Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2039/14.0JAPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PERDA AMPLIADA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
SITUAÇÃO ECONÓMICA
Nº do Documento: RP201805302039/14.0JAPRT-D.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º761, FLS.171-176)
Área Temática: .
Sumário: I - A norma do artº 12º 3 da Lei 5/2002 relativa á perda ampliada, é especial relativamente à contida no artº 112º1 CP prevalecendo sobre esta.
II - No caso de perda de bens decretada ao abrigo da Lei 5/2002 a possibilidade de pagamento do valor devido, a que alude o seu artº 12º 3 não é realizável em prestações.
III - E é irrelevante o facto de o arguido condenado ter ou não ter possibilidades de pagar o valor em divida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2039/14.0JAPRT-D.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1 O arguido B…, após realização da audiência de julgamento, no Processo nº 2039/14.0JAPRT, que correu termos na 2ª Secção Criminal, J 6, da Instância Central de Vila do Conde, Comarca do Porto, por acórdão de 10/02/2016, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, nº 1, com referência à Tabela I-B, do DL nº 15/93, de 22/01, na pena de 9 anos de prisão.
Foi ainda julgado parcialmente procedente o incidente de perda ampliada de bens, deduzido pelo Ministério Público contra o mesmo arguido, declarando-se, para efeitos do disposto no art.º 12º, nº 1, da Lei nº 5/2002, de 11/01, perdida a favor do Estado a quantia de €170.402,40, e condenando-se o arguido B… a pagar tal quantia ao Estado, assim como se determinou a manutenção do arresto dos bens já decretado.
1.2. Por despacho de 18/01/2018, foi determinado o cumprimento do disposto no art.º 12º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11/01, notificando-se o arguido para, em 10 dias, proceder ao pagamento da referida quantia.
1.3. Por requerimento de 26/01/2018, veio o arguido requerer a autorização do pagamento da quantia de €170.402,40 no prazo de dois anos, dividida em prestações mensais.
1.4. Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:
O pedido de pagamento prestacional requerido pelo arguido B… não tem suporte legal, uma vez que o art.º 12° da Lei 50/02 de 11/1 não prevê tal possibilidade, antes concede ao arguido a possibilidade de pagar no prazo de 10 dias após o trânsito (cf. n° 3), estatuindo o n° 4 do referido preceito que, ‘não se verificando o pagamento, são perdidos a favor do Estado os bens arrestados’.
Deste modo, e por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido a fls. 3344.
1.5. Não se conformando com tal despacho, veio agora dele interpor recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“1. A decisão impugnada agarra-se ao disposto no artigo 12º, nº 3 do referido diploma, sem que atenda aos princípios do direito penal. Diríamos que a decisão impugnada nada mais vê que a letra da lei. Ora, se a letra da lei fosse, como que algo sagrado, seguramente, desnecessário seriam os juristas para a interpretar, pois, um especialista em português melhor a interpretaria;
2. O legislador, seguramente, que teve em vista que este prazo de 10 dias fosse suscetível de ser prorrogado atendendo às circunstâncias do caso concreto. Ora, não é razoável que se imponha o pagamento de semelhante quantia dentro de um prazo tão curto. Na verdade, a exigir-se o pagamento da referida quantia no prazo de 10 dias seria o mesmo que dizer ao arguido para não a pagar;
3. Acresce que dos autos e designadamente do acórdão não decorre que o arguido tenha posses para satisfazer aquele pagamento num prazo assustador de 10 dias;
4. Uma interpretação da norma constante do artigo 12º, nº3 da lei 5/2002, de 11/1 com o sentido de que após o transito em julgado de uma decisão penal em que se discutia a responsabilidade penal e civil (perda ampliada de bens), se imponha ao condenado o pagamento de uma indemnização de um montante avultado (€170.402,40) no prazo improrrogável de 10 dias inquina de inconstitucionalidade material a referida norma por contender com o estatuído no artigo 18º, nº 2 e 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa;
5. Por outro lado, a decisão não cuidou de saber o mais importante. Como decorre da própria decisão impugnada e dos autos encontram-se vários bens arrestados. Ora, a ser assim, importaria saber se esses bens cobrem ou não o valor de 170.400 euros. É que, bem pode acontecer que esses bens ultrapassem o referido valor;
6. É que, o recorrente suscitou a questão de os bens arrestados serem suficientes para solver a referida quantia. A decisão para além de não pretender saber do valor dos bens arrestados ainda fulmina o arguido com a perda desses bens;
7. A decisão impugnada omitiu pronúncia relativamente a este ponto que era crucial para a defesa. Nesta medida a decisão sempre seria nula por omissão de pronuncia;
8. Uma interpretação da norma constante do 12º, nº 3, da lei 5/2002, de 11/1 com o sentido que imponha o pagamento da quantia pela qual o arguido foi condenado (170.400 euros) e não atenda ao montante dos bens arrestados e, ainda, os declare perdidos a favor do Estado, pelo não pagamento no prazo improrrogável de 10 dias, inquina de inconstitucionalidade material a referida norma por atentar contra o estatuído no artigo 18º, nº2 e 32º, nº1 da Constituição da República Portuguesa;
9. A referida norma deve ser interpretada com o sentido de, além de ser ter em conta o valor dos bens arrestados, para efeitos de se saber se a referida quantia está garantida, ou, pelo menos, qual a quantia que falta pagar, ser possível prorrogar o prazo de 10 dias por um outro que no caso concreto atenda às circunstâncias do caso.
Violaram-se os artigos 18º, 32º, da CRP, 12º da Lei 5/2002 e artigo 379º do CPP.
Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e revogar-se a decisão por outra que prorrogue o prazo tal como requerido pelo arguido.”
1.3. O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 3412.
1.4. O Ministério Público respondeu ao recurso, nos termos que constam de fls. 105 a 111, destes autos, concluindo pela negação de provimento ao mesmo, nos seguintes termos:
“1 - O arguido B… interpôs recurso da decisão proferida em 6 de fevereiro de 2018, que lhe indeferiu o pedido de pagamento em prestações da quantia de €170.402,10 em que foi condenado a pagar ao Estado Português, no âmbito da Lei nº 5/2002, de 11/1.
2 - O tribunal pronunciou-se sobre o requerido - concessão ou não do prazo solicitado para que o recorrente efetuasse o pagamento da quantia em que foi condenado em prestações.
3 - Saber se os bens arrestados são ou não suscetíveis para solver a divida é uma questão que importa considerar uma vez proferida decisão sobre a questão fulcral suscitada - a do pagamento em prestações e depois de verificado que o recorrente não efetuou o pagamento no prazo a que alude o artigo 12°, nº 3 da Lei 5/2002, de 11 de janeiro.
4 - O prazo de 10 dias, estipulado no artigo 12°, n. 3, da Lei 5/2002 de 11/01 é perentório.
5 - A omissão de qualquer referência à prorrogação do prazo ou ao pagamento diferido ou em prestações (contrariamente ao que sucede com o artigo 112° do Código Penal, na redação introduzida pela Lei 30/2017 de 30/5) não pode interpretar-se senão no sentido da sua deliberada exclusão.
6 - A segurança jurídica e a proteção da confiança dos cidadãos são princípios integradores do Estado de Direito. O Estado tem a obrigação de proteger a confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na sua própria atuação.”
1.5. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual conclui pela negação de provimento ao recurso.
1.6. Cumprido o art.º 417º, nº 2, do CPP, respondeu o recorrente, reiterando pela procedência do recurso.
1.7. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
1.7.1. Omissão de pronúncia;
1.7.2. Improrrogabilidade do prazo a que alude o art.º 12º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 12/02;
1.7.3. Impossibilidade legal do pagamento ali previsto em prestações;
1.7.4. Inconstitucionalidade de tal norma, por violação dos art.ºs 18º, nº 2, e 32º, nº 1, da CRP.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Fundamentos fáctico - conclusivos e jurídicos
2.1.1. Da omissão de pronúncia
Como é sabido, a omissão de pronúncia, quando ocorrida no âmbito da prolação da sentença, tem como consequência a nulidade desta, nos termos do art.º 379º, nº 1, al. c), do CPP. E tal nulidade ocorre quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, e não já quando apenas omite na fundamentação da respetiva decisão qualquer apreciação ou consideração de algum ou alguns dos argumentos invocados pelo sujeito processual interessado[1], tendo em vista a satisfação da pretensão por si deduzida. Ou seja, a omissão de pronúncia só acontece quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que o tribunal devesse apreciar oficiosamente, em ordem à solução do problema concretamente posto ou a resolver, por constituírem o âmago desse problema ou estarem com ele de tal forma conexas que a solução que lhes fosse dada afetaria logicamente a solução a dar àquele. Não constituindo por isso questão ou problema concreto a resolver os simples argumentos, razões, opiniões ou orientações doutrinais, expendidos pelo sujeito interessado na defesa da sua pretensão, mas que, em si, não são um problema a resolver, nem têm a virtualidade de interferir logicamente com a solução da questão que pretende ver apreciada e resolvida.
Ora, no caso dos autos a pretensão deduzida pelo recorrente era de ver prorrogado o prazo de 10 dias a que alude o art.º 12º nº 3, da Lei nº 5/2002, bem como o pagamento em prestações da quantia em que foi condenado a pagar.
Tal questão foi diretamente abordada e decidida pelo Tribunal a quo, sendo aliás a negação da pretensão com base nela deduzida que levou o recorrente a interpor o presente recurso. Não vemos, por outro lado, que outras questões houvesse que merecessem a apreciação do Tribunal recorrido, se o que estava em causa era simplesmente a pretensão de ver prorrogado o prazo de pagamento da referida quantia, bem como o seu pagamento em prestações, não tendo com ela qualquer conexão lógica a argumentação tecida pelo recorrente, de um modo absolutamente conclusivo, no sentido de serem os bens arrestados suficientes para através deles ser pago o valor em dívida, sobretudo quando o que o recorrente pretende, ou o que expressamente pediu nos autos, foi apenas que esse valor fosse solvido diferidamente no tempo ou em prestações.
Ou seja, a questão da suficiência ou insuficiência dos bens arrestados é irrelevante para a decisão a proferir relativamente à pretensão deduzida pelo recorrente de ver diferido o pagamento da quantia em dívida ou o seu pagamento em prestações, porquanto, além de não haver qualquer relação ou conexão lógica entre ela e a pretensão deduzida nos autos, que implicasse a sua apreciação, é questão que deveria ter sido autonomamente suscitada, no âmbito de uma pretensão própria, tendo em conta ademais o que resulta do disposto no art.º 12º, nºs 1 e 2, da Lei nº 5/2002, e ao facto de ser na sentença condenatória que o tribunal declara o valor que deve ser perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma, e, sendo esse valor inferior ao dos bens arrestados ou à caução prestada, é também aí que estes últimos deverão ser, um ou outro, reduzidos até aquele montante.
Seria, portanto, em reação à sentença condenatória, na qual foi fixado o montante de € 170.402,40, a pagar pelo arguido ao Estado, nos termos do artigo 12º, nº 1, da Lei nº 5/2002, e onde também foi decidida a manutenção do arresto dos bens decretados, que o recorrente deveria ter deduzido a oposição que julgasse conveniente. O que não fez, aceitando a decisão proferida, que deixou transitar em julgado.
Por isso mesmo também só veio requerer ao Tribunal a quo (e é essa a única pretensão concretamente deduzida) a autorização do pagamento da quantia devida, de €170.402,40, no prazo de 2 anos, em prestações mensais. Tendo sido esta a pretensão objeto da decisão recorrida e assim também o objeto da decisão a proferir no âmbito do mérito do presente recurso. E sobre tal questão pronunciou-se fundamentadamente o Tribunal a quo, não se vislumbrando que, em relação ela, tivesse omitido qualquer pronúncia.
Razão por que deverá ser negado provimento ao recurso, nesta parte.
2.1.2. Da improrrogabilidade do prazo a que alude o art.º 12º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 12/02, bem como da impossibilidade legal do pagamento aí previsto em prestações e da inconstitucionalidade da norma, por violação dos art.ºs 18º, nº 2, e 32º, nº 1, da CRP.
O questionamento suscitado pelo recorrente poderá, em tese, ser abordado em dois segmentos fundamentais: um de índole material, assente na obrigação de pagamento da quantia em que foi condenado e na ideia de possibilidade da sua realização em prestações; e o outro, de natureza adjetiva ou processual, com base numa possibilidade de prorrogação do prazo de pagamento e no entendimento de que tal ato seria assim abrangido pelas normas de caráter jurídico-processual. Na primeira hipótese, temos no nosso horizonte mais próximo a previsão normativa do art.º 112º, nº 1, do Código Penal, que expressamente prevê a possibilidade de pagamento diferido ou em prestações do valor pecuniário fixado, relativamente às vantagens dadas ou prometidas ao agente do crime ou que através do facto ilícito típico hajam sido adquiridas, para si ou para outrem, e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie, nos termos do art.º 111º do CP, podendo assim, nestes casos, ser aplicável o art.º 47º, nºs 3 e 4, do CP, isto é, a possibilidade de pagamento da quantia devida dentro do prazo de 1 ano ou o seu pagamento em prestações, não podendo a última destas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação. Enquanto que na segunda hipótese somos levados para o princípio geral estabelecido no art.º 141º, nº 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual o prazo processual marcado pela lei é prorrogável nos casos nela previstos. Situação que, no âmbito do processo penal, ocorre, a título de exemplo, nas prorrogações de prazos processuais previstas nos art.ºs 7º, nº 4, 89º, nº 6, e 107º, nº 6, do CPP.
Ou seja, ainda que se considere como sendo de natureza processual o prazo fixado no art.º 12º, nº 3, da Lei nº 5/2002, a possibilidade da sua prorrogação estaria liminarmente afastada, por imposição normativa do art.º 141º, nº 1, do CPC, a contrariu sensu, ex vi dos art.ºs 104º, nº 1, e 4º do CPP.
Prazo esse que, sendo perentório, o seu decurso teria como consequência, em termos jurídicos processuais, a extinção do direito de praticar o ato, por imposição normativa do art.º 139º, nº 3, do CPC, e ainda como efeitos jurídico-materiais a perda a favor do Estado dos bens arrestados, nos termos do nº 4 do art.º 12º da Lei nº 5/2002.
Restaria por isso considerar a possibilidade de aplicação do disposto no art.º 112º, nº 1, do CP. Acontece, porém, que tal disposição normativa está especificamente destinada à perda de vantagens prevista, em termos gerais, no art.º 111º do CP e não para a perda ampliada, a qual se enquadra num regime jurídico especial, inserido no âmbito de outras medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, tendo por objeto os crimes catalogados no art.º 1 da Lei 5/2002, e entre eles o de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro – cfr. al. a) do mesmo artigo -, crime esse que serviu de fundamento à condenação operada nos presentes autos, assim como à perda de bens decretada. Perda de bens esta que foi o resultado do apuramento de um património que é incongruente com os rendimentos lícitos obtidos pelo recorrente, incongruência que o mesmo recorrente não logrou justificar.
O tipo de criminalidade em causa justifica o vigor das medidas em relação a ela adotadas pelo legislador, aliás em consonância com as obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado português, e desde logo no tocante aos princípios estabelecidos na Convenção de 1990 do Conselho da Europa relativa ao branqueamento, deteção, apreensão e perda dos produtos do crime[2]. Sendo por isso a gravidade dos crimes em causa e os elevados danos que os mesmos provocam à comunidade que justificam o especial enfoque que é dado à perda das vantagens obtidas com a prática desses crimes e daí também o regime especial de perda de bens estabelecido na Lei nº 5/2002, bem como a relação de especialidade das normas aí previstas com as normas relativas à perda de vantagens para os crimes em geral consagradas no Código Penal. Sendo por isso essa relação de especialidade entre as normas da Lei nº 5/2002 e as do Código Penal, e no que interessa ao caso dos autos entre o art.º 12º, nº 3, daquele diploma e o art.º 112º, nº 1, do Código Penal, bem como o postulado da unidade do sistema jurídico, consagrado no art.º 9º, nº 1, do Código civil, que nos leva a concluir, de uma forma ademais teleologicamente fundada, que a norma do art.º 12º, nº 3, é especial relativamente à contida no art.º 112º, nº 1, do Código Penal, prevalecendo por isso sobre esta, segundo o critério interpretativo da especialidade – lex specialis derogat legi generali.
Ou seja, no caso de perda de bens decretada ao abrigo da Lei nº 5/2002, a possibilidade de pagamento do valor devido, a que alude o art.º 12º, nº 3, daquele diploma, dada a sua especialidade, não é diferível ou realizável em prestações, por a tal pagamento não ser aplicável a norma do art.º 112º, nº 1, do CP, e já que o legislador, além de ter estabelecido um prazo específico para o cumprimento da respetiva obrigação, estabeleceu também, de forma inequívoca e categórica, as consequências imediatas para a falta de cumprimento da obrigação no decurso de tal prazo.
E sendo a perda de vantagens essencialmente determinada por necessidades de prevenção, tratando-se “de uma providência sancionatória análoga à da medida de segurança”, sendo “sua finalidade prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito, e que, por isso mesmo, a instauração se verifica com inteira independência de o agente ter ou não atuado com culpa"[3], então torna-se evidente que para a possibilidade de pagamento facultada ao arguido pelo nº 3 do art.º 12º da Lei nº 5/2002, é também irrelevante o facto de o mesmo ter ou não possibilidades de pagar o valor em dívida. Em contrário, portanto, do que pretende sustentar o ora recorrente.
Por outro lado, a densidade material dos crimes em causa, já por si, justificam a perda decretada, em termos de proporcionalidade, tal como ela resulta das normas da Lei nº 5/002, e em concreto do art.º 12º, nº 3, ademais porque a mesma, além de “não ter de possuir qualquer correlacionação com a culpa ou com a sua medida”, encontra ainda a sua justificação no valor apurado do património do recorrente, que é incongruente com os rendimentos lícitos por si obtidos, incongruência esta que o mesmo recorrente não logrou justificar e que logicamente se relaciona com a qualidade e gravidade do ilícito criminal cometido[4]. Mostrando-se por isso respeitado o princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, não se vislumbrando qualquer violação do art.º 18º, nº 2, da CRP.
Por outro lado, tendo a perda de vantagens e a condenação no pagamento do respetivo valor ocorrido no âmbito de um processo, no qual se não vislumbra que o recorrente não haja sido ouvido ou não lhe tenham sido asseguradas todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, sendo certo que se conformou com a decisão final aí proferida, não vemos também como se possa considerar ter havido violação do disposto no art.º 32º, nº 1, da CRP, ou que a norma contida no art.º 12º, nº 3, nos termos em que a mesma foi aplicada pelo Tribunal a quo, possa ser considerada inconstitucional, por referência àquele preceito normativo.
Aliás, além da mera afirmação abstrata e conclusiva das referidas inconstitucionalidades, a verdade é que o recorrente nenhum concreto fundamento invoca que objetivamente lhes pudesse dar sentido. Razão por que deve, também nesta parte, ser negado provimento ao recurso.
2.2.5. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que o arguido decaiu totalmente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, mantendo-se na integra a decisão recorrida;
b) Condenar o arguido, no pagamento das custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Porto, 30 de maio de 2018
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
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[1] Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Reimpressão da edição de fevereiro de 2014, almedina, Coimbra, 2014, p. 1182, e Ac. do STJ, de 09/02/2012, Pº nº 131/11.1YFLSB, www.dgsi.pt/jstj
[2] Resolução da Assembleia da República n.º 82/2009, Diário da República, 1.ª série, nº 166, de 27 de agosto de 2009
[3] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 1013.
[4] Jorge de Figueiredo Dias, Ibidem, p. 1009.