Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
665/14.6GBOAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: TIR
CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO
VIA POSTAL SIMPLES
Nº do Documento: RP20181031665/14.6GBOAZ-A.P1
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL (CONDERÊNCIA)
Decisão: PROCEDENTE O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º47/2018, FLS.30-35)
Área Temática: .
Sumário: Se o arguido tiver prestado TIR em momento posterior à vigência da redação dos artigos 196º nº 3 e) e 214º nº 1 e) da Lei n º 20/2013 de 21 de fevereiro do CP, tendo, portanto, sido já advertido de que as obrigações e consequências inerentes se mantêm até cessar a execução da pena, a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária pode efetuar-se apenas por via postal simples, desde que expedida para a morada do TIR ou para nova morada devidamente comunicada pelo arguido e observadas rigorosamente as respetivas formalidades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n º 665/14.6GBOAZ-A.P1
Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa
Adjunta: Élia São Pedro

Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório.
O Ministério Público, não se conformando com o despacho proferido sob a referência eletrónica 101440226, datado de 21.03.2018 e que indeferiu a notificação ao arguido do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária por via postal simples para a morada indicada no respetivo termo de identidade e residência, determinando a necessidade de notificação por contacto pessoal, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 399.º e 401.º, n.º 1 - alínea a), ambos do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso, fazendo-o nos termos que constam de folhas 86 e ss dos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte: (transcrição)
1. “No âmbito dos presentes autos foi o arguido B… condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o total de €1.980,00 (mil novecentos e oitenta euros).
2. Verificados os pressupostos do n.º 1 do artigo 49.º do Código de Processo Penal e sem prejuízo da faculdade conferida no n.º 2 do mesmo normativo, foi determinada a conversão daquela pena de multa em 240 (duzentos e quarenta) dias de prisão subsidiária;
3. Tendo sido o competente despacho de conversão, datado de 16.02.2018, notificado ao respectivo mandatário do arguido.
4. Por despacho datado de 21.03.2018 foi indeferida a promovida notificação do arguido do referido despacho por via postal simples, mediante prova de depósito na morada pelo mesmo indicada no respectivo termo de identidade e residência, e determinada a necessidade da respectiva notificação do mesmo por contacto pessoal, formalidade que mais se reputou essencial sob pena de violação das garantias de defesa do arguido e do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal, geradora da nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do mesmo diploma.
5. O arguido prestou termo de identidade e residência no âmbito dos presentes autos no dia 18.02.2015 e ao abrigo da nova redacção legal conferida aos artigos 196.º, n.º2 e n.º 3 e 214.º, n.º 1 – alínea e) do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro;
6. Motivo pelo qual, não tendo comunicado morada distinta, o mesmo ainda se encontra plenamente válido, mantendo-se todas as respectivas obrigações e consequências do mesmo decorrentes até à execução da pena na qual foi condenado, de entre as quais as circunstâncias de todas as notificações futuras passarem a ser legitimamente feitas por mera via postal simples (nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º e do n.º 3 do artigo 113.º, ambos do Código de Processo Penal) e do incumprimento da comunicação de alteração de residência legitimar a representação do arguido por defensor (nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 196.º);
7. Para as quais, de resto, foi o arguido foi devidamente advertido no termo de identidade prestado, ali mais expressamente constando que, em caso de condenação, aquele só se extinguirá com a extinção da pena.
8. Desta feita, na sequência do intencional alargamento dos efeitos do termo de identidade e residência para além do trânsito em julgado da sentença condenatória e até à cessação da execução da pena (operado por via da apontada alteração legislativa de 2013) e à míngua de norma que determine outra forma expressa de como efectuar a notificação ao arguido do despacho de conversão proferido ao abrigo do artigo 49.º n.º 1 do Código Penal, não se vê como, existindo termo de identidade e residência validamente prestado nos autos ao abrigo deste novo regime legal, a notificação ao arguido deva processar-se por outra forma que não por aquela para a qual o mesmo foi expressamente advertido: por via postal simples para a morada por si indicada para o efeito;
9. Não sendo exigível in casu a respectiva notificação do arguido por contacto pessoal.
10. Pelo exposto e porque em violação do disposto no artigo 49.º do Código Penal e nos artigos 113.º, n.º 1 – alínea c), n.º 3 e n.º 10, 196.º, n.º 2 e n.º 3 – alíneas c), d) e e) e 214.º, n.º 1 – alínea e), todos do Código de Processo Penal, a decisão com a ref. 101440226, que indefere a promovida notificação do aludido despacho de conversão por via postal simples mediante prova de depósito na morada para o efeito indicada pelo arguido, deve por isso ser revogada e substituída por outra que determine tal forma de notificação.”

