Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DEOLINDA DIONÍSIO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL DA RELAÇÃO PENA MATÉRIA DE DIREITO | ||
Nº do Documento: | RP2016062239/13.6GDGDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2016 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | REMESSA PARA O STJ | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 691, FLS.151-165) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Sendo vários os arguidos recorrentes da decisão final, uns condenados em pena superior a 5 anos de prisão e outros a pena inferior e suscitando todos exclusivamente questões de direito, o Tribunal da Relação apenas è competente para conhecer dos recursos dos arguidos condenados em pena até 5 anos de prisão, sendo incompetente para conhecer dos recursos interpostos pelos arguidos condenados em pena superior a 5 anos de prisão cujo o conhecimento compete ao Supremo Tribunal de Justiça. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | RECURSO PENAL n.º 39/13.6GDGDM.P1 4ª Secção Criminal Relatora: Maria Deolinda Dionísio DECISÃO SUMÁRIA TRIBUNAL RECORRIDO Comarca do Porto Porto – Instância Central – 1ª Secção Criminal-J13 PROCESSO Comum Colectivo n.º 39/13.6GDGDM ARGUIDOS/RECORRENTES B… C… D… I - OBJECTO DO RECURSO No âmbito dos autos supra referenciados, por acórdão proferido a 13 de Janeiro de 2016, foram condenados, entre outros, os arguidos: 1 – B…, com os demais sinais dos autos, na pena única de 9 (nove) anos de prisão, em resultado das seguintes penas parcelares: i) 3 (três) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; ii) 2 (dois) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; iii) 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; iv) 3 (três) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; v) 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto simples, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 1, al. f) e 4, do Cód. Penal; vi) 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; vii) 2 (dois) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; viii) 3 (três) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; ix) 1 (um) ano de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, al. e)[1], do Cód. Penal; x) 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; xi) 3 (três) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal. 2 – C…, com os demais sinais dos autos, na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, em resultado das seguintes penas parcelares: - 14 (catorze) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal; - 9 (nove) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal. 3 – D…, com os demais sinais dos autos, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de receptação, previsto e punível pelo art. 231º, n.º 1, do Cód. Penal. Inconformados, todos interpuseram recurso, dirigido a este Tribunal da Relação do Porto, rematando a motivação com as conclusões que se transcrevem: Arguido B… “1. O douto acórdão "a quo" não teve em linha de conta a forma de crime continuado, que efectivamente corresponde às situações ocorridas, aos sucessivos factos praticados pelo agente. 2. Entendeu os crimes como sendo individuais e sem ligação causal entre os mesmos, o que não se entende como correcto. 3. Porém, todas as condutas do arguido se traduziram num modus operandi idêntico numa área geográfica, circunscrita a Valongo, ao longo de pouco mais de 10 meses estando assim presente a conexão temporal e espacial entre as diversas acções, que serve para caracterizar a unidade do objectivo da acção. 4. Por outro lado, as diversas acções, nas quais não se manifesta a conexão de continuidade objectiva, correspondem a uma única resolução tomadas ao longo de 10 meses (Setembro de 2014 a Agosto de 2015). 5. Do comportamento do arguido pode-se afirmar, portanto, também na consideração do período de tempo abrangido pela sua conduta, que as diversas resoluções se conservaram numa linha psicológica continuada ou, dito de outro modo, que se verificou um dolo continuado. 6. Ou seja, dos factos provados permite a afirmação duma unidade do injusto pessoal da acção. 7. Finalmente, o pressuposto fundamental para a unificação das condutas - a actuação no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente - está absolutamente presente nos factos provados. 8. Na realização de sucessivos furtos em área geográfica circunscrita a Valongo, manifesta por parte do arguido disposição exterior das coisas que, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao recorrente que se comportasse de maneira diferente. 9. A forma homogénea como executou os referidos furtos e o quadro de solicitação de uma idêntica situação exterior com que se deparou, acabou por determinar o renascimento de uma única resolução criminosa por si susceptível de fazer diminuir consideravelmente a culpa do agente. 10. Demonstrando a clara existência de um circunstancialismo exógeno que conformou a persistência de uma situação exterior que facilitou a execução e, por isso, fundamentou uma considerável diminuição da culpa do recorrente, devendo a sua conduta ser subsumida à figura de crime continuado refletindo-se tal na medida da pena aplicada ao arguido. 11. Mas ainda que assim V. Ex.ªs não entendam a verdade é que quer as penas parcelares quer a pena única aplicada ao recorrente são exageradas e desproporcionais por não refletirem a ponderação da situação concreta de um arguido que conta com o apoio da sua família, designadamente da sua companheira e dos familiares próximos de ambos. 12. E que tem hábitos de trabalho e vontade em adquirir novas competências. 13. Efectivamente do seu CRC constam 4 condenações por crimes de diferente natureza cujas penas (três das quais penas de multa) se mostram na íntegra extintas pelo cumprimento. 14. A verdade é que o recorrente necessita de uma oportunidade e não de prisão, pelo que, faria todo o sentido que as penas aplicadas bem como a pena única aplicada fossem muito inferiores sendo inclusive de ponderar a aplicação de uma pena única muitíssimo inferior. 15. É evidente que, o tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza. Ou seja, ninguém pode assegurar que um arguido a quem é aplicado uma pena de prisão suspensa não venha, de futuro, e mesmo no decorrer do período da suspensão, a cometer um novo crime. 16. Porém há sempre que correr algum risco, embora um risco calculado, devendo atender-se na prognose a efectuar à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. 17. O recorrente mereceu pelo menos o juízo positivo de quatro instâncias formais de acompanhamento, revelando vontade em adquirir hábitos de trabalho, sendo que apresenta sentimentos de dedicação aos seus familiares. 18. Estamos, assim, em crer que existe uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem ser-lhe aplicadas penas parcelares inferiores bem como uma pena única claramente inferior à ora aplicada. 19. Pode, assim, afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências podendo formular-se um juízo de prognose social favorável tendo o arguido interiorizado a gravidade dos actos praticados no passado, contando, para tal, com o apoio incondicional da sua família. 20. Assim, as penas aplicadas ao arguido bem como a pena única teriam, por conseguinte, que se situar mais próximas do limite mínimo legalmente previsto, consideradas as condições económicas e sociais bem como os demais elementos que não fazendo parte do tipo de crime dispõe a favor do arguido. 21. Pelo que tudo ponderado, entende-se como suficiente, proporcional e adequado aplicar ao arguido as seguintes penas: I. NUIPC 181/14.6GCDGDM, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada, em co-autoria, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, a pena de 2 anos de prisão. II. NUIPC 97/14.6GBVLG pela prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada, em co-autoria, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, ao qual corresponde a pena concreta de 2 anos de prisão, III. NUIPC 193/14.0GBVLG pela prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada, em co-autoria, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, ao qual corresponde a pena de 2 anos e 3 meses de prisão. IV. NUIPC 156/14.5GBVLG prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada, em co-autoria, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, na pena de 2 anos de prisão. V. NUIPC 50/14.0P6PRT prática de um crime de furto simples, em co-autoria, na forma consumada, nos termos dos arts. 203º, n.º l, e 204º, n.º l, al. f), por aplicação da previsão do art. 204º, n.º 4, do CP, na pena de 3 meses de prisão. VI. NUIPC 183/14.2GBVI.G prática de um crime de furto qualificado, na forma consumada, em co-autoria, nos termos dos arts. 203º, n.º l, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, ao qual corresponde a pena de 2 anos de prisão. VII. NUIPC 287/14.1GBVLG prática de um crime de furto qualificado, em co-autoria, na forma consumada, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão. VIII. NUIPC 704/14.0PBVLG prática de um crime de furto qualificado, em co-autoria, na forma consumada, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, ao qual corresponde a pena de 2 anos e 3 meses de prisão. IX. NUIPC 1164/14.1PHMTS prática de um crime de furto qualificado, nos termos do art. 203º, n.º l e 204º, n.º l, al. e), na forma tentada, ao qual corresponde a corresponde a pena de prisão de 1 (um) ano. X. NUIPC 409/14.2GBVLG prática de um crime de furto qualificado, em co- autoria, na forma consumada, nos termos dos arts. 203º, n.º l, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, ao qual corresponde a pena de 2 anos de prisão, XI. NUIPC 452/14 pela prática de um crime de furto qualificado, em co- autoria, na forma consumada, em co-autoria, nos termos dos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, aplicável a pena de 2 anos de prisão. 22. Quanto à pena única, para ser fixada na medida justa, adequada e necessária, seria suficiente a aplicação de uma pena única, nunca superior a 6 anos, sendo esta suficiente para se atingir os fins insertos na norma incriminadora e contribuir para a plena socialização do arguido, sendo que satisfaz ainda às necessidades de prevenção geral e especial tão necessárias à sociedade.”. Arguido C… “1) Os factos pela prática dos quais o arguido foi condenado no âmbito do presente processo foram praticados em co-autoria e na forma tentada; 2) Dado que o arguido foi condenado no presente processo, afigura-se a evidência da necessidade de o mesmo ser sujeito a intervenção dirigida à interiorização do desvalor praticado; 3) O que permite ao arguido a sua ressocialização e integração na sociedade e a continuação da sua inserção na vida familiar; 4) O arguido tem 32 anos um anos de idade, é pai de dois menores, pelo que, conceder ao mesmo, uma última oportunidade de cumprir a pena aplicada nos presentes autos integrado na sociedade e na família, é a mais justa e, por certo, a melhor solução; 5) A simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; 6) Ao não suspender a pena na sua execução, o tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 50º, 51º, 52º, 53º e 54º do Código Penal, devendo tais normativos ser interpretados no sentido de a pena aplicável ao arguido ser suspensa na sua execução.”. Arguido D… “1 - O Tribunal condenou severamente o arguido, violando dessa forma o disposto no art. 71º do C.P. e bem assim, o art. 70º do C.P., por não ter dado preferência à suspensão da pena de prisão por igual período, sujeita a regime de prova; 2 - Caso assim não se entendesse, pelo cumprimento da pena de prisão por dias livres, que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, exclusivamente preventivas, sob a forma de protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (art. 40º n.º 1 do C.P); 3 - O Arguido remeteu-se ao silêncio, e isso não o pode prejudicar; 4 - Não se apuraram circunstâncias que agravem ou diminuam acentuadamente a ilicitude ou a culpa; 5 - O Tribunal "a quo" aplicou uma pena privativa da liberdade ao arguido, ora, na nossa modesta opinião, a mesma só deverá ser aplicada em último recurso, e não tendo outra alternativa; 6 - No caso Sub Júdice o Tribunal poderia muito bem suspender a pena de prisão, sujeitando a mesma a regime de prova; 7 - E caso não entendesse suspender a pena de prisão deveria aplicar o art. 45º do Código Penal, que prevê a prisão por dias livres; 8 - No entanto, não pretendendo de modo algum negar essa mesma necessidade, consideramos desproporcionada e desadequada a aplicação, ao arguido de uma pena de prisão de 18 meses, considerando para o efeito e atendendo ao caso concreto, uma pena de 10 meses de prisão; 9 - A prisão não dará certamente resposta à prevenção de um comportamento futuro idêntico, por parte do arguido, muito pelo contrário, poderá produzir efeitos perversos, de dimensões imprevisíveis; 10 - O processo de formação concreta da pena é complexo e "um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas" teoriza o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 215. 11 - Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta como a "arte de julgar": um sistema de penas variadas e variáveis, com um acto de individualização judicial da sanção em que à Lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2005, processo n.º 2521/05). 12 - De acordo com o disposto nos art. 70º a 82º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja, a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo Juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do Direito (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2005, processo n.º 2521/05), 13 - Em matéria de medida concreta da pena, enquanto que ao STJ só assistem aqueles poderes de cognição, as Relações podem proceder a um reexame mais amplo, e eventualmente avaliar diversamente o significado da matéria de facto, quer em relação a cada parâmetro, quer em relação â imagem global do facto e da personalidade do agente, invadindo a margem de liberdade que, no nosso Direito, assiste ao julgador na medida da pena e fixando, dentro dela, nova quantificação precisa, ou seja nova pena (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2004, processo n.º 4331/2003). 14 - Como refere o Prof. Figueiredo Dias (cfr. Lições ao 5º ano da faculdade de Direito de Coimbra, 1988, pág. 255), "Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (em sentido estrito, ou de "determinação concreta"…) da pena". E, mais adiante. "As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa" (ob. Cit, pág. 279); 15 - E, continua; "Assim pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto" e referida ao momento da sua aplicação, protecção essa que "assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena constitucionalmente consagrado (ob. cit. págs. 279-280). 16 - Essa valoração deve fazer-se "in concreto" e variar, segundo factores relativos ao "ambiente", ao facto e ao agente, entre uma suposta medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, tomada como limite máximo e balizada pela culpa, e um limiar mínimo comunitariamente suportável como indispensável à tutela ainda efectiva e consistente dos bens jurídicos violados (ob. cit, págs. 281 a 283). 17 - Dentro de tais limites "podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização" visando a "reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social" (ob. cit. pag. 285). 18 - No dizer da Anabela Miranda Rodrigues... (in O Modelo de Prevenção na determinação da medida concreta da pena - RDCC, 12, 2, Abril/Junho/2002)... "Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais; 19 - Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena, tutela dos bens jurídicos e, na mediada do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente". 20 - Ou ainda como se destaca no Ac. do STJ, de 25/11/2004 (proferido no P. C. n.º 1753/03 – 2º Juízo do T. J. de Valongo), A medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva, vindo a ser definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências e prevenção especial, nomeadamente, de prevenção especial positiva ou de socialização. 21 - Será assim o próprio conceito de prevenção geral (protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada que justifica que se fale de uma moldura de prevenção, pois que a prevenção, tendencialmente proporcional à gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade, a satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite (máximo) definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas, que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade"; 22 - Por isso mesmo, cremos que a pena deve fixar-se em 10 (Dez) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período com aplicação de regime de prova, implicando os seguintes deveres: Procurar activamente emprego ou frequentar acções de formação; Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; 23 - Caso assim não se entenda, o seu cumprimento deverá ser em dias livres - artigo 45º do Código Penal - a prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder 72 períodos, visando assim, assegurar a finalidade de prevenção geral, que coincidirá, pois, em concreto, com o imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral sob a forma de defesa da ordem jurídica, em suma o limite necessário para assegurar a protecção dessas expectativas.”. * Admitidos os recursos, por despacho de fls. fls. 8020/8021, respondeu o Ministério Público, dirigindo-se também a este Tribunal da Relação do Porto (fls. 8122 e segs., 8125 e segs. e 8128 e segs.), pugnando pelo seu não provimento e manutenção do decidido, pretensão secundada, após subida dos autos, pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no douto parecer que emitiu e que foi notificado, nos termos do art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais tendo sido aduzido – fls. 8168, 8318 e segs. e 8325 e segs..*** II. FUNDAMENTAÇÃO1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt]. Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua pré-ordenação lógica, são as seguintes: Arguido B… a) Subsunção dos factos à figura do crime continuado b) Excessiva dosimetria das penas parcelares e única Arguido C… Suspensão da execução da pena de prisão Arguido D… I) Redução da pena II) Aplicação de pena de substituição - Suspensão da execução da pena - Prisão por dias livres Neste conspecto, é certo que os recorrentes apenas sindicam, in casu, a subsunção jurídica (B…), dosimetria das penas (B… e D…) e a aplicação de prisão efectiva (C… e D…), realizada na decisão recorrida. Em consequência, coloca-se a questão prévia da competência orgânica deste Tribunal da Relação. 2. Na verdade, os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões, estando a competência em matéria criminal definida na respectiva lei de processo, consoante decorre do estatuído no art. 42º, n.ºs 1 e 3º, da LOSJ.[2] Em regra, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito e o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas de direito (v. arts. 428º e 434º, do Cód. Proc. Penal). De harmonia com o entendimento abalizado do professor Alberto dos Reis, «é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos (…) é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei…».[3] Tendo presente tal circunstância e as conclusões formuladas pelos arguidos, facilmente se intui que estes questionam unicamente matéria de direito, estando definitivamente assentes os factos. Por outro lado, está em causa acórdão condenatório – decisão final – proferido pelo tribunal colectivo. Antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 28/8, foi questão controvertida saber se, estando unicamente em causa o reexame da matéria de direito, em decisão final do tribunal colectivo, o interessado tinha a opção de interpor recurso prévio para a Relação ou se devia recorrer directamente para o STJ. Tal querela veio a ser dirimida, por acórdão uniformizador de jurisprudência, com o n.º 8/2007, proferido pelo STJ, a 14/3/2007, e publicado no DR, I Série, n.º 107, de 4/6/2007, em favor desta última tese, ou seja de que “os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.” 3. Todavia, na hipótese sub judicio, os factos, a decisão final e o recurso verificaram-se já no âmbito do Código de Processo Penal Revisto, sendo inegável que é à luz da disciplina actualmente vigente que a competência deve ser aferida. Dispõe o art. 427º, do Cód. Proc. Penal que: “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação.” Por seu turno, consagra o art. 432º, do mesmo diploma legal, que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º” E, estatui este preceito legal que «havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto». Da conjugação destes normativos, facilmente se conclui que o legislador consagrou a jurisprudência fixada no aludido acórdão uniformizador, caldeada pelo reforço do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, ao admitir o conhecimento dos recursos que versam apenas matéria de direito também pelo Tribunal da Relação, quando existam múltiplos recursos e algum deles verse matéria de facto. Assim, no caso dos recursos apresentados pelos arguidos C… e D…, condenados em penas de prisão muito inferiores a 5 anos, é inegável a competência deste Tribunal da Relação. Todavia, essa evidência falece no caso restante. 4. Com efeito, a questão da competência, quando concorrem penas superiores e inferiores a 5 anos de prisão, não é ainda consensual, como dá nota o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9/7/2014[4], onde a dado passo se exara o seguinte: «Assim sendo, a opção que se perfila terá que ser entre a atribuição da competência para conhecer de todas as penas ao STJ (superiores e inferiores a cinco anos de prisão), ou remeter os autos ao Tribunal da Relação, para conhecer de todas essas penas parcelares e conjunta. No primeiro caso, seguir-se-á uma posição, segundo a qual, basta a pena conjunta ser superior a cinco anos, para o STJ conhecer de todas elas (se evidentemente o objecto do recurso a todas abranger). Na segunda opção, o STJ só interviria, havendo recurso de todas as penas, se todas elas fossem superiores a cinco anos. Caso contrário a competência seria de Relação, que assim conheceria das penas superiores a cinco anos, bastando para tanto que coexistissem com uma pena inferior a tal medida. A questão não é pacífica e encontrou respostas diversas nas Secções criminais deste Supremo Tribunal. 1.2. Quanto à primeira opção. De um lado estarão quantos entendem que o STJ cobra competência para conhecer das penas todas, como tribunal com competência para “conhecer do mais” e que portanto deverá também “conhecer do menos”. Certo que a medida da pena única, a encontrar numa “moldura de concurso”, depende necessariamente das concretas penas parcelares que foram aplicadas. Então, o conhecimento das parcelares seria não só instrumental, como necessário à sindicância da pena única que se pretendeu eleger, para além da simples análise da ilicitude global do caso e personalidade do agente, sem discussão da medida das parcelares. A alteração introduzida no art. 432º do CPP, neste particular, pretendeu restringir o acesso ao STJ, através da al. c) do nº 1, que substituiu a anterior al. d) desse nº 1. Antes da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, esta al. d) previa o recurso de direito, direto para o STJ, de decisões do coletivo. Sem mais. Com a atual al. c) do art. 432º que lhe corresponde, incluíram-se também as decisões do tribunal do júri (com um aumento irrisório, em termos globais, de casos que chegarão ao STJ por essa via), mas sobretudo com a exigência de que os acórdãos “apliquem pena de prisão superior a 5 anos”. Segundo esta posição, a intervenção do STJ ficou circunscrita ao que o legislador reputou de criminalidade mais grave, com um critério de aferição cifrado na aplicação ao condenado de uma pena superior a cinco anos, no sentido de pena que este tenha que vir a cumprir, efetivamente. Preenchido este requisito, não se poderá então extrair da norma em foco que o conhecimento das parcelares, porque inferiores a cinco anos de prisão, não seja da competência do STJ. Como não é possível, face nº 2 do art. 432.º do CPP, que o legislador autorize o recorrente (só da matéria de direito), a discutir primeiro na Relação as parcelares, e a pedir depois ao Supremo, em recurso separado, a sindicância da pena única, para obter ao menos um grau de recurso em relação a todos os aspetos que contesta, importará então atribuir ao STJ a competência para conhecimento de parcelares inferiores a cinco anos de prisão. Claro que se o julgamento dos crimes pelos quais foram aplicadas penas inferiores a cinco anos tivesse sido feito em separado, o recurso de cada decisão seria para o Tribunal da Relação. E no caso de ulteriormente haver lugar à realização de um cúmulo, só se a pena única aplicada excedesse cinco anos de prisão é que o recurso teria lugar para o STJ, mas para conhecer só dessa pena única. 1.3. Quanto à segunda opção Na posição contrária estarão todos quantos partem da regra base de que a instância normal de recurso, no nosso sistema, é a Relação, para onde se recorre, em princípio, das decisões de 1ª instância. É o que resulta do art. 427.º do CPP. Ora, a excecionalidade da intervenção do STJ, reforçada com a já referida reforma processual penal, levaria a que só em casos muito contados o STJ fosse chamado a intervir, nunca podendo conhecer de penas inferiores a cinco anos de prisão. Não faria qualquer sentido que o Supremo Tribunal se ocupasse com o julgamento de criminalidade leve, com a ponderação de penas parcelares que, só em cúmulo, dariam uma pena de mais de cinco anos. Mais, seria incongruente como propósito legislativo (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X) ocupar o STJ com a análise de uma questão de direito relativa a um crime bagatelar, só porque, indiretamente, tal poderia repercutir-se na pena conjunta superior a 5 anos.» Ponderando a posição adoptada nesse douto aresto, já então sufragada nos Acórdãos de 21/10/2009 e 15/12/2011[5], e depois secundada, entre outros, nos Acórdãos de 9/7/2015 e 25/11/2015[6], todos a dar nota da competência do STJ relativamente a acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo quando a pena única for superior a 5 anos de prisão, ainda que sejam também impugnadas penas parcelares em medida inferior, e o recurso vise apenas o reexame de matéria de direito e, especialmente, a consequência extraída no aludido Acórdão de 9/7/2015, que decretou a nulidade de Acórdão da Relação, por invasão de competência do Tribunal Superior, decorrente da violação do disposto no art. 432.°, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, visto estar em causa uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (nulidades e medida da pena), impõe-se excepcionar a competência deste Tribunal da Relação relativamente ao recurso interposto pelo arguido B…, condenado em 9 anos de prisão, impondo-se, nessa parte, a remessa ao Supremo Tribunal de Justiça para, salvo melhor entendimento, aí serem conhecidas as questões de direito suscitadas. *** III – DISPOSITIVONestes termos, em face do exposto e ao abrigo do estatuído nos arts. 42º n.ºs 1 e 3, da LOSJ e 427º e 432º n.ºs 1 c) e 2, do Cód. Proc. Penal, determina-se a oportuna remessa ao Supremo Tribunal de Justiça (Secções Criminais) para apreciação do recurso interposto pelo arguido B… da decisão final do Tribunal Colectivo que o julgou e condenou em pena superior a 5 anos de prisão. Sem tributação. Notifique pela via mais expedita e, oportunamente, separe os autos, extraindo certidão relativamente ao arguido B…, e remeta ao Supremo Tribunal de Justiça, dando conhecimento ao Tribunal a quo. *** Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPPPorto, 22 Junho de 2016 Maria Deolinda Dionísio ___________ [1] Por esta via se corrigindo o manifesto [porque patenteado pelo contexto respectivo] lapso de escrita que evidencia o texto decisório ao referir, por diversas vezes, “204º, n.º 1, al.2)”, ao abrigo do disposto no art. 380º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Cód. Proc. Penal. [2] Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26/08. [3] Cód. Proc. Civil (Anot.), pág. 206 e segs. [4] Relatado pelo Ex.mo Conselheiro Souto de Moura, no Proc. n.º 95/10.9GGODM.S1, disponível in dgsi.pt. [5] Relatados pelos Ex.mos Conselheiros Maia Costa e Raúl Borges, Procs. n.ºs 33/08.9TAMRA.E1.S1 e 41/10.0GCOAZ.P2.S1, disponíveis in dgsi.pt. [6] Relatados pelos Ex.mos Conselheiros Raúl Borges e Manuel Augusto Matos, Procs. 19/07.0GAMNC.G2.S1 e 455/13.3PLSNT.L1.S1, igualmente disponíveis in dgsi.pt. |