Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
632/16.5GAALB-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONTINUAÇÃO CRIMINOSA
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RP20170329632/16.5GAALB-A.P1
Data do Acordão: 03/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 14/2017, FLS.3-15)
Área Temática: .
Sumário: A existência de uma actividade criminosa composta por uma sucessão de actos reiterados dirigidos contra a dignidade, a honra e a liberdade pessoal e integridade física da ofendida, denotando pela sua natureza, pela proximidade entre a vitima e o arguido, pela motivação deste e pela sua personalidade instável e violente, manifestada mesmo perante a intervenção e a presença da autoridade policial, revela uma efectivo e concreto perigo de continuação da actividade criminosa a justificar a aplicação da medida de coacção da prisão preventiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 632/16.5GAALB-A.P1
1ª Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo de inquérito nº 632/16.5GAALB, que corre termos na Comarca do Aveiro, Instância Central, 2ª Secção de Instrução Criminal, J1, após interrogatório judicial de arguido, foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva a B…, melhor identificado nos autos.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

CONCLUSÕES
I - Em 05 de Dezembro de 2016, o ora recorrente foi presente ao Tribunal a quo de Águeda, o qual, em sede de primeiro interrogatório judicial, decretou a sua prisão preventiva, enquanto suspeito da prática de um crime de violência domestica, p.e p. pelo art. 152.° n.1 al. a) e c), n.º2, n.º3, n.º4, n.º5 e n.º6 do Código Penal.
II- O recorrente encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Aveiro desde o dia 06 de Dezembro de 2016.
III - Na sua fundamentação, o tribunal invocou que" tendo em conta a reiteração dos factos, a personalidade do arguido, a gravidade dos factos, entendemos que se verifica em concreto, a continuação da actividade criminosa que se impõe acautela".
IV - A prisão preventiva do recorrente fundou-se ainda" permitir que o arguido saia com liberdade sem aplicar uma medida preventiva da liberdade é dar-lhe a possibilidade de contactar de imediato com a ofendida e poder perpetrar atos ainda mais graves que o do dia de ontem, designadamente atentar contra a vida da mesma, que se impõe acautelar".
V - Conforme veremos, não se verificam as condições e os pressupostos legais exigíveis para a aplicação de medida tão gravosa.
VI - O recorrente tem cerca de 50 anos de idade e não tem antecedentes criminais.
VII - Podemos assim concluir que os factos em investigação nos autos, a confirmarem-se, constituem um episódio isolado na sua vida, que, até aqui, tem sido orientada de acordo com os ditames do direito.
VIII - Aliás, a sua evidente ingenuidade e simplicidade estão patentes no comportamento que adotou aquando da sua detenção e prisão e no próprio interrogatório judicial, bem como no facto de não se ter furtado à justiça, tendo inclusive colaborado com esta.
IX - Antes de ser preso, o recorrente tinha paradeiro fixo e certo, vivendo com a sua mulher, com um filho de 14 anos e com uma filha maior, mãe de 2 filhos, sendo um óptimo pai.
X - Na verdade, para além da sua família, todos os seus amigos ficaram chocados, perturbados e preocupados com o sucedido.
XI - Acresce que, era o recorrente era o pilar económico do agregado familiar, que agora se debate com dificuldades económicas para prover o seu sustento e pagar as despesas mensais.
XII - Do ponto de vista social, o recorrente é visto pela comunidade como uma pessoa pacífica, respeitadora e humilde, encontrando-se plenamente inserido no meio onde vive.
XIII - Ou seja, estamos perante uma pessoa plenamente inserida do ponto de vista familiar e social.
XIV - Um dos princípios basilares de um Estado de Direito é o princípio da liberdade do cidadão, o qual está, no nosso ordenamento jurídico, consagrado no art.º 27, n.º1, da
Constituição da Republica Portuguesa (de ora em diante CRP)
XV - Assim, só em situações de maior gravidade e por imperativo social relevante tal princípio poderá ser limitado.
XVI - A aplicação da prisão preventiva está sujeita não só às condições gerais contidas nos arts. 191° a 195°, do Código de Processo Penal (de ora em diante CPP), em que avultam os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, como aos requisitos gerais previstos no art. 204° e aos específicos consagrados no art. 202°. Cfr. o Ac. da RP, de 16.11.2011 in www.dgsi.pt (Proc.n0828/10.3JAPRT-D.P1).
XVII - Como se lê no art, 191°, n.º1 do CPP, " a liberdade das pessoas só pode ser limita, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei".
XVIII - Por outro lado, o art. 193°, n.º1 , do CPP, prevê que" as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas".
XIX - Neste contexto, a aplicação de medidas de coação, maxime da prisão preventiva, pautando-se pelo princípio constitucional da presunção da inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.
XX - Princípios esses que impõem " que qualquer limitação à liberdade do arguido anterior à condenação com trânsito em julgado deva não só ser socialmente necessária mas também suportável " JOAO CASTRO E SOUSA in "Os Meios de Coação no Novo
Código de Processo Penal.
XXI - A prisão preventiva, enquanto medida de coação de natureza excecional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente (cfr., conjugadamente, o art. 28°, nº2, da CRP e o art. 193°, nºs2e 3, do CPP).
XXII - Por outras palavras, a prisão preventiva é concebida como uma medida de coação de "ultimo ratio" ou "extrema ratio" ou seja, o Tribunal só pode aplica-la quando após a "verificação no caso não só de algum ou alguns dos requisitos gerais previstos no art. 204°, cumulados com os referidos na al, a) do n° 1 do art. 202°, mas também (... ) que todas as outras medidas de coação se mostrem inadequadas ou insuficientes (... )" ODETE MARIA DE OLIVEIRA in "As Medidas de Coação no Novo Código de Processo Penal", Jornadas de Direito Processual Penal - o Novo Código de Processo Penal, CEJ, Almedina, 1995, p.182.
XXIII - No caso concreto, não se verificam os pressupostos da prisão preventiva.
XXIV - Tal medida, aplicada ao recorrente, assentou na possibilidade continuação da actividade criminosa.
XXV - Sucede que o perigo aqui em causa, "deve ser real e eminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factos vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar". Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsis.pt (Proc. nº 2221/10.9PBAVR-A.C1)
XXVI - Ou seja, deve ser "aferida em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada - "em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido" nos termos da alínea c) do art.204°, do CPP". Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsi.pt (Proc.no 2221/10.9PBAVR-A,C1)
XXVII - Conforme se lê no sumário do Ac. da RC, de 02.06.99, citado no Ac. da Rc, de
19.01.2011 in WWW.dgsi.pt (Prac.nº 2221/10.9PBAVR-A.Cl): O perigo" terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica) ...o perigo terá de ser apreciado caso a caso, em função da contextualidade de cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade delituosa pode justificar a aplicação das medidas de coação, maxime a prisão preventiva".
XXVIII - ln casu, não foram mencionados factos susceptíveis de permitir a aplicação de medida tão gravosa ao recorrente, tendo a mesma assentado apenas em meros juízos abstratos, não concretizados em factos, tal como exige o art. 204°, do CPP.
XXIX - Até porque, não estão indiciados quaisquer factos que façam depreender a continuação da atividade criminosa e o perigo de perturbação do inquérito, nem a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.
XXX - Na verdade, o comportamento colaborante, pacífico e humilde do recorrente, revela uma faceta da personalidade que, conjugada com a ausência de antecedentes criminais, a sua plena inserção social e familiar e a gravidade da conduta criminal indiciada, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua prisão preventiva. Cfr. Ac. da RP, de 16.11.2011 in www.dgsi.pt (Proc.nº 828/10.3JAPRT-D.Pl).
XXX - Sem prescindir e admitindo-se por mera hipótese que existissem os perigos plasmados no art. 204,do CPP, os mesmos, no caso em análise, nunca teriam a carga atribuída pelo tribunal a quo e que justificou a prisão preventiva.
XXXI - De facto, atendendo à personalidade do recorrente, à ausência de antecedentes criminais e à sua plena integração social, as necessidades cautelares, que eventualmente existissem, podiam ser igualmente satisfeitas através de outras medidas de coação menos gravosas, nomeadamente e por ordem crescente, as constantes dos arts. 198° (obrigação de apresentação periódica) e 200° (proibição e imposição de condutas).
XXXII - De outra forma, a prisão preventiva deixará de ser uma medida excecional, a ultima ratio, passando a assumir-se como medida de coação regra.
XXXIII - Assim, a prisão preventiva é desproporcional ou excessiva face à gravidade do crime de que vem indiciado o recorrente.
XXXIV - Como salienta a RP, no Ac. de 02.12.2010 in www.dgsi.pt (Proc. nº30/10.4PEVRL-A.Pl): "Na verdade, não faria sentido que ao arguido fosse aplicada uma medida preventiva mais gravosa do que aquela em que se prevê ele venha a ser condenado. Isto porque aquela tem um carácter meramente instrumental e dependente desta - o que se visa não é mais do que assegurar a aplicação de uma sanção, pelo que seria absurdo que a medida preventiva ultrapassasse em gravidade a pena final."
XXXV - No caso particular da prisão preventiva, o princípio da proporcionalidade desempenha "a função negativa de limitar a aplicação da mesma tão só aos casos em que a pena final previsível seja de prisão efectiva. "Ac. da RP, de 02.12.2010 in www.dgsi.pt (Proc.nº30/10APEVRL-A.P1).
XXXVI - Por outras palavras, é importante perscrutar, através de "prognose baseada dados existentes no processo, se ao arguido irá ser aplicada, a final, pena condizente com a prisão preventiva que ora lhe é cominada." Ac. da RP, de 02.12.2010 in www.dgsi.pt (Proc.nº30/l0APEVRL-A.P1).
XXXVII - Ora, no caso do recorrente e atendendo aos factos existentes no processo, é pouco provável que a pena previsível seja de prisão efetiva, pelo que a prisão preventiva que lhe foi aplicada não é, de forma alguma, harmonizável com a pena que lhe vier a ser aplicada.
XXXVIII - Desta forma, também por esse motivo, a prisão preventiva não poderia ter sido aplicada.
XXXIX - Na decisão que decretou a prisão preventiva ora impugnada, o tribunal a quo não valorou, conforme devia, a inserção familiar e social do recorrente, a sua personalidade, a ausência de antecedentes criminais e a gravidade da conduta criminal indiciada.
XL - Podemos assim concluir que, na aplicação da prisão preventiva ora em causa, não foram observados os princípios e regras que lhe estão subjacentes, designadamente, os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, o que torna a mesma ilegal, por violação, entre outros, dos artigos 18°, n°.2, 28°, n.º2 e 32° n.º2, da CRC e dos artigos 191º, nº1, 192º, nº2, 193º, 202º e 204º, do CPP
XLI - Os referidos preceitos deviam ter sido interpretados no sentido de ser suficiente, face à personalidade do recorrente, à ausência de antecedentes criminais, às necessidades cautelares em causa e à gravidade da conduta criminal indiciada, a aplicação de outra medida de coação menos gravosa.
Termos em que deve o despacho recorrido ser substituído por outro que revogue a prisão preventiva aplicada ao recorrente e aplique a este outra medida de coação que respeite os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção, designadamente e por ordem crescente de gravidade, a obrigação de apresentação periódica, a proibição e imposição de condutas.

C – Resposta ao Recurso

Na resposta ao recurso, o M.P., pugnou pela improcedência do recurso, apesar de não ter apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que militou pela manutenção da decisão recorrida.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
O que está pois em causa é saber se assiste, ou não, razão ao recorrente, quando solicita a substituição da medida de coacção de prisão preventiva pelas de obrigação de apresentação periódica, ou de proibição de contactos e imposição de condutas.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa, desde já, atentar no despacho recorrido.
É este o seu teor (transcrição):

I – Questões prévias ou nulidades de que importe conhecer: não há questões prévias.--
***
II – Da aplicação ao arguido de medida(s) de coação:
1 - Pressupostos Gerais:
A aplicação em geral de qualquer medida de coacção, depende da verificação cumulativa não só da existência de indícios relevantes (fortes para algumas das medidas) de prática de crime punível com pena de prisão, como, igualmente da verificação de alguma de alguma das circunstâncias previstas no art.º 204º do Código Penal:
* Do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou ainda;
* Perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Acresce que a escolha da medida de coacção eventualmente a aplicar se afere pelos princípios da necessidade, adequação devendo ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, dando-se preferência a medidas não detentivas e de entre as detentivas, à menos gravosa relativamente à prisão preventiva.
As medidas são, por outro lado, relativamente cumuláveis, excepção feita à prisão preventiva. Assim e sem prejuízo dos requisitos específicos de cada uma das medidas:
* A medida de suspensão de profissão ou função é cumulável com qualquer outra medida;
* A obrigação de apresentação periódica é cumulável com qualquer outra excepto com a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação;
* A medida de proibição de contactos é também cumulável com as Comarca de Aveiro
medidas de apresentações periódicas e de permanência na habitação.
Quanto à prisão preventiva, esta para além do exposto só pode ser decretada se, sendo insuficientes as restantes medidas, se tratar nomeadamente de fortes indícios de prática de crime doloso previsto com pena de prisão superior a cinco anos ou nos casos excepcionais previstos no artigo 202º nº1 b) e c) do Código de Processo Penal.
Por último importa considerar que, quando esteja apenas em causa o perigo de perturbação do inquérito, o Juiz de Instrução Criminal está, durante o inquérito, condicionado (quanto à aplicação de medidas de coação) à(s) medida(s) proposta(s) pelo Ministério Público, no sentido em que não pode aplicar medida mais gravosa (ou em condições mais gravosas) do que aquela.
***
2 - O Caso dos Autos:
2.1 Quanto a Indícios:
a) Factos Indiciados:
Nos presentes autos indicia-se fortemente que:
O arguido B… e a ofendida C… são casados um com o outro há mais de 30 anos, tendo em comum três filhos, um deles ainda menor (D…, nascido em 18/07/2002);
O arguido, desde o início de tal relação conjugal, veio maltratando regularmente a ofendida, agredindo-a fisicamente, ameaçando-a de agressões e de morte e dirigindo-lhe expressões injuriosas;
Entre outras situações, no dia 13/07/2015, cerca das 22.00 horas, no interior da habitação do arguido e da ofendida, então situada na …, …, em Albergaria-a-Velha, o arguido iniciou uma discussão com a filha E…, recusando entregar-lhe a filha desta e neta daquele, de 1 ano de idade (F…) – tendo durante tal discussão pegado na filha por um braço, puxado a mesma em direcção à porta do apartamento e dito que ía Comarca de Aveiro pô-la fora de casa;
Tendo a ofendida C… intercedido em defesa da filha E…, o arguido igualmente a agarrou, acabando por colocar a ofendida e a filha E… fora de casa, recusando abrir-lhes a porta e deixá-las entrar;
Enquanto colocava fora de casa a ofendida e a filha, o arguido dizia para a ofendida que havia de a matar, bem como aos demais ali residentes (o filho D…, a filha E… e a neta F…) – após o que se trancou no interior da habitação com a neta F… e com o menor filho D…, os quais presenciaram os factos descritos;
Com as descritas condutas, o arguido molestou fisicamente a ofendida, ao agarrá-la e puxá-la com força, bem como a humilhou e lhe causou temor pela sua vida e integridade física, bem como pela vida e integridade física dos seus referidos filhos e neta;
Em consequência de tais factos e após ali comparecer uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, a ofendida acabou por sair de casa nessa noite, com o filho D…, vindo a ser acolhida numa instituição, onde permaneceu por mais de um mês – por temer que o arguido pudesse atentar contra a vida e integridade física de ambos;
Depois de tal acolhimento institucional, a ofendida acabou por regressar com o filho ao lar conjugal – continuando o arguido, porém, a manter condutas maltratantes para com a mesma, amiudadamente a agredindo fisicamente, ameaçando e insultando;
Nos finais de Abril de 2016, cansada de ser maltratada pelo arguido, a ofendida decidiu sair de casa e mudar-se, juntamente com o filho menor, para outra habitação, situada na Rua …, nº …, em Albergaria-a-Velha, sendo que após alguns dias, mediante as insistências do arguido para que voltassem a viver juntos, aquela acabou por deixá-lo voltar a morar consigo nesta nova residência;
No dia 30/05/2016, cerca das 13.50 horas, no interior da residência de ambos, o arguido envolveu-se em discussão com a ofendida e com a filha de ambos, E…;
Na sequência de tal discussão, o arguido desferiu uma bofetada na face da ofendida, bem como a agarrou por trás e a empurrou várias vezes, fazendo-a embater contra uma parede, após o que lhe desferiu murros em várias partes do corpo;
Tendo ali chegado, entretanto, o genro do arguido e marido da E…, o mesmo tentou que o arguido cessasse com tais comportamentos, o que levou o arguido a pegar numa faca de cozinha e a apontá-la aos presentes, nomeadamente à ofendida C…, dizendo que os espetava com a mesma;
Com tais condutas, o arguido não apenas molestou fisicamente a ofendida, causando-lhe dores físicas a nível da face, das costas e de várias outras partes do corpo, como a humilhou, além de lhe ter provocado receio pela sua vida e integridade física;
Nesse dia, após intervenção da Guarda Nacional Republicana no local, o arguido acabou por sair de casa, mas voltou a residir ali com a ofendida passado algum tempo, por se terem reconciliado;
Porque após tal reconciliação o arguido voltou a manter para com a ofendida condutas maltratantes, há cerca de um mês a mesma disse-lhe ser sua intenção divorciar-se dele, o que o mesmo não aceita – acabando por, em data não apurada após tal comunicação da ofendida, dizer à mesma que iria comprar uma arma e que iria matá-la;
No dia 04/12/2016, após o almoço, a ofendida foi com a filha E… ao centro de Albergaria-a-Velha, onde estiveram a tomar café, decidindo depois a ofendida deslocar-se a uma loja situada nas imediações da pastelaria onde se encontravam, ficando ali a filha a aguardá-la;
O arguido, que havia seguido ambas, seguiu a ofendida no percurso até à dita loja e, na altura em que a mesma circulava apeada na Alameda …, abordou-a, agarrando-a pelos braços e chamando-a de ‘puta’ e ‘vaca’, mais lhe dizendo que a mesma ía ter com um amante, bem como que a matava a ela e ao amante – o que disse em tom de voz elevado, sendo ouvido por várias pessoas que se encontravam nas imediações;
Acto contínuo, o arguido puxou a ofendida por um dos braços, fazendo-a embater com as costas num veículo automóvel que ali estava estacionado, após o que lhe retirou o telemóvel da carteira e o arremessou repetidas vezes ao chão, até o partir;
Nessa altura, a ofendida conseguiu libertar-se do arguido e começou a caminhar em direcção à estação da C. P, sendo de novo seguida por ele, que a alcançou e a agarrou por um braço, após o que a empurrou, fazendo-a cair ao chão, onde a mesma embateu, além do mais, com as mãos;
Foi então que vários transeuntes agarraram o arguido, impedindo-o de continuar a agredir a ofendida;
Com as descritas condutas, o arguido não apenas molestou fisicamente a ofendida, causando-lhe dores físicas em várias partes do corpo e ferimentos a nível das mãos, como a humilhou, proferindo as referidas expressões insultuosas, tudo sendo presenciado por várias pessoas que circulavam nos ditos locais;
Entretanto, compareceu no local uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, composta pelo Guarda G… e pelo Guarda Principal H…, os quais abordaram o arguido e a ofendida;
Estando a ofendida emocionalmente abalada, chorando, o arguido, que se encontrava a cerca de seis metros da mesma, continuava a insultá-la de ‘vaca’ e de ‘puta’, bem como lhe dizia ‘és uma vergonha’, enquanto esbracejava na direcção da mesma - não se inibindo de assim proceder mesmo na presença dos dois referidos agentes policiais;
Depois, sempre na presença de tais agentes policiais, o arguido disse para a ofendida ‘vou-te foder; a ti e ao teu amante; vou-te limpar o sebo’ - expressões estas que repetiu várias vezes, mesmo depois de avertido pelos agentes policiais para cessar tal comportamento;
Com as expressões assim proferidas, não apenas continuou o arguido a insultar a ofendida, causando-lhe humilhação, como lhe causou receio pela sua vida e integridade física, dada a proferiu e o facto de o ter feito mesmo na presença de dois agentes policiais;
Com as descritas condutas, sabia o arguido que maltratava a ofendida física e psicologicamente, o que fez com intenção de manter a ofendida temerosa e submissa às suas vontades;
O arguido agiu de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.
*
Crimes Indiciados:
Considera-se fortemente indiciado a prática pelo arguido B…, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, als. a) e c), nº 2, nº 4, nº 5 e nº 6, do Código Penal.
Meios de prova que suportam os referidos indícios:
- Prova:
- Auto de notícia de fls. 3/5 do apenso nº 332/15.3GAALB;
- Avaliação de risco de fls. 8/9 do apenso nº 332/15.3GAALB;
- Auto de notícia de fls. 21/23 e seu aditamento de fls. 41/44 ambos do apenso nº 245/16.1GAALB;
- Avaliação de risco de fls. 24/25 do apenso nº 245/16.1GAALB;
- Auto de apreensão de fls. 33 do apenso nº 245/16.1GAALB;
- Exame médico-pericial de fls. 47/48 do apenso nº 245/16.1GAALB;
- Auto de notícia de fls. 3/5 destes autos, nomeadamente na parte em que corporiza o percepcionado pelo agente policial autuante e pelo agente policial testemunha;
- Relatório fotográfico de fls. 12;
- Avaliação de risco de fls. 13/14 (RISCO ELEVADO);
Declarações da ofendida C… (a fls. 29/30).
Que aqui se dão por reproduzidos.
Declarações do arguido no presente interrogatório o qual ainda que confirmando ter frequentes discussões com a ofendida negou a prática dos factos ocorridos a 13-07-2015 e em 30-05-2016. Relativamente aos factos ocorridos a 4-12-2016 apenas confirmou ter agarrado a ofendida e ter dito na presença dos agentes da GNR que a matava a ela e ao outro.
*
2.2 Quanto aos apontados requisitos para aplicação de medida de coacção previstas no artº 204º do C. P. Penal:
Tal como resulta da douta promoção do Mº. Pº constante da apresentação do arguido a este 1º interrogatório e bem assim da promoção efectuada neste 1º interrogatório, entendemos que se verifica fortes indícios de pratica do arguido dos factos supre descritos e que se subsumem ao crime de violência domestica p.e.p artigo 152 nº1 al. a) e c), nº2 , nº 4, nº5, nº6 do C.P. Na verdade resultam dos elementos probatórios junto os autos que o arguido tem mantido com a ofendida uma relação conflituosa pautada por reiteradas ofensas á honra e consideração , á integridade física e psicológica e mesmo á vida da ofendida. Ainda que os factos isolados constantes nos inquéritos apensos nos autos padecem de serem enquadrados no crime de ofensa á integridade física simples, como, aliás o, o foram, o certo é que a gravidade dos factos cometidos pelo arguido no dia de ontem, em plena via publica, na presença de terceiras pessoas e mesmo da autoridade policial revelam a profunda desconsideração que o arguido tem para com a vitima, agredindo-a fisicamente, insultando-a e ameaçando-a que a matava. Tal como consta da avaliação efectuada a fls.13 e ss dos autos, existe um risco elevado, ou seja uma forte probabilidade de o arguido voltar a incorrer na prática de actos criminosos como os que estão em causa nos presentes autos.
O arguido demonstrou ser possuidor de uma personalidade claramente instável, na medida em que referiu ter sido movido por sentimentos de raiva ciúme e nervos, não demonstrando compreender a gravidade dos factos que lhe são imputados e bem assim das condutas praticadas. Alem disso o arguido não admite no essencial a pratica dos factos que lhe são imputados, não obstante de evidencia da prova junto aos autos, designadamente relativamente aos factos que foram presenciados por agentes da GNR, e para alem disso, ainda imputa a prática dos mesmos a terceiros alegando que “ toda a gente dá a volta á ofendida”.
Sendo certo que as medidas de coacção a aplicar em concreto para alem de obedecerem ao principio da legalidade, tem necessariamente de se mostrar ser a necessária e adequada as exigências cautelares quer o caso requerer e bem assim proporcional á gravidade do crime e sanções que visivelmente lhe venham a ser aplicadas. Tendo em conta a reiteração dos factos imputados ao arguido, a personalidade por si demostrada quer aquando do cometimento dos factos, quer neste 1º interrogatório e bem assim a gravidade dos factos ocorridos no dia de ontem, entendemos que se verifica em concreto perigo de continuação da actividade criminosa que se impõe acautelar. Sendo certo que a prisão preventiva enquanto medida de coacção mais gravosa só é de aplicar quando nenhuma das demais medidas de coacção seja apta a satisfazer de forma adequada as exigências cautelares que se fazem sentir nos autos, entendemos que no caso em concreto e tendo em conta que o arguido mencionou ter sido movido por sentimentos de raiva, ciúme e nervos, impõe-se a aplicação de uma medida de coacção que impeça efectivamente e no imediato que o arguido possa ter contacto com a vítima. Na verdade entendemos que permitir que o arguido saia em liberdade sem aplicação de uma medida detentiva da liberdade é dar-lhe a possibilidade de contactar de imediato com a ofendida e poder praticar actos ainda mais gravosos do que os ocorridos no dia de ontem, designadamente atentar contra a vida da mesma o que se impõe acautelar, tal só é possível com a sujeição do arguido á medida de coacção de prisão preventiva.
No entanto e não obstante o atras referido entendemos que caso o arguido venha a comunicar ao processo uma nova morada diferente daquela onde se encontra a residir com a ofendida, será de ponderar a alteração da medida ora determinada pela OPH-VE, bem assim afastamento da residência comum do casal e proibição de contactos pessoais com a ofendida desde que seja obtido o consentimento das demais pessoas que com ele possam residir e obtido parecer favorável nos serviços de reinserção social, nos termos do art. 7º da Lei nº 33 de 2010 de 2 de Setembro.
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DECISÃO
Face ao exposto, considerando-se fortemente indiciado a prática pelo arguido B… autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, als. a) e c), nº 2, nº 4, nº 5 e nº 6, do Código Penal", ao abrigo do disposto nos artigos 191º, 193º, 194º nº7, 196º, 204º alíneas c) e 202º, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal, determina-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, para além do termo de identidade e residência já prestado, à medida de coacção de prisão preventiva.
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- Passe mandados de condução ao Estabelecimento Prisional
- Cumpra o disposto no n.º 10 do artigo 194º do Código de Processo Penal.
- Comunique, nos termos e para os efeitos do artigo 35º n.ºs 3º e 5º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto.
- Devolva os autos ao Ministério Público.
-Solicite a elaboração do relatório do art .7 nº2 da Lei 33 de 2010, tendo em conta que o arguido comunicou poder residir com a sua mãe em …, ou com a sua filha I… em …
-Notifique e comunique à ofendida.---
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Devolva os autos ao Ministério Público.----

Começaremos, antes de mais, por precisar os fundamentos legais para o decretamento da prisão preventiva para, posteriormente, se poder analisar com maior pertinência e rigor, os argumentos da decisão recorrida e os fundamentos do presente recurso.
Como é sabido, o estado de liberdade é o estado natural de todo o ser humano, sendo a liberdade individual, a seguir à vida, um dos mais relevantes bens do Homem, razão pela qual, o direito à liberdade vem consagrado como um direito fundamental no Artº 27 nº1 da Constituição da República Portuguesa, definindo logo o texto constitucional as excepções a esse direito, entre as quais se inclui, como resulta da al. b) do nº3 do citado preceito, a possibilidade de prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, pelo tempo e nas condições que a lei determinar.
Para que ficasse bem vincada a excepcionalidade da prisão preventiva, o Artº 28 nº2 da CRP assim o consagra expressamente, mais estipulando que não pode ser decretada nem mantida, sempre que possa ser aplicada caução, ou outra medida mais favorável prevista na lei.
Assim sendo, logo da Constituição resultam os princípios fundamentais a observar em matéria de aplicação de medidas de coacção e, particularmente, no que concerne à privação da liberdade, a sua natureza excepcional e, portanto, residual e subsidiária, relativamente a outras medidas de coacção.
No desenvolvimento do texto constitucional, a lei processual penal estabelece diversos requisitos substantivos de cuja verificação depende a aplicação de medidas de coacção, alguns deles, traduzidos em princípios que directamente derivam daquele texto.
Assim, o Artº 191 nº1, do Código de Processo Penal, estipula que «A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei», assim se plasmando o princípio da legalidade das medidas de coacção, que consiste em só poder ser aplicada medida de coacção ou de garantia patrimonial prevista na lei e para os fins de natureza cautelar, na mesma estatuídos.
O Artº 192 nº2 do mesmo diploma legal, exara que «Nenhuma medida de coacção (…) é aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal», o mesmo é dizer, o princípio da necessidade na aplicação de medidas de coacção, que se traduz em que o fim visado pela concreta medida de coacção decretada não possa ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.
O Artº 193 nº1 do citado diploma, preceitua que «As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas», desta forma se estabelecendo os princípios da adequação e proporcionalidade na aplicação das medidas de coacção, dos quais resulta, por um lado, que as medidas de coacção e de garantia patrimonial devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e, por outro, que devem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido.
O nº2 do mesmo preceito, importando o próprio texto constitucional, determina que a prisão preventiva, bem como, a permanência na habitação, só possam ser decretadas quando as outras medidas de coacção se revelarem inadequadas ou insuficientes, assim se consagrando o princípio da subsidiariedade na aplicação da medida de coacção privativa da liberdade, a que alguns autores se referem como critério de última ratio.
O Artº 202 nº1 do CPP, reforçando os mencionados princípios da adequação e subsidiariedade, estipula novos requisitos substantivos para a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, agora relativos ao crime imputado e grau de indiciação da sua prática, ponto de partida para a possibilidade da aplicação deste tipo de privação da liberdade.
E para que tal possa ser equacionado, à luz dos princípios antes referidos, necessário é que, prima regra, existam fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos, ou a que corresponda criminalidade violenta punida com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos (cfr. als. a) e b. do citado preceito e ainda a al. j. do Artº 1 do CPP, que estatuiu a noção de criminalidade violenta).
Acresce, para além destas particulares demandas, que ainda se exige, num juízo de prognose, que a prisão preventiva a determinar seja proporcional à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada, o que deve impedir a sua aplicação, quando seja previsível a aplicação de uma pena de multa cominada alternativamente na norma incriminadora, a aplicação de uma pena de prisão substituível por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, a cumprir por dias livres ou em regime de sedimentação, de duração previsivelmente inferior à da privação da liberdade ou, ainda, cuja execução venha a ser suspensa.
Por último, a lei processual penal (Artº 204) fornece-nos o quadro das exigências cautelares que justificam a aplicação de medidas de coacção - exceptuando o termo de identidade e residência - sob a designação de requisitos gerais da aplicação das medidas de coacção, preceituando que:
«Nenhuma medida de coacção à excepção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas»
Ou seja, relativamente a medidas privativas da liberdade, as referidas exigências cautelares terão de ser de tal modo intensas que se possa concluir que não podem ser devidamente acauteladas com a aplicação de qualquer outra medida de coacção não privativa da liberdade, isolada ou cumulativamente, nos casos em que a cumulação é permitida.
Concluindo, a prisão preventiva constitui a medida de natureza cautelar mais gravosa, pelo que a sua imposição tem de obedecer a determinados pressupostos legais, uns de carácter geral (Artº 204 do CPP), outros de carácter específico (Artº 202 nº1, als. a. e b. do mesmo Código).
São pressupostos de carácter geral, não cumulativos:
- Fuga ou perigo de fuga;
- Perigo de perturbação da investigação;
- Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
São pressupostos de carácter específico, cumulativos:
- A existência de fortes indícios da prática de crime;
- Que o crime indiciado seja doloso;
- Que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, ou, tratando-se de criminalidade violenta, de máximo igual ou superior a 5 anos, ou ainda, em casos de crime de terrorismo ou criminalidade altamente organizada, de máximo superior a 3 anos.
Para além destes pressupostos, a lei faz depender a aplicação desta medida de coacção da verificação das seguintes condições:
- A inadequação ou insuficiência das outras medidas de coacção - Artº 202 nº1 do CPP;
- A necessidade, adequação e proporcionalidade da medida - Artº 193 nº1, parte final, do mesmo CPP.
Cotejando estes critérios legais com o decidido na situação sub judice, constata-se que a prisão preventiva foi aplicada ao ora recorrente por se concluir pela existência de fortes indícios da prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo Artº 152 nsº1 als. a) e c), 2, 3, 5 e 6 do C. Penal, com pena de 2 a 5 anos de prisão, ilícito este, naturalmente incluído, pela sua própria natureza, na noção de criminalidade violenta, nos termos da al. j) do Artº 1 do CPP, tendo sido julgado verificado o concreto perigo de continuação da actividade criminosa.
O recorrente não discorda da indiciação penal - ou, pelo menos, não a coloca em causa - apenas entende que o perigo em causa não está suficientemente concretizado e que, em qualquer caso, pode ser acautelado por outras medidas de coacção menos gravosas que a prisão preventiva, designadamente, as de obrigação de permanência na habitação ou apresentações periódicas.
Não tem, contudo, qualquer razão, na medida em a prisão preventiva é a única que se configura com a eficácia necessária para evitar o referido perigo, acertadamente desenhado pela decisão recorrida, atentos os factos indiciados.
A prova indiciária em relação ao cometimento do crime imputado ao arguido é forte, sendo que o ilícito em causa é particularmente grave, a gerar um grande alarme social e fortes sentimentos de intranquilidade, quer para a vítima, quer para a comunidade em geral.
O circunstancialismo factual fortemente indiciado nos autos – que o recorrente, ao contrário do por si afirmado, não confessou - de carácter violento, é sobretudo revelador de o arguido se apresentar como uma pessoa despida dos valores mais elementares de vivência em sociedade, o que indicia um forte perigo de continuação da actividade criminosa.
Na verdade, os factos indiciários plasmam uma personalidade defeituosa por parte do arguido, nada consentânea com a postura pacífica, calma e humilde, que o recorrente, a si próprio, se atribui no recurso.
Muito pelo contrário.
Movido, ao que parece, por sentimentos de raiva, ciúme e nervos, não demonstrando qualquer interiorização em relação ao desvalor social dos seus comportamentos indiciariamente apurados, o recorrente demonstra, ao invés, um particular desprezo pela ofendida, maltratando-o amiúde, física e psicologicamente, insultando-a, ameaçando-a de morte, não se preocupando, sequer, em conter a esta violência dentro de quatro paredes.
Com efeito, da simples leitura dos factos indiciados que constam do despacho recorrido, tornam-se claras, quer a repetição das condutas de agressão do arguido sobre a ofendida, quer o facto de a presença de terceiros em nada o inibir de assim proceder, quer estes sejam os seus próprios filhos, quer sejam, imagine-se, as próprias autoridades policiais.
Nessa medida, dificilmente se conceberia um caso em que de forma tão gritante como este, se desenhasse, sem qualquer dúvida, o concreto perigo de continuação da actividade criminosa.
Sabendo-se que para efeitos da al. c) do Artº 204 do CPP, não basta um hipotético, virtual ou longínquo perigo, mas antes, um efectivo, objectivo e concreto perigo de repetição do crime, a aferir pelas circunstâncias do caso e pela personalidade do arguido, torna-se evidente que, in casu, não estamos a falar de uma presunção abstracta ou genérica de perigo, mas, ao invés, de uma possibilidade muito real de o arguido persistir na sua senda criminosa em relação à ofendida.
Com efeito, ao contrário do que diz o recorrente, os autos não ilustram uma situação isolada, um episódio acidental na sua vida; no processo relatam-se vários situações de agressão, física e psicológica, culminando no que sucedeu na véspera do arguido ter sido presente a primeiro interrogatório judicial, quando este, por não se conformar com a saída de casa da ofendida e com o desejo desta de dele se divorciar, a perseguiu na rua, insultando-a e agredindo-a à vista de toda a gente, não se coibindo de assim o fazer e de a ameaçar de morte, mesmo na presença das autoridades policiais.
É claro, portanto, o profundo desprezo que o ora recorrente manifesta pela ofendida, não se coibindo de a agredir, insultar e ameaçar, mesmo que estes actos estejam a ser presenciados por agentes de autoridade.
Há assim, uma actividade criminosa composta por uma sucessão de actos reiterados dirigidos contra a dignidade, a honra, a liberdade pessoal e a integridade física da ofendida, de onde se torna evidente, pela sua natureza, pela proximidade entre a vitima e o arguido, pela motivação deste para a prática dos factos, e pela personalidade instável e violenta que revela no cometimento daquelas condutas, mesmo após várias intervenções policiais e ainda que na presença de agentes de autoridade, um efectivo e concreto perigo da actividade criminosa.
Como bem diz o MP na sua resposta ao recurso, as espelhadas circunstâncias “…permitem concluir que existe uma séria probabilidade de que o arguido, caso não lhe fosse aplicada medida de coacção adequada a fazê-lo cessar tal actividade, voltaria a incorrer na prática de actos idênticos aos enunciados e até de maior gravidade.
E permitem igualmente concluir que tal risco é elevado, na medida em que é altamente provável que tal viesse a ocorrer – sobretudo se se atentar que a conduta do arguido foi assumindo uma gravidade crescente, passando do ‘recato’ do lar para a via pública e com um acrescido descontrolo por parte do arguido.”
Ora, os requisitos do Artº 204 do CPP não são, como se disse, cumulativos, bastando um para que a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva seja legalmente admissível, e, nos autos, desenha-se com nitidez o assinalado perigo de continuação da actividade criminosa.
Por outro lado, é cristalinamente evidente que qualquer outra medida não detentiva, como a de obrigação de apresentações periódicas, não assegura, com suficiência, os fins cautelares que no caso cabem, na medida em que, como muito acertadamente se escreveu na decisão recorrida e agora se recorda, “…impõe-se a aplicação de uma medida de coacção que impeça efectivamente e no imediato que o arguido possa ter contacto com a vitima.
Na verdade entendemos que permitir que o arguido saia em liberdade sem aplicação de uma medida detentiva da liberdade é dar-lhe a possibilidade de contactar de imediato com a ofendida e poder praticar actos ainda mais gravosos do que os ocorridos no dia de ontem, designadamente atentar contra a vida da mesma o que se impõe acautelar, tal só é possível com a sujeição do arguido á medida de coacção de prisão preventiva.”
De todo o modo, no próprio despacho recorrido se abriu a possibilidade de aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, - respeitando sempre, como é evidente, aquilo que é exigência cautelar fundamental e que se prende com a necessidade de afastar o arguido da casa de morada do casal e de o impedir de contactar com a ofendida - se, para tanto, vieram a estar preenchidos os respectivos pressupostos, nomeadamente, se alguns dos familiares do ora recorrente o aceite receber em sua residência e esta reúna as condições logísticas para a aplicação daquela medida de coacção, ainda que sujeita a vigilância eléctrónica.
Por outro lado, a idade do arguido, ou a ausência de antecedentes criminais, não são condição segura de que, em sede de julgamento, se conclua por uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo em conta a dimensão da culpa que os factos indiciados parecem traduzir, a preocupante sucessão criminosa, a anomia dos valores e a insensibilidade pelos direitos de terceiros, que traçam, pelo menos por ora, um difícil quadro para o necessário juízo de prognose favorável de que está dependente a pretendida oportunidade ressocializadora.
Importa não olvidar a forte indiciação que existe sobre os crimes por si praticados, a sua grave natureza e o elevadíssimo perigo de que o arguido, se colocado em liberdade, volte a atentar contra a integridade física, ou mesmo, a vida da ofendida.
Concluindo, encontram-se preenchidos os pressupostos, seja de carácter geral, seja de natureza específica, impostos por lei, para que ao recorrente seja aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, a qual, entre as previstas na lei, se mostra como adequada e proporcional à gravidade dos factos e à sua danosidade social, e é a única capaz de satisfazer as exigências cautelares demandadas pelo circunstancialismo concreto da situação em análise, não merecendo assim o despacho recorrido a censura que lhe é assacada pelo recorrente.
Em consequência, é de desatender o recurso.
3. DECISÃO
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Artsº 513 nº1 e 514 nº1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
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Porto, 29 de Março de 2017
Renato Barroso
Luís Coimbra