O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu no parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.
Matéria de Direito.
O recorrente impugna a decisão judicial que indefere a promovida notificação do despacho de conversão de multa em prisão por via postal simples mediante prova de depósito na morada para o efeito indicada pelo arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que determine tal forma de notificação.
Matéria de Facto.
Para o julgamento do presente recurso, consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais:
-Por sentença constante de fls. 207 e ss, proferida a 14.07.2016 e oportunamente transitada em julgado, entre o mais e no que ora importa, foi o arguido B… condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o total de €1.980,00 (mil novecentos e oitenta euros).
-Não obstante presente durante todas as sessões de audiência de discussão e julgamento e devidamente notificado da condenação sofrida, por presente na respetiva leitura, o arguido não se apresentou voluntariamente para pagar a pena de multa na qual foi condenado, nem qualquer das respetivas prestações a que foi entretanto autorizado, nem requereu a substituição daquela pena pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nem assim apresentou qualquer justificação sobre eventuais razões de incumprimento, pese embora as sucessivas notificações para o efeito (cfr. notificações de fls. 226 a 229, 244 a 247, 259 a 260 e 262).
-Novamente notificado para proceder ao pagamento voluntário do valor global da pena de multa a que foi condenado ainda em dívida, após declarado o vencimento de todas as prestações que lhe haviam sido autorizadas, com a reiterada e expressa advertência de que “o incumprimento da aludida pena de multa, caso lhe seja imputável, poderia determinar a conversão da mesma em prisão subsidiária, nos termos e para os efeitos do artigo 49.º do Código Penal”, o condenado persistiu, contudo, na sua conduta incumpridora, nada tendo pago ou dito (cfr. notificações de fls. 275 a 277 e 279).
-Nestes pressupostos, não tendo sido igualmente possível apurar a existência de qualquer património desonerado ou rendimentos do arguido que possibilitassem uma cobrança coerciva da aludida pena, a fls. 280 e com os fundamentos ali melhor exarados, foi promovida a conversão da pena de multa a que arguido havia sido condenado, em correspondente período de prisão subsidiária.
-Mais uma vez notificado para exercer eventual contraditório à posição assumida pelo Ministério Público (cfr. despacho de fls. 281 e notificações de fls. 282 a 283 e 285); o arguido nada disse ou justificou; motivo pelo qual, por despacho constante de fls. 286 a 287 e datado de 16.02.2018, acabou por ser determinada a conversão da pena de 360 (trezentos e sessenta) dias multa, na qual o arguido foi condenado, em prisão subsidiária pelo período de 240 (duzentos e quarenta) dias, nos termos e para os efeitos do artigo 49.º do Código Penal (sem prejuízo da possibilidade de pagamento voluntário a todo o tempo disposta no n.º 2 do mesmo normativo).
-O referido despacho foi notificado ao respetivo mandatário do arguido (cfr. ref. 100966639), mais tendo sido solicitada ao órgão de polícia criminal da área de residência do arguido a notificação pessoal do mesmo (ref. 100966665).
-Desde então, não tendo a entidade policial logrado o contacto pessoal com o arguido na indicada morada (cfr. certidão negativa com a ref. 6897823), o referido despacho de conversão encontra-se por notificar ao arguido.
-Em face do resultado das pesquisas efetuadas e atendendo ao termo de identidade e residência antes prestado pelo arguido a fls. 14 dos autos, datado de 18.02.2015 (onde aliás indicou a aludida morada para a qual sempre foi notificado no âmbito dos presentes autos), a 16.03.2018 foi pelo Ministério Público promovida a respetiva notificação em falta ao arguido por via postal simples com prova de depósito para a indicada morada nos seguintes termos (cfr. ref. 101268182):
“Atendendo à data de prestação do termo de identidade e residência do arguido B… constante de fls. 14 e à actual redacção dos artigos 196.º, n.º 3 – alínea e) e 214.º, n.º 1 – alínea e), ambos do Código de Processo Penal, da conjugação dos quais resulta a validade do termo prestado e plenitude dos seus efeitos até à extinção da pena a que o arguido foi condenado (para o que foi, aliás, devidamente advertido por expressa menção ali constante), promovo apenas que se proceda à notificação do arguido do despacho de conversão de fls. 286 a 287 nos termos e para os efeitos ali determinados, ao abrigo do disposto nos artigos 196.º, n.º 2 e 113.º, n.º 1 – alínea c), do Código de Processo Penal.”.
-Em detrimento do requerido, através do despacho datado de 21.03.2018, com a ref. 101440226, foi todavia decidida a necessidade de notificação ao arguido do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária por contacto pessoal, indeferindo-se o promovido.
-Sustenta o despacho recorrido, acarretando um “alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado (…) o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária ao operar uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efectuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária”; sendo certo que, segundo o entendimento ali plasmado (e aqui se situando o pomo da discórdia da posição subjacente à anterior promoção do Ministério Público), “aquela notificação (…) tem que ser pessoal e configura uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, do art. 119º, al. c), do C.P.P., por violação do art. 61º, nãoº 1, al. b)”.
Matéria de direito.
Pretende-se saber, se basta a notificação postal ou se é necessária a notificação pessoal. E aqui, a jurisprudência continua dividida e hesitante, sendo certo que para nós não subsistem dúvidas após a entrada em vigor em 23.03.2013 da Lei n º 20/2013 de 21 de fevereiro.
Todos conhecemos o penoso “calvário” de anos que é preciso percorrer para assegurar a notificação pessoal de arguidos que fornecem moradas erradas, mudam de residência sem comunicar ou, muitas vezes, fazem tudo para não serem notificados das decisões contrárias aos seus interesses subjetivos. O caso da notificação que estamos a analisar é um bom exemplo.
O tribunal concorda com a argumentação expendida pelo M.P. que praticamente se subscreve.
Sustenta o Tribunal a quo a necessidade de notificação pessoal ao arguido, em síntese, como uma exigência processual e constitucional reclamada pelo n.º 1 do artigo 49.º do Código Penal e pelas garantias de defesa do arguido, cuja preterição, por configurar uma formalidade essencial, geraria a nulidade prevista no artigo 119.º – alínea c), por violação do artigo 61.º, n.º 1 – alínea b), ambos do Código de Processo Penal.
Não se olvida não ter sido pacífica a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a questão da forma das notificações ao arguido após o trânsito em julgado da respetiva sentença condenatória, tendo levado inclusivamente à prolação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, DR nº 99, 1ª série, de 21 de Maio de 2010, ainda que reportado a questão distinta da notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão (in casu não diretamente aplicável), ali se decidindo no sentido da necessidade da sua notificação tanto ao defensor como ao condenado, contudo pela desnecessidade da respetiva notificação pessoal deste último por suficiência da notificação por via postal simples quando o mesmo houvesse prestado termo de identidade e residência válido nos autos (cujas obrigações decorrentes se dilatariam assim até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção, pese embora a redação à data conferida aos artigos 196.º e 214.º do Código de Processo Penal).
De igual modo, divergente se manteve ainda a jurisprudência mesmo após a publicação do identificado A.U.J., designadamente no tocante à respetiva aplicabilidade do mesmo, por paralelismo e a fortiori, às situações como a presente em que está em causa a notificação, não do despacho de revogação da execução de uma pena de prisão, mas do despacho de conversão de uma pena de multa em prisão subsidiária (sendo certo que nos termos deste menos gravoso regime, ainda que transitado o mesmo em julgado – e ao contrário do que sucede no despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão –, o arguido pode sempre, a todo o tempo e total ou parcialmente, obstar ao cumprimento daqueles dias de prisão, seja através do respetivo pagamento da pena de multa, seja através da demonstração do preenchimento dos pressupostos necessários à suspensão daquela execução, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 49.º do Código Penal).
Pode sintetizar-se os argumentos (no sentido da exigência ou não da notificação do arguido concomitante à do defensor e da necessidade ou não da mesma revestir natureza pessoal). “No sentido da necessidade da notificação pessoal: É distinta a natureza da prisão subsidiária e da multa. Uma implica a privação da liberdade e a outra apenas sacrifício patrimonial. Logo, a conversão da multa em prisão subsidiária constitui uma modificação essencial da decisão condenatória em momento posterior à sentença; A efectividade do direito ao recurso, que faz parte das garantias de defesa, é melhor defendida com a notificação pessoal do arguido, única que assegura o efectivo conhecimento da decisão. Só a notificação pessoal satisfaz as exigências do processo equitativo, previstas no artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; A jurisprudência do Acórdão uniformizador nº 6/10 não é aplicável ao caso porque tratou da notificação ao arguido de decisão diferente e porque a cisão, ali defendida, entre uma parte da sentença transitada e outra não transitada, no caso da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não é transponível para a situação da conversão da multa em prisão subsidiária. Acresce que na situação tratada no Acórdão uniformizador o arguido tem garantido, em momento prévio ao despacho que se considerou poder ser notificado por via postal, o exercício do contraditório, com a audição do artigo 495º do CPP, o que não sucede previamente ao despacho de conversão da multa em prisão; As obrigações do TIR extinguem-se com o trânsito em julgado da sentença. Não pode ficcionar-se que a notificação postal feita para a morada do TIR produziu um efectivo conhecimento da decisão pelo arguido, quando deixaram de subsistir as obrigações de manter a residência e de comunicar as alterações subsequentes; As consequências do despacho que converte a multa em prisão subsidiária são bem mais graves do que várias situações previstas o artigo 113º nº 10 do CPP em que se exige a notificação pessoal do arguido.
No sentido de ser bastante a notificação postal, os argumentos são de outra ordem:
- A partir da revisão do CPP de 2000 a notificação postal é a regra prevista para a comunicação dos actos processuais, inclusivamente ao arguido. Essa regra vale tanto durante a pendência do TIR como em momento posterior, porque a lei não distingue e o arguido mantém sempre essa qualidade no processo; A pena de multa convertida em prisão não altera a sua natureza de pena principal. O que se executa é ainda a pena principal fixada na sentença, através de uma “sanção de constrangimento”, visto que a todo o momento o arguido pode fazer cessar a prisão, por acto da sua exclusiva vontade, pagando a multa ou demonstrando impossibilidade de a pagar e pedindo a suspensão da prisão; O arguido condenado em pena de multa teve dela conhecimento pessoal e sabe que consequências terá a falta de pagamento. O despacho que determina a aplicação dessas consequências não constitui assim uma modificação superveniente do conteúdo da sentença que tenha de ser levada ao conhecimento pessoal do arguido; Apesar da extinção dos efeitos do TIR com o trânsito da sentença, as prescrições do artigo 196º do CPP que não têm efeitos restritivos nos direitos fundamentais, não constituem medidas de coacção e por isso podem manter-se para além desse momento;A partir da revisão de 2000, o arguido é também co-responsável pelo valor da celeridade processual. A notificação postal pressupõe sempre um contacto pessoal prévio, com a constituição de arguido e a prestação do TIR. A escolha do receptáculo postal pelo arguido e os mecanismos de certificação pelo agente dos serviços postais dão suficientes garantias de que a comunicação chega ao seu conhecimento.”

Foram esgrimidos em torno das questões processuais centrais (a par da própria natureza das penas em causa) das garantias de defesa e do direito de audição do arguido plasmado na alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º e da ausência da expressa previsão da notificação do despacho de conversão ao mesmo no n.º 9 (atual n.º 10) do artigo 113.º, ambos do Código de Processo Penal, ambas diretamente intercorrelacionadas com o que à data se dispunha na alínea e) do n.º 1 do artigo 214.º do mesmo diploma quanto à extinção das medidas de coação com o trânsito em julgado da sentença condenatória (entre as quais incluído o termo de identidade e residência e todas as obrigações ao mesmo subjacentes, cuja natureza o referido aresto uniformizador mais detalhadamente escalpelizou no contexto das finalidades subjacentes à antecedente reforma de 2000 que as introduziu como medidas de simplificação e combate à morosidade processual).
Foi precisamente na tentativa de por termo à acesa controvérsia (que, reitere-se, o acórdão uniformizador de jurisprudência não havia logrado encerrar), que o legislador processual penal procurou posicionar-se quanto à mesma, designadamente dando respaldo legal à construção ali jurisprudencialmente avançada.
A propósito ver o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-09-2016, proferido no âmbito do processo n.º 1239/06.0PTPRT-A.P1 e disponível para consulta in www.dgsi.pt (cuja posição, de resto, também não podemos deixar de subscrever in totum quanto à leitura e interpretação do regime anterior à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
Ainda e mais recentemente acórdão desta secção da Relação do Porto proferido em 12.09.18, in www.dgsi.pt-“ Desta forma, ou seja, através da notificação por via postal simples dos despachos proferidos após a prestação do termo de identidade e residência com todas as informações ao arguido contidas no artigo 196º, nº 3 do Código Processo Penal, permite-se a satisfação das exigências de eficácia e celeridade da administração da justiça penal, sem postergar a garantia de defesa dos arguidos. Na verdade, impõe-se ao arguido oportunamente advertido de que as suas notificações passarão a ser efetuadas por via postal para a morada indicada no termo de identidade e residência, que não altere a sua residência sem comunicar essa alteração ao Tribunal. Se não cumpre tal obrigação, impende sobre si a responsabilidade pelo prejuízo que daí lhe advenha.”
Assim, através das alterações introduzidas com a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro (com entrada em vigor a 23.03.2013) nos artigos 196.º, n.º 3 – alínea e) e 214.º, n.º 1 – alínea e) do Código de Processo Penal, veio a obter-se a consagração expressa no texto legal a validade do termo de identidade e residência, obