Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9109/16.8T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: MEO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
RETRIBUIÇÃO
PRESUNÇÃO NATUREZA RETRIBUTIVA
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP201911049109/16.8T8PRT.P2
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE, ALTERADA SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A retribuição do trabalho é integrada pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada – mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida.
II - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 1, do Código Civil (CC), provar que determinada atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador não integra a sua retribuição, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do artigo 260.º e de valer a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 249.º do CT/2003 e 258.º do CT/2009, de que se está perante prestação com natureza retributiva.
III - O princípio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho, as quais podem ser suprimidas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 9109/16.8T8PRT.P2
Tribunal Judicial: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto
Autor: B…
: C…, S.A.

Relator: Nelson Fernandes
1ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… intentou a presente ação de processo comum contra C…, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €39.902,99, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, que, trabalhando para a Ré, beneficiando em termos retributivos de montantes relativos a isenção do horário de trabalho, diuturnidades, D…, complemento de responsabilidade, pacote de comunicações e plano de saúde clássico, acrescidos da disponibilização de um veículo automóvel para fins profissionais e pessoais, aquela deixou de lhe pagar o pacote de comunicações, a totalidade das prestações referentes à isenção de horário de trabalho e ao complemento de responsabilidade, bem como a totalidade da prestação denominada D…, deixando ainda de lhe disponibilizar a referida viatura.
1.2 Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, foi Ré notificada para contestar.
1.3 A Ré contestou, defendendo, também em súmula, que as prestações pecuniárias e em espécie recebidas pelo Autor apenas foram atribuídas, na sequência do previamente acordado, enquanto este esteve em comissão de serviço como responsável por um determinado departamento, cessando assim quando o mesmo deixou de estar em tal situação.
1.4 O Autor respondeu, concluindo como na sua petição inicial.
1.5 - Fixando-se o valor da causa em €39.902,99, foi proferido despacho saneador, como ainda, após, o objeto do litígio e os temas de prova.
1.6 Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, no seguimento da demonstração do óbito do Autor, por decisão de 30 de maio de 2017, foram habilitados como seus herdeiros, para prosseguirem a causa como partes ativas, E…, B… e F….
1.7 Proferida sentença, em apreciação do recurso interposto pela Ré, veio a ser proferido acórdão por esta Relação, no qual, conhecendo-se de nulidade então invocada, veio a ser anulada parcialmente a decisão sobre a matéria de facto e a sentença que com base nessa havia sido proferida, devendo o tribunal de 1.ª instância, suprindo os vícios apontados nesse acórdão, proferir uma nova decisão, em respeito pelo disposto na lei.
1.8 Baixando os autos à 1.ª Instância, depois de reaberta a audiência de julgamento, veio depois, por fim, a ser proferida nova sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) condeno a R., C…, S.A., a pagar aos habilitados, E…, B… e F…, a quantia global de €36.841,65 (trinta e seis mil oitocentos e quarenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos), à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquele valor, até efetivo e integral pagamento;
b) mais condeno a R. a pagar aos habilitados a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença e referente às prestações denominadas viatura de utilização permanente, pacote de comunicações, e subsídios de férias e de Natal do ano de 2004, estes relativos à prestação apelidada de isenção de horário de trabalho;
c) ainda condeno os habilitados e a R. nas custas do processo, na proporção de quinze por cento para os primeiros e de oitenta e cinco por cento para a segunda.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, a Ré interpôs novo recurso de apelação, finalizando as suas alegações com as conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. A douta decisão em crise, pese embora constitua uma peça jurídica que encerra inegável labor, ainda assim parece, salvo melhor, não ser totalmente conforme à lei e ao direito, além de encerrar manifesto erro na apreciação da prova produzida.
2. Com efeito, os factos alegados artigos 15, 44 e 45 da contestação (e por contraposição a eliminação da alínea O dos factos Não Provados) resultam insofismável e categoricamente do depoimento da testemunha G…, conjugado com o teor dos documentos juntos com a contestação.
3. Que perguntado se era ou não verdade que as pessoas que eram nomeadas para estes cargos tinham associados a esta nomeação algumas prestações pecuniárias e em espécie.
4. Respondeu que normalmente estava associado a isenção de horário de trabalho, estava associado um prémio de função…e nalguns casos era atribuída uma viatura de serviço de utilização permanente.
5. Pelo que se impõe fique assente que “Todas as prestações pecuniárias e em espécie de que o Autor beneficiou, procederam sempre de uma concreta e determinada causa, in casu, designação em comissão de serviço como Responsável de um Departamento da Estrutura Orgânica da Empresa” e em consequência se elimine a alínea O) do factos não provados.
6. Assim como se deveriam ter sido dados assentes, o facto constante do artigo 44, isto é, que a decisão de extinguir a Direção de Serviços Especializados C1… determinou em consequência, a extinção de toda a sua estrutura orgânica, onde se continha o Departamento C2…, cessando, de igual modo, o regime de comissão de serviço da responsabilidade cometida ao Autor.
7. E também do artigo 45, a saber, uma vez que não se justificava, como não se justificou manter essa área de responsabilidade.
8. Dado tal factualidade resultar de forma categórica do depoimento da testemunha G….
9. Que perguntado se foram todas as razões que determinaram a necessidade de acabar com esta área de responsabilidade.
10. Respondeu que Este conjunto de razões contribuiu para que de entre os quatro departamentos se um tinha que acabar fosse precisamente este que foi o perdeu mais importância e mais pessoas.
11. Cuja essencialidade decorre da necessidade da Ré, face à ausência de despacho individual de cessação de atividade, comprove que se tratou de uma decisão “colectiva” que abrangeu todas a estrutura organizativa.
12. Deste modo, foi por causa e devido à nomeação do Autor para o exercício desses cargos Departamentais, que lhe foram atribuídos IHT, CR e VUP.
13. De resto, o Tribunal deu como assente (facto 43) que o CR apenas era recebido por quem desempenhasse cargos de gestão.
14. Nomeações que foram sempre feitas em regime de comissão de serviço, como ficou assente nos factos 10 a 12.
15. Pelo que cessando a comissão de serviço em 1 de outubro de 2015 (facto 35) cessou o direito à perceção dessas prestações.
16. Não constituindo obstáculo de qualquer natureza, como é dado eco na Decisão em apreço, a circunstância do pagamento dessas prestações só ter cessado no final de janeiro.
17. Dado que, como decorre do documento referente à ultima comissão de serviço, esta situação só poderia ser denunciada com o prazo de 60 dias de aviso prévio, ou seja, a após 1 de dezembro de 2015.
18. Pelo que o facto dos seus efeitos terem ocorrido dois meses depois não é por si só suscetível de cristalizar o pagamento do IHT e do CR.
19. Prestações que pese embora revistam natureza retributiva, não estão sujeitas ao principio da irredutibilidade da retribuição, dado se incluírem naquilo que se ousou designar de retribuição em sentido amplo.
20. Isto é, aquelas prestações cuja atribuição procede de uma concreta causa, neste caso e respetivamente, devido ao exercício, em comissão de serviço, das diversas funções responsabilidade departamental na C7… e da C1….
21. Cuja relação de causa-efeito é comprovada por ter cessado o seu pagamento, sempre e quando se verificou a cessação das funções que determinaram a sua atribuição, como ficou sobeja e documentalmente provado.
22. E cujas concretas condições de atribuição e cessação foram sempre consignadas em documento escrito, a que o Autor livremente deu a sua aquiescência.
23. Assim não são devido ao Autor os montantes de 6.974,52 e 267,17, relativamente a IHT e a CR respeitantes ao período posterior a fevereiro de 2016.
24. Aliás, face à jurisprudência desta Relação, de que é exemplo o recente Acordão de 29 de abril, que se pronunciou sobre a situação, idêntica, de uma outra trabalhadora da Ré, esta prestação poderia, também neste caso, ser livremente retirada, por não se achar sujeita ao principio da irredutibilidade da retribuição.
25. Acresce jamais será devida a quantia de 29.599,96, relativa a média de IHT nos subsídios de natal e de férias entre 1995 e 2016, por várias e diversas razões.
26. Em primeiro lugar, porque o Autor não alegou um único facto sequer a esse propósito, nem quanto recebeu, nem quanto deveria receber.
27. E não obstante ter requerido a junção dos recibos de vencimento, é de há muito pacífico, que a simples junção de um documento não dispensa a alegação dos factos constantes do seu conteúdo.
28. Razão pela qual o Tribunal não podia, mesmo fazendo inscrever nos factos os valores percebidos, apurar o montante do eventual (acréscimo) de subsídios de férias e de natal.
29. Em segundo lugar, porque o IHT não constitui prestação elegível para efeitos da média do subsídio de férias e de natal, dado que possui uma causa própria, a saber, a prestação de actividade em situação de maior esforço ou penosidade.
30. Isso decorre, não só dos Despachos de nomeação do Autor em comissão de serviço, como da jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que nada é devido pela Ré.
31. Acresce, que nos termos do artigo 250º do Cód. do Trabalho de2003 (atual artigo 263º) e como constitui entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça, após dezembro de 2003, o Subsídio de Natal restringe-se à remuneração base e diuturnidades.
32. Assim, após janeiro de 2004, jamais seria devido qualquer valor médio de IHT, no subsídio de natal.
33. Mas também nada seria devido de subsídio de natal anteriormente a 2003, dada a existência de normas convencionais, desde 1995 até 2003, que definiram esse conceito de retribuição.
34. Que de acordo com esses preceitos era compreendido pela remuneração base e os abonos que fossem considerados como fazendo expressamente parte integrante da retribuição.
35. Como nesses IRCT´s nunca se definiu, de forma expressa, o que fazia parte integrante da retribuição, o subsídio de natal compreendia apenas a retribuição base e as diuturnidades.
36. Sendo certo que o regime de atribuição do subsídio de natal tinha carater supletivo.
37. Pelas mesmas razões, isto é, pela prevalência que o legislador de 2003 atribuiu às normas convencionais (exceto quando estivessem em causa normas imperativas) nada também seria devido relativo ao valor médio de IHT, no subsídio de férias posteriormente a 2004.
38. Uma vez que as normas constantes dos IRCT´s publicados em 2001 e seguintes, estipularam, tal como os anteriores, que embora se integrem na retribuição mensal, os abonos percebidos com regularidade e periodicidade, consignou-se, sem margem para dúvida, que só assim será se previsto de forma expressa, o que também nunca se verificou.
39. Acresce por último, que entre 1995 e 2016, como se demonstrou e está documentalmente provado, a Ré pagou sempre ao Autor valores de subsídio de férias e de natal, superiores aos da remuneração base que auferiu em cada um desses anos.
40. Resulta deste modo manifesto que a Douta Decisão proferida é, de novo, merecedora de objetiva censura, por ter infringido o disposto nos artigos 258º, 263º e 264º do Cód. Do Trabalho, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que dando provimento ao presente recurso, julgue a ação improcedente e absolva a Ré de todos os pedidos, doutra forma não se fará rigorosa aplicação da lei e haverá fundado motivo para se afirmar não ter sido feita JUSTIÇA!”
2.1 Contra - alegaram os habilitados (Autor), concluindo do modo seguinte:
“1- A recorrente não aponta relativamente a cada concreto ponto de facto, os meios probatórios que apontam para decisão diversa, não refere a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e não aponta em concreto qualquer erro de julgamento nem faz qualquer análise crítica relativa à fundamentação da decisão de facto nem relativamente à prova produzida.
2- É inaceitável que a prova seja individualizada, seleccionada e descontextualizada, pelo que deverá ser rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto – art. 640.º, n.º 1, CPC.
3- A recorrente pretende expurgar da matéria de facto os pontos 25), 26) e parte do ponto 27) e 28) dos factos provados, sendo que quanto a estes pontos é manifesto que os mesmos estes não se tratam de conclusões, pelo que devem ser mantidos, tendo o tribunal baseado a sua decisão na prova testemunhal bem como na prova documental junta aos autos, prova esta que o tribunal discrimina detalhadamente na sentença proferida.
4- Quanto à expurgação da matéria de facto dos pontos 26) e 28) dos factos provados, tal expurgação não foi anteriormente pedida pela recorrente no primeiro recurso apresentado, pelo que se verifica uma situação de caso julgado.
5- A recorrente pretende ainda o aditamento aos factos provados dos factos alegados nos artigos 15, 44 e 45, da sua Contestação, o que é totalmente desprovido de fundamento, uma vez que tal contraria toda a matéria de facto provada, INCLUINDO A QUE FOI CONSIDERADA ASSENTE EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA, sem oposição da recorrente.
6- Com efeito, resultou provado que:
a) «Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., esta pagou àquele desde 1 de fevereiro de 1979 uma prestação denominada “Remuneração-base”, desde novembro de 1994 uma prestação denominada “Remuneração-base” e outra prestação denominada “Isenção de Horário de Trabalho”, desde outubro de 1997 uma prestação apelidada de “Remuneração-base”, outra de “Isenção de Horário de Trabalho” e outra de “Diuturnidades Empresa”, e desde março de 2002 uma prestação denominada “Remuneração-base”, outra denominada “Isenção de Horário de Trabalho”, outra de “Diuturnidades Empresa” e outra apelidada de “Complemento de Responsabilidade”»;
b) Que “O valor dessas prestações foi aumentando, sendo que, em janeiro de 2016, o valor global mensal dessas prestações era o seguinte: “Remuneração-base”, €3.424,57; “Isenção de horário de trabalho”, €765,80, correspondente a cerca de 21% da “Remuneração-base” e “Diuturnidades”; “Diuturnidades Empresa, €202,72; “Complemento de Responsabilidade”, €19,36”;
c) Que “Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., estes acordaram que, a partir de julho/agosto de 1990, o A. usufruiria, para uso profissional e pessoal, de um veículo automóvel”;
d) Que “O A. utilizou desde aquela data o apontado veículo durante a semana, levando-o para casa após o horário de trabalho, fins-de-semana e férias, ficando o veículo sempre na posse e fruição do A., que o utilizava para os fins que bem entendia, entre outros, deslocações com a família e deslocações para férias”;
e) Que “Os encargos com os contratos financeiros relativos à disponibilização dos mencionados veículos automóveis (no atual automóvel, locação financeira) sempre foram suportados na íntegra pela R., bem como todos os demais encargos relativos aos mesmos, entre outros, manutenção, pneus, reparações, imposto de circulação automóvel, seguro e estacionamento”;
f) Que “Quanto à prestação designada por remuneração-base, para efeitos de Segurança Social, a mesma passou a ser dividida, a partir de janeiro de 2012, em “remuneração-base” e “prémios, bónus e outras prestações de carácter mensal”;
g) Que “Quanto à prestação designada por isenção de horário de trabalho, que foi paga desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016, mensalmente, doze vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo e horário de trabalho específicos”;
h) Finalmente, que “As prestações de isenção de horário de trabalho e veículo para uso pessoal e profissional são prestações que sempre foram praticadas na R. e que não estão associadas necessariamente a cargos de direção”.
7- Especialmente no que se refere à prestação denominada CR, o recorrido recebia esta prestação desde março de 2002.
8- Desde março de 2002 até 2006, o recorrido não foi nomeado em qualquer comissão de serviço.
9- Não resultou provada qualquer relação entre a atribuição daquela prestação (CR) e a nomeação para cargos de gestão ou em comissão de se No que se refere à prestação denominada IHT, o tribunal fundamentou devidamente a sua decisão de considerar que esta fazia parte da retribuição do recorrido na prova produzida em sede de julgamento e nos documentos juntos aos autos.
10- Consta dos factos provados que esta prestação “que foi paga desde Novembro de 1994 até Fevereiro de 2016, mensalmente, doze vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos” – facto provado 29) - e que esta não está “associada necessariamente a cargos de direção” – facto provado 30).
11- Dos recibos juntos aos autos, resulta que a prestação de IHT era paga desde 1994 (muito antes da nomeação alegada pela recorrente para qualquer eventual comissão de serviço), até janeiro de 2016.
12- No mesmo sentido, o depoimento da testemunha Eng. J…. 13- No que se refere aos subsídios de férias e de Natal entre 1995 e 2017, a sentença também é clara, referindo que sendo a prestação de IHT parte integrante da retribuição do recorrido, então os subsídios de Natal e de férias são também devidos.
14- Daí que tenha ficado como não assente que “Todas as prestações pecuniárias e em espécie de que o A. beneficiou tenham procedido da sua designação em comissão de serviço como responsável de um departamento da estrutura orgânica da empresa”.
15- Todos estes factos provados, contrariam a pretensão da recorrente, ao que acresce a prova documental junta aos autos (mormente recibos de vencimento) e a inexistência de documentos relativos a comissões de serviço.
16- Acresce que a testemunha Eng. J…, foi perentória em afirmar que a atribuição de prestação por isenção de horário de trabalho destinava-se a premiar o mérito, pelo que não estava relacionada com nenhum regime de tempo ou de horário de trabalho específicos e também o agora recorrido no seu depoimento de parte refere que o recebimento da prestação de IHT lhe foi atribuída sem que fosse designado para algum cardo de direção.
17- Pelo que IMPROCEDE,QUANTO À REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, o recurso da recorrente, uma vez que se verifica, atendendo prova produzida (quer documental, quer testemunhal), não poder ter sido proferida decisão diferente da proferida pelo tribunal de primeira instância.
18- Quanto ao direito aplicável, do ART. 258.º, DO CÓDIGO DO TRABALHO, decorrem dois corolários.
a) O primeiro: O n.º 3 do referido preceito consagra uma PRESUNÇÃO DE CONSTITUIR RETRIBUIÇÃO QUALQUER PRESTAÇÃO DO EMPREGADOR AO TRABALHADOR, sendo que estamos perante uma presunção legal, que é uma presunção juris tantum, que importa desde logo a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido, nos termos dos conjugados artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, ns.º 1 e 2, do Código Civil.
b) O segundo: A RETRIBUIÇÃO ABRANGE TODAS AS PRESTAÇÕES REGULARES (no sentido de constância) E PERIÓDICAS (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos), FEITAS AO TRABALHADOR, DIRECTA OU INDIRECTAMENTE, EM DINHEIRO OU EM ESPÉCIE, que, dadas essas características CONFIRAM AO TRABALHADOR A JUSTA EXPECTATIVA DO SEU RECEBIMENTO.
19- Ora, da prova feita nos autos TODAS AS PRESTAÇÕES “RECLAMADAS” PELO RECORRENTE FORAM RECEBIDAS COM REGULARIDADE E PERIODICIDADE, sendo que as prestações denominadas IHT, VUP e pacote de Comunicações foram pagas durante mais de 20 anos e a prestação designada por CR foi paga durante mais de 15 anos.
20- Deste modo, todas as prestações reclamadas pelo recorrente nos autos integram o conceito de retribuição.
21- Acresce que ficou demonstrado que, nunca em momento algum, essas prestações foram condicionadas a um quadro de comissão de serviço.
22- Sem conceder, se existisse alguma associação entre as prestações auferidas pelo recorrido e eventuais comissões de serviço, tal nunca poderia ser invocado atentas as datas de início das prestações pois a comissão de serviço está sujeita a forma escrita e tal não se verifica no caso concreto.
23- Ainda, sem conceder, sempre a atitude da recorrente excederia manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social ou económico do direito que alega, pelo que se invoca, para os devidos efeitos legais, o ABUSO DO DIREITO (artigo 334º do Código Civil).
24- Deve assim, em consequência, manter-se a sentença recorrida.
Termos em que e nos mais que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir dentro do Vosso Mais Alto Saber e Critério, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.
Assim se fará JUSTIÇA.”
2.2 O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

3. Foi emitido parecer pelo Ministério Público, junto desta Relação, no sentido da improcedência do recurso, de facto e de direito.
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Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) Reapreciação da matéria de facto; (2) Saber se a sentença aplicou adequadamente o direito no que se refere: à retribuição e sua invocada irredutibilidade (isenção de horário de trabalho, o denominado “Complemento de responsabilidade” e utilização de viatura); ao cálculo dos subsídios de férias e de Natal.
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III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal a quo deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1) A R. dedica-se, nomeadamente, à conceção, construção, gestão, exploração e construção de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, à prestação de serviços de comunicações eletrónicas, de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e atividade de televisão, e o A. é licenciado em engenharia eletrotécnica;
2) O contrato de trabalho foi celebrado 1 de fevereiro de 1979, entre o A. e a H…, a que sucedeu a I…, S.A. e depois a C…, S.A.;
3) Nos termos desse contrato, em 29 de abril de 2016 o A. tinha a categoria de “Consultor C3…”, sendo que teve inicialmente a categoria de “Técnico Superior Licenciado”;
4) Como “Consultor C3…” o A. tem as funções seguintes: articulação com outros operadores (essencialmente na área da fibra ótica) e assuntos telemática rodoviária, do ponto de vista técnico; análise e elaboração das ações e medidas necessárias a adotar pelo cliente, do ponto de vista técnico; desenvolver atividades essenciais para o planeamento, dinamização, gestão, coordenação e inovação de projetos estruturais e transversais nas várias áreas e domínios de atuação; conceber e desenvolver técnicas e/ou soluções inovadoras e globais, prestando consultoria através da identificação e desenvolvimento de ações de melhoria e antecipação de oportunidades e resultados;
5) O A. liderou a primeira transmissão através de rede de telecomunicações do sinal de televisão no Porto; liderou a primeira instalação de cabo de fibra ótica no Porto com mão-de-obra interna; envolvimento em especificações da rede a nível da U.I.T. (União Internacional de Telecomunicações), da E.T.S.I. (European Tecnical Standard Institute) e do G.S.L.B. (Group Special Large Band); envolvimento nos estudos de mercado para introdução da TV Cabo em Portugal, chegando a ser diretor técnico da TV Cabo no Porto; participação em contratos no âmbito da telemática rodoviária, nomeadamente com a Ascendi;
6) O A. sempre executou as funções acima referidas por conta, sob as ordens, instruções e direção da R., por exemplo, quanto a projetos e tarefas a executar, clientes da R. e prazos, salvaguardada a autonomia técnica;
7) Nos termos acordados entre A. e R., o local de trabalho do A., aquando do início da presente instância, era na Rua …, n.º …, no Porto;
8) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo A. sempre foram pertença da R., tais como computador, papel, impressora, tinteiros, telemóvel;
9) O A. sempre prestou trabalho desde o início do mesmo de acordo com as necessidades de trabalho e ordens da R.;
10) Em 26 de dezembro de 2005, com efeitos a 1 de fevereiro de 2006, o A. foi nomeado, em comissão de serviço, responsável pelo Departamento C1…, da Direção C6…, integrando o seu “quadro retributivo”, conforme resulta de fs. 49 v.°, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e em que figura lambem a assinatura do A., “as seguintes componentes: Complemento de Responsabilidade no valor mensal de €70,00; B) IHT na percentagem de 21%; C) Telefone residencial de serviço Tipo C; Cartão D… até ao limite de 1 246,99E/ano; E) Telemóvel de serviço escalão 3; F) Veículo de Utilização Permanente – N3A; G) Estacionamento; 2. No ano de início ou cessação de funções/cargo as componentes do quadro retributivo serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão nesse mesmo ano. 3. O quadro retributivo definido vigora exclusivamente durante o período de tempo de desempenho das referidas funções em comissão de serviço e cessará automaticamente na data do seu termo final. 4. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente despacho revoga e substitui todos os anteriores normativos que disponham sobre a mesma matéria e entra em vigor e produz efeitos em 01.02.2006. 5. A atribuição deste quadro retributivo está dependente da assinatura do titular, nos termos dele constantes.”;
11) O A. foi nomeado, em 31 de janeiro de 2011 e com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2011, ao abrigo das Cláusulas 25.ª e 26.ª do Acordo de Empresa, em comissão de serviço “para o cargo de J…”, conforme resulta do documento de fls. 50 e 51, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e em que figura também a assinatura do A., do qual consta, nomeadamente, que “em virtude do exercício do referido cargo em regime de comissão de serviço, serão atribuídas as seguintes prestações acessórias, para além da retribuição base, diuturnidades e outras prestações a que tenha direito por virtude do contrato de trabalho com a Primeira Contraente, com efeitos a 01.01.2011: A) Complemento de Responsabilidade no valor mensal de € 70,00; B) Isenção de horário de trabalho nos termos da Cl.ª 69.ª do AE na percentagem de 21% sobre a remuneração base, diuturnidades e complemento de responsabilidade, 12 vezes em cada ano civil completo; C) Telefone residencial de serviço, até ao limite anual de €560,00; D) Veículo de serviço com possibilidade de utilização pessoal no valor de €20.000,00; E) Estacionamento; F) Serviços (combustível e via verde) com o plafond anual de €2.000,00; G) Telemóvel de serviço com o plafond anual de €840,00: o valor que ultrapasse este limite anual será descontado, nos lermos legais, no vencimento seguinte ou seguintes à ultrapassagem; 2.1 – No ano de início ou cessação da presente comissão de serviço as prestações mencionadas no ponto 2, que sejam definidas em termos anuais, serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão de serviço nesse mesmo ano. 2.2. As prestações acessórias acordadas vigoram exclusivamente durante a comissão de serviço e cessarão automaticamente na data da cessação da mesma, de acordo com as regras previstas no ponto 3 seguinte. 3. Qualquer dos(as) Contraentes pode pôr termo ao presente acordo sem necessidade de invocação de fundamento, mediante comunicação escrita ao (à) outro(a) com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme a comissão de serviço ora acordada tenha durado, respetivamente, até 2 anos ou por período superior. (…) 3.2 No caso de não cumprimento do aviso prévio por parte da Primeira Contraente, (…) esta assegurará o pagamento das prestações referidas no ponto 2 pelo período de aviso prévio em falta. 4. A cessação da comissão de serviço implicará o regresso do(a) Segundo(a) Contraente ao desempenho das funções inerentes à sua categoria de TECSUP decorrente do contrato de trabalho existente entre ambos os Contraentes e a cessação das prestações acessórias mencionadas no ponto 2. 5. O presente acordo faz cessar eventual anterior comissão de serviço do Trabalhador, caso a mesma não tenha cessado nos termos previstos nos números anteriores. O(A) Segundo (a) Contraente reconhece ter lido o presente acordo e compreendido o seu teor, aceitando ambos(as) os(as) Contraentes, mutuamente, que as condições clausuladas constituem pressuposto essencial a sua celebração.”;
12) Em 14 de novembro de 2013 o A. foi nomeado, em comissão de serviço e com efeitos a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo das Cláusulas 27.ª e 26.ª do ACT, para o cargo de “Responsável Direção Nível 3 na C1…, C6…/ C8…/ C9… Pré-Venda Proj e Serv Especializ.”, conforme resulta de fls. 51 v.º e 52, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta a assinatura do A., do qual consta, nomeadamente, que “em virtude do exercício, em regime de comissão de serviço, do referido cargo, considerado de confiança e para além da retribuição base e outras prestações a que tenha direito por virtude do contrato de trabalho com a Primeira Contraente as prestações acessórias passarão a ser as seguintes: A) Complemento de Responsabilidade no valor mensal de €19,36; B) Prestação mensal de isenção de horário de trabalho no valor de 21% sobre a remuneração base, diuturnidades e complemento de responsabilidade, nos termos ao n.º 2 da cl.ª 68.ª do ACT, paga 12 vezes em cada ano civil; C) Viatura de serviço com possibilidade de Utilização Pessoal (VUP) no valor de € 20 000,00 (até ao fim do ALD respetivo); D) Plafond anual integrado de Cartão D… e via verde no montante de €1.500,00; E) Estacionamento; F) Equipamento telemóvel; G) Plafond anual integrado de comunicações/serviços de rede fixa e móvel até ao limite anual de €1.400.00. 2.1. No ano de início ou cessação da presente comissão de serviço as prestações mencionadas no número 2, que sejam definidas em termos anuais, serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão de serviço nesse mesmo ano; 2.2. As prestações acessórias acordadas vigoram exclusivamente durante a comissão de serviço e cessarão automaticamente na data da cessação da mesma, de acordo com as regras previstas no ponto 3 seguinte. 3. Qualquer dos (as) Contraentes pode pôr termo ao presente acordo sem necessidade de invocação de fundamento, mediante comunicação escrita ao (à) outro(a) com a antecedência mínima de 60 dias. (…) A comunicação escrita por parte da Empresa, referida no ponto anterior, poderá revestir a forma de despacho individual de exoneração ou, na sequência de revogação da estrutura organizacional na qual esteja inserido o órgão do qual é responsável o trabalhador nomeado em comissão de serviço, de despacho genérico de cessação das comissões de serviço, valendo a data de entrega ou divulgação do referido despacho como data de início do decurso do prazo de aviso prévio. 3.2 No caso de não cumprimento do aviso prévio por parte da Primeira Contraente, (…) esta assegurará o pagamento das prestações referidas no ponto 2 pelo período de aviso prévio em falta. 4. A cessação da comissão de serviço implicará o regresso do(a) Segundo(a) Contraente ao desempenho das funções inerentes à sua categoria de ..., ou à que entretanto haja ascendido, decorrente do contrato de trabalho existente entre ambos os Contraentes, e a cessação das prestações acessórias mencionadas no ponto 2. 5. O presente acordo revoga e substitui com efeitos a 01.01.2014 o anteriormente celebrado.”;
13) Até julho de 2015 o A. era responsável por um departamento de terceira linha, sendo que a partir daquela data passou a exercer para a R. apenas funções técnicas;
14) O A. completou, no passado mês de dezembro de 2015, sessenta e cinco anos de idade;
15) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., esta pagou àquele desde 1 de fevereiro de 1979 uma prestação denominada “Remuneração-base”, desde novembro de 1994 uma prestação denominada “Remuneração-base” e outra prestação denominada “Isenção de horário de trabalho”, desde outubro de 1997 uma prestação apelidada de “Remuneração-base”, outra de “Isenção de Horário de trabalho” e outra de “Diuturnidades Empresa”, e desde março de 2002 uma prestação denominada “Remuneração-base”, outra denominada “Isenção de horário de trabalho”, outra de “Diuturnidades Empresa” e outra apelidada de “Complemento de Responsabilidade”;
16) O valor dessas prestações foi aumentando, sendo que, em janeiro de 2016, o valor global mensal daquelas prestações era o seguinte: “Remuneração-base”, €3.424,57; “Isenção de horário de trabalho”, €765,80, correspondente a cerca de 21% da “Remuneração-base” e “Diuturnidades”; “Diuturnidades Empresa”, €202,72; “Complemento de Responsabilidade”, €19,36;
17) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., a título de retribuição, A. e R. acordaram que, desde o início do contrato de trabalho, o primeiro auferiria subsídio de alimentação, que, na presente data, ascende a €8,15 por dia de trabalho e é pago através da entrega de um cartão Visa Euroticket;
18) A. e R. acordaram que o primeiro auferiria subsídios de Natal e de férias;
19) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., a título de retribuição, A. e R. acordaram que o primeiro beneficiaria do “Plano de saúde clássico”;
20) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., estes acordaram que, a partir de julho/agosto de 1990, o A. usufruiria, para uso profissional e pessoal, de um veículo automóvel;
21) O A. utilizou desde aquela data o apontado veículo durante a semana, levando-o para casa após o horário de trabalho, fins-de-semana e férias, ficando o veículo sempre na posse e fruição do A., que o utilizava para os fins que bem entendia, entre outros, deslocações com a família e deslocações para férias;
22) Em conformidade, foram entregues pela R. ao A. os veículos seguintes: em julho/agosto de 1990 um Renault …, matrícula VJ-..-...; em 1995 uma carrinha Opel …, matrícula ..-..-ER; em 1998 outra carrinha Opel …, matrícula ..-..-TA; em 2002 um Citröen …, matrícula ..-..-ML; em 2006 uma carrinha Opel …, matrícula .. – BJ - ..; no final de 2011 a carrinha Opel …, matrícula .. – MM - ..;
23) Os encargos com os contratos financeiros relativos à disponibilização dos mencionados veículos automóveis (no atual automóvel, locação financeira) sempre foram suportados na íntegra pela R., bem como todos os demais encargos relativos aos mesmos, entre outros, manutenção, pneus, reparações, imposto de circulação automóvel, seguro e estacionamento;
24) O A., para além dos equipamentos/meios para uso profissional, usufrui, para seu uso pessoal, de um pacote de comunicações (que consiste em serviços para comunicações fixas e uso de rede móvel e ainda um pacote de canais de vídeo e internet);
25) Os descontos para a Segurança Social, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011, apenas incidiram sobre as prestações designadas por remuneração-base, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal, sendo que, a partir de janeiro de 2012 incidiram sobre a remuneração-base, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de alimentação e os subsídios de Natal e de férias;
26) Quanto à prestação designada por remuneração-base, para efeitos de Segurança Social a mesma passou a ser dividida, a partir de janeiro de 2012, em “remuneração-base” e “prémios, bónus e outras prestações de carácter mensal”;
27) Relativamente à prestação relativa a isenção de horário de trabalho, verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação, tendo pago mensalmente ao A., àquele mesmo título, €465,27 no ano de 1995, €467,13 no ano de 1996, €614,85 no ano de 1997, €632,40 no ano de 1998, €658 no ano de 1999, €619,98 no ano de 2000, €705,55 no ano de 2001, €664,12 no ano de 2002, €666,02 no ano de 2003, €750,91 no ano de 2005, €757,87 no ano de 2006, €758,22 no ano de 2007, €758,48 no ano de 2008, €764,60 no ano de 2009, €764,71 mo ano de 2010, €764,94 no ano de 2011, €764,94 no ano de 2012, €766,94 no ano de 2013, €762,43 no ano de 2014, €765,80 no ano de 2015, €756,80 no ano de 2016 e €170,02 no ano de 2017;
28) Quanto à prestação designada por isenção de horário de trabalho, que foi paga desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016, mensalmente, doze vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos;
29) As prestações de isenção de horário de trabalho e veículo para uso pessoal e profissional são prestações que sempre foram praticadas na R. e que não estão associadas necessariamente a cargos de direção;
30) Em 2014 foi pessoalmente explicado ao A. que as regras para atribuição de viatura para uso pessoal haviam sido alteradas para todo o Grupo I…, pelo que deixava de ter direito à atribuição de viatura para uso pessoal a partir de 2014;
31) Não obstante o referido em 30), foi mantido ao A. o apontado benefício até ao fim do respetivo A.L.D.;
32) Por razões decorrentes da reestruturação da empresa, levada a cabo pelo novo acionista – Grupo N… –, em julho de 2015 ocorreu uma redução dos serviços da R.;
33) Em julho de 2015, quando se procedeu à reorganização de todas as Direções da R. e também da Direção a que o A. pertencia (C1…), o departamento com essa missão deixou de existir na estrutura orgânica da empresa;
34) Em 1 de outubro de 2015 cessaram todas as comissões de serviço na R., incluindo a comissão de serviço da responsabilidade cometida ao A.;
35) A R. informou pessoalmente o A. desse facto e pretendeu-lhe entregar uma atinente comunicação escrita, que o mesmo não recebeu;
36) Como o A.L.D. da viatura que estava atribuída ao A. só terminava em 29 de novembro de 2016, a R. concedeu àquele as prerrogativas que concedeu a outros trabalhadores, a saber, foi-lhe dada a opção de, a partir do dia 1 de abril de 2016, poder optar por uma de três hipóteses: entregar a viatura, assumir as rendas em dívida até ao final do contrato, outorgando cessão da posição contratual com o locador ou pagar esse valor até ao dia 25 de março;
37) O A. optou por adquirir a viatura pelo valor das prestações em dívida ao banco;
38) No início de 2016, através de email enviado pelo presidente do comité executivo, a R. comunicou ao A. que, a partir de 1 de abril de 2016, iria deixar de pagar parte do pacote de comunicações referido em 24);
39) Os benefícios de telecomunicações foram alterados em relação a todos os colaboradores, incluindo àqueles que não se encontram no ativo, como os pré-reformados e os reformados.
40) Através de email com data de 29 de fevereiro de 2016, enviado pelos Serviços de Suporte – Gestão de Frota I…, a R. comunicou ao A. que, a partir de 1 de abril de 2016, deixaria de ser disponibilizado nos termos habituais o veículo do qual o A. usufruía, e o estacionamento do mesmo;
41) A partir de fevereiro de 2016 a R. deixou de pagar a prestação denominada “isenção de horário de trabalho”;
42) A partir de fevereiro de 2016 a R. deixou de pagar ao A. a prestação denominada “complemento de responsabilidade”;
43) A prestação referida em 42) apenas era paga, com exceção do A., a quem assumisse cargos de gestão;
44) A partir de fevereiro de 2016, inclusive, a R. passou a pagar ao A. uma prestação denominada “Rem. Adicional (Complem. 14), no valor mensal de € 260,40, a qual foi liquidada doze vezes naquele ano;
45) A partir do dia 1 de abril de 2016 cessaram os outros benefícios associados à atribuição da viatura, no caso o estacionamento e a prestação denominada “D…”;
46) O A. faleceu no dia 25 de março de 2017.”
Por sua vez, como factos não provados fez-se constar o seguinte:
“a) As prestações aludidas em 16) tenham sido acordadas entre o A. e a R.;
b) A prestação “D…” tenha sido inicialmente paga em senhas de gasolina e contra a entrega de recibo de portagens;
c) O A., em janeiro de 2016, recebesse o valor médio de €300 a título da prestação denominada “D…”, a qual era paga através da utilização de um cartão de desconto da D… e identificador de Via Verde, entregues pela R.;
d) Relativamente à prestação denominada “D…”, a R., cerca de 2014, haja reduzido aquela para o limite máximo de €1.500 anuais;
e) O A. despenda com as despesas referidas em d) uma média de €300 mensais;
f) Os encargos com o veículo Opel …, matrícula .. – MM - .., fossem os seguintes: €333,33 de prestação mensal do contrato de locação financeira, e €127,42 mensais do lugar de estacionamento;
g) Caso fosse o A. a contratar individualmente os veículos em questão, a prestação mensal do contrato de locação financeira rondaria os €450, o lugar de estacionamento os €150 mensais e o seguro €50 mensais;
h) O pacote de comunicações referido em 24) haja sido acordado entre o A. e a R. pelo menos desde 1996;
i) O valor mensal do pacote de comunicações aludido em 24) seja de €53,99;
j) No mês de abril de 2016 a R. haja cobrado ao A., a título de disponibilização do referido pacote de comunicações, a quantia de €19,99;
k) Tenha sido acordado com o A., e assegurado pela R. ao mesmo, que as prestações acima referidas, com exceção da remuneração-base, da isenção de horário de trabalho, do subsídio de alimentação (na parte sujeita) e dos subsídios de férias e de Natal eram líquidas de tributos, isto é, correspondiam ao valor/prestação a entregar ao A.;
l) O descrito em 26) tenha chegado ao conhecimento do A. por ocasião da instauração da presente ação;
m) O mencionado em 26) ocorresse por conveniência e imposição da R., para efeitos de contabilidade desta;
n) A R. tenha transmitido ao A., quando a quantia referente a isenção de horário de trabalho lhe passou a ser paga, que a atribuição desse montante consistia num aumento salarial, que por conveniência da R. tenha tido esse tratamento;
o) Todas as prestações pecuniárias e em espécie de que o A. beneficiou tenham procedido da sua designação em comissão de serviço como responsável de um departamento da estrutura orgânica da empresa;
p) Em 2015 tenha sido criado o segmento C5…, com enfoque no serviço ao cliente;
q) Aquando do descrito em p) não se justificasse manter a Direção C1…, motivo pelo qual o A. não tenha sido nomeado para qualquer área de responsabilidade na Direção então criada – C6…;
r) O aludido em 35) tenha ocorrido em dezembro de 2015.”
*
B) Discussão
1. Recurso sobre a matéria de facto
1.1 Juízo de admissibilidade
A Recorrente faz incidir o recurso, também, sobre a matéria de facto.
Defendendo-se nas contra-alegações que o recurso não está em condições de ser admitido por falta de cumprimento dos ónus legais, cumprindo apreciar esta liminar questão, diremos o seguinte:
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, também, naturalmente, sem prejuízo dos casos em que se justifica intervenção oficiosa do tribunal de recurso, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada pelo recorrente por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso este em que, porém, se impõe àquele a observação dos ónus previstos no artigo 640.º, do CPC, em que se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Socorrendo-nos das palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[4].
Ora, como resulta do citado artigo 640.º, o cumprimento do ónus de impugnação aí estabelecido, não se satisfazendo com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe antes que o recorrente concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[5] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[6] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Ainda, por último, no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de outubro de 2016[7] – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”[8]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”
Tendo por referência ao mencionado regime, constata-se que, não obstante a Apelante se ter pronunciado nas alegações sobre outros pontos do elenco factual constante da sentença (assim os pontos 25.º, 27.º, 28.º, por entender que comportam menções conclusivas), a verdade é que nas conclusões apenas faz expressa referência aos artigos 15, 44 e 45 da contestação, que defende que devem considerar-se provados, e, por contraposição, a eliminação da alínea O dos factos não provados, fazendo apelo ao depoimento “da testemunha G…, conjugado com o teor dos documentos juntos com a contestação”.
Não obstante, como resulta das alegações, quanto ao que a Recorrente não transpôs para as conclusões, trata-se afinal de mera invocação de que se não tratará de verdadeiros factos e sim, apenas, de meras conclusões, que enquanto tal devem ser expurgadas. Ou seja, apensar de quanto a esses não se encontrarem cumpridos os ónus de impugnação, pois que as conclusões os omitem, tal não obsta a que, se for esse o caso, questão que apreciaremos infra, possa oficiosamente conhecer-se do que se invoca, nos termos aliás em que o fizemos no acórdão que proferimos anteriormente nos autos.
1.2 Apreciação
1.2.1 Artigos 15.º, 44.º e 45.º da contestação
Como vimos antes, com suficiente cumprimento dos ónus de impugnação, dirige a Apelante o recurso (conclusões assim 2.ª a 10.ª) aos artigos 15.º, 44.º e 45.º da contestação, que sustenta deverem ser considerados “assentes” (e por contraposição a eliminação da alínea O dos factos Não Provados).
Ora, cumprindo apreciar, constata-se desde logo que a matéria de facto agora indicada, visando a sua reapreciação, com exceção da indicação do artigo 15.º da contestação, já foi objeto da nossa apreciação no acórdão que proferimos anteriormente nos autos (no anterior recurso havia indicados os artigos 17.º, 22.º, 27.º, 44.º e 45.º), sendo que, não estando sequer abrangida tal matéria pela anulação do julgamento que foi então determinada, mantém-se plenamente válida e eficaz a anterior pronúncia desta Relação, sobre essa matéria, pois que sequer o novo julgamento a alterou. Deste modo, quanto aos indicados artigos, remetemos para o que a seu respeito afirmámos no anterior acórdão.
Restando então verificar do artigo 15.º da contestação (que possui a redação seguinte: “Ou seja, todas as prestações pecuniárias e em espécie de que o Autor beneficiou, procederam sempre de uma concreta e determinada causa, in casu, designação em comissão de serviço como Responsável de um Departamento da Estrutura Orgânica da Empresa”), que só agora no presente recurso a Recorrente identifica no sentido de que seja considerado provado, a verdade é que, ainda que porventura se possa entender que o que se disse anteriormente não impossibilite a Ré de fazer incidir o novo recurso sobre novo artigo da contestação que não havia indicado no anterior recurso, sempre será aqui plenamente aplicável tudo o que afirmámos já (no anterior acórdão) sobre menções conclusivas e/ou juízos de valor, que não devem, como se disse então e agora se reafirma, enquanto tal, ter assento no elenco factual provado (pois que se não trata de verdadeiros factos), situação em que se integra, sem dúvidas, o que se alegou no mencionado artigo da contestação, bem como a redação que a Recorrente avança na sua conclusão 5.ª (assim, citando-se, “Todas as prestações pecuniárias e em espécie de que o Autor beneficiou, procederam sempre de uma concreta e determinada causa, in casu, designação em comissão de serviço como Responsável de um Departamento da Estrutura Orgânica da Empresa”), improcedendo assim, necessariamente, o recurso nesta parte.

Porém, verdadeiramente, o que se disse anteriormente a propósito de menções meramente conclusivas é também aplicável a alguns dos pontos que o Tribunal a quo incluiu, novamente, no elenco factual que considerou como provado na nova sentença que proferiu, de resto em alguns casos, como veremos, mantendo menções que considerámos conclusivas no anterior acórdão, caso em que se integram, para além do mais como veremos, os pontos 25.º e 27.º (correspondentes na sentença anterior aos pontos 26.º e 28.º).
Porque assim é, passaremos de seguida, oficiosamente, a apreciar tal questão.
1.2.2 Intervenção oficiosa
No anterior acórdão que proferimos, então a propósito do que constava dos pontos 26 e 28 da factualidade provada que havia sito integrada na sentença, escrevemos o seguinte:
“Sustenta a Ré que estes pontos são conclusivos, defendendo-se no entanto nas contra-alegações o contrário.
Tais pontos possuem a redação seguinte:
“26) Os descontos para a Segurança Social e a título de I.R.S. apenas incidiam sobre as prestações designadas por remuneração-base, isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação (na parte sujeita) e subsídios de Natal e férias;”
“Ponto 28: Relativamente à prestação relativa a isenção de horário de trabalho, verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação;”
Cumprindo apreciar, afigura-se-nos que, de facto, em ambos os pontos analisados se formulam meras conclusões, as quais pressupõe necessariamente um juízo prévio sobre os factos em que assentam/deveriam assentar, assim no primeiro caso que descontos foram efetivamente realizados em cada momento (dessa análise resultará, então sim, a constatação ou não de que esses descontos tenham incidido apenas sobre as prestações aí identificadas) e, no segundo caso, também necessariamente tendo por base a alegação e demonstração do que foi pago também ao longo da relação referente a tais subsídios, o juízo sobre se, desses factos, resulta a afirmação que se fez constar, assim de que a prestação relativa a isenção de horário de trabalho não foi (ou foi) considerada.
É verdade que, como aliás já o referimos anteriormente (apreciação da questão da nulidade da sentença), resulta da motivação do Tribunal a quo que terão sido os recibos de vencimento juntos aos autos que teriam estado na base da formulação desses juízos conclusivos, assim através da verificação das premissas em que esses assentariam. Porém, como se disse já também, a mera junção de documentos não supre, por si só, a falta de alegação de factos cujo ónus impenda sobre as partes, assim, no caso, o que foi ou não pago e a que título ao Autor, de tal modo que quaisquer diferenças salariais existentes (nomeadamente as que invoca, mas que não concretiza depois com a alegação em concreto dos factos) possam ser consideradas, como ainda, do mesmo modo, o efetivo cumprimento do regime estabelecido no artigo 72.º do CPT quanto a factos que, não tendo sido alegados, possam eventualmente ter resultado da produção da prova e que relevantes para a boa decisão da causa.
Ora, não tendo pois o Tribunal a quo feito uso do citado preceito legal – sendo que, acrescente-se, sequer tal questão foi levantada pelas partes –, não compete a este Tribunal superior, aqui e agora, em sede de recurso, tomar esses eventuais factos em consideração sem mais e, desse modo, suprindo a inércia daquele Tribunal, dar os mesmos por provados, do que resulta, em conformidade, a exclusão dos analisados pontos 26.º e 28.º do elenco factual provado, por comportarem meras conclusões, sem prejuízo, quanto à questão dos factos eventualmente demonstrados pelos documentos/recibos tidos em conta pela sentença, como infra se dirá, de esses poderem vir a ser considerados posteriormente pelo Tribunal a quo.”
Pois bem, na nova sentença constata-se que, sob os n.ºs 25.º e 27.º do que se considerou provado, se fez constar o seguinte:
- “25) Os descontos para a Segurança Social, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011, apenas incidiram sobre as prestações designadas por remuneração-base, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal, sendo que, a partir de janeiro de 2012 incidiram sobre a remuneração-base, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de alimentação e os subsídios de Natal e de férias;”
- “27) Relativamente à prestação relativa a isenção de horário de trabalho, verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação, tendo pago mensalmente ao A., àquele mesmo título, €465,27 no ano de 1995, €467,13 no ano de 1996, €614,85 no ano de 1997, €632,40 no ano de 1998, €658 no ano de 1999, €619,98 no ano de 2000, €705,55 no ano de 2001, €664,12 no ano de 2002, €666,02 no ano de 2003, €750,91 no ano de 2005, €757,87 no ano de 2006, €758,22 no ano de 2007, €758,48 no ano de 2008, €764,60 no ano de 2009, €764,71 mo ano de 2010, €764,94 no ano de 2011, €764,94 no ano de 2012, €766,94 no ano de 2013, €762,43 no ano de 2014, €765,80 no ano de 2015, €756,80 no ano de 2016 e €170,02 no ano de 2017.”
Da comparação entre a redação que havia sido dada aos então pontos 26.º e 28.º, com o que agora consta dos pontos 25.º e 27.º, verifica-se o seguinte:
- Entre o que constava no anterior ponto 26.º e o que consta no novo ponto 26.º, exclui-se a menção a “e a título de I.R.S.” e acrescentou-se a menção “entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011” (ligada à expressão “Os descontos para a Segurança Social”) e, ainda, no final, “sendo que, a partir de janeiro de 2012 incidiram sobre a remuneração-base, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de alimentação e os subsídios de Natal e de férias;”
- Entre o que constava no anterior ponto 28.º e o que consta no novo ponto 27.º, manteve-se afinal a menção que havíamos considerado conclusiva, ou seja “relativamente à prestação relativa a isenção de horário de trabalho, verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação”, apenas se acrescentando de seguida o seguinte: “tendo pago mensalmente ao A., àquele mesmo título, €465,27 no ano de 1995, €467,13 no ano de 1996, €614,85 no ano de 1997, €632,40 no ano de 1998, €658 no ano de 1999, €619,98 no ano de 2000, €705,55 no ano de 2001, €664,12 no ano de 2002, €666,02 no ano de 2003, €750,91 no ano de 2005, €757,87 no ano de 2006, €758,22 no ano de 2007, €758,48 no ano de 2008, €764,60 no ano de 2009, €764,71 mo ano de 2010, €764,94 no ano de 2011, €764,94 no ano de 2012, €766,94 no ano de 2013, €762,43 no ano de 2014, €765,80 no ano de 2015, €756,80 no ano de 2016 e €170,02 no ano de 2017;”
Ora, salvo o devido respeito, a nova redação do agora ponto 25.º continua a padecer do mesmo vício que havíamos afirmado quanto à anterior redação do ponto 26.º, pois que, sem dúvidas, se continua a formular uma mera conclusão, com a única diferença de que essa se limitou na nova redação a um período que agora se fixa “entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011” (ligada à expressão “Os descontos para a Segurança Social”) e, por outro lado, mantendo-se do mesmo modo a utilização de uma mera conclusão, também agora se acrescenta que “a partir de janeiro de 2012 incidiram sobre a remuneração-base, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de alimentação e os subsídios de Natal e de férias”. Ou seja, tudo o que aí se diz continua a pressupor um juízo prévio sobre os factos em que assentam/deveriam assentar, ou seja, como anteriormente o afirmámos e agora repetimos, “que descontos foram efetivamente realizados em cada momento (dessa análise resultará, então sim, a constatação ou não de que esses descontos tenham incidido apenas sobre as prestações aí identificadas)”.
Porque assim o entendemos, o novo ponto 25.º deve ser considerado não escrito.
O mesmo ocorre afinal quanto ao ponto 27.º, pois que na sua redação continuam a constar meras conclusões, que, acrescente-se, envolvem mesmo a aplicação do direito, com relevância direta aliás para o que se discute na presente ação.
Assim o consideramos pois que, salvo o devido respeito pela solução alcançada, o Tribunal a quo manteve na nova redação, afinal, tudo o que no nosso anterior acórdão entendemos que deveria ser considerado conclusivo e que por essa razão se deveria ter por não escrito – “verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação” –, limitando-se a acrescentar, admitindo-se que como forma de dar resposta à necessidade que então também afirmámos de concretização sobre o que foi pago em cada momento – se fosse o caso mesmo por cumprimento “do regime estabelecido no artigo 72.º do CPT quanto a factos que, não tendo sido alegados, possam eventualmente ter resultado da produção da prova e que relevantes para a boa decisão da causa” –, em vez de verdadeiros factos, outras conclusões, assim que, a título da prestação relativa a isenção de horário de trabalho, a Ré pagou ao Autor “€465,27 no ano de 1995, €467,13 no ano de 1996, €614,85 no ano de 1997, €632,40 no ano de 1998, €658 no ano de 1999, €619,98 no ano de 2000, €705,55 no ano de 2001, €664,12 no ano de 2002, €666,02 no ano de 2003, €750,91 no ano de 2005, €757,87 no ano de 2006, €758,22 no ano de 2007, €758,48 no ano de 2008, €764,60 no ano de 2009, €764,71 mo ano de 2010, €764,94 no ano de 2011, €764,94 no ano de 2012, €766,94 no ano de 2013, €762,43 no ano de 2014, €765,80 no ano de 2015, €756,80 no ano de 2016 e €170,02 no ano de 2017”.
Ou seja, o que se constata é que o Tribunal recorrido, não atendendo ao nosso anterior acórdão, seja ao aí determinado (exclusão do que antes fizera constar e que agora manteve), seja ainda ao então sugerido (apuramento factual, eventualmente mesmo por cumprimento do regime estabelecido no artigo 72.º do CPT quanto a factos que, não tendo sido alegados, pudessem eventualmente ter resultado da produção da prova e que fossem relevantes para a boa decisão da causa), se limitou a acrescentar na nova redação o que já resultara dos cálculos que afirmara na anterior sentença ter realizado, com base na análise dos recibos que disse ter feito, e não pois, em factos que constassem do elenco factual que considerara provado.
Veja-se que tal modo processual de atuar foi aliás considerado como gerador de vício de nulidade da sentença, mais uma vez no nosso anterior acórdão, quando escrevemos o seguinte:
“(...) Já por sua vez, quanto à primeira questão invocada, assim de a sentença não especificar fundamentos de facto que justifiquem a condenação da ré no pagamento do IHT, nos subsídios de férias e de natal entre 1995 e 2017, não poderemos deixar de reconhecer razão à Ré/recorrente.
É que, vista a fundamentação da sentença, de facto e de direito, constata-se que, salvo o devido respeito, os factos que se fizeram constar da factualidade provada não permitem, por si sós, a condenação afirmada pelo Tribunal a quo, no que aos aludidos subsídios se refere.
Assim o dizemos pois que, no caso, a única referência que consta do elenco factual provado incerto na sentença que pode alicerçar a condenação nas referidas diferenças é a constante do ponto 28.º, referência essa que, como aliás o sustenta a Ré, é afinal conclusiva, envolvendo um juízo sobre outros factos que sequer se fizeram constar daquele elenco factual provado – assim, tendo por base o que foi efetivamente pago ao longo da relação referente a tais subsídios, o juízo sobre se, desses factos, resulta ou não a afirmação que se fez constar, assim de que a prestação relativa a isenção de horário de trabalho não foi (ou foi) considerada –, em termos que infra afirmaremos.
É verdade que ressalta da motivação da sentença que terão sido os recibos de vencimento juntos aos autos que estiveram na base da formulação desse juízo conclusivo, assim por (eventual) verificação das premissas em que esse assentaria. Porém, tal como de resto invoca a Ré/apelante, a mera junção de documentos não supre, por si só, a falta de alegação de factos cujo ónus impenda sobre as partes, assim, no caso, o que foi ou não pago e a que título ao Autor, de tal modo que quaisquer diferenças salariais existentes (nomeadamente as que invoca, mas que não concretiza depois com a alegação em concreto dos factos) possam ser consideradas.
Acontece porém que a prova produzida, assim os documentos em causa, podendo sem dúvidas (como ocorre na maioria dos casos) fundar a convicção do Tribunal sobre factos que tenham sido alegados pelas partes, pode também, do mesmo modo, dentro do regime estabelecido no artigo 72.º do CPT, justificar a prova de outros factos, ainda que não tenham sido alegados pelas partes, se o julgador os considerar relevantes para a boa decisão da causa.
No entanto, sendo indesmentível que no âmbito laboral são atribuídos ao juiz, face ao que estipula no referido normativo, especiais poderes – que incluem os emergentes da regra geral do aludido artigo 5.º do CPC –, não pode esquecer-se, porém, que esses poderes estão previamente sujeitos ao cumprimento de um regime processual próprio, ou seja, e desde logo, o que resulta do cumprimento do contraditório, o que se encontra expressamente previsto nos n.ºs 1 e 2 do referido artigo 72.º – assim: “1 - Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão. 2 - Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias. (...)”.
Ora, não consta dos autos – assim, nomeadamente, de atas de audiência de discussão e julgamento – que o Tribunal a quo tenha comunicado às partes, expressamente, a intenção de usar de tal faculdade legal, sendo que, do mesmo modo, também tal não resulta da própria decisão proferida sobre a matéria de facto, pois que tais factos dessa não constam elencados como provados, incluindo-se apenas a supra mencionada conclusão (já alegada pelo Autor).
Do exposto resulta que, não permitindo sequer a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo (e só essa importa) dar conformação à conclusão avançada (que terá de ser tida como não escrita, como melhor esclareceremos mais tarde), muito menos o poderá dar no momento da aplicação do direito, sendo que, assim em contrário do que na nossa ótica se imporia, o Tribunal a quo, aliás em extensas considerações – várias páginas –, indicando as razões por que no caso considera que o IHT (isenção de horário de trabalho) deve ser considerado no cálculo dos subsídios de férias e de natal, faz afinal uso do que resultará dos recibos de vencimento juntos para efetuar os cálculos para efeitos de apurar o que tem por devido.
Tal resulta, nomeadamente, quando se refere (citando) o seguinte:
“(…) Sequentemente e levados a cabo os necessários cálculos aritméticos, tem o A. a haver da R. o quantitativo global de €29.599,96, calculado com base no valor anual total auferido pela isenção de horário de trabalho a dividir por doze meses e a multiplicar por dois (subsídio de férias e de Natal), o que, em termos parciais, totaliza €930,54 no ano de 1995, €934,26 no ano de 1996, €1.229,70 no ano de 1997, €1.264,80 no ano de 1998, €1.316 no ano de 1999, €1.239,96 no ano de 2000, €1.411,10 no ano de 2001, €1.328,24 no ano de 2002, €1.332,04 no ano de 2003, €1.501,82 no ano de 2005, €1.515,74 no ano de 2006, €1.516,44 no ano de 2007, €1.516,96 no ano de 2008, €1.529,20 no ano de 2009, €1.529,42 no ano de 2010, €1.529,88 no ano de 2011, €1.529,88 no ano de 2012, €1.533,88 no ano de 2013, €1.524,86 no ano de 2014, €1.531,60 no ano de 2015, €1.513,60 do ano de 2016 e €340,04 do ano de 2017. Ressalve-se que, quanto ao ano de 2004 e por não possuirmos os recibos de vencimento dos meses de janeiro, fevereiro, março, maio, junho e julho, impossível se torna calcular, em termos médios, o montante que o A. nesse ano auferiu a título da apelidada isenção de horário de trabalho, razão pela qual se relega a respetiva quantificação para execução de sentença.”
Ora, como se disse já, uma coisa são os factos e outra, diversa, os meios de prova, assim os documentos, realidades que não se confundem, razão pela qual, sendo intenção do Tribunal a quo considerar os factos que resultassem desses documentos, se imporia que, fazendo uso da faculdade/dever prevista no citado artigo 72.º do CPT, tivesse dado os mesmos como provados, fazendo-os figurar na decisão proferida sobre a matéria de facto, o que não fez. Porque assim se considera, não poderemos deixar de concluir que se verifica falta de especificação dos fundamentos de facto que sustentem os cálculos efetuados no momento da aplicação do direito, referentes ao auferido por isenção de horário de trabalho, acompanhando-se assim nesta parte o invocado pela Ré/recorrente.
Do exposto resulta, concluindo, que ocorre a invocada nulidade da sentença, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Admitindo-se porém que tivesse estado na base da posição assumida pelo Tribunal recorrido de considerar tais factos no âmbito do que se estabelece no citado artigo 72.º – que que os teve em consideração no momento da aplicação do direito –, colocando-se então a questão de saber se este Tribunal de recurso, aqui e agora, suprindo desse modo a nulidade verificada, pode considerar tais factos, a nossa resposta não pode deixar de ter em conta a posição que temos assumido noutros arestos, em que a questão foi colocada – muito embora então em casos em que o recorrente pretende fazer uso de factos novos –, assim no sentido de que, não tendo o tribunal de 1.ª instância feito uso do citado preceito legal, não compete ao tribunal da Relação, em sede de recurso, tomar esses eventuais factos em consideração sem mais e, desse modo, suprir a inércia daquele tribunal, dando os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo) – só ao Tribunal a quo, no uso do poder/dever conferido pelo aludido artigo 72º do CPT, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se for esse o caso, compete considerar provada tal factualidade[9]. (...)”
A. a haver da R. o quantitativo global de €29.599,96, calculado com base no valor anual total auferido pela isenção de horário de trabalho a dividir por doze meses e a multiplicar por dois (subsídio de férias e de Natal), o que, em termos parciais, totaliza €930,54 no ano de 1995, €934,26 no ano de 1996, €1.229,70 no ano de 1997, €1.264,80 no ano de 1998, €1.316 no ano de 1999, €1.239,96 no ano de 2000, €1.411,10 no ano de 2001, €1.328,24 no ano de 2002, €1.332,04 no ano de 2003, €1.501,82 no ano de 2005, €1.515,74 no ano de 2006, €1.516,44 no ano de 2007, €1.516,96 no ano de 2008, €1.529,20 no ano de 2009, €1.529,42 no ano de 2010, €1.529,88 no ano de 2011, €1.529,88 no ano de 2012, €1.533,88 no ano de 2013, €1.524,86 no ano de 2014, €1.531,60 no ano de 2015, €1.513,60 do ano de 2016 e €340,04 do ano de 2017. Ressalve-se que, quanto ao ano de 2004 e por não possuirmos os recibos de vencimento dos meses de janeiro, fevereiro, março, maio, junho e julho, impossível se torna calcular, em termos médios, o montante que o A. nesse ano auferiu a título da apelidada isenção de horário de trabalho, razão pela qual se relega a respetiva quantificação para execução de sentença.”
Para além do mais, limitando-nos pois aqui a analisar apenas a questão referente à concretização factual que entendemos ser necessária, o que se constata é que o Tribunal recorrido, em vez de atender ao que determinámos e sugerimos no anterior acórdão que proferimos, se limitou a acrescentar no ponto 27.º do elenco factual que fez constar da nova sentença, o resultado dos cálculos que efetuara na anterior sentença, no momento em que procedeu aí à aplicação do direito, assim o que considerou ser devido nos subsídios de férias e Natal, no período que entendeu ser de atender, ou seja, como aí o referiu, “calculado com base no valor anual total auferido pela isenção de horário de trabalho a dividir por doze meses”, com a única diferença de que agora não multiplicou, como então, por dois – “e a multiplicar por dois (subsídio de férias e de Natal)”[10].
Ora, porque assim é, não respondeu então o Tribunal recorrido ao por nós afirmado e ainda sugerido no nosso acórdão, padecendo afinal a nova redação do ponto que se analisa do mesmo vício de que antes padecia, ou seja, fazendo-se constar do mesmo meras conclusões, com a agravante de não serem acompanhadas dos factos concretos que lhes pudessem servir de base, conclusões essas que, acrescente-se, envolvem também a aplicação do direito – desde logo quanto ao pressuposto que lhes serve de base de que deva atender-se, como se atendeu, ao valor anual total auferido pela isenção de horário de trabalho (base de cálculo), a dividir por doze meses[11].
Pelo exposto, procedendo o recurso nesta parte, deve considerar-se não escrito o que consta do apreciado ponto 27.º do elenco factual provado constante da sentença.

Mas mais, acrescentamos ainda, agora a propósito do que se fez constar nos pontos 28.º e 29.º do elenco factual que se considerou provado na nova sentença.
É que, sendo-lhe afinal também por essa razão aplicável o mesmo regime, constata-se que a redação desses pontos comporta, do mesmo modo, menções meramente conclusivas/valorativas, com a agravante de poderem assumir relevância ao nível da aplicação do direito, e que, por isso, importa também considerar não escritas.
Na verdade, visto o conteúdo do que o Tribunal a quo considerou como facto provado, constata-se que, constando do ponto 28.º que a prestação designada por isenção de horário de trabalho foi paga mensalmente, doze vezes por ano, desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016, a afirmação que se faz de seguida, ou seja que “não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos”, para além da sua formulação pela negativa (que pode desde logo afrontar as regras de repartição do ónus da prova), podendo ainda entrar em colisão com factualidade provada (assim, para além de outros, os pontos 10.º a 12.º, que referem a atribuição de isenção de horário de trabalho nos termos desses constantes), comporta afinal, sem dúvidas nossas, uma mera conclusão (envolvendo ainda um juízo de valor ao nível da aplicação do direito), assim a de saber se decorria ou não do que aí se afirma (qualquer regime de tempo ou horário de trabalho específicos), sendo que a resposta, ou seja a conclusão que se afirma, terá afinal de ser dada não em sede factual e sim, noutros termos, no momento da aplicação do direito, com base nos factos provados, particularmente ao nível do que deve ser tido, e em que termos, como retribuição.
O mesmo se conclui, mas neste caso quanto a todo o seu conteúdo, sobre o ponto 29.º, por se traduzir em mera conclusão a afirmação de que “as prestações de isenção de horário de trabalho e veículo para uso pessoal e profissional são prestações que sempre foram praticadas na R. e que não estão associadas necessariamente a cargos de direção”. Na verdade, tais conclusões, assim o saber-se se são ou não prestações que sempre foram praticadas na Ré ou ainda se estão ou não associadas necessariamente a cargos de direção, terão de ser retiradas dos factos provados, com a relevância que possam então assumir, sendo esse o caso, ao nível da aplicação do direito.
Nos termos expostos, determina-se a eliminação dos pontos 25.º, 27.º e 29.º do elenco factual tido como provado na sentença, passando o ponto 28.º a ter a redação seguinte:
- “28) A prestação designada por isenção de horário de trabalho foi paga mensalmente, doze vezes por ano, desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016.”
1.3 Por decorrência do que concluímos anteriormente, a base factual a atender, para dizermos de Direito, é aquela que o Tribunal a quo considerou, com as alterações antes afirmadas.
2. O Direito do caso
2.1 Intróito delimitativo do recurso
Face ao que fez constar das conclusões, sustenta a Apelante que foi por causa e devido à nomeação do Autor para o exercício de cargos departamentais, que lhe foram atribuídos IHT, CR e VUP, pelo que, cessando a comissão de serviço em 1 de outubro de 2015, cessou o direito à perceção dessas prestações – não constituindo obstáculo de qualquer natureza a circunstância do pagamento dessas prestações só ter cessado no final de janeiro, dado que, como decorre do documento referente à ultima comissão de serviço, esta situação só poderia ser denunciada com o prazo de 60 dias de aviso prévio, ou seja, após 1 de dezembro de 2015, pelo que o facto dos seus efeitos terem ocorrido dois meses depois não é por si só suscetível de cristalizar o pagamento do IHT e do CR (prestações que pese embora revistam natureza retributiva, não estão sujeitas ao principio da irredutibilidade da retribuição, dado se incluírem naquilo que se ousou designar de retribuição em sentido amplo); não são devidos ao Autor os montantes de 6.974,52 e 267,17, relativamente a IHT e a CR respeitantes ao período posterior a fevereiro de 2016; jamais será devida a quantia de 29.599,96, relativa a média de IHT nos subsídios de natal e de férias entre 1995 e 2016; nos termos do artigo 250º do Cód. do Trabalho de2003 (atual artigo 263º) e como constitui entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça, após dezembro de 2003, o Subsídio de Natal restringe-se à remuneração base e diuturnidades, pelo que após janeiro de 2004 jamais seria devido qualquer valor médio de IHT, no subsídio de natal, não sendo também devido antes, dada a existência de normas convencionais, desde 1995 até 2003, que definiram esse conceito de retribuição (que de acordo com esses preceitos era compreendido pela remuneração base e as diuturnidades); pelas mesmas razões, isto é, pela prevalência que o legislador de 2003 atribuiu às normas convencionais (exceto quando estivessem em causa normas imperativas) nada também seria devido relativo ao valor médio de IHT, no subsídio de férias posteriormente a 2004, uma vez que as normas constantes dos IRCT´s publicados em 2001 e seguintes, estipularam, tal como os anteriores, que embora se integrem na retribuição mensal, os abonos percebidos com regularidade e periodicidade, consignou-se, sem margem para dúvida, que só assim será se previsto de forma expressa, o que também nunca se verificou; entre 1995 e 2016, como se demonstrou e está documentalmente provado, a Ré pagou sempre ao Autor valores de subsídio de férias e de natal, superiores aos da remuneração base que auferiu em cada um desses anos. Conclui, a final, resultar manifesto que a sentença proferida infringiu o disposto nos artigos 258º, 263º e 264º do Código do Trabalho, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, julgue a ação improcedente e absolva a Ré de todos os pedidos.
Por sua vez, defende-se nas contra-alegações o acerto do julgado, avançando-se em síntese o seguinte: consagra o n.º 3 do artigo 258.º, do CT, uma presunção de constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido, nos termos conjugados dos artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs 1 e 2, do Código Civil, sendo que, diz, no caso todas as prestações reclamadas foram recebidas com regularidade e periodicidade – sendo que as prestações denominadas IHT, VUP e pacote de Comunicações foram pagas durante mais de 20 anos e a prestação designada por CR foi paga durante mais de 15 anos; sem conceder, sempre a atitude da Recorrente excederia manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social ou económico do direito que alega, pelo que invoca, para os devidos efeitos legais, o abuso do direito (artigo 334º do Código Civil).
Também o Ministério Público junto desta Relação, no parecer que emitiu, se pronuncia no sentido da improcedência do recurso.
Delimitado assim o objeto do recurso ao nível da aplicação do Direito, constata-se, desde logo, que as questões que nesse são levantadas se relacionam diretamente com o que, no caso, deve considerar-se como integrante da retribuição, abordagem que passaremos a fazer seguidamente.
2.2 Da retribuição
2.2.1 Do quadro normativo aplicável
Por referência ao período temporal que releva no caso, constata-se que, ao nível do quadro normativo geral, haverá que atender-se, sucessivamente, ao Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), ao Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (CT/2003), e, o ainda O vigente Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (CT/2009).
Porém, ainda neste âmbito, até porque a Apelante lhes faz alusão nas alegações e genericamente nas suas conclusões, importará verificar, desde já, se serão ou não de aplicar no caso quaisquer cláusulas convencionais, a propósito da definição do que que deve ser tido como retribuição, incluindo sobre o que seria devido nos subsídios de férias e Natal – assim a cláusula 58.ª, n.º 2, do Acordo de Empresa (AE) de 1995 (publicado no BTE nº 3, de 22 de janeiro de 1995 (que refere ser “aplicável ao Autor por força do facto provado em 2”), e a cláusula 59.ª, “tanto do AE de 1996 (publicado no BTE nº 34, de 15 de setembro de 1996) como do AE de 2001 (publicado no BTE nº 11, de 22 de março de 2001)”, AE/2005 (publicado no BTE n.º 19, de 22 de Maio de 2005), o AE/2006 (cláusula 55ª - publicado no BTE n.º 26, de 15 de Julho de 2006), AE/2007 (cláusula 59ª - publicado no BTE n.º 14, de 15 de Abril de 2007), AE/2008 (cláusula 55ª - publicado no BTE n.º 22, de 15 de Junho de 2008), AE/2011 (cláusula 38ª - publicado no BTE n.º 47, de 22 de Dezembro de 2011) e o AE/2013 (cláusula 55ª - publicado no BTE n.º 20, de 29 de Maio de 2013) –, o que justifica, pois, que se conheça desde já desta questão.
Ora, e esse respeito, e desde logo, o que se constata é que só agora, em sede de recurso, a Recorrente/ré invoca serem aplicáveis à relação laboral os AE que refere, pois que não o fez na ação, assim na sua contestação, sendo que, não tendo também sido invocados pelo Autor (pois que a esses não fez qualquer referência), do mesmo modo não foram tidos em conta na sentença recorrida, que é completamente omissa a esse respeito.
Trata-se, pois, de questão nova, por não ter sido colocada ao Tribunal recorrido, de tal modo que esse sobre a mesma se pudesse pronunciar.
Ora, como é consabido, a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo pois confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Assim o tem afirmado a doutrina e a jurisprudência, escrevendo-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2016[12], a propósito, o seguinte:
“De acordo com a terminologia proposta por Teixeira de Sousa [13], não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.
Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido.[14]
Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.
A este propósito, também Abrantes Geraldes[15] explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas.
O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas [16](…)”
Não obstante, ainda que assim não fosse, sequer a factualidade provada permitiria, sem mais, ter por aplicáveis ao caso os referidos AE.
É que, e desde logo, não é bastante para o efeito o ponto 2.º da factualidade provada invocado pela Apelante, pois que nesse se refere apenas a celebração do contrato de trabalho em 1 de fevereiro de 1979, o que é insuficiente para tais efeitos, nada constando, o que se tornaria necessário, sobre se o Autor era ou não filiado num sindicato que o tivesse subscrito. Na verdade, como se sabe, em matéria de contratação coletiva vigora o princípio da filiação, nos termos do qual os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho de carácter negocial obrigam as entidades empregadora subscritoras (ou associadas de associação subscritora) e os trabalhadores ao seu serviço filiados em sindicato subscritor (artigos 496.º do CT/2009 e 552.º do CT/2003), sendo que, e por outro lado, nada decorre da matéria de facto alegada e dada como provada que tais AE fossem, ou tivessem que ser, e já agora por que razão, aplicados na concreta relação jurídica estabelecida entre as partes, a que se reportam as prestações complementares em causa no recurso.
Porque assim é, salvo o devido respeito, não se vê que, para efeitos da questão de saber o que deve integrar o conceito de retribuição no caso, deva ser, como o pretende apenas em sede de recurso a Ré, interpretado à luz de cláusula constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, assim os AE mencionados, razão pela qual, sem necessidade de considerações adicionais (até porque prejudicadas por se trtar também de questão nova), improcedem as conclusões do recurso quanto a esta questão, tanto mais que outros fundamentos não são invocados, não nos merecendo assim censura o recurso à LCT e CT de 2003 e 2009 pelo Tribunal a quo, sem prejuízo, naturalmente, do que afirmaremos infra, a propósito da sua aplicação ao caso.
2.2.2 Da retribuição e sua invocada irredutibilidade
Esclarecida a questão se antes se mencionou, cumprindo então avançar na apreciação, dentro do citado quadro normativo, em resposta sobre o que há de entender-se por retribuição, resultava do artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, nos seus n.º s 1 a 3, que “só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho “a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2), sendo que, e “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º 3). Ou seja, face ao citado n.º 3, tendo em conta os princípios de repartição do ónus da prova, especificadamente o disposto no n.º 1 do artigo 344.º do Cód. Civil, é sobre o empregador que impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição. Em termos de sucessão de vigência de normas até ao presente, constata-se que o referido artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003 corresponde, sem alterações relevantes quanto ao que ao caso interessa, aos n.º s 1 a 3 do artigo 82.º da LCT, aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24.11.1969, em vigor até à sua entrada em vigor, sendo que, por sua vez, o Código de Trabalho de 2009 não introduziu alterações quanto a esse regime, agora consagrado nos artigos 258.º a 269.º.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2012[17], a retribuição representa “a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.”
Assim, devendo entender-se por regularidade da prestação que essa não é arbitrária, mas sim constante, a periodicidade determina que essa seja paga em períodos certos ou tendencialmente certos no tempo, assumindo-se assim esta ideia de periodicidade como típica do contrato de trabalho.
Do exposto resulta que, sendo em primeira linha a retribuição determinada diretamente pelo clausulado do contrato e pelos usos laborais – sem esquecermos, naturalmente, o que resulta ainda de certos critérios normativos, como o sejam o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc. –, já num segundo momento, porém, lhe poderão acrescer certas prestações que preencham os aludidos requisitos de periodicidade e regularidade. Sublinhando o primeiro critério a ideia de correspetividade ou contrapartida negocial – é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho –, já o segundo, por sua vez, assenta numa presunção – considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expetativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato[18]. Deste modo o tem afirmado a doutrina e a jurisprudência, que nos têm dado, também, critérios para que seja encontrada a solução, caso a caso[19].
Em suma, pode dizer-se que a retribuição do trabalho se assumirá como “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”[20], sendo a mesma integrada não só pela remuneração de base como ainda por outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário[21].

Depois de nos termos pronunciado sobre o que deve ter-se por integrado na retribuição do trabalhador, importa agora aflorar uma questão diretamente relacionada com a própria natureza dessa retribuição, de resto com assento na lei, assim no artigo 129.º, n.º 1, al. d), do CT/2009 – anteriormente, no CT/2003 seu artigo 122.º, alínea d) –, em que se estabelece o princípio de irredutibilidade da retribuição, no sentido de que esta não pode ser diminuída, salvo casos específicos previstos na lei, nas portarias de regulamentação do trabalho e nas convenções coletivas.
Ora, como tem sido afirmado pela Doutrina e Jurisprudência, tal como referido no Acórdão desta Relação de 2 de março de 2017[22], a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares, como evidenciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de abril de 2009[23] em que se refere que “as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”, “isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição”[24]. Ou seja, do que fica dito resulta ser permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do analisado princípio.
Importa pois verificar se, e em que medida, é esse ou não o caso quanto às prestações que são objeto do presente recurso, por aplicação do regime antes afirmado, tarefa a que nos propomos de seguida.
2.2.2.1 Da isenção de horário de trabalho / IHT
Nas conclusões do seu recurso a Ré questiona o decidido na sentença recorrida quanto à questão da isenção de horário de trabalho.
No âmbito de vigência da LCT o regime jurídico da duração do trabalho veio a ser regulado pelo Decreto-lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, desse constando, quanto à isenção de horário de trabalho, no seu artigo 13.º o seguinte:
1. Poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades patronais, os trabalhadores que exerçam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização.
2. Os requerimentos de isenção de horário de trabalho, dirigidos ao I. N. T. P., serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados”
Por sua vez, estabeleciam-se no artigo 14.º as condições para o seu estabelecimento[25] e no artigo seguinte os seus efeitos[26].
Já no Código do Trabalho de 2003 (CT/2003) tal matéria passou a ser regulada nos seus artigos 177.º e 178.º, dizendo o primeiro respeito às “Condições de isenção de horário de trabalho” e o segundo, por sua vez, aos “Efeitos da isenção de horário de trabalho”, sendo que deste resultaram algumas alterações, como se evidencia no Acórdão desta Relação e Secção de 11 de Julho de 2018[27], nos termos seguintes (transcrição):
“(...) Decorre do primeiro artigo, em continuidade do regime anterior, que a lei não admite genericamente a possibilidade do trabalhador exercer as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, antes a limitando quanto a determinados trabalhadores, indicados na lei, nomeadamente, os que exercem “cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização, ou de apoio a titulares desses órgãos”, mas agora, em termos inovatórios, alargando essa possibilidade aos que executem a prestação de trabalho nas condições referidas nas alíneas b) e c). Constituindo igualmente uma inovação, veio também admitir-se outras situações de isenção de horário de trabalho, para além daquelas indicadas na lei, mediante previsão em instrumentos de regulamentação colectiva (n.º 3).
Outra inovação resulta do facto da isenção de horário, que no domínio da LDT apenas abrangia a modalidade dos trabalhadores não ficarem sujeitos aos limites máximos dos períodos normais, poder agora corresponder a uma das modalidades especificadas nas três alíneas do n.º1 do art.º 178.º.
E, mais uma outra, resultante logo do n.º 1, do art.º 177.º, quando começa por fazer depender a isenção de horário de trabalho de “acordo escrito” entre o trabalhador e o empregador, que “deve ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho” (n.º3, do mesmo artigo), solução que se distancia do regime anterior, no qual a atribuição de isenção de horário de trabalho nas situações em que era permitida, para ser válida dependia de “requerimento das entidades patronais”, que deviam ser “dirigidos ao I. N. T. P., (..) acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados” (art.º 13.º 1 e 2, do Decreto-lei 409/71). No Ac. da Relação de Coimbra de 19-01-2005 [proc.º 3379/04, Desembargador Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], sobre esta última inovação, levou-se ao sumário o seguinte:
-«[I] Sendo determinante para efeito de haver isenção de horário de trabalho a ocorrência de manifestação de vontades dos respectivos interessados, hoje em dia a autorização do IDICT é uma mera formalidade burocrática, que confirma apenas a verificação dos seus pressupostos legais.[II] Actualmente, como resulta do artº 177º do CPT, a prática do regime de isenção de horário de trabalho pode ser conferida ao trabalhador que se encontre numa das situações elencadas no nº 1 do artº 177º do CPT e apenas por acordo escrito, tendo o empregador apenas de enviar esse acordo à IGT».(...)”
Ainda em termos de sucessão da lei no tempo, importa ter presente o que passou a resultar, nesse domínio, do CT/2009, referindo-se-lhe os artigos 218.º e 219.º.
Acompanhando-se mais uma vez o Acórdão anteriormente citado, constata-se que o CT/2009 não trouxe afinal alterações de relevo “em relação ao precedente CT/03, apenas sendo de assinalar que o legislador veio fazer referência expressa ao “teletrabalho”, como uma das situações de “exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico”, em que é admissível a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho. As alterações de relevo haviam já sido introduzidas com o CT/03.”
Consta ainda do mesmo Acórdão, considerações que acompanhamos, o seguinte:
“(...) A este propósito, Monteiro Fernandes defende o seguinte:
O CT inova consideravelmente nesta matéria. A isenção de horário de trabalho, outrora tratada como um mecanismo absolutamente excepcional, cuja aplicação estava sujeita a controlo administrativo – tendo em vista que a existência de horário de trabalho era de interesse de ordem pública -, é agora regulada como mais um instrumento de flexibilidade na organização do trabalho, entre outros cujo uso fica entregue à gestão dos interessados.
Desde logo, o CT admite a previsão (por via regulamentar colectiva) de novas hipóteses de isenção, para além daquelas que são contempladas nas alíneas do art.º 218.º/1.
Depois, faz depender a isenção de mero acordo das partes (empregador e trabalhador), que tem que ser escrito e enviado (para efeitos de fiscalização) à inspecção do trabalho (art. 218.º/1 e 3). Esse acordo só pode ser eficaz se ocorrer alguma das situações descritas na lei. Mas não há dúvida de que –tendo em conta o que está essencialmente em causa: a inexistência de horário de trabalho e a possibilidade de ultrapassagem dos limites de tempo de trabalho legalmente definidos – o CT baixou aqui, consideravelmente, o nível de tutela, abrindo largo espaço à transacção entre as partes» [Op. cit. p. 383]..
Prossegue mais adiante para afirmar o entendimento seguinte:
- «Desta mudança de regime decorre uma consequência importante. Encarada na lei anterior, fundamentalmente como uma facilidade ou um benefício para o empregador, que, assim, adquiria um meio excepcional de dispor flexivelmente da força de trabalho, ela podia cessar por sua iniciativa unilateral, que, em regra, se exprimiria pela omissão do pedido de renovação anual a dirigir à Inspecção-Geral do Trabalho. E, cessando a isenção, cessaria também, o direito à correspondente retribuição especial. O CT, ao invés, confia a gestão do assunto a ambas as partes, faz assentar a isenção por escrito e inviabiliza, com isso, a hipótese de cessação por vontade unilateral do empregador» [Op. cit. p. 384].
Para além do regime que anteriormente se aludiu importará ainda ter presente, muito embora em conjugação em particular com os factos provados relacionados com os acordos referentes às comissões de serviço em que se encontrou o Autor, a propósito do que aí se previu sobre regime de isenção de horário de trabalho, mas apenas para estes efeitos, as remissões que são feitas para cláusulas de AE e ACT (assim na nomeação em 31 de janeiro de 2011 e com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2011, ao abrigo das Cláusulas 25.ª e 26.ª do Acordo de Empresa, e, em 14 de novembro de e com efeitos a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo das Cláusulas 27.ª e 26.ª do ACT), na medida em que, volta a dizer-se apenas nesta parte – ou seja referente à previsão nesses instrumentos de regulamentação coletiva de regimes de isenção de horário de trabalho –, a própria Autora, ao subscrever tais acordos, deu o seu assentimento[28].
Enquadrada, ainda que de forma breve, a questão, importa então decidir o caso, o que faremos de seguida.
Aplicação ao caso:
Debruçando-se sobre a questão agora em reanálise, consta da sentença recorrida, a esse propósito, o que seguidamente se transcreve[29]:
“(...) Quanto à prestação liquidada a título de “isenção de horário de trabalho”, a mesma seria intocável, sem acordo do A. e da R., se tivesse sido, ab initio, por mútuo consenso fixada (neste sentido, veja-se, v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de abril de 2008, consultável em www.dgsi.pt, bem como, de Pedro Romano Martinez, o Direito do Trabalho, Almedina, 2016, pág. 550, e, de Monteiro Fernandes, o Direito do Trabalho, Almedina, 2014, pág. 341). No entanto, compulsada a matéria de facto tida por provada da mesma não ressalta que a prestação ora em análise tivesse sido acordada entre as partes logo aquando da outorga do contrato de trabalho que as uniu, tanto mais que apenas começou a ser paga em novembro de 1994. Do mesmo passo não se provou que o A. haja, de alguma forma, dado o seu acordo, inicial ou supervenientemente, à referenciada isenção de horário de trabalho. Sequentemente, cabe perguntar: podia a R., unilateralmente, fazer cessar tal prestação? A resposta, a nosso ver, é negativa. De facto e por um lado, restou assente que a prestação por isenção de horário de trabalho não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos, pelo que aquela tem forçosamente de ser considerada retribuição base (art.º 262.º n.º 2 a) do C. do Trabalho). Por outro lado e ainda que assim não se entendesse, a R. não provou, como lhe competia, que tinha fundamentos para, licitamente, declarar cessada a causa justificativa de tal prestação. Pela simples razão de que o trabalhador nunca laborou em efetivo regime de isenção de horário de trabalho. Dito de outra forma e parafraseando, na obra citada, Pedro Romano Martinez, ainda que se possa afirmar que “o subsídio de isenção de horário de trabalho (art.º 265.º do CT), por se encontrar dependente deste regime, será retirado quando terminar a situação de isenção; constituindo, pois, uma vantagem reversível” (no mesmo sentido segue o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de março de 2015 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de outubro de 2016, em www.dgsi.pt), tal retirada ou contração acarreta, acrescentamos nós, uma verdadeira prática de isenção de horário de trabalho, que no caso vertente não se provou.
Ainda àquele propósito, pretende a R. que a prestação por isenção de horário de trabalho esteve confinada aos períodos temporais em que o A. exerceu funções em regime de comissão de serviço. Não obstante, consideramos, salvo melhor opinião, que tal conclusão não se pode retirar da matéria de facto assente. Realmente e conforme já tivemos oportunidade de referir aquando da apreciação crítica da prova, ficou provado que o pagamento da aludida prestação iniciou-se no mês de novembro de 1994, ao passo que as três comissões de serviço que foi possível apurar começaram a produzir os seus efeitos, respetivamente, em 1 de fevereiro de 2006, 1 de janeiro de 2011 e 1 de janeiro de 2014. Mais se provou, com relevo, que todas as comissões de serviço na R., incluindo a do A., cessaram em 1 de outubro de 2015, sendo certo que a primeira continuou a pagar ao segundo a prestação denominada de isenção de horário de trabalho até ao mês de janeiro de 2016, inclusive. Como tal, não vislumbramos em que medida é que a atribuição daquela prestação tenha estado dependente, desde logo no caso do A., da assunção de uma qualquer comissão de serviço. O mesmo se diga, a talhe de foice, relativamente à prestação apelidada de complemento de responsabilidade, liquidada pela R. ao A. desde o mês de março de 2002 até ao mês de janeiro de 2016, tudo inclusive.
Do exposto resulta que o A. tem direito a receber a prestação mensal que lhe era paga a título da apelidada isenção de horário de trabalho, e cujo pagamento deixou de ser efetuado do mês de fevereiro de 2016 em diante. Apesar disso, não podemos esquecer que, precisamente naquele mês em que o A. deixou de auferir a prestação denominada de isenção de horário de trabalho, o mesmo passou a receber uma nova prestação, denominada “Rem. Adicional (Complem. 14)”, no valor mensal de €260,40, a qual foi liquidada doze vezes naquele ano. Como tal, o seu rendimento efetivo mensal foi de forma ilícita diminuído no diferencial entre o valor percebido como isenção de horário de trabalho (€765,80) e o quantitativo recebido a título de “Rem. Adicional (Complem. 14)” (€260,40), seja, €505,40 mensais. Assim e efetuados os necessários cálculos aritméticos, temos que o A. tem direito a receber da R. o montante global de €6.974,52 (€505,40 x 13 meses, acrescido do proporcional - €404,32 - pelo trabalho prestado no mês de março de 2017, até ao decesso do A.). Mas sempre sem prejuízo de a parte processual ativa posteriormente provar que o valor mensal da prestação chamada de isenção de horário de trabalho seria superior, no ano de 2017, a €765,80.”
Apreciando então, chamando à discussão o regime que anteriormente avançámos e que importa aplicar ao caso, salvaguardando naturalmente o devido respeito, não acompanhamos a decisão recorrida.
E não a acompanhamos pois que, até por decorrência da nossa intervenção em sede de matéria de facto, nos termos antes concretizada, não tem assento naquela factualidade a conclusão de que os valores pagos ao Autor a título de isenção de horário de trabalho (IHT), de forma periódica e regular é certo durante largos anos, não decorresse “de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos”, conclusão essa que serviu de base à afirmação do Tribunal a quo de que “aquela tem forçosamente de ser considerada retribuição base (art.º 262.º n.º 2 a) do C. do Trabalho)”. Como não tem assento, do mesmo modo, salvaguardando mais uma vez o devido respeito, a afirmação, do mesmo Tribunal, de que “a R. não provou, como lhe competia, que tinha fundamentos para, licitamente, declarar cessada a causa justificativa de tal prestação”, no pressuposto, que refere também, de que “o trabalhador nunca laborou em efetivo regime de isenção de horário de trabalho”.
Na verdade, diversamente do que o entendeu o Tribunal recorrido, cumprindo apurar se a Ré ilidiu, como lhe competia, a referida presunção – ou seja, se poderemos concluir que fez prova de que a quantia paga ao Autor a título de IHT se destinava a compensar este por estar ele sujeito a esse regime –, caso em que, então, como o entendemos, tal complemento não estará abrangido pelo princípio da irredutibilidade, a que anteriormente fizemos referência – artigos 129.º, n.º 1, alínea d), e 258.º, n.º 4, do CT/2009 –, a nossa resposta é no caso afirmativa.
Desde logo, face ao que resultou provado, importa ter presente que nada consta quanto ao efetivo horário de trabalho a que esteve sujeito o Autor, sendo que, diga-se, este não alegou quaisquer factos concretos nesse sentido, antes dizendo logo na sua petição inicial, de algum modo em contrário, assim no artigo 10.º, que “sempre prestou trabalho desde o início do mesmo até à presente data para além dos limites legais de acordo com as necessidades de trabalho e ordens da R..”
Do mesmo modo, também com relevância, não resultando da mesma factualidade provada que a IHT tivesse sido acordada aquando da celebração do contrato e apenas podendo afirmar-se o seu efetivo pagamento em novembro de 1994 e posteriormente (ponto 15.º da factualidade), não podendo também concluir-se face aos factos provados relacionados com o mesmo regime anteriores à entrada em vigor do CT/2003 que tenham sido remetidos, como a lei vigente à data o determinava, quaisquer comunicações ao I.N.T.P.[30], sempre assumirão relevância os factos relacionados com a nomeação do Autor em comissão de serviço, a que aludem os pontos 10.º a 12.º da factualidade, e em particular a que se refere neste último, assim que, em de novembro de 2013 foi nomeado, em comissão de serviço e com efeitos a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo das Cláusulas 27.ª e 26.ª do ACT, para o cargo de “Responsável Direção Nível 3 na C1…, C1…/C8…/C9… …”, o que foi consubstanciado em acordo escrito, assinado também pelo Autor, do qual consta, nomeadamente, que “em virtude do exercício, em regime de comissão de serviço, do referido cargo, considerado de confiança e para além da retribuição base e outras prestações a que tenha direito por virtude do contrato de trabalho com a Primeira Contraente as prestações acessórias passarão a ser as seguintes: A) Complemento de Responsabilidade no valor mensal de €19,36; B) Prestação mensal de isenção de horário de trabalho no valor de 21% sobre a remuneração base, diuturnidades e complemento de responsabilidade, nos termos ao n.º 2 da cl.ª 68.ª do ACT, paga 12 vezes em cada ano civil; C) Viatura de serviço com possibilidade de Utilização Pessoal (VUP) no valor de €20.000,00 (até ao fim do ALD respetivo); D) Plafond anual integrado de Cartão D… e via verde no montante de €1.500,00; E) Estacionamento; F) Equipamento telemóvel; G) Plafond anual integrado de comunicações/serviços de rede fixa e móvel até ao limite anual de €1.400.00. 2.1. No ano de início ou cessação da presente comissão de serviço as prestações mencionadas no número 2, que sejam definidas em termos anuais, serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão de serviço nesse mesmo ano; 2.2. As prestações acessórias acordadas vigoram exclusivamente durante a comissão de serviço e cessarão automaticamente na data da cessação da mesma, de acordo com as regras previstas no ponto 3 seguinte. 3. Qualquer dos (as) Contraentes pode pôr termo ao presente acordo sem necessidade de invocação de fundamento, mediante comunicação escrita ao (à) outro(a) com a antecedência mínima de 60 dias. (…) A comunicação escrita por parte da Empresa, referida no ponto anterior, poderá revestir a forma de despacho individual de exoneração ou, na sequência de revogação da estrutura organizacional na qual esteja inserido o órgão do qual é responsável o trabalhador nomeado em comissão de serviço, de despacho genérico de cessação das comissões de serviço, valendo a data de entrega ou divulgação do referido despacho como data de início do decurso do prazo de aviso prévio. 3.2 No caso de não cumprimento do aviso prévio por parte da Primeira Contraente, (…) esta assegurará o pagamento das prestações referidas no ponto 2 pelo período de aviso prévio em falta. 4. A cessação da comissão de serviço implicará o regresso do(a) Segundo(a) Contraente ao desempenho das funções inerentes à sua categoria de CONS-SN, ou à que entretanto haja ascendido, decorrente do contrato de trabalho existente entre ambos os Contraentes, e a cessação das prestações acessórias mencionadas no ponto 2. 5. O presente acordo revoga e substitui com efeitos a 01.01.2014 o anteriormente celebrado.”;
É que, encurtando razões, cumpridas quanto a esse acordo a forma escrita prevista no n.º 1 do artigo 177º, do CT/2009 – única que se mantinha legalmente na data da celebração –, do mesmo constam elementos que permitem o seu enquadramento legal, incluindo quanto à sua justificação, tendo presente que desse consta que o cargo para que era nomeado o Autor, como o seu acordo (de resto expressamente enquadrada a comissão nas Cláusulas 27.ª e 26.ª do ACT), era “considerado de confiança”, o que encontra enquadramento legal, assim na alínea a), do n.º 1, do artigo 218º do CT/2009.
Deste modo, temos que o referido acordo, que incluía também o exercício das funções em IHT, celebrado em novembro de 2013 e com efeitos a 1 de janeiro de 2014, porque assinado também pelo Autor – sem que o mesmo tenha logrado provar, como se lhe impunha caso pretendesse atacar a sua validade, que a declaração que desse consta como lhe sendo atribuída não correspondeu à sua vontade, ou que porventura esta tivesse sido afetada por algum vício de vontade –, é plenamente válido e eficaz.
Como se refere no Acórdão desta Secção de 11 de Abril de 2018[31], o Autor “não podia desconhecer que pela perda de disponibilidade que o regime de isenção de horário de trabalho acarreta era compensado com a verba aí indicada [o que aliás tinha já acontecido quando deu o seu acordo aos pedidos de isenção de HT referidos nos factos (…)]. Acresce dizer que tal complemento não ficou a constar dos vários contratos de trabalho celebrados pelo Autor, ou seja, a sua atribuição não decorre do próprio contrato de trabalho, o que igualmente afasta a sua natureza retributiva. E finalmente, o Autor não provou, não obstante ter assinado o acordo de isenção de horário de trabalho celebrado em 2006, ter sempre trabalhado no horário pré-definido pelo Réu, horário que nem sequer alegou qual seria (…). Assim sendo, logrou o Réu provar que o Autor esteve sujeito ao regime de IHT e como tal a quantia que consta dos recibos de vencimento traduz o pagamento da retribuição especial a que se alude no acordo de IHT.”
Restando averiguar, do mesmo modo que no Acórdão citado, se tal IHT poderia ter sido declarada cessada pela Ré, com a consequente retirada da retribuição especial auferida a esse título, constatando-se que as partes fizeram constar do acordo de nomeação do Autor em comissão de serviço e que incluía a IHT, que as “prestações acessórias acordadas vigoram exclusivamente durante a comissão de serviço e cessarão automaticamente na data da cessação da mesma”, podendo no entanto qualquer dos contraentes pôr termo ao acordo sem necessidade de invocação de fundamento, mediante comunicação escrita ao outro com a antecedência mínima de 60 dias, nada obstava a que a Ré, como o fez, nos termos provados, fizesse tal denúncia, não ocorrendo pois com a sua consequente cessação, com a consequente retirada da prestação que era paga de IHT, tanto mais que então o Autor já exercia apenas funções técnicas (ponto 13.º da factualidade provada), a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, nos termos e com o enquadramento a que anteriormente já fizemos referência.
Citando de novo o Acórdão desta Secção antes indicado – e em conformidade aliás com o que dissemos supra –, “(…) tem sido este o entendimento do STJ, ao considerar que a prestação por isenção de horário de trabalho apenas é devida enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir a mesma logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – acórdão do STJ de 22.09.2011 em www.dgsi.pt. Neste sentido é também o acórdão desta Secção Social de 10.10.2016 (…) e cujo sumário é o seguinte: “I. O princípio da irredutibilidade da retribuição não é extensivo a toda e qualquer prestação que tenha natureza retributiva, havendo que apreciar, caso a caso, da concreta função ou razão da sua atribuição de tal modo que, cessando licitamente a causa justificativa da sua atribuição, poderá igualmente cessar o pagamento da contrapartida correspondente. II. É este o caso da isenção de horário de trabalho, em que o trabalhador não fica sujeito, na medida da isenção concedida, aos limites do horário de trabalho fixado, podendo, dentro do limite dessa isenção, ser-lhe exigida a prestação de trabalho e sem que o trabalhador possa reclamar o pagamento do correspondente trabalho que seria considerado como suplementar. E, daí, que deva o trabalhador ser por isso compensado com a atribuição de um acréscimo remuneratório, vulgo subsídio de horário de trabalho. III. Mas, pese embora a natureza retributiva de tal prestação, ela não está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo deixar de ser paga se cessar licitamente a causa justificativa da sua atribuição, qual seja a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho”.
No mesmo sentido, o Acórdão desta Secção de 11 de Julho de 2018[32], aí se escrevendo que, “(…) sendo inequívoco que o autor aceitou essas condições acertadas no acordo de 2006, entre elas a possibilidade de ser denunciado por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de dois meses, a decisão unilateral da Ré - que observou aquele prazo por via da comunicação de 9 de abril de 2015, para produzir efeitos a partir de 1 de Julho de 2015 - transmitindo-lhe a cessação do regime de Isenção de horário de Trabalho e, consequentemente, do pagamento da retribuição adicional, não consubstancia violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art.º 129.º n.º 1, al. d), do CT.”
Por último, precisamente por decorrência de tudo o que anteriormente se concluiu, não se vislumbra, salvo o devido respeito, como possa a situação ser enquadrada nos quadros do abuso do direito, invocação também feita ex novo nas contra-alegações em sede de recurso.
De facto, definindo-se em traços gerais o abuso do direito como um instrumento que permite paralisar atuações que, apresentando-se formalmente como um modo de exercício aparentemente legítimo de um direito, porém, no caso concreto acabam por colidir e agredir, por o deturparem, o sentimento de justiça dominante na ordem jurídica – dispondo-se, em conformidade, de modo a garantir que esse legítimo sentimento de justiça não seja afinal afetado, no artigo 334.º do Código Civil (CC) que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” –, no caso que se aprecia, com o enquadramento anteriormente dado, a atuação da Ré aí se não enquadra, na exata medida em que essa tem, afinal, cobertura legal e, ainda, o acordo celebrado livremente pelas partes, sendo pois legítima.
Neste mesmo sentido, em situação similar quanto a esta questão, decidiu este mesmo Coletivo no acórdão de 29 de abril de 2019, em que eram partes a mesma Ré e como Autora uma outra trabalhadora – apelação 3644/17.8T8AVR.P1 –, posição que, pois, mantemos.
2.2.2.2 Do denominado “Complemento de responsabilidade”
Sustenta ainda a Apelante não serem devidos ao Autor os montantes de complemento de responsabilidade, respeitantes ao período posterior a fevereiro de 2016, pugnando pela revogação da sentença na parte em que foi condenada a esse título, assim na quantia de €267,17.
Defendendo-se mais uma vez nas contra-alegações o acerto do julgado, o Tribunal recorrido, a respeito da prestação aqui em causa, fez constar nomeadamente o seguinte:
(...) No que diz respeito à prestação denominada de complemento de responsabilidade, relembremos que se provou que a R. pagou ao A. aquela desde o mês março de 2002 até ao mês de janeiro de 2016. Do mesmo passo se provou que a referenciada prestação apenas era recebida, com exceção do A., pelos trabalhadores que exercessem cargos de gestão, sendo certo que o A. deixou de o fazer a partir de julho de 2015. Sendo assim, conclui-se que aquele complemento de responsabilidade foi atribuído ao A. enquanto o mesmo exerceu funções de gestão. Cessadas estas, finda a atribuição daquele complemento. Não obstante, o certo é que a R. continuou a pagar ao A. o dito complemento, o que fez até janeiro de 2016, inclusive, criando assim no espírito do mesmo – que, realce-se, já vinha recebendo mensalmente a apontada prestação, de forma ininterrupta, desde março de 2002 – a legítima convicção de que aquele constitui um complemento normal do seu salário. Realmente, se a R., como propugna, entendesse o complemento de responsabilidade como estando umbilicalmente ligado a um cargo de gestão, nunca deveria ter continuado a pagar ao A., findo aquele, o dito complemento. Se o fez durante seis meses seguidos assumiu a natureza retributiva da prestação em causa.
Em consequência, entendemos que o complemento de responsabilidade faz parte da retribuição em sentido estrito do A., estando, assim, abrangido pelo princípio da irredutibilidade a que acima aludimos. Em consequência, tem o A. direito a haver da R. a quantia global de €267,17 (€19,36 x 13 meses, acrescido do proporcional - €15,49 - pelo trabalho prestado no mês de março de 2017, até ao falecimento do A.). Sem prejuízo da prova, em momento processual posterior, de que tal complemento de responsabilidade seria de valor superior ao de € 19,36 mensais no ano de 2017. (...)”
Valendo também neste caso as considerações que efetuamos anteriormente a propósito da IHT, designadamente a propósito de constar expressamente previsto também este complemento associado à nomeação do Autor em comissão de serviço (situação em que esteve desde 1 de fevereiro de 2006 a 1 de outubro de 2015), não encontramos aqui razões que justifiquem a sua não sujeição ao regime que afirmámos ser aplicável à IHT. De facto, apesar de esse ter sido pago desde momento anterior, assim desde março de 2002 (cerca, pois, de quatro anos antes das referidas comissões de serviço), encontramos elementos na matéria de facto que nos permitem associá-lo, ainda assim, diversamente do que o entendeu o Tribunal recorrido, à natureza das funções exercidas pelo Autor na empresa, que seriam sem dúvidas de responsabilidade. Demonstrando-o, a circunstância de ter sido chamado a exercer as funções aquando das comissões de serviço, essas inegavelmente de responsabilidade, sendo certo, ainda, foi também ele, afinal (ponto 5.º da factualidade), quem “liderou a primeira transmissão através de rede de telecomunicações do sinal de televisão no Porto; liderou a primeira instalação de cabo de fibra ótica no Porto com mão-de-obra interna; envolvimento em especificações da rede a nível da U.I.T. (União Internacional de Telecomunicações), da E.T.S.I. (European Tecnical Standard Institute) e do G.S.L.B. (Group Special Large Band); envolvimento nos estudos de mercado para introdução da TV Cabo em Portugal, chegando a ser diretor técnico da TV Cabo no Porto; participação em contratos no âmbito da telemática rodoviária, nomeadamente com a Ascendi”. Mais uma vez sinal dessa responsabilidade que estava associada às funções que exerceu, o facto, provado, de a referida prestação apenas ser paga, com exceção do Autor, a quem assumisse cargos de gestão (ponto 43.º da factualidade). Por outro lado, sendo verdade que a Ré continuou a pagar ao Autor o dito complemento, o que fez até janeiro de 2016, não se vê, mais uma vez salvo o devido respeito, face ao prazo de denúncia que foi previsto na última nomeação em comissão de serviço, de que modo criaria no espírito do Autor “a legítima convicção de que aquele constitui um complemento normal do seu salário”.
Daí que, também neste caso, entendamos que não foi afetado o princípio da irredutibilidade da retribuição, com a retirada do analisado complemento, pois que, como se disse, podendo concluir-se que estava associado à especial responsabilidade inerente às funções exercidas pelo Autor, em particular nas comissões de serviço que se verificaram, pelo que, cessadas essas, deixando pois de se impor ao Autor o exercício das correspondentes funções (assim a causa justificativa da sua atribuição), de modo lícito, poderia a Ré, igualmente, cessar o pagamento da contrapartida correspondente.

2.2.3 Face ao que afirmámos anteriormente, procedendo o recurso quanto a estas questões, daí decorre, por consequência, a revogação da sentença, na parte em que incluiu na condenação – com os fundamentos que nessa fez constar[33] –, assim na alínea a) do dispositivo, o “montante global de €6.974,52 (€505,40 x 13 meses, acrescido do proporcional - €404,32 - pelo trabalho prestado no mês de março de 2017, até ao decesso do A.)”, como ainda, seguidamente, quando refere “mas sempre sem prejuízo de a parte processual ativa posteriormente provar que o valor mensal da prestação chamada de isenção de horário de trabalho seria superior, no ano de 2017, a €765,80.”
2.2.4 Veículo de Utilização Permanente
A Apelante, face ao que fez constar das suas conclusões, que como se sabe delimitam o objeto do recurso, apenas na conclusão 12.ª faz expressa alusão a esta questão, quando refere que “foi por causa e devido à nomeação do Autor para o exercício desses cargos Departamentais, que lhe foram atribuídos IHT, CR e VUP”.
Pugnando-se nas contra-alegações pelo acerto do julgado, cumprindo apreciar, fez constar da sentença recorrida, a esse propósito, o seguinte:
“(...) Iniciando pela questão da viatura automóvel disponibilizada pela R. ao A., temos que se provou que tal sucedeu a partir de julho/agosto de 1990, ou seja, em momento muito posterior à contratação do A., ocorrida em 1 de fevereiro de 1979.
Do mesmo passo provou-se que aquela viatura foi usufruída pelo A. até 1 de abril de 2016.
Por outro lado, as viaturas que a R. foi entregando ao A. ao longo daqueles anos destinaram-se sempre, não apenas ao uso profissional por parte deste último, mas também ao seu uso pessoal, para ele usufruir durante a semana, levando-as para casa após o horário de trabalho, fins-de-semana e férias, ficando os sucessivos veículos sempre na posse e fruição do A., que os utilizava para os fins que entendia, entre outros, deslocações com a família e deslocações para férias.
Além disso, a R. responsabilizou-se sempre pelos encargos financeiros relativos à disponibilidade dos mencionados veículos, bem como pelos encargos com manutenção, pneus, reparações, imposto de circulação automóvel, seguro, estacionamento, D… e Viva Verde – desconto.
Ou seja, lançando mão do que atrás se referiu a propósito do conceito de retribuição, não existem quaisquer dúvidas que neste caso concreto a atribuição do uso de uma viatura automóvel ao A. consubstancia uma prestação em espécie, que integra a retribuição daquele.
Tanto mais que a R. não alegou, nem provou, que o uso do veículo por banda do A. se tratava de uma mera liberalidade ou de um ato de mera tolerância (neste sentido, veja-se, v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2014, em www.dgsi.pt).
Em consequência, a decisão tomada pela R. de, a partir de 1 de abril de 2016, deixar de disponibilizar ao A., nos termos até aí habituais, o veículo em questão, teve necessariamente repercussões na esfera da retribuição auferida pelo segundo, na parte correspondente ao valor patrimonial da respetiva prestação em espécie.
Note-se que o simples facto de a R. retirar o veículo ao A., só por si, não consubstancia a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. Com efeito e conforme já acima deixamos explanado, quando a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos, é lícito ao empregador diminuir o valor de algumas delas (ou até suprimi-la integralmente), desde que o quantitativo da retribuição global resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração.
Ou seja, qualquer empregador é perfeitamente livre de retirar o uso da viatura a um trabalhador, até porque tal decisão mais não é do que um ato de gestão, que está na sua inteira disponibilidade. Porém, para que não haja qualquer diminuição do valor global mensal auferido, ele tem necessariamente de “compensar” esse mesmo trabalhador, designadamente passando a pagar-lhe em dinheiro (ou por qualquer outra via) quantia idêntica ao benefício patrimonial que aquele tirava do uso da viatura. Caso contrário, o empregador estará a violar frontalmente o princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado na nossa lei laboral.
Ora, na situação sub judice sabemos que a R. deixou de disponibilizar ao A., para efeitos profissionais e pessoais, um veículo automóvel, sem que lhe tenha dado outro em troca, nem procedido a qualquer retificação da sua remuneração restante. Apenas lhe concedeu, entre outras, a possibilidade de adquirir tal viatura, no fim do prazo do A.L.D., pelo valor residual, ao que o A. acedeu.
Em consequência, o A. sofreu efetivamente uma diminuição da sua retribuição mensal, correspondente ao valor patrimonial do uso da viatura que até então lhe estava adstrita.
Sequentemente, está a R. obrigada a pagar ao A. a quantia correspondente a todo o tempo durante o qual perdurou a situação de diminuição da retribuição, isto é, desde 1 de abril de 2016 até ao decesso daquele sujeito processual ativo. (...)”
Ora, como se viu, a Apelante limita-se a afirmar que a prestação que agora se aprecia está diretamente ligada aos cargos exercidos pelo Autor, não cuidando sequer de dirigir outros argumentos jurídicos tendentes a afastar a aplicação do Direito e respetivos fundamentos realizada pelo Tribunal recorrido na sentença. Visto pois o invocado argumento, o que se consta é que não tem suficiente sustentação na factualidade provada, desde logo porque, afinal, e desde logo, as nomeações em comissão de serviço apenas ocorreram a partir de 2006 quando a utilização, nos moldes provados, da viatura se iniciou muito antes, assim a partir de julho/agosto de 1990. Esclareça-se que, por exemplo em comparação com o que ocorreu com o complemento de responsabilidade, em que a factualidade provada permite o enquadramento que antes a esse foi dado, assim que estava associado à especial responsabilidade inerente às funções exercidas pelo Autor, tal não ocorre com a utilização da viatura, assim ao longo dos anos em que essa se manteve apesar de não resultar da factualidade razão específica que diretamente o justificasse.
Deste modo, porque outros argumentos não são invocados, improcede o recurso nesta parte.
2.3 Subsídios de férias e de Natal
Discorda por fim a Recorrente do decidido, ao nível da aplicação do direito, a propósito da sua condenação referente ao pagamento da quantia de 29.599,96, relativa a média de IHT nos subsídios de Natal e de férias entre 1995 e 2016.
Pugnando o Apelado pela manutenção do julgado, no que é acompanhado pelo Ministério Público junto desta Relação no seu parecer, cumprindo apreciar e decidir, constata-se que em 1.ª instância se fez constar da sentença o seguinte:
“(...) A que acresce que, sendo a referenciada prestação por isenção de horário de trabalho uma verdadeira e própria retribuição, não estando ligada a um modo específico de execução da atividade laboral, sobre ela deveriam ter incidido os subsídios de férias e de Natal, o que se provou não ter sucedido (art.ºs 263.º n.º 1 e 264.º n.º 2, ambos do C. do Trabalho).
Àquele propósito, dir-se-á que para efeitos de cálculo dos subsídios de férias e de Natal não se atenderá à retribuição global, mas sim à denominada retribuição modular ou padrão, da qual se excluem as parcelas cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra razão específica (neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2007, consultável em www.dgsi.pt).
Realmente, o Decreto-lei n.º 874/76, de 28 de dezembro, dispunha no seu art.º 6.º:
“1. A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efetivo e deve ser paga antes do início daquele período.
2. Além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição. […].
O Código do Trabalho de 2003, por sua vez, dispunha no seu art.º 255.º (correspondente ao atual art.º 264.º do Código do Trabalho de 2009) que:
1. A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo.
2. Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. […].”
Posteriormente, o Decreto-lei n.º 88/96, de 3 de julho, que instituiu o direito ao subsídio de Natal, preceituava no seu art.º 2.º n.º 1: Os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
O Código do Trabalho de 2003, por seu turno, estatuía no art.º 254.º n.º 1, correspondente ao art.º 263.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, que o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
Sequentemente e levados a cabo os necessários cálculos aritméticos, tem o A. a haver da R. o quantitativo global de €29.599,96, calculado com base no valor anual total auferido pela isenção de horário de trabalho a dividir por doze meses e a multiplicar por dois (subsídio de férias e de Natal), o que, em termos parciais, totaliza €930,54 no ano de 1995, €934,26 no ano de 1996, €1.229,70 no ano de 1997, €1.264,80 no ano de 1998, €1.316 no ano de 1999, €1.239,96 no ano de 2000, €1.411,10 no ano de 2001, €1.328,24 no ano de 2002, €1.332,04 no ano de 2003, €1.501,82 no ano de 2005, €1.515,74 no ano de 2006, €1.516,44 no ano de 2007, €1.516,96 no ano de 2008, €1.529,20 no ano de 2009, €1.529,42 no ano de 2010, €1.529,88 no ano de 2011, €1.529,88 no ano de 2012, €1.533,88 no ano de 2013, €1.524,86 no ano de 2014, €1.531,60 no ano de 2015, €1.513,60 do ano de 2016 e €340,04 do ano de 2017.
Ressalve-se que, quanto ao ano de 2004 e por não possuirmos os recibos de vencimento dos meses de janeiro, fevereiro, março, maio, junho e julho, impossível se torna calcular, em termos médios, o montante que o A. nesse ano auferiu a título da apelidada isenção de horário de trabalho, razão pela qual se relega a respetiva quantificação para execução de sentença.”
Ora, relembrando o que referimos anteriormente a esse propósito, o quadro normativo aplicável, sem prejuízo de outros a que faremos então expressa referência, é o que resulte em geral da LCT e CT de 2003 e de 2009, excluindo pois quaisquer disposições resultantes de contratação coletiva, assim as invocadas pela Recorrente, como se disse apenas em sede de recurso.
Estando na presente ação em apreciação eventuais diferenças relativas aos subsídios de férias e de Natal, de 1995 a 2017, impõe-se assim atender ao quadro legal aplicável ao longo desse período, ou seja, incluindo as alterações que lhe foram introduzidas ao longo desses anos, nomeadamente e sucessivamente a LCT, o CT/2003 e o CT/2009.
Apreciando a questão relativa ao subsídio de férias, constata-se o seguinte:
Na vigência da LCT, o regime relativo às faltas, férias e feriados encontrava-se regulado no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de dezembro, estabelecendo-se no artigo 6.º que “a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo” (n.º 1) e que “além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição” (n.º2).
O referenciado Diploma legal foi depois revogado com a entrada em vigor do CT/2003, passando essa matéria a estar prevista no seu artigo 255.º, com a epígrafe “Retribuição do período de férias”, onde se dispõe, no que aqui importa, o seguinte: “1- A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2- Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.”
Por sua vez, agora no CT/2009, essa matéria manteve regulamentação idêntica, prevendo-se no seu artigo 264.º o seguinte: “1- A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2- Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias, não contando para este efeito o disposto no nº 3 do artigo 238º.”
Citando a propósito o Acórdão desta Relação de 20 de Novembro de 2017[34], “como logo se constata pelo confronto das normas, com o CT/03 o legislador veio introduzir uma alteração significativa no que respeita ao subsídio de férias, solução que foi mantida no CT/09. Com efeito, enquanto a retribuição a pagar pelo período de férias equivale à que o trabalhador normalmente aufere, na totalidade, já o subsídio de férias «tem um processo de cálculo próprio: é constituído pela retribuição base – definida no art.º 250.º/2-a) – e pelas “demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho” (art.º 255.º/2). Esta enigmática formulação legal, proveniente do Código de 2003, permite, apesar de tudo, alcançar algum resultado aplicativo: pelo menos as “anuidades” e “diuturnidades” que correspondem à antiguidade de serviço, estão seguramente excluídas; o mesmo acontecerá com diversos subsídios (de transporte, de estudos, de refeição, etc.) que, tendo carácter retributivo, não se relacionam com o “modo específico” de prestação de trabalho» [Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 437].”
Aplicando então o indicado critério ao caso que nos ocupa, não temos dúvidas em considerar, como na sentença recorrida, que os valores pagos referentes a IHT integram, no domínio de qualquer dos normativos citados, o subsídio de férias, cumpridos que se encontram os critérios de regularidade e periodicidade, como ainda a sua ligação ao modo específico como era prestado o trabalho, pois que se provou que em contrapartida da atividade prestada pelo Autor à Ré, esta pagou àquele, no que agora importa, mensalmente, doze vezes por ano, desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016, uma prestação denominada “Isenção de horário de trabalho” (pontos 15.º e 28.º da factualidade provada, este último com a redação dada neste acórdão), cujo valor foi aumentando, sendo esse em janeiro de 2016 de €765,80 (ponto 16.º da factualidade).
Não provando a Ré, pois que era seu ónus enquanto facto extintivo do direito, que tivesse feito o pagamento desses valores nos subsídios de férias – cabe à entidade empregadora, nos termos dos artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 1, do Código Civil (CC), provar que determinada atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador não integra a sua retribuição, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do artigo 260.º e de valer a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 249.º do CT/2003 e 258.º do CT/2009, de que se está perante prestação com natureza retributiva –, impondo-se por essa razão agora afirmar a sua condenação nesse pagamento, condenação essa limitada pois à não integração dos valores pagos de IHT (não assumindo pois aqui relevância a questão levantada pela Apelante de terem ou não sido pagos valores superiores de subsídio, desde logo porque tal pretenso excesso poderia sempre ter decorrido de outras prestações), a verdade é que não resultam da factualidade provada os elementos necessários para tais efeitos – nos termos antes decididos o ponto 27.º da factualidade foi por nós considerado não escrito, por conclusivo –, razão pela qual, provado o dano, se impõe remeter a correspondente liquidação para posterior liquidação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC, alterando-se deste modo a sentença, nesse âmbito, por este acórdão, em conformidade.

Vejamos por fim a questão referente ao subsídio de Natal, começando do mesmo modo por relembrar as normas que o regeram e regem atualmente.
Nesse sentido, constatando-se que até à publicação do DL n.º 88/96, de 3 de Julho, a lei laboral não fazia qualquer referência ao direito a subsídio de Natal, como se evidenciou no seu preâmbulo, a verdade é que a generalidade das convenções coletivas de trabalho já instituía esse direito, sendo que, precisamente por se constar que ficavam de fora alguns setores de atividade e certos grupos profissionais, quer porque os instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis não o previam, quer por ausência destes, foi afinal intenção do legislador consagrar “a generalização por via legislativa do subsídio de Natal nas relações de trabalho por conta de outrem”, o que concretizou no artigo 2.º, n.º 1, para os casos pois em que se não encontrava regulado esse direito, estabelecendo que “Os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano”, sendo que, tendo excecionado a sua aplicação, no n.º 2 do artigo 1.º “os trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que regulem especificamente o subsídio de Natal”, salvaguardou-se no n.º seguinte (n.º 3) que “aos trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva que prevejam a concessão do subsídio de Natal com valor inferior a um mês de retribuição é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 2.º, na parte relativa ao montante da prestação.”
Ora, como mais uma vez se refere mais uma vez no Acórdão desta Relação de 20 de Novembro de 2017, antes identificado, cujo entendimento acompanhamos:
«Era entendimento pacífico da jurisprudência que o DL. 88/96, ao estabelecer que o valor do subsídio de Natal deveria ser “igual a um mês de retribuição”, deveria ser interpretado e aplicado à luz do conceito de retribuição do art.º 82.º da LCT, isto é, abrangendo o conjunto de valores que a entidade empregadora estivesse obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada e presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Na verdade, o n.º2, do art.º 82.º da LCT, distinguia expressamente entre a “remuneração base” e “todas as prestações regulares e periódicas”, dando a noção de que a “retribuição”, englobava uma e outras. O art.º 254.º do CT/03, à semelhança do art.º 2.º do DL 88/96, continuou a dizer que o trabalhador tem direito a um subsídio de Natal “de igual valor a um mês de retribuição”, o que poderá sugerir que nenhuma alteração foi pretendida.
Acontece, porém, que aquele diploma inovou com o disposto no art.º 250.º, aí se dispondo o seguinte:
1 - Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por:

a) Retribuição base - aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido;
b) Diuturnidade - a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade.
Assim, sendo o subsídio de Natal uma das prestações complementares a que se refere esse normativo, daí decorre que ao respectivo montante passou a corresponder, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, a soma da retribuição base com as diuturnidades.

Esta solução veio a ser acolhida no CT/09, nomeadamente nos artigos 262.º [Cálculo de prestação complementar ou acessória] e 263.º [Subsídio de Natal].
Daí que, sem qualquer controvérsia, passou a ser pacificamente pela doutrina e jurisprudência que “Com o Código do Trabalho, que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003 – bem como com o aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que, revendo-o, lhe sucedeu – a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, contratual ou convencional em contrário, é constituída apenas pela retribuição-base e pelas diuturnidades” [Cfr. na jurisprudência do STJ,entre outros,os Acórdãos de 12-03-2014,Recurso n.º 294/11.6TTFIG.C1.S1; e, de 03-07-2014, Recurso n.º 532/12.8TTVNG.P1.S1, ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Fernandes da Silva, disponíveis em www.dgsi.pt].»
Do exposto resulta, pois, aplicando o regime antes afirmado ao caso que se decide, que, face ao decidido pelo Tribunal a quo, nada se nos afigurando em contrário quanto à solução nesse aplicada no sentido da integração dos montantes pagos de IHT até à entrada em vigor do CT/2003, em 1 de Dezembro de 2003, já porém, diversamente, face às alterações nesse consagradas e depois mantidas no CT/2009, não acompanhamos aquele Tribunal, pois que, como se viu, a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, contratual ou convencional em contrário (que no caso não foi invocada), é constituída apenas pela retribuição-base e pelas diuturnidades, ou seja, porque aí não integrada, com exclusão pois dos valores que foram sendo pagos a título de IHT, impondo-se assim a revogação da sentença nesta parte.
Deste modo, na parte que se impõe considerar, não provando mais uma vez a Ré, pois que era seu ónus enquanto facto extintivo do direito, que tivesse feito o pagamento dos valores que pagou a título de IHT até ao momento da entrada em vigor do CT/2003, impondo-se pois agora afirmar também a sua condenação nesse pagamento, mais uma vez, porque não resultam da factualidade provada os elementos necessários para tais efeitos, teremos de remeter a correspondente liquidação para posterior liquidação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC, alterando-se deste modo a sentença, nesse âmbito, por este acórdão, em conformidade.
*
Por decorrência de todo o exposto, não incidindo o recurso sobre o mais decidido (assim referente à condenação que abrange o pacote de comunicações, que assim se mantêm), revogando-se e alterando-se a sentença, em conformidade com o que antes se afirmou, será essa substituída por este acórdão, em que, absolvendo essa do mais peticionado, se condena a Ré a pagar aos habilitados a quantia que se vir a apurar em fase de liquidação: a) referente ao subsídio de férias, o valor médio dos valores pagos a título de isenção de horário de trabalho, desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016; b) referente a subsídio de Natal, o valor médio dos valores pagos a título de isenção de horário de trabalho, desde novembro de 1994 até 1 de Dezembro de 2003; c) Referente às prestações denominadas viatura de utilização permanente e pacote de comunicações.
*
No que se refere a custas, da ação e do presente recurso, as mesmas impendem sobre Autor/apelado e Ré/apelante em proporção do decaimento, que neste momento se fixa em ½ para cada uma das partes (artigo 527.º do CPC).
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência parcial do recurso, de facto e de direito, em alterar a sentença recorrida, sendo o seu dispositivo substituído por este acórdão, nos termos seguintes:
1 - Absolvendo-a do mais peticionado, condena-se a Ré, C…, S.A., a pagar aos habilitados, E…, B… e F…, a quantia que se vir a apurar em fase de liquidação referente:
a. A subsídio de férias, referente à média dos valores pagos a título de isenção de horário de trabalho desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016;
b. A subsídio de Natal, referente à média dos valores pagos a título de isenção de horário de trabalho desde novembro de 1994 até 1 de Dezembro de 2003;
c. Às prestações denominadas viatura de utilização permanente e pacote de comunicações.
2. As custas da ação e do recurso impendem sobre ambas as partes, em proporção do vencimento/decaimento, que neste momento se fixa em ½ para cada uma.
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
Porto, 4 de novembro de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] www.dgsi.pt
[6] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[7] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[8] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[9] Neste sentido, Ac. desta Relação e Secção de 11 de Junho de 2012, Relatora Fernanda Soares, processo 2/10.9TTMTS.P1. O mesmo foi afirmado nos Acórdãos de 20 de Novembro de 2017 – in www.dgsi.pt – e 16 de janeiro de 2017, constando do sumário deste último, o seguinte: “Os poderes atribuídos no n.º 1 do artigo 72.º do CPT quanto à consideração dos factos não alegados pelas partes são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, tendo ocorrido discussão sobre esses factos, não competindo ao tribunal de recurso tomar esses em consideração, e deste modo, dar os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do mesmo artigo) – Apelação 2311/14.9T8MAI.P1, com intervenção como relator do também aqui relator, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Demonstrando o que referimos basta dividir por dois os valores apurados na anterior sentença para se alcançarem aqueles que agora se fizeram constar no ponto 27.º do elenco factual.
[11] Admitindo-se que o tenha sido com base no regime legal que resultaria do CT, pois que na sentença nenhuma referência é feita a outros instrumentos, assim contratação coletiva (acordo coletivo de trabalho e/ou acordo de empresa, que aliás existem no caso, sendo que, independentemente da sua aplicação ou não, deles consta modo de cálculo diverso.
[12] Disponível em www.dgsi.pt, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes.
[13] [7] Cf. Neste sentido, cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Processo Civil”, 2ª Edição, págs. 395 e segts.
No mesmo sentido cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3ª Edição, Almedina, pág. 98.
[14] [8] Neste sentido, cf. tb. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “CPC Anotado”, Vol. III. Tomo 1, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 8.
[15] [9] Ibidem, em “Recursos Em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, 2ª Edição, págs. 25 e segts.
[16] [10] Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, págs. 94 e segts.
[17] Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt.
[18] Vide, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, págs. 440-441
[19] Assim, porque elucidativo, sobre o regime da LCT, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2006, citado, por sua vez, no Acórdão do mesmo Tribunal de 12 de Março de 2009, disponível em www.dgsi.pt
[20] Cf. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, pág. 439.
[21] Neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 449; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382
[22] Também relatado pelo aqui relator, in www.dgsi.pt.
[23] Relator Conselheiro Vasques Dinis, in www.dgsi.pt.
[24] Desse constando, no sentido de ser esse também o entendimento das doutrina, o seguinte: “(…)Pedro Romano Martinez (obra citada, pág. 610) observa que «os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “trabalho nocturno”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhe serve de fundamento». Também Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 472), a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os «aditivos» específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, esclarece que «os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento”.
[25] Com a redação seguinte: 1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho fixarão as retribuições mínimas a que, no caso de serem isentos, terão direito os trabalhadores por eles abrangidos.
2. Na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia.
3. Podem renunciar à retribuição referida no número anterior os trabalhadores que exerçam funções de direcção na empresa.
[26] Os trabalhadores isentos de horário de trabalho não estão sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, mas a isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social ou pelos contratos individuais de trabalho.
[27] Apelação n.º 11939/16.1T8PRT.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção do aqui relator como 1.º adjunto.
[28] Estando em vigor em 14 de novembro de 2013 – a última vez em que ocorre a nomeação do Autor em comissão de serviço, face ao que consta do ponto 12.º da factualidade, de onde consta “ao abrigo das Cláusulas 27.ª e 26.ª do ACT, para o cargo de “Responsável Direção Nível 3 na C1…, C1…/C8…/C9… ….” –, dispunha-se no ACT publicado no BTE, 1.ª série, n.º 47, de 22 de Dezembro de 2011, com revisão global publicada no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2013, nomeadamente o seguinte:
“Cláusula 53.ª Isenção de horário de trabalho.
Pode ser atribuído o regime de isenção de horário de trabalho, para além das situações previstas na lei, aos seguintes trabalhadores: a) os nomeados para os cargos ou funções previstas no número 1 da cláusula 27.ª; b) os que exercem a atividade de motorista; c) os que exercem a sua atividade em regime de prevenção; d) os que exercem atividade em condições de trabalho específicas, nomeadamente em projetos cuja natureza justifique a atribuição deste regime.
Cláusula 54.ª Tipos de horários.
1- Na entidade empregadora vigorarão os seguintes tipos de horários de trabalho: (...) c) Flexíveis - são aqueles em que o período normal de trabalho semanal pode ser irregularmente distribuído em 5 dias da semana, sem hora fixa para o início ou termo do período de trabalho diário que, no entanto, ocorrerão dentro de uma amplitude diária previamente definida, sendo obrigatória a prestação de trabalho durante períodos do dia também previamente estabelecidos e só é concedido este tipo de horário desde que não haja prejuízo para o serviço. 2- Qualquer um dos tipos de horários de trabalho referidos no número anterior poderá revestir a modalidade de horário contínuo em que é fixado um intervalo de descanso com presença, nos termos da alínea b), do n.º 6 da cláusula 50.ª do presente ACT.”
Por sua vez, do n.º 1 da cláusula 27.ª consta: “Os cargos de direção, chefia e as funções de assistente e secretariado daqueles, bem como o desempenho das funções especiais de consultoria, análise, gestão e supervisão e outras funções específicas, serão exercidos em comissão de serviço nos termos previstos na lei e no presente ACT.”
[29] Com exclusão de notas de rodapé.
[30] Artigos 13.º a 15.º, do Decreto-lei 409/71, de 27 de Setembro. Como se refere no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 6/2012, proferido em 23-05-2014 [Proc.º 407/08.5TTMTS.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt]:- “(..) admitiu o legislador que os trabalhadores que exerciam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização, podiam ficar isentos de horário de trabalho, desde que as entidades patronais o solicitassem ao INTP, requerimentos que tinham de ser acompanhados de uma declaração de concordância do trabalhador, conforme resultava do artigo 13.º, n.ºs 1 e 2. No entanto, conferia-se-lhes uma remuneração especial, a fixar nos instrumentos de regulamentação colectiva, mas que nunca poderia ser inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia (artigo 14.º). Quanto aos efeitos desta isenção, prescrevia o artigo 15.º que estes trabalhadores não ficavam sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, embora não ficassem prejudicados os direitos aos dias de descanso semanal, aos feriados e aos dias ou meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva aplicável, ou resultantes dos contratos individuais».
[31] Apelação 20645/16.6T8PRT.P1, Relatora Desembargadora Fernanda Soares, in www.dgsi.pt, que temos seguido de perto. Ainda, ao que sabe não publicado, na apelação 17195/16.4T8PRT.P1, da mesma Relatora, proferido na mesma data, cuja cópia se encontra junta com as contra-alegações.
[32] Apelação n.º 11939/16.1T8PRT.P1, já supra citado.
[33] Assim: “Do exposto resulta que o A. tem direito a receber a prestação mensal que lhe era paga a título da apelidada isenção de horário de trabalho, e cujo pagamento deixou de ser efetuado do mês de fevereiro de 2016 em diante. Apesar disso, não podemos esquecer que, precisamente naquele mês em que o A. deixou de auferir a prestação denominada de isenção de horário de trabalho, o mesmo passou a receber uma nova prestação, denominada “Rem. Adicional (Complem. 14)”, no valor mensal de €260,40, a qual foi liquidada doze vezes naquele ano. Como tal, o seu rendimento efetivo mensal foi de forma ilícita diminuído no diferencial entre o valor percebido como isenção de horário de trabalho (€765,80) e o quantitativo recebido a título de “Rem. Adicional (Complem. 14)” (€260,40), seja, €505,40 mensais. Assim e efetuados os necessários cálculos aritméticos, temos que o A. tem direito a receber da R. o montante global de €6.974,52 (€505,40 x 13 meses, acrescido do proporcional - €404,32 - pelo trabalho prestado no mês de março de 2017, até ao decesso do A.). Mas sempre sem prejuízo de a parte processual ativa posteriormente provar que o valor mensal da prestação chamada de isenção de horário de trabalho seria superior, no ano de 2017, a €765,80.”
[34] Relator Jerónimo Freitas, com intervenção como adjuntos do aqui relator e da 1.ª Adjunta, disponível em www.dgsi.pt.