CPT, o qual se inscreve no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do que dispõe aquele, também, por aquelas normas do Código Civil e Código de Processo Civil, supra referidas.
Sobre o seu objecto dispõe o art. 388º do CC, que “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
“O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, como refere, novamente, (Alberto dos Reis, na ob. cit. pág.171).
Segundo (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., rev. e actualizada, pág. 576), “…a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta.”.
Assim, assentando a perícia sobre a percepção de factos, em relação aos quais o julgador não possui conhecimentos especiais, como referem aqueles mesmos autores, (ob. cit., pág. 578), mostra-se evidente, que o relatório pericial deve ser feito de forma fundamentada, como decorre do art. 484º, do CPC, de modo a permitir àquele uma correcta e segura avaliação da prova em causa, pese embora, a ela não estar vinculado (art.s 389º, do CC e 607º, do CPC, já referidos).
Previamente, a prosseguirmos na análise concreta do laudo proferido nos autos, atenta a especificidade destes (acção especial, emergente de acidente de trabalho), no sentido de justificar porque diga-se, desde já, não concordamos com a sentença recorrida, há que referir o seguinte.
Dispõe o art. 8º, nº 1, da Lei 98/2009 de 4 de Setembro (NLAT) que “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”
Verifica-se, assim, ser um dos elementos constitutivos do “conceito” de acidente de trabalho que, dele resulte redução da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, redução essa, que será expressa na atribuição de coeficientes de incapacidade fixados por aplicação das regras definidas na TNI (aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), conforme dispõe o art. 21º da NLAT, “…em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho”.
Como referem, a propósito do dano (Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nunes Vieira, “A Avaliação do Dano na Pessoa no Âmbito dos Acidentes de Trabalho e a Nova Tabela Nacional de Incapacidades”, Prontuário do Direito do Trabalho, nº 83, Coimbra Editora, págs. 147 e 148 e ss.) “O estudo das situações concretas em que se encontra uma pessoa depois do evento traumático deve constituir, pois, parte fundamental da avaliação desse dano, permitindo objectivar as necessidades dessa pessoa. A descrição concreta dos actos, gestos e movimentos, tornados difíceis e parcial ou totalmente impossíveis em consequência do evento, permite definir os prejuízos em termos de autonomia e indicar as intervenções sobre o meio individual (…) susceptíveis de reduzir esta limitação” e, prosseguem que: “Na elaboração de um relatório pericial em caso de dano pós-traumático deve atender-se ao seguinte: a) A descrição dos danos deve ser rigorosa, clara, objectiva, pormenorizada, sistematizada e compreensível, nomeadamente para não médicos.”.
E referem, (na mesma obra a págs. 145 e ss.), que a incapacidade permanente é “determinada tendo em conta a globalidade das sequelas do caso concreto (corpo, funções e situações da vida, com particular valorização da actividade profissional), sendo a quantificação dessas sequelas concretizada através da Tabela Nacional de Incapacidades (…). Na utilização da TNI deve atender-se às indicações seguintes: a) Deve valorizar-se não só o dano no corpo como a sua repercussão funcional e situacional, com preponderância na vida profissional.”.
Ora, como decorre do art. 48º da NLAT, a incapacidade permanente poderá ser: a) absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA); b) absoluta para o trabalho habitual (IPATH); c) e parcial (IPP).
Quanto à IPATH, refere (José Augusto Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª Ed., 1983, pág.97, (no âmbito da Base XVI, nº 1, al. b), da Lei 2127, de 03.08.65, mas aplicável no âmbito do art. 17º da Lei 100/97 (LAT) e do art. 48º, nº 3, al. b), da Lei 98/2009 (NLAT))) que, “a fixação do regime especial para os casos da al. b), resultou da consideração lógica (consagrada em legislação estrangeira) de que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual é sempre mais grave do que uma diminuição parcial da mesma amplitude fisiológica, não só pela necessidade de mudança de profissão, como pela dificuldade de reeducação profissional, exigindo por isso uma compensação maior”.
Pese embora, sabermos que, a determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, pois, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e apenas uma IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual.
Sendo o trabalho habitual, a considerar, aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente e que correspondia ao executado “de forma permanente, contínua, por contraposição ao trabalho ocasional, eventual, de curta duração”, como se refere no (Ac. TRE de 16.04.2015, in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir referidos, sem outra indicação)).
Pois que, como se sumariou no (Acórdão desta Relação de 30.05.2018, (relatora, Desembargadora Paula Leal de Carvalho)), que seguimos de perto, “O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.”.
Logo, como se refere naquele, esta questão tem a natureza de questão de facto, prende-se com a determinação da incapacidade e, por isso, deverá ser submetida a perícia médica, ou seja, exame médico singular, nos termos do art. 105º, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, e exame por junta médica, nos termos do art. 139º, ambos do CPT, na fase contenciosa do mesmo.
Dispondo, a propósito deste tipo de laudo, o nº 8 das Instruções Gerais da TNI, supra referida, que “o resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”, exigência que decorre, como já referimos, do facto do julgador não ter conhecimentos especiais em medicina e, por isso, as respostas aos quesitos ou a fundamentação consignada no laudo pericial devem permitir àquele, com segurança, analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir.
Não sendo desse modo, como se refere no (Acórdão desta Relação de 02.12.2013, (relatora, Desembargadora Paula Leal de Carvalho)) “tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.”.
No mesmo sentido, vejam-se, também desta Relação, entre outros, os Acórdãos de 23.10.2006 (relatora, Desembargadora Albertina Pereira) de 10.10.2016 (relator, Desembargador Jerónimo Freitas) e de 13.02.2017 (relator, Desembargador Nelson Fernandes) onde foi sempre adjunta a aqui, 2ª adjunta (Desembargadora Fernanda Soares).
Transpondo o que se deixa exposto para o caso analisemos, então, se o laudo pericial em que o Tribunal “a quo” se baseou, se mostra fundamentado de modo bastante a alicerçar a decisão recorrida ou se, apenas, com fundamento naquele não tinha o Tribunal “a quo” meios de prova suficientes, para concluir que o A., apenas, apresenta a referida IPP de 2%, sem se pronunciar sobre a actividade profissional do sinistrado, como defende a recorrente.
E, adiantando desde já, sempre com o devido respeito por diferente entendimento, cremos que com razão.
Senão, vejamos.
Os senhores peritos que constituíram a junta médica, apenas, referindo naquela de que foi tida em conta a profissão do A., isso não basta, para que se pronunciem sobre o não ter o sinistrado IPATH porque, não tendo eles conhecimento das funções executadas pelo sinistrado antes do acidente não poderiam, com a devida segurança, formular juízos quanto ao facto de o mesmo estar ou não afectado de IPATH.
Para que pudessem formular o juízo científico a tal respeito seria necessário que possuíssem o Estudo do Posto de Trabalho, o qual não se verifica ter sido realizado. E só na posse daquele Estudo, bem como do Inquérito Profissional, seria possível aos peritos concluírem, de forma fundamentada, pela existência, ou não, de IPATH.
A falta destes elementos – que são essenciais e obrigatórios nos termos do nº13 alíneas a) e b) das Instruções Gerais da TNI – inquina a «deliberação» dos senhores peritos e da própria sentença, que naquela deliberação unicamente se apoiou, a determinar a sua revogação, com vista à realização daquelas diligências e outras que se tenham por necessárias, nomeadamente, as já requeridas pelo sinistrado e repetição da Junta Médica.
Em consequência, nos termos do disposto no nº 2 do art. 195º do CPC, anula-se a decisão recorrida porque, decidiu com base, exclusivamente, como dissemos, no resultado daquele exame por junta médica, o qual, sempre com o devido respeito não se encontra devidamente fundamentado, nomeadamente, quanto à pronúncia que tece sobre a questão colocada pelo sinistrado sobre o tipo de incapacidade que apresenta.
Procede, assim, esta questão da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam as Juízas desta secção em julgar o recurso, parcialmente, procedente e, em consequência, anula-se a decisão recorrida, devendo o Tribunal “a quo” diligenciar, pela realização do inquérito profissional e estudo do posto de trabalho e demais exames complementares que tenha por necessários e juntos, devem ser convocados os peritos médicos para responderem aos quesitos, tendo em conta os referidos elementos, devendo ser proferida decisão em conformidade com todos os elementos recolhidos.
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Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 20 de Janeiro de 2020
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares