Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
124/10.6TYVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
Nº do Documento: RP20191210124/10.6TYVNG-A.P1
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Deve ser afectado pela qualificação da insolvência como culposa o gerente de direito, ainda que não exerça a gerência de facto, porquanto essa qualidade permite-lhe acompanhar a vida da sociedade, inteirar-se do modo como a gerência é exercida, zelar pelo cumprimento dos deveres legais designadamente a existência de contabilidade organizada, sendo esse o conteúdo funcional do ofício/função cuja omissão o faz incorrer em responsabilidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2019:124.10.6TYVNG.A.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Nos autos de insolvência da sociedade comercial B…, Lda., com sede em Espinho, foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado, nos termos dos artigos 36º, alínea i), e 39º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A Administradora da Insolvência apresentou o parecer previsto no artigo 188.º, nº 3, propondo a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do artigo 186º, n.º 1, n.º 2, al. h) e n.º 3, als. a) e b) do CIRE, com afectação da actual gerente C… e do gerente cessante D….
Alegou para o efeito que a insolvente é devedora a muitos fornecedores e outras entidades, como a Fazenda Nacional, a quem deve €11.078,18, referente a IRS, IRC e coimas dos anos de 2008 e 2009; não exerce qualquer actividade desde 2008, apesar de nunca ter cessado a actividade para efeitos fiscais, nomeadamente IVA e IRC; não patenteou os documentos contabilísticos, na pessoa da sua legal representante, a qual apresentou como justificação a sua não detenção; encontra-se a correr um inquérito com o n.º 136/09.2TAESP contra a gerente, por favorecimento de credores, após participação apresentada pelo gerente cessante; não existe contabilidade organizada e a que existe apresenta irregularidades; não foram depositadas as contas na competente conservatória do registo comercial a partir de 2007, por força da ausência de colaboração da gerente da sociedade, conforme comunicado pelo TOC; as dívidas da insolvente ascendem a mais de €385.000,00, de acordo com a relação entregue pela gerente, com origem em 2005 e anos seguintes; existem pelo menos 17 acções intentadas contra a insolvente e até processos-crime; em 2006 e 2007 os resultados foram positivos e a partir daí desconhece-se, atenta a falta da contabilidade.
O Ministério Público pronunciou-se subscrevendo aquele parecer.
Os requeridos apresentaram contestações, pugnando ambos pela qualificação da insolvência como fortuita.
Após julgamento, foi proferida sentença, na qual se qualificou a insolvência como culposa, declararam-se afectados pela qualificação C… e D… e se inibiu a C1…, por dois anos e seis meses, e o D1…, por dois anos, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
Do assim decidido, o requerido D… interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
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Termos em que revogando-se a douta sentença proferida deverá a mesma ser substituída por outra que, quanto ao recorrente, julgue a insolvência como não culposa, fazendo-se assim sã justiça.
O Ministério Público respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada;
ii) Se os administradores de direito que não são administradores de facto não podem ser declarados afectados pela qualificação;
III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. A sociedade B…, Lda. foi constituída por contrato de sociedade registado pela Ap. 15/19931221, com sede na Rua …, n.º …, …. Espinho, tendo por objecto social “agência de viagens”, sob o CAE principal …... - ...
2. O capital social da indicada sociedade é de €114.723,53, distribuído por uma quota de €46.762,31, pertencente a C…, uma quota de €46.762,31 pertencente a D… e uma quota de €21.198,91 pertencente a E….
3. A forma de obrigar da sociedade referida em 1 é através da assinatura conjunta de dois gerentes e a gerência encontrou-se atribuída a C… e a D… desde 2002.02.21.
4. Pela Ap. 31/20081009 foi registada a cessação de funções de D…, por renúncia de 10.10.2008.
5. Encontra-se registado o depósito da prestação de contas da sociedade referida em 1 relativamente aos exercícios de 2006 e 2007.
6. Por petição inicial apresentada em 12.2.2010, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos, foi requerida por F…, Lda. a insolvência da sociedade indicada em 1.
7. Após citação da sociedade referida em 1, na pessoa de C…, não foi apresentada qualquer oposição.
8. Na sequência do referido em 7, foi por sentença proferida em 30.04.2010 declarada a insolvência da referida sociedade.
9. Na sentença referida em 8 foi fixada a sede da sociedade insolvente na Rua …, n.º …, apartado …, Espinho, e residência à sua gerente, C…, na Rua …, …, ….
10. Na mesma sentença, foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, com carácter limitado (art. 36º, al. i) e art. 39º, n.º 1 do CIRE).
11. Contra a sociedade referida em 1 estavam pendentes, em 3.5.2010, as seguintes acções:
a. Execução comum n.º 668/06.4TBABF – Exequente: G…, Lda. - Valor €2.122,60
b. Execução comum n.º 359/07.9TBESP – Exequente: H…, SA – Valor €37.005,80
c. Execução comum n.º 816/08.0YIPRT – Exequente: I…, SA – Valor €1.619,83
d. Execução comum n.º 1254/08.0TAVNG – Exequente: Ministério Público – Valor €161,58
e. Execução comum n.º 27/09.7TBESP – Exequente: Grupo J…, SA – Valor €18.118,09
f. Insolvência n.º 124/10.6TYVNG.
12. De acordo com a listagem fornecida pela gerente C…, constante de fls. 26 a 29 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, são as entidades aí melhor identificadas as credoras da sociedade referida em 1, ascendendo os créditos em causa a valor superior a €385.000,00.
13. A sociedade referida em 1 não exerce qualquer actividade desde sensivelmente Outubro de 2008.
14. A sociedade referida em 1 não tem quaisquer bens, móveis ou imóveis.
15. A Sra. Administradora da Insolvência solicitou colaboração à sociedade indicada em 1, na pessoa de C…, nomeadamente para lhe serem entregues os elementos da contabilidade, tendo esta referido não poder fazê-lo, porquanto tais elementos estavam com o TOC, que lhos não disponibilizou.
16. Os documentos e elementos da contabilidade referidos em 14 foram entregues pelo TOC da sociedade referida em 1 ao Ministério Público, no âmbito do inquérito n.º 136/09.2TAESP.
17. Para além do referido em 15, a gerente cumpriu com o dever de colaboração para com a Sra. Administradora da Insolvência, respondendo a tudo o que lhe foi questionado.
18. No âmbito do processo de inquérito com o n.º 136/09.2TAESP foi deduzida acusação contra C…, imputando-se-lhe a prática de um crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art. 205º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do Código Penal.
19. Subsequentemente realizado o julgamento devido, foi proferida sentença, posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, em que a arguida foi absolvida do imputado crime.
20. A contabilidade da sociedade indicada em 1, elaborada em 2006 e 2007, apresentava irregularidades, nomeadamente relacionadas com a ausência de documentos de suporte de variadas “despesas”, “duplicava valores acumulados em caixa ferindo a realidade e a veracidade operacional”, “foram efectuados pagamentos a terceiros que não são considerados custos do exercício da actividade corrente da sociedade no valor global de €13.724,31”, “existem documentos de facturação anulados que podem indiciar a existência de serviços que não estão repercutidos na rubrica caixa nem em qualquer outra conta da empresa”, “em 31.12.2007 o saldo efectivo do produto K… será de €1.911,45, pese embora, contabilisticamente, seja de €15.000,00”, “a sociedade efectuou pagamentos cujos custos não estão reflectidos na contabilidade da sociedade, no valor de €14.256,08”, “o caos financeiro da sociedade decorre da má organização funcional, da falta de rigor técnico, da descaracterização dos princípios básicos de controlo e desrespeito às normas legais de registo contabilístico”, conforme referido no relatório pericial elaborado no processo referido em 17, que consta a fls. 237 verso e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
21. A partir de Novembro de 2008, não foi elaborada a contabilidade da sociedade referida em 1.
22. Em 2006 e 2007, os resultados apresentados pela sociedade indicada em 1 foram positivos.
IV. O mérito do recurso:
A] impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
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Porto, 10 de Dezembro de 2019.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 528)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas]