Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2593/11.8TMPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
DESLOCAÇÃO OU RETENÇÃO ILÍCITA DE UMA CRIANÇA
Nº do Documento: RP201510082593/11.8TMPRT-C.P1
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Subjacente ao regime implementado na Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (Convenção de 1980) está o postulado de que muito embora se reconheça que a liberdade de circulação dos cidadãos é um direito fundamental, assume-se também que essa liberdade pode e deve sofrer limitações quando interfira com a liberdade e o superior interesse de uma criança.
II - Verificada a deslocação ou retenção ilícita de uma criança de um Estado Membro para outro Estado diferente do da sua residência habitual, haverá que providenciar pelo seu imediato regresso, como forma de desencorajar os “efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicilio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita”, cabendo a qualquer pessoa, instituição ou organismo titular do direito de guarda, pedir que sejam accionados os procedimentos adequados para obter o imediato regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 2593/11.8TMPRT-C.P1
Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

No âmbito do processo de alteração das responsabilidades parentais relativas à menor B…, em que é requerente C… e requerida D…, viriam a ser proferido os seguintes despachos:

Despacho de 19-3-2015
C… veio requerer, além do mais, a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativa à menor B…, sendo requerida a progenitora desta, D….
Mais alega que a progenitora se prepara para se deslocar para a Alemanha, com a filha, solicitando que sejam tomadas diligências para o evitar.
Realizou-se conferência de pais, não tendo a progenitora estado presente, tendo o progenitor comunicado que a filha estava na Alemanha, na companhia da mãe-fls. 49 a 51.
A fls. 63 e seguintes constam alegações da requerida, onde afirmou que se deslocou para a Alemanha apenas de forma temporária, e por razões laborais.
Anteriormente o progenitor requereu que seja proferida decisão que determine o regresso imediato da filha a Portugal - fls. 43.
Cumpre decidir.

Ora apesar de ter sido fixada a residência da menor com a mãe, e nos termos do artigo 1906° do C. Civil, ficou determinado que as decisões importantes da vida da menor terão de ser tomadas por ambos os progenitores. Naturalmente que a deslocação da menor para um outro país, pelas repercussões que tem na sua vida, terá de ser tomada pelos dois progenitores.
Tal não foi o caso dos autos, conforme a progenitora reconhece sendo que as suas justificações não podem ser procedentes.
Naturalmente que cada cidadão tem o direito de procurar melhores condições de vida noutros países. Simplesmente quem tem filhos menores, e ainda quando os pais não vivem juntos, tem de ter particulares cuidados com as opções que toma, uma vez que têm de respeitar as decisões judiciais em vigor. Não se diga que não havia tempo de recorrer a Tribunal para procurar resolver o conflito entre os pais, uma vez que a requerida não alegou sequer nenhuma situação de urgência na decisão de ir para a Alemanha. E repara-se que a requerida nem sequer procurou solicitar ao Tribunal competente a tomada de uma decisão que permitisse a ida da menor para outro país.
Importa, pois, realizar conferência de pais com vista a analisar a necessidade de aplicação de medida provisória, nomeadamente no que se refere à residência da menor e ao regime de visitas, até porque o regresso imediato da menor só pode ser solicitado pelo detentor da guarda da mesma, conforme o artigo 11°, n.? 1 do citado regulamento 2201/2003.
Cumpre, aliás, notar que o Ministério Público veio requerer a fixação de regime provisório, no que a visitas diz respeito.
Para o efeito designo o dia de 30 de Março, pelas 10h30.
Notifique

Despacho de 26-3-2015

Pelos fundamentos constantes do nosso despacho de 19 de Março - fls. 127 a 131 - e uma vez que o progenitor não tem contactos com a menor há mais de 7 meses, atribuo ao processo a natureza de urgente - artigo 160° da OTM.
No mais constata-se que o nosso despacho de 19 de Março, no que se refere à possibilidade de ser peticionado o regresso imediato da menor, não é claro, podendo ser objeto de interpretações díspares, pelo que o importa clarificar.
Nos termos do artigo 2°, 9 do Regulamento CE 2203/2001, do Conselho, de 27 de Novembro, "para efeitos do presente regulamento entende.se por 'Direito de guarda', os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência" o que, conforme escrevemos nesse processo, cabe a ambos os progenitores", sendo esta a mesma norma constante dos artigos 3° e 5°, a) da Convenção da Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças
Assim sendo poderá o progenitor requerer o regresso da menor, ao abrigo do artigo 11° do referido Regulamento e da Convenção da Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças.

Fls. 174: visto. Leve em consideração a morada ora indicada pela progenitora.
Atenta a morada da progenitora na Alemanha, e ora indicada pela mesma, solicite às autoridades alemãs a realização de relatório social relativo à situação social e económica da progenitora, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1206/2001, do Conselho, de 28 de Maio de 2001

Importa, contudo, reforçar o nosso despacho anterior, no sentido de determinar o regresso da menor a Portugal.
Com efeito, e uma vez que é fundamento da ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais, o incumprimento da progenitora, no que se refere à alteração de residência e ao regime de visitas, entendemos ser de aplicação também o disposto no artigo 181°, n.º 1 da OTM" na parte em que determina que "se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo (…)”.
O requerente já solicitara o regresso da menor.

Em consequência, e no seguimento dos despachos de 19 e 26 de Março, determino o regresso imediato da menor a Portugal, fixando o prazo de 10 dias para o efeito, contados da data de notificação do presente despacho (notificação a ser feita na pessoa da Ilustre Mandatária, atento o disposto no artigo 247°, n.º 1 do CPC.
Mais condeno a requerida na quantia de cinquenta euros (50,00 €) a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da determinação de regresso da menor.
Notifique.

No que se refere ao requerimento do progenitor, de 9 de Abril - fls. 177 - e conforme referido no despacho de 26 de Março, compete ao mesmo efetuar tal pedido, nos termos do artigo 11°, n.º 1 do REGULAMENTO (CE) 2201/2003 DO CONSELHO, de 27 de Novembro de 2003, pedido que deve ser dirigido à DGRSP, atento o disposto no artigo 55°, b) do Regulamento.
Desde já, e nos termos do artigo 39° de tal Regulamente, passe certidão nos termos do anexo 11 do mesmo.
Mais notifique o requerido no sentido de tal pedido dever ser dirigido à DGRSP - correio.dgrs@dgrs.mj.pt.”
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É deste último despacho que vem interposto RECURSO pela progenitora e requerida nos autos, D…, a qual sustenta, em conclusão das suas alegações de recurso, as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso tem por objeto o douto despacho recorrido na parte em que:
1.1. Considera ilícita a deslocação da menor B… com a mãe para a Alemanha, atenta a remissão feita pelo MM. Juiz no despacho recorrido para o anterior despacho.
1.2. Ordena o regresso da menor B… no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, com base no disposto no artigo 181°, n.º 1 da OTM.
1.3. E na aplicação de uma sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de atraso no regresso da menor a Portugal.
2. Entende a recorrente que a douta decisão recorrida não pode manter- se, na medida em que consubstancia uma solução que não está de harmonia com a justa interpretação e aplicação das normas e dos princípios jurídicos subjacentes à causa em apreço.
3. A menor B… encontra-se, desde que nasceu, à guarda e cuidados da requerida com quem sempre residiu.
4. Nos termos do acordo de regulação das responsabilidades parentais, a menor ficou confiada à guarda e cuidados da mãe com quem reside permanentemente, sendo o exercício das responsabilidades parentais exercidos em conjunto por ambos os progenitores.
5. O progenitor entrega a título de pensão de alimentos a quantia mensal de € 75,00, o que fez até setembro de 2014, não participando ou comparticipando em qualquer outra despesa com a filha e nunca procedeu à atualização da pensão de alimentos, não obstante o acordo assim o determinar.
6. Até Junho de 2014 a recorrente vivia em Portugal com o seu companheiro, com a filha B… e E…, nascido em 18/07/2012, filho da requerida e do atual companheiro.
7. O agregado familiar da recorrente, composto por quatro elementos, viveu durante um ano com apenas o rendimento da recorrente de € 550,00.
8. A recorrente e o companheiro recebem ambos propostas de trabalho na Alemanha.
9. A recorrente nasceu na Alemanha, falando fluentemente a língua Alemã, pelo que a recorrente entendeu justificar-se a sua deslocação, para melhor acautelar o seu futuro e, acima de tudo, o dos seus filhos.
10.A recorrente tem outro filho, cujos interesses também merecem ser acautelados, não podendo ser prejudicado pelo facto de ter a irmã B….
11.Consciente de uma decisão na qual o progenitor deve participar a recorrente conversou com o progenitor, que discordou terminantemente das suas motivações.
12.0s pais da recorrente viajaram para a Alemanha para cuidar dos netos durante o horário laboral da recorrente e do companheiro.
13.A recorrente não tomou a decisão de trabalhar na Alemanha de animo leve ou de forma caprichosa, é o sustento e a união da sua família que está em causa.
14.Desde que a menor viajou para a Alemanha, em Setembro de 2014, o progenitor nunca telefonou à recorrente, nunca enviou uma mensagem ou um email, tanto no sentido de pedir para falar com a B…, como para saber como esta se encontra, para pedir informações da sua morada ou para perguntar qual a data do regresso da menor.
15.Nunca foi negado ao progenitor o contacto com a menor.
16.Desde que a menor viajou para a Alemanha, em Setembro de 2014, o progenitor deixou de pagar a pensão de alimentos.
17.0 progenitor tem demonstrando continuar a alimentar um mal-estar permanente com a mãe, sem se importar com as repercussões dessa atitude.
18.Qual a mãe que tendo filho à sua guarda, perante a total falta de interesse demostrado pela filha nos últimos meses e a total ausência de apoio financeiro não agarraria a oportunidade de um futuro melhor.
19.Em momento algum do presente processo foi questionado pelo progenitor as competências da progenitora como mãe, que sabe serem as melhores e não resulta dos autos nenhum elemento que possa apontar nesse sentido.
20.Como se retira do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 19-01-2010, Processo n.o 709/04.0TMAVR-D.C1, in www.dgsi.pt "O poder paternal é estabelecido no interesse dos filhos, que não no dos pais. Não faria sentido que um progenitor desempregado, como é o caso da recorrida, se visse forçado a desperdiçar uma oportunidade de trabalho, que é uma mais valia, também, para o filho, só porque o outro progenitor não consente na deslocação do menor. De resto, estando o menor à guarda da recorrida, não lhe restaria, em princípio, outra alternativa que não fosse a de o levar consigo, caso emigrasse, sob pena de violar os deveres inerentes ao exercício do poder paternal."
21.A decisão de ordenar o regresso imediato da menor, prévio a elaboração do relatório social da progenitora na Alemanha e ao julgamento parece-nos, salvo o devido respeito, inadequada e até mesmo contraditório não respeitando o superior interesse da criança.
22.A mãe não poderá regressar a Portugal enquanto o relatório não se encontra concluído e não enviará a filha de 5 anos para Portugal sem que a acompanhe.
23.Tendo o MM. Juiz atribuído caráter de urgência ao processo, após o tribunal estar munido do relatório social da mãe (que se acredita não ser demorado) e não tendo as partes solicitado outra produção de prova para além da testemunhal, o Tribunal estará em condições de brevemente realizar o julgamento e tomar uma decisão.
24.0 que pode justificar um corte abrupto com a rotina diária da menor e a perda de emprego da recorrente quando se exige uma tomada de decisão rápida atenta a natureza do processo.
25.Encontra-se justificado o que a determinou a recorrente emigrar, pelo que consideramos, sempre com o devido respeito, que não existe retenção ilícita da menor, pois que a guarda da menor sempre esteve confiada à mãe.
26.0 nosso sistema jurídico assenta numa premissa fundamental: na regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverão ser observados como princípios fundamentais o interesse do menor e a igualdade entre os progenitores, prevalecendo o interesse do menor.
27.Veja-se o expresso no, aliás, douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 03-02-2015, in www.dgsi.pt no âmbito do proc. n.º 764/11.6 TMLSB-A.L 1-7, onde em síntese refere o seguinte: O "superior interesse da criança" é um conceito indeterminado, que tem vindo a ser determinado à luz dos instrumentos legislativos, quer de direito internacional quer nacional, radicando na ideia de procura da solução mais adequada para a criança, aquela que melhor a salvaguarde, melhor promova o seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a sua idade, o seu enraizamento ao meio sociocultural, mas também a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objetivos.
28.Assim, o "superior interesse da criança" deve ser valorado, desde logo, no âmbito da família a que a criança pertence, com os concretos progenitores em causa e com os contornos que cada situação familiar encerra, devendo ponderar-se que um pai ou uma mãe que estejam privados da sua liberdade de ação e realização pessoal, profissional ou outra, não constituem figura parental de referência para uma criança.
29.Caso sejam improcedentes os argumentos aduzidos consideramos, com o devido respeito, manifestamente exagerada a sanção pecuniária compulsaria aplicada no montante de €50,00 diários.
TERMOS EM QUE:
E nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento o presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida, na parte em que considerando a desolação da menor para o estrangeiro na companhia da mãe guardiã uma deslocação ilícita e consequentemente determina o regresso imediato da menor antes tomada a decisão final relativa ao pedido de alteração das responsabilidades parentais, que no superior interesse da menor nos afigura improcedente, com as demais consequências legais.
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Na sua resposta ao recurso assim interposto o Ministério Público veio sustentar que, embora reconhecendo que a deslocação da menor para a Alemanha deve ser considerada ilícita à luz do disposto no artº 2º, nº 9, e nº 11,alínea b), do Regulamento (CE) nº 2201/2003 de 27-11-03, não deveria ser ordenado o regresso imediato da menor B… no prazo de 10 dias contados daquela decisão, e que a decisão recorrida violou os princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade, e da audição obrigatória, aplicáveis por força do artº 147º A da OTM e no artº 11º, nº 2, do Reg. Nº2201/2003, de 27-11-2003.
Sustenta assim que deve ser revogada nessa parte a decisão recorrida, e alterada no que concerne à sanção pecuniária compulsória, que deverá ser estabelecida por cada dia de visita ao progenitor, que não seja observado.
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Em face das conclusões da recorrente o objeto do recurso interposto reconduz-se a saber se, muito embora a decisão de que a menor passasse a viver com a recorrente na Alemanha tenha sido tomada sem o acordo do progenitor, a decisão recorrida, de ordenar o imediato regresso da menor a Portugal é, dadas as circunstâncias concretas, contrária ao superior interesse da criança, e como tal deve ser revogada, e consequentemente revogada a decisão de fixar uma sanção pecuniária compulsória.
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A factualidade a considerar é desde logo aquela que foi como tal tida como assente em despacho de 19-3-2015, para o qual se remete na decisão recorrida, e que é a seguinte:
1. No dia 2 de Agosto de 2009 nasceu a B…, com a paternidade e a maternidade registadas em nome de C… e D…, respetivamente; (fls. 6 dos autos principais)
2. Por acordo homologado em 30 de Janeiro de 2012 foi regulado o exercício das responsabilidades parentais da menor B… tendo sido, para além do mais, fixada a residência da menor com a mãe, em Vila Nova de Famalicão, ficando estabelecido que o exercício das responsabilidades parentais, no que se refere às decisões importantes da vida da menor, seriam exercidas por ambos os progenitores; (fls. 51 a 53)
3. Mais ficou estabelecido um regime de visitas do pai à filha, nomeadamente às quartas-feiras e aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias;
4. Em Agosto de 2014 a B… foi para a Alemanha, para a cidade de …, alegando a progenitora que tal deslocação é temporária, e duraria até ao mês de Novembro; (fls. 65 e seguintes)
5. O progenitor não autorizou esta deslocação da menor, e opõe-se à mesma; (fls. 65 e seguintes)
6. A progenitora mantém-se a residir na Alemanha; (requerimento de fls. 118 a 120).
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Considerados os termos do acordo de regulação, homologado por sentença de 30 de Janeiro de 2012, as responsabilidades parentais no que concerne às decisões importantes da vida da menor terão de ser exercidas conjuntamente por ambos os progenitores.
Esta é de resto o princípio regra em matéria de exercício das responsabilidades parentais em caso do divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, conforme disposto no artº 1906º, nº1, do CC, na redação dada pela Lei 61/2008, de 31-10.
Neste contexto a escolha ou alteração do local da residência da menor, principalmente quando isso implique a ida da menor para um outro país, diferente daquele onde até aí vivia, não pode deixar de considerar-se como sendo uma questão de particular importância para a vida da criança, e como tal sujeita ao acordo de ambos os progenitores.

A perceção deste facto, e por outro lado a constatação de que a implementação da liberdade de circulação de pessoas, aliado ao mercado de trabalho global e aos casamentos transnacionais, deu origem a deslocações de menores para outro país por um dos progenitores, muitas vezes sem o consentimento do outro, levou a que viesse a ser concluída em Haia, em 25-10-1980, a Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (doravante referida abreviadamente por Convenção de 1980) cujo objetivo é o de:
“a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
b) Fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante” – cfr artº 1º da Convenção.

Esta Convenção viria a ser completada pelo Regulamento (CE) nº 2201/2003 que veio regular a matéria de reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.

No contexto deste quadro legal, muito embora reconhecendo-se que a liberdade de circulação dos cidadãos é um direito fundamental, assume-se também que essa liberdade pode e deve sofrer limitações quando interfira com a liberdade e o superior interesse de uma criança.
E é este postulado que está subjacente ao regime implementado na Convenção de 1980.

Ora, de acordo com o disposto nesta Convenção a deslocação ou a retenção de uma criança é tida como ilícita quando (artº 3º):
a) Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
O mesmo preceito esclarece ainda que “O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.”
O artº 5º do mesmo diploma refere ainda que “o «direito de custódia» inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência;

Decorre assim do regulado na referida Convenção que, verificada a deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, de um Estado Membro para outro Estado diferente do da sua residência habitual, haverá que providenciar pelo seu imediato regresso, como forma de desencorajar os “ efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita”

Para esse efeito qualquer pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda, pode pedir que sejam acionados os procedimentos adequados para obter o imediato regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida.
O requerimento formulado nesse sentido haverá de ser encaminhado para a Autoridade Central do Estado da residência habitual da criança antes da deslocação ou retenção ilícitas – artº 8º da Convenção de 1980 -, a qual por sua vez o comunicará à Autoridade Central do Estado onde a criança se encontra deslocada ou retida – artº 9º da Convenção.
O acionamento da Convenção da Haia de 1980 com vista a assegurar o imediato regresso da criança ao Estado da sua residência habitual e que tenha sido deslocada para outro Estado ou aí se encontre retida ilicitamente ao regresso da criança, assenta assim num mecanismo de colaboração de autoridades (denominadas de autoridades centrais) – artº 6º e 7º da Convenção de 1980.
Perante a apresentação de um requerimento por qualquer pessoa, instituição ou organismo que julgue que uma criança tenha sido deslocada ou retirada em violação de um direito de custódia, para que lhe seja prestada assistência por forma a assegurar o regresso da criança, deve ser transmitido diretamente e sem demora à autoridade central desse Estado Contratante – artº 9º da Convenção – não estando prevista nesta fase qualquer discussão sobre a conformidade jurídica ou oportunidade da guarda que esteja a ser efetivamente exercida.

Da mesma forma não está prevista a possibilidade de, nesta fase, ser feita no Estado da residência habitual da criança, qualquer ponderação do superior interesse da criança em face do regresso exigido. Essa ponderação apenas poderá ser feita no Estado requerido onde a criança se encontre deslocada ou retida, podendo o tribunal competente nesse Estado recusar em função daquela ponderação, mediante fundamentação adequada, o regresso da criança- cfr. Artºs 12º e 13º da Convenção e artº 11º do Regulamento.
No Estado requerente - o da residência habitual da criança antes da deslocação ou retenção ilícitas - apenas haverá que avaliar se está ou não evidenciada, em face dos elementos fornecidos pelo requerente, uma deslocação ou retenção que nos termos da Convenção deva ser tida como ilícita.

O sistema assim implementado assenta no reconhecimento mútuo das decisões relativas à regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, sem necessidade de prévio reconhecimento ou revisão – artº 14º da Convenção e 21º, nº1 do Regulamento - e na previsão de que, existindo um pedido de regresso de criança relativamente à qual se evidencia existir uma situação de deslocação ou retenção ilícitas, o tribunal ou a autoridade que receber o pedido se limita a verificar se essa deslocação ou retenção ilícita existem, e se a criança se encontra em outro Estado Contratante – artº 9º da Convenção – encaminhando nesse caso o pedido para o Estado requerido, onde se encontre a criança.

Tendo em conta este enquadramento regulamentar temos que na situação em análise o recurso interposto não põe em causa que a menor haja sido deslocada ilicitamente, assentando antes da sua pretensão a ver revogada a decisão que ordena o regressa da criança, na ponderação que faz do superior interesse da criança.
Ora, considerado o que vimos ser o sistema implementado pela Convenção da Haia de 1980, e pelo Regulamento, esta pretensão, enquanto visando obstar à apreciação do requerimento de imediato regresso da menor B…, necessariamente teria de improceder.
Tanto mais que os factos apurados nos autos evidenciam que estamos efetivamente perante uma deslocação e retenção ilícitas nos termos em que ela é definida no ARTº 3º da Convenção de Haia de 1980. Com efeito a manutenção da menor B…, a viver na Alemanha, para onde tinha sido levada pela mãe, a ora recorrente, em Agosto de 2014, alegando tratar-se de deslocação temporária, apenas até ao mês de Novembro, foi efetuada e está a ser mantida sem que o progenitor tivesse autorizado, opondo-se à mesma, violando por isso claramente o regime de exercício de responsabilidades parentais que havia sido fixado em acordo dos progenitores devidamente homologado por sentença.

No entanto, haverá também de concluir-se, em face do que vimos ser o sistema implementado pela Convenção de 1980, que perante os termos daquele acordo, e da decisão que o homologou, nenhuma outra decisão é necessária para que o progenitor possa acionar os mecanismos da Convenção para obter o regresso da filha, a menor B…, mediante requerimento para o efeito dirigido à DGRSP para que de resto foi alertado em despacho de 10-4-2015
Por isso que a decisão recorrida de ordenar o regresso da menor não está em conformidade com o sistema previsto na Convenção de 1980 e no Regulamento, tanto mais que é ao Estado requerido, neste caso a Alemanha, quem terá de se pronunciar em termos de ordenar ou recusar (neste caso justificadamente) o regresso da menor – cfr. Artº 12º e 13º da Convenção e artº 11º do Regulamento – o que de resto se compreende na medida em que é naquele Estado que se encontra a menor e que por isso está em melhores condições de poder indagar qual é a solução que melhor acautela o superior interesse da criança.

Relativamente ao Estado onde estava situada a residência habitual da criança apenas está prevista a possibilidade de proferir decisão a ordenar o regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida, na sequência de prévia decisão de recusa do regresso proferida pelo tribunal do Estado requerido ao abrigo do disposto no artº 13º da Convenção – cfr. Artº 11º, nº 8, 40º, nº1-b), e artº 42º do Regulamento.

Pela mesma razão não tem cabimento a fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da determinação de regresso da menor, considerado que nos termos da Convenção, nomeadamente o artigo 11.º, a recusa do regresso poderá até vir a ser decidida pelo Estado-Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente.

No seguimento do exposto o recurso procede, ainda que por fundamento e com alcance diversos dos invocados pela recorrente.

ACORDAM POR ISSO OS JUIZES NA SECÇÃO CIVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA QUE ORDENA O IMEDIATO REGRESSO DA CRIANÇA, SEM PREJUÍZO DO SEGUIMENTO DADO AO REQUERIMENTO NESSE SENTIDO FORMULADO PELO PROGENITOR.
ACORDAM IGUALMENTE EM REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA NA PARTE EM QUE FIXA UMA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA A PAGAR PELA RECORRENTE POR CADA DIA DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE REGRESSO DA MENOR.

Custas pela parte que a final vieira a ser considerada vencida.

Porto, 8 de outubro de 2015
Freitas Vieira
Madeira Pinto
Carlos Portela