Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1464/11.2TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: SERVIDÃO LEGAL DE PASSAGEM
EXERCÍCIO
EXTENSÃO
Nº do Documento: RP201410201464/11.2TBSTS.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Consistindo a servidão num encargo estabelecido sobre o prédio serviente que simetricamente resulta numa vantagem ou utilidade para o prédio dominante (artigo 1543.º do Código Civil), as obras executadas no prédio serviente só são ilícitas se implicarem um aumento do encargo ou incómodo suportado pelo prédio serviente, que extravase a extensão e o modo de exercício da servidão, nos termos dos artigos 1564.º do Código Civil.
II - Consistindo a servidão na passagem a pé, com motorizada e veículo automóvel através do prédio serviente, por um caminho com 28,80 metros de comprimento, por 03,34 metros de largura, o alargamento do portão existente à entrada do prédio dominante para 03,00 metros de largura, com uma folha a abrir para o prédio serviente e a colocação de um pavimento em cimento no prédio serviente, com o comprimento/profundidade de 1,20 metros, por 3,25 metros de largura, de modo a formar uma rampa para essa entrada, não tornam, para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 1566.º do Código Civil, a servidão mais onerosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 1464/11.2TBTST do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso – 3.º Juízo Cível.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I. Consistindo a servidão num encargo estabelecido sobre o prédio serviente que simetricamente resulta numa vantagem ou utilidade para o prédio dominante (artigo 1543.º do Código Civil), as obras executadas no prédio serviente só são ilícitas se implicarem um aumento do encargo ou incómodo suportado pelo prédio serviente, que extravase a extensão e o modo de exercício da servidão, nos termos dos artigos 1564.º do Código Civil.
II. Consistindo a servidão na passagem a pé, com motorizada e veículo automóvel através do prédio serviente, por um caminho com 28,80 metros de comprimento, por 03,34 metros de largura, o alargamento do portão existente à entrada do prédio dominante para 03,00 metros de largura, com uma folha a abrir para o prédio serviente e a colocação de um pavimento em cimento no prédio serviente, com o comprimento/profundidade de 1,20 metros, por 3,25 metros de largura, de modo a formar uma rampa para essa entrada, não tornam, para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 1566.º do Código Civil, a servidão mais onerosa.
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Recorrentes (Autores)……………..B… e esposa C…, residentes em o Rua …, n.º …, ….-… ….
Recorridos (Réus)……………………D… e esposa E…, residentes em Rua …, n.º …, ….-… ….
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I. Relatório.
A) A questão de fundo debatida no presente processo respeita ao exercício de uma servidão de passagem da qual os réus recorridos são titulares e relativamente à qual os autores, donos do prédio serviente, entendem estar a ser levado a cabo (o exercício) com violação do direito de propriedade que detêm sobre o prédio.
Demandaram os réus, por essa razão, para obterem a condenação destes a «…reduzirem para a largura de 2,3 (dois virgula três) metros entre tranqueiros, a largura da abertura existente no seu prédio sobre o prédio dos AA. (narrada nas al. a) do n.º 23 e al. a) do n.º 24 desta petição inicial);
d) ou subsidiariamente ao pedido da al. c) (o pedido anterior) recuarem a sua entrada (portão e tranqueiros que o suportam) para dentro do seu prédio afastando-o 1,5 (um virgula cinco) metros da confrontação do seu prédio (dos RR.) com o prédio dos AA.;
e) serem os RR. condenados (cumulativamente) a porem a funcionar a folha do portão, descrita na al. b) do n.º 23 e al. b) do n.º 24 desta petição inicial, de modo a que a mesma não invada o prédio dos AA. no seu funcionamento (ou seja no mesmo funcionamento não ultrapasse, para o lado do prédio dos AA. a linha de delimitação do prédio dos RR.);
f) serem os RR. condenados a providenciarem para que seja retirada a camada de cimento composto que colocaram no prédio dos AA. e que se descreve na al. c) do n.º 23 e al. c) do n.º 24 desta petição inicial, desde logo lhe sendo fixado um prazo não superior a dez dias;
g) serem os RR. condenados a pagar aos AA. uma indemnização pelos danos e incómodos causados aos AA. pela sua actuação (dos RR.) de valor nunca inferior a €1.500,00 (mil e quinhentos euros) mas que melhor se liquidará em execução de sentença…».
Os réus deduziram reconvenção e pediram, por sua vez, que o tribunal declarasse «…que o portão com as características referidas em 23º da p.i. e a camada de cimento aí também mencionada, fazem parte integrante do exercício do direito de servidão legal de passagem já judicialmente declarado a favor do prédio dos réus, sendo os Autores condenados a reconhecer tal e a absterem-se de por qualquer modo ou forma, perturbarem ou impedirem o livre exercício por parte dos réus daquele direito, tudo com custas e demais encargos pelos Autores».
No final foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e procedente, em parte, a reconvenção, nestes termos:
«a) Declara-se que o portão com as características referidas em 23º da p. i. e a camada de cimento aí também mencionada, fazem parte integrante do exercício do direito de servidão legal de passagem já judicialmente declarado a favor do prédio dos réus-reconvintes D… e E…;
b) Condena-se os autores-reconvindos a reconhecer o aludido em 2) e a absterem-se de por qualquer modo ou forma, perturbarem ou impedirem o livre exercício por parte dos réus-reconvintes daquele direito».
B) É desta decisão que os autores recorrem, formulando as seguintes conclusões:
«I – (…).
II – Os AA. impugnam, neste recurso, quer a decisão proferida sobre a matéria de facto, quer aquela proferida sobre a matéria de direito.
III – Deveriam os factos constantes dos n.ºs 18, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 do elenco dos factos provados ter recebido, todos e cada um deles, a resposta de: não provado.
IV – Impõe-se, a este respeito, considerar o depoimento das testemunhas arroladas pelos AA., nomeadamente:
A/ F…;
B/ G…;
C/ H…;
D/ I…;
E/ J….
IV – A estes depoimentos há que acrescentar, entretanto, o documento junto aos autos pelos AA., a fls. 159 e 160 dos autos, e que reproduz a douta acusação pública deduzida pelo Ministério Público de Santo Tirso contra o arguido D… (aqui R. marido) por factos por este praticados em 29/07/2000, na Rua …, …, Santo Tirso, que consubstanciavam a prática de um crime de ameaças e em que era ofendido a aqui testemunha G….
V – Assim, dúvidas não restam aos AA., aqui recorrentes, que a matéria factual apurada em sede de audiência de julgamento não permite que se dê, como é dado na sentença recorrida, como provado o constantes dos referidos n.ºs 18, 19, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 daqueles elencados nos factos provados.
VI – Devendo, em consequência do presente recurso, ser alterada a resposta a tal matéria de facto de modo a que à mesma seja respondido: não provado.
VII – No que toca à discussão do aspeto jurídico da causa, deve proceder o pedido dos AA. para que os RR. retirem a rampa que fizeram no prédio serviente bem como a parte do portão destes RR. que abre, agora, para o prédio dos AA..
VIII – No presente caso, é evidente que as obras levadas a cabo pelos RR.:
- tornam mais onerosa a servidão;
- podiam ser feitas dentro do prédio dominante sem qualquer estorvo para este;
- prejudicam, sem motivo justificativo, o prédio dos AA..
IX – De facto, por mero capricho, os RR. fazem no prédio serviente aquilo que deviam fazer no seu prédio dominante pois que aí podiam ter feito a referida rampa (já no seu prédio) e para aí colocavam o portão a abrir!
X – Acresce que ao decidir como decidiu, a douta sentença não observou o disposto no referido art. 1565.º do Cód. Civil já que, com a procedência da reconvenção, reconheceu e legitimou um modo de exercício da servidão legal de passagem que ofende aquela disposição legal já que causa prejuízo ao prédio serviente e os RR. tinham outra forma de usar tal servidão, com integral fruição das normais necessidades, fazendo tais obras no seu prédio somente.
XI – Pelo que sempre havia de ser julgado improcedente o pedido reconvencional formulado pelos RR.
XII – A, aliás douta, sentença recorrida violou o disposto nos art. 1305.º, 1311.º, 1312.º, 1316.º, 1344.º, 1360.º, 1564.º, 1565.º, todos do Cód. Civil. Célia Varela (13-05-2014 10:41:02) Página 324 de 354
Nestes termos e nos mais de direito aplicável:
a) Deve ser considerada impugnada a decisão sobre a matéria de facto nos termos expostos e, nos mesmos termos, ser alterada,
b) Bem como de ser considerada impugnada a decisão sobre a matéria de direito dos autos (na parte que expressamente se impugna) e, em consequência a mesma ser revogada;
c) E substituída por, aliás douto, acórdão que contemple as conclusões aqui expressas;
d) Pois que assim se fará INTEIRA JUSTIÇA».
C) Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
Finalizaram as contra-alegações da seguinte forma:
«- Todas as conclusões do recurso devem ser improcedentes;
- A matéria dada como provada, foi-o com base nos depoimentos testemunhais e no teor dos documentos juntos;
- Tal decisão de facto, está devidamente fundamentada pelo Tribunal;
- Nenhum reparo merece a decisão sobre a matéria de facto, que deverá manter-se nos seus precisos termos em que se encontra;
- Face á matéria dada como provada, não restava outra alternativa que não a decisão proferida;
- Nenhum normativo legal foi violado, muito menos os referidos no douto recurso;
- Deve manter-se a douta sentença nos precisos termos em que foi doutamente proferida.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e em consequência, deve manter-se inalterada a matéria dada como provada em 1ª Instância, bem como inalterada deve manter-se a douta decisão recorrida, com o que se fará JUSTIÇA».
II. Objecto do recurso.
A primeira questão colocada no recurso respeita à impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada, pretendendo os recorrentes obter uma resposta negativa quanto aos factos dos números 18, 19, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 declarados «provados» na sentença.
Em segundo lugar, em sede de aplicação da lei aos factos, cumpre verificar se a matéria de facto provada revela um exercício da servidão em desconformidade com as normas legais aplicáveis – artigos 1564.º a 1566.º do Código Civil –, tornando mais onerosa a servidão e se as obras podiam ter sido feitas dentro do prédio dominante sem qualquer estorvo para este e, por fim, se as mesmas prejudicam, sem motivo justificativo, o prédio dos autores.
III. Fundamentação.
A) Como acabou de se referir, a primeira questão colocada no recurso respeita à impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada, pretendendo os autores recorrentes obter uma resposta negativa aos factos dos números 18, 19, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 declarados provados na sentença.
Vejamos então.
Desde já se afasta a análise do facto n.º 19 uma vez que este não existe na sentença.
1 - Os factos em questão são estes:
«18. Os Autores não puseram em causa esse portão, suas medidas e modo de abertura, nomeadamente aquando da acção que correu termos pelo 4º Juízo Cível com o nº 434/00».
«22. O aludido em 15) foi feito à vista de toda a gente e sem a oposição fosse de quem fosse, mormente dos Autores».
O referido em «15» é:
«15. Os Réus, no outro extremo do caminho (no ponto em que o referido caminho que assenta no prédio dos Autores) realizaram obras, assim:
a) têm a dar para o prédio dos Autores, no seu prédio (dos Réus) um portão com três folhas, sendo as laterais com 95 (noventa e cinco) centímetros de largura cada uma delas e a central com a largura de 1,10 (um virgula dez) metros, num total de 3 (três) metros de largura entre tranqueiros;
b) no sistema de abrir e fechar tais folhas do portão, os Réus, puseram a folha do lado direito (quem entra) (folha do lado Norte) a abrir para o lado do prédio dos AA.;
c) entrando e no prédio dos Autores, os Réus realizaram a obra de construção civil de revestirem o leito do caminho e mesmo partes laterais, com uma camada de cimento composto, ocupando, uma largura de 3,25 (três virgula vinte e cinco) metros e uma extensão de 1,20 (um virgula vinte) metros».
«24. Tudo de modo ininterrupto e pacífico ao longo desses anos e sem que com tal, hajam causado danos ou prejuízos a terceiros, incluindo os Autores».
«25. Tudo na convicção de que usavam e usam um direito próprio, o de servidão, e na ignorância de lesarem legítimos interesses de terceiros».
«27. O aludido em 15) dos factos provados, já se verifica e existe há mais de 20 anos».
«28. Os Réus sempre utilizaram a servidão em causa nos mesmos termos que o fazem, desde o início da sua constituição».
«29. E a partir daí, sempre há mais de 20 anos, que vêm utilizando e fruindo o direito de servidão com aquele portão e camada de cimento mencionada, que reparam e conservam quando necessário».
2 - Verifica-se que aquilo que está em causa em sede de impugnação de matéria de facto não são as obras que se encontram referidas no ponto 15 da matéria de facto provada mencionada na sentença, mas sim a data em que foram realizadas e a posição dos autores perante elas.
Vejamos, sumariamente, o que referiram as testemunhas sobre a matéria.
Testemunha F… (trata-se da pessoa que vendeu a casa aos réus, sendo irmão da autora).
Referiu que no ano 2000 a abertura da servidão, situada no limite entre ambos os prédios, ainda não tinha sido alargada, nem colocado o novo portão e acrescentada a rampa em cimento (minuto 05:27).
Justificou esta data com o ano em que faleceu a sua sogra (minuto 05:05 e 06:35) e com o facto de ter estado nesse ano, por Fevereiro ou Março, no prédio dos autores a compor uma ramada de videiras aí existente junto ao leito da servidão.
Referiu ainda que a sua irmã e cunhado sempre se opuseram aos trabalhos executados pelos réus (minuto 08:45).
Testemunha G….
Referiu que também andou no ano 2000 a compor a ramada que se encontra sobre o leito da servidão, referindo que nessa altura as obras referidas pelos autores ainda não estavam executadas (minuto 03:52).
Testemunha H… (pai da testemunha G…).
Referiu que andou com as duas testemunhas anteriores a colocar arame na mencionada ramada e que isso ocorreu pelo ano de 2000 (minuto 04:43), porque a sua neta K…, que vai fazer 14 anos, andava lá a brincar e era ainda pequena (minuto 04:50), e nessa altura não estavam feitas as obras (as que vêm referidas na petição) (minuto 05:55); que o autor marido sempre contestou as obras em questão (minuto 10:34).
Testemunha I… (esposa da testemunha G… e filha dos autores).
Referiu que as mencionadas obras feitas pelos réus foram executadas pelo ano 2000 porque a sua filha nasceu em 1999 e na altura ainda não existiam as obras, conhecendo bem o local porque foi lá, no leito da servidão, que ensinou o seu filho, quando era pequeno, a andar de bicicleta, lembrando-se que na altura as obras não estavam feitas (minuto 09:25), referindo ainda que os réus fizeram as obras após o neto deles ter comprado um automóvel, o que implicou a feitura das obras para poder caber, juntamente com um outro automóvel, na propriedade dos réus (minuto 10:28 e 11:17).
Referiu ainda que o seu pai referiu várias vezes ao autor que não aceitava as obras feitas por este (minuto 12:02).
Testemunha J… (filho dos autores e morador no local).
Referiu que os réus fizeram as obras porque passaram a ter dois automóveis em casa, um Seat … e um Ford, e não cabiam ambos no espaço que lhes estava destinado no prédio dos réus (minuto 04:56), não sendo possível fechar o portão que então existia (minuto 05:20).
Disse que as obras foram feitas há uns 10 anos, no máximo pelo ano de 2000 (minuto 07:33) e que os seus pais nunca as aceitaram (minuto 09:20).
Testemunha L…, familiar dos réus e indicada por estes.
Referiu que as obras foram feitas a pensar na compra de um segundo automóvel.
3 – Apreciação.
Os réus nas contra-alegações não indicaram prova concreta para contradizer o que foi referido por estas testemunhas.
Refutaram as alegações dos réus com base na fundamentação constante da sentença.
A fundamentação da sentença é essencialmente esta:
«Mais foram relevantes os depoimentos das testemunhas:
- F…, irmão da autora, a qual prestou um depoimento parcial e inverosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que o réu fez as obras e aumentou o portão por volta do ano 2000.
Mais relatou o estado em que se encontra o local, nomeadamente o portão, e a parte cimentada do caminho.
- G…, genro dos AA. a qual prestou um depoimento parcial e inverosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que conhece o local há 24 anos, sendo que os RR. fizeram as obras, e o portão foi alargado no ano 2000.
Mas há cerca de 17 anos já havia a rampa em cimento, mas em 1993, não existia porque o réu não tinha carro.
- H…, pai da anterior testemunha, a qual prestou um depoimento parcial e inverosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que o portão só foi alargado no ano 2000, bem como feita a rampa.
Não viu as obras a serem executadas.
- I…, filha dos AA., a qual prestou um depoimento parcial e inverosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que o portão dos RR. foi alargado no ano 2000. Ou terá sido alargado há 17 anos.
A rampa em cimento em 1995 não existia.
As obras só foram feitas após o genro dos RR. ter comprado um carro, por volta de 1999.
- J…, filho dos autores, a qual prestou um depoimento parcial e inverosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que o portão foi alargado com mais uma folha e cimentada uma rampa por volta do ano 2000, bem como foi aumentada a entrada dos RR. (entre tranqueiros).
- M…, genro dos RR., a qual prestou um depoimento verosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que o portão foi alargado para três folhas, e feita uma garagem, porque após, em 02/1994, comprou um carro.
A rampa foi cimentada há cerca de 20 anos.
- N…, filho dos RR., a qual prestou um depoimento verosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida, relatando, em suma, que o portão foi alargado e a rampa cimentada há mais de 20 anos, porque o seu cunhado pensava em comprar um carro.
Os AA., na altura, consentiram nas obras.
Na verdade, da conjugação da prova produzida, conclui-se que, os réus já utilizam o caminho de servidão há mais de 20 anos, incluindo com carro, como foi dado como provado na sentença aludida nos factos provados.
E para que o fizessem tiveram que realizar as obras em apreço nestes autos, nomeadamente o aumento em uma folha do seu portão e a feitura da rampa em cimento, atentas as dimensões exíguas da entrada do seu prédio, bem como o desnível entre o aludido caminho e a mesma – foi o que se constatou no local.
Com efeito, diz-se naquela sentença que a servidão era usada, há mais de 23 anos, para passagem, além de a pé e de mota, também de carro, e de forma regular pelos RR. e familiares de carro há cerca de 9 anos, sendo certo que a acção deu entrada no ano 2000 (atento o número do processo).
Neste jaez, é mais verosímil a tese apresentada pelos RR. no sentido de que as aludidas obras foram executadas aquando da construção da garagem, com vista à compra do veiculo que ocorreu posteriormente.
Acresce que as testemunhas dos AA., foram genéricas nos seus depoimentos, quanto às datas, da feitura das obras pelos RR., umas referindo que foram no ano 2000, outras em datas diferentes.
A factualidade dada como não provada mereceu resposta negativa visto que as partes não fizeram qualquer prova da sua ocorrência, nem documental, nem testemunhal, quer pelo acima aludido, quer pela prova da tese contrária.
Na verdade, da conjugação da prova produzida, conclui-se que, os réus já utilizam o caminho de servidão há mais de 20 anos, incluindo com carro, como foi dado como provado na sentença aludida nos factos provados.
E para que o fizessem tiveram que realizar as obras em apreço nestes autos, nomeadamente o aumento em uma folha do seu portão e a feitura da rampa em cimento, atentas as dimensões exíguas da entrada do seu prédio, bem como o desnível entre o aludido caminho e a mesma – foi o que se constatou no local.
Com efeito, diz-se naquela sentença que a servidão era usada, há mais de 23 anos, para passagem, além de a pé e de mota, também de carro, e de forma regular pelos RR. e familiares de carro há cerca de 9 anos, sendo certo que a acção deu entrada no ano 2000 (atento o número do processo).
Neste jaez, é mais verosímil a tese apresentada pelos RR. no sentido de que as aludidas obras foram executadas aquando da construção da garagem, com vista à compra do veiculo que ocorreu posteriormente.
Acresce que as testemunhas dos AA., foram genéricas nos seus depoimentos, quanto às datas, da feitura das obras pelos RR., umas referindo que foram no ano 2000, outras em datas diferentes».
Ora, não se afigura procedente a afirmação de que as testemunhas indicadas pelos autores prestaram todas elas um «…depoimento parcial e inverosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova produzida…».
Esta afirmação não vem justificada e após a audição dos depoimentos não se detectaram indícios claros de parcialidade (que existirá quando se omitem factos verdadeiros que favorecem a parte contrária) e muito menos de inverosimilhança.
Aliás, em matéria de inverosimilhança o depoimento das testemunhas indicadas pelos réus mostra-se verosímil.
Com efeito, as testemunhas não negam a existência de uma servidão e a existência de um portão no prédio dos réus e mesmo de uma rampa, o que dizem é que a abertura do portão foi alargada cerca do ano 2000 e adicionada rampa por forma a coincidir com a abertura do portão que passou a ter três folhas em vez de duas, abrindo a do meio para o prédio dos autores.
Aliás, a testemunha I… até referiu que os réus fizeram as obras a que se refere a acção após o neto dos réus ter tirado a carta e comprado um automóvel, o que implicou a feitura das obras para caber no prédio dos réus este automóvel juntamente com um outro veículo que pertencia aos réus.
Por outro lado, as testemunhas dos autores situam as obras pelo ano 2000 referindo-as em relação a outros factos, como a idade de crianças.
Diz-se na fundamentação que «…da conjugação da prova produzida, conclui-se que, os réus já utilizam o caminho de servidão há mais de 20 anos, incluindo com carro, como foi dado como provado na sentença aludida nos factos provados.
E para que o fizessem tiveram que realizar as obras em apreço nestes autos, nomeadamente o aumento em uma folha do seu portão e a feitura da rampa em cimento, atentas as dimensões exíguas da entrada do seu prédio, bem como o desnível entre o aludido caminho e a mesma – foi o que se constatou no local».
Vejamos.
Os autores não negam que a servidão já existia quando os réus compraram a casa, tendo a testemunha G… referido, inclusive, que os réus pediram aos autores para estes alargarem o portão de entrada a partir da via pública porque era demasiado estreito para permitir a entrada de carros (minuto 07:06), o que os autores fizeram, pois na altura todos se davam bem, não sendo possível alargá-lo mais (minuto 07:35).
Os autores não questionam, pois, que a passagem existe desde que os réus compraram a casa, o que dizem é que forma feitas obras ilícitas, pelo ano 2000.
Por conseguinte, a afirmação feita na sentença de que «…é mais verosímil a tese apresentada pelos RR. no sentido de que as aludidas obras foram executadas aquando da construção da garagem, com vista à compra do veiculo que ocorreu posteriormente», não é segura, pois não explica a necessidade de alargamento da abertura do portão devido à compra de um segundo veículo que passou a ser recolhido no prédio dos réus.
Por isso, se é verosímil que tenham sido feitas obras na servidão quando os réus compraram um veículo, facto que os autores não negam, também é verosímil que tenham feito obras de adaptação quando passou a existir mais um outro veículo.
Ora, a existência deste segundo veículo e a sua relação causal com as obras não foi contraditada perla prova produzida pelos réus.
Aliás, como resulta do depoimento de parte de ambos os réus (cfr. acta da audiência de 18 de Novembro de 2013), os mesmos confessaram que alargaram o portão («alargou um portão de duas folhas para três folhas» - réu marido).
Considerando que só se alarga um portão porque já existe um portão, o que é que isto implica?
Implica que tenham existido num primeiro momento obras em cujo âmbito se incluiu um portão de duas folhas (que mais tarde foi alargado).
E implica que mais tarde tenham sido realizadas outras obras, novas, em cujo âmbito se incluiu o alargamento do portão, que passou de duas para três folhas.
Ora, isto é incompatível, com aversão dos réus no sentido de que as obras que se encontram feitas estão lá desde o início, ou desde a construção da garagem.
Mas é compatível com a versão dos autores, quando dizem que houve um alargamento do portão pelo ano 2000 motivado pelo facto de existirem dois veículos no prédio dos réus e não caberem ambos no espaço a estes reservado, o que explicará também a conveniência da folha do meio do portão abrir para o prédio dos autores e não para o prédio dos réus porque isso implicava anular espaço necessário ao estacionamento.
Daí que se afigure bem mais verosímil o depoimento das testemunhas dos autores e se deva concluir que as obras em causa foram realizadas no ano 2000, mas claro está, já havia portão e rampa, o que sucedeu é que foi tudo isto alargado e a nova folha do portão, a do meio, passou a abrir para o prédio dos autores.
4 – Passando, pois às respostas.
De acordo com o exposto, a resposta aos factos impugnados é esta:
Facto 18 – «Os Autores não puseram em causa esse portão, suas medidas e modo de abertura, nomeadamente aquando da acção que correu termos pelo 4.º Juízo Cível com o nº 434/00».
A resposta é «não provado» porque não é possível formar a convicção no sentido de já existirem nesta altura as obras em causa.
E no caso de não existirem obviamente que a pergunta nem faz sentido.
Facto 22 – «O aludido em 15) foi feito à vista de toda a gente e sem a oposição fosse de quem fosse, mormente dos Autores».
A resposta é «não provado».
A prova produzida não mostra que as obras tenham sido feitas «…à vista de toda a gente e sem a oposição fosse de quem fosse, mormente dos Autores», tratando-se aliás, de afirmações que podem ser preenchidas com várias descrições factuais.
Facto 24 – «Tudo de modo ininterrupto e pacífico ao longo desses anos e sem que com tal, hajam causado danos ou prejuízos a terceiros, incluindo os Autores»; e
Facto 25 – «Tudo na convicção de que usavam e usam um direito próprio, o de servidão, e na ignorância de lesarem legítimos interesses de terceiros».
A resposta é «não provado», pelas mesmas razões indicadas ao facto 22.
Facto 27 – «O aludido em 15) dos factos provados, já se verifica e existe há mais de 20 anos».
Provado que «O aludido em 15) dos factos provados já existe desde o ano 2000».
Facto 28 – «Os Réus sempre utilizaram a servidão em causa nos mesmos termos que o fazem, desde o início da sua constituição».
Provado que «Os Réus sempre utilizaram a servidão em causa e desde o ano 2000 nos termos que constam do facto 15».
Facto 29 – «E a partir daí, sempre há mais de 20 anos, que vêm utilizando e fruindo o direito de servidão com aquele portão e camada de cimento mencionada, que reparam e conservam quando necessário».
Provado que «Sempre vêm utilizando e fruindo o direito de servidão e desde o ano 2000 com aquele portão e camada de cimento mencionada, que reparam e conservam quando necessário».
B) Matéria de facto provada (com as alterações resultantes do acabado de expor).
1. Os autores são donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários de um prédio urbano constituído por duas casas, uma com 56 metros quadrados de área coberta e quintal com 499,43 metros quadrados e outra com 47 metros quadrados de área coberta e quintal com 466,96 metros quadrados, sito no …, freguesia …, concelho de Santo Tirso;
2. Tal prédio confronta do Norte com O…, do Sul e Nascente com estrada camarária e do Poente com os réus D… e esposa.
2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso com o n.º 21.301;
3. E inscrito na respectiva matriz urbana sob os art.º 436.º e 475.º com o valor tributável de 26.744,00;
4. Tal prédio foi adquirido pelos autores mercê de «contrato de compra e venda» em que outorgaram como compradores, a P… e esposa Q… (outorgantes vendedores), celebrada em 4 de Junho de 1975 e titulada por escritura pública lavrada a fls. 28 e seguintes do Livro n.º A-88 do Segundo Cartório da Secretaria Notarial de Santo Tirso (conf. doc. n.º 1) (escritura essa, posteriormente rectificada em 9 de Fevereiro de 1979, a folhas 4 e seguintes do Livro A-125 do Segundo Cartório da Secretaria Notarial de Santo Tirso.
5. E, posteriormente, foi o referido e identificado prédio registado a favor dos autores na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso.
6. Quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários, desde há mais de 5, 10, 15 e 20 anos que os autores estão na posse do identificado prédio, arrendando-o, colhendo os frutos, recebendo rendas, venerando construções, quintais e culturas, pagando as respectivas contribuições, sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercer um direito próprio, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados, sendo que a sua posse sempre foi pública, pacífica, contínua e de boa fé.
7. Os réus são donos, senhores e legítimos possuidores de um prédio urbano constituído por uma casa destinada à habitação, com quintal e suas pertenças, sito no …, freguesia de …, Santo Tirso;
8. Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso com o n.º 24.376;
9. E inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º 250.º.
10. E foi adquirido pelos réus mercê de «contrato de compra e venda» em que outorgaram como contratantes compradores tendo outorgado como vendedores F… e mulher, «contrato» esse titulado por escritura pública lavrada em 11 de Agosto de 1977, a folhas 69 e seguintes do Livro n.º 80 da Secretaria Notarial de Santo Tirso.
11. E posteriormente foi o referido e identificado prédio registado a favor dos réus na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso.
12. Nos autos de acção com processo comum sob a forma sumária que com o n.º 434/00 correram os seus termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Santo Tirso em que foram autores os aqui réus e réus os aqui autores foi sentenciado, em 24.05.2004, ao nível do Tribunal de 1.ª Instância:
«A- declarar que sobre o prédio identificado em 2) (dos réus) e a favor do prédio identificado em 1) (dos autores) está constituída uma servidão de passagem a pé, com mota e veículo automóvel, desde o prédio dos autores até ao caminho público, por um caminho com 28,8 metros de comprimento, 3,34 metros de largura total, sendo 2,55 metros utilizáveis, situado na extrema e lado Norte do prédio dos réus, na entrada do qual existe um portão;
B - condenar os réus a reconhecerem isso mesmo e a absterem-se de praticar quaisquer actos impeditivos de passagem a pé, de mota ou automóvel no caminho descrito, nomeadamente fechando o portão que nele se encontra».
13. Face a recurso para o Tribunal da Relação do Porto decidiu o mesmo: «Em suma e em conclusão a decisão recorrida não padece de censura uma vez que o sentido e o alcance da condenação da alínea B) deverá ser o agora enunciado, que mais não é que a explicitação daquela condenação, ou seja aquela decisão condenou os apelantes a abster-se de praticar quaisquer actos impeditivos de passagem a pé, de mota ou de carro no caminho em causa nomeadamente fechando o portão à chave ou por outra força que impeça os autores de entrarem nada obstando a que fechem o portão, dando aos autores uma chave que lhes permitam entrarem no caminho e fruírem da servidão».
14.O portão, à entrada do prédio dos aqui autores (onde se inicia o caminho de servidão que liga ao caminho público o prédio dos aqui réus) tem, entre tranqueiros a largura de 2,30 (dois virgula trinta) metros.
15. Os réus, no outro extremo do caminho (no ponto em que o referido caminho que assenta no prédio dos autores) realizaram obras, assim:
a) têm a dar para o prédio dos autores, no seu prédio (dos réus) um portão com três folhas, sendo as laterais com 95 (noventa e cinco) centímetros de largura cada uma delas e a central com a largura de 1,10 (um virgula dez) metros, num total de 3 (três) metros de largura entre tranqueiros;
b) no sistema de abrir e fechar tais folhas do portão, os réus, puseram a folha do lado direito (quem entra) (folha do lado Norte) a abrir para o lado do prédio dos AA.;
c) entrando e no prédio dos autores, os réus realizaram a obra de construção civil de revestirem o leito do caminho e mesmo partes laterais, com uma camada de cimento composto, ocupando, uma largura de 3,25 (três virgula vinte e cinco) metros e uma extensão de 1,20 (um virgula vinte) metros.
16. A colocação, pelos réus da camada de cimento composto no prédio dos autores, ocupa no mesmo prédio a área de 3,90 (três virgula noventa) metros quadrados.
17. O portão abre para o caminho de servidão.
18. (Suprimido).
22. (Suprimido).
24. (Suprimido).
25. (Suprimido).
26. No processo aludido em 12), foi dado como provado que «12. O caminho em causa sempre foi utilizado, há mais de 23 anos, para passagem, além de a pé e de mota, também de carro, de forma contínua e pública, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, pacificamente e sem lesar direitos de terceiros, com manifesta intenção de exercer o direito de passagem pelo caminho, sendo que, no que se refere aos autores e seus familiares directos, a passagem regular de carro se faz há cerca de 9 anos a esta parte».
27. O aludido em 15) dos factos provados existe desde o ano 2000.
28. Os réus sempre utilizaram a servidão em causa e desde o ano 2000 nos termos que constam do facto 15.
29. Sempre vêm utilizando e fruindo o direito de servidão e desde o ano 2000 com aquele portão e camada de cimento mencionada, que reparam e conservam quando necessário.
30. A presente ação foi intentada no dia 31.03.2011.
C) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.
Vejamos agora se a matéria de facto provada revela uma actuação dos réus em desconformidade com as normas legais aplicáveis – artigos 1564.º a 1566.º do Código Civil.
1 – Vejamos se as obras feitas pelos réus tornaram o exercício da servidão mais oneroso para o prédio dos autores.
Sobre esta matéria o artigo 1565.º do Código Civil, no seu n.º 1, dispõe que «O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação» e no n.º 1 do artigo 1566.º do mesmo código, determina que «É lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes que lhe são conferidos no artigo anterior, desde que não torne mais onerosa a servidão».
Verifica-se face a estas normas que o titular da servidão tem o direito de fazer obras no prédio serviente adequadas a proporcionar-lhe o exercício da servidão, mas não pode resultar das mesmas uma servidão mais onerosa para o prédio serviente.
Ou seja, como referiu Guilherme Moreira, ainda no domínio do Código Civil de 1867, perante preceitos com a mesma intencionalidade legislativa, «…o que deve ter-se sempre em vista é o princípio de que, podendo o proprietário do prédio serviente fazer as obras que se tornam necessárias para o uso da servidão, pode nessas obras fazer quaisquer inovações desde que o conteúdo da servidão fique sendo o mesmo e esta se não torne mais onerosa, isto é, desde que por esse facto não seja prejudicado o dono do prédio serviente» [1].
Muito embora se afigure que os autores não afirmem que o conteúdo da servidão foi alterado com as obras, ainda assim cumpre verificar este aspecto da questão, pois ajudará a clarificar a matéria em análise.
Como resulta dos factos provados, o conteúdo da servidão encontra-se definido pela sentença proferida no processo n.º 434/00 que correu termos pelo 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Santo Tirso, nestes termos:
«A - …servidão de passagem a pé, com mota e veículo automóvel, desde o prédio dos autores até ao caminho público, por um caminho com 28,8 metros de comprimento, 3,34 metros de largura total, sendo 2,55 metros utilizáveis, situado na extrema e lado Norte do prédio dos réus, na entrada do qual existe um portão».
Face a este conteúdo da servidão, isto é, a estas utilidades que os réus podem gozar e que o prédio dos autores lhes proporciona, que obras poderão executar os réus no prédio dos autores?
Como se disse, os réus podem [2] executar as obras adequadas a proporcionar-lhes o exercício da servidão, que consiste em passar a pé, com motorizada e automóvel pelo espaço de terreno indicado na sentença.
O limite para as obras, como se disse, verifica-se a partir do ponto em que das obras resulta uma servidão mais onerosa para o prédio serviente.
Como referiu Carlos do Nascimento Gonçalves Rodrigues, «…o encargo implica limitação, peso, incomodidade, estorvo, certo que o dono do prédio serviente tem de tolerar no seu prédio actos ou privar-se do exercício de outros que lhe seriam permitidos se a servidão não existisse» [3].
Consistindo a servidão num encargo estabelecido no prédio serviente que constitui uma vantagem ou utilidade para o prédio dominante (artigo 1543.º do Código Civil), a onerosidade em causa consistirá então num aumento verificado ao nível do encargo ou incómodo existente e suportado pelo prédio serviente.
Poderão, por exemplo, os réus alcatroar o leito da servidão (se porventura não está já revestido)?
À partida não poderão, pois tal obra não se revela necessária ao exercício da servidão e representará um agravamento para o prédio serviente, pois poderá impedir a infiltração das águas das chuvas na terra e implicará uma despesa para o dono do prédio dominante se a servidão se extinguir um dia e ele pretender colocar o terreno na sua situação original.
E poderão os réus alargar a entrada existente para o prédio dominante, que lhes pertence, e, além disso, colocar cimento no prédio serviente, de modo a formar uma rampa para essa entrada, com o comprimento ou profundidade de 1,20 metros e uma largura de 3,25 metros, perfazendo uma área de 3,90 metros quadrados?
A resposta é afirmativa.
Com efeito, a largura da servidão é de 3,34 metros comprimento e a abertura que os réus alargaram e onde colocaram um novo portão, passou a ter 03,00 metros de largura, estando por isso, dentro da largura da servidão.
Não há, por conseguinte, alteração do conteúdo da servidão, pois a mesma continua com a mesma largura em nada onerando o prédio serviente.
E quanto à rampa com cimento?
Verifica-se que não extravasa a largura da servidão e trata-se de uma obra destinada a tornar mais cómoda a circulação dos veículos entre o piso do prédio serviente e o piso do prédio dominante (que se encontrarão certamente desnivelados).
A rampa destina-se a suavizar a passagem de um piso para outro piso, em condições semelhantes às que existem quando não existe desnível.
Trata-se, pois, de uma obra útil ao exercício da servidão, cumprindo verificar se a mesma tornou mais onerosa a servidão para o prédio serviente.
A resposta é também negativa.
Com efeito, a área ocupada pela rampa é de 03,90 metros quadrados, que correspondem apenas a 4% da área total ocupada pela servidão, que é de 96,19 metros quadrados, o que se afigura irrelevante em termos de onerosidade.
Com efeito, não de verifica um acréscimo de incómodo para o prédio serviente, nem o proprietário vê limitado algum dos poderes que antes podia exercer e que agora passa não poder exercer.
Quanto à abertura do portão.
Verifica-se que uma das folhas do portão abre para o prédio serviente, o dos autores, invadindo o espaço aéreo deste prédio.
Afigura-se que este facto também não acarreta onerosidade para o prédio dos autores.
Com efeito, também aqui não de verifica um acréscimo de incómodo para o prédio serviente, nem o proprietário vê limitado algum dos poderes que antes podia exercer no seu prédio e que agora passa não poder exercer.
Conclui-se, por conseguinte, que as obras feitas pelos réus não tornaram o exercício da servidão mais oneroso para o prédio dos autores.
2 – Vejamos agora se as obras podiam ter sido feitas dentro do prédio dominante sem qualquer estorvo para este e, por fim, se as mesmas prejudicam, sem motivo justificativo, o prédio dos autores.
Esta questão é secundária, pois o critério legal para avaliar sobre a licitude ou ilicitude das obras executadas no prédio serviente reside, como se viu na inexistência ou acréscimo de onerosidade para o prédio serviente.
Porém, no que respeita à rampa, não se afigura que esta pudesse ser executada no prédio dominante.
Pelo menos não há factos que mostrem a viabilidade de tal hipótese.
Com efeito, se foi feita a rampa no prédio serviente, como foi, isso implica que a rampa represente uma utilidade para o exercício da servidão, pois não se afigura credível o contrário, o que leva a concluir que existiria um desnível ou um qualquer obstáculo entre o prédio dos autores e dos réus só atenuado com a construção da rampa do lado do prédio dos réus.
De qualquer forma, os factos não mostram minimamente como seria possível aos réus obter o mesmo benefício se, em vez de terem feito a rampa no prédio dos autores, a tivessem executado no seu próprio prédio.
Relativamente à abertura de uma das folhas do portão para o prédio dos autores, não é isento de dúvidas que essa porta pudesse ficar a abrir para o prédio dos réus.
Não se trata de uma impossibilidade física, pois, neste campo, claro está que era possível colocar o portão a abrir, todo ele, para o prédio dos réus.
Trata-se de saber se a abertura para o prédio dos réus implicava alguma limitação ao gozo do prédio dos réus ou perda de alguma funcionalidade relativamente ao portão.
Porém, cumpre verificar que o facto do portão abrir para o prédio dos réus não constitui um acréscimo de oneração para o prédio dos autores, pois tal facto não os priva de algo que antes dispusessem e agora não possam dispor, ou seja, não ficam privados de algo que antes não estivessem já privados por força da servidão.
Quanto ao prejuízo provocado pelas obras no prédio dos autores, já se concluiu que as mesmas não causam qualquer prejuízo que represente um acréscimo de oneração em relação à oneração gerada pela servidão em si.
3 – Apesar da alteração da matéria de facto, tal alteração não tem efeitos práticos, pois a decisão tomada na 1.ª instância não é alterada, pelo que o recurso improcede na sua totalidade.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
*
Porto, 20 de Outubro de 2014.
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim.
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[1] As Águas no Direito Civil Português. Livro II - Das Servidões das Águas, 2.ª edição. Coimbra Editora, 1960, pág. 140.
[2] Como referem Pires de Lima/Antunes Varela, «Desde que ao titular da servidão se reconhece certo direito sobre o prédio alheio, há que outorgar-lhe todos os meios necessários ao exercício desse direito» - Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição revista e actualizada (reimpressão). Coimbra Editora, 1987, pág. 666.
[3] Da Servidão Legal de Passagem. Depositária: Livraria Almedina, 1962, pág. 30 (Separata do Vol. XIII do Suplemento ao Boletim da FDUC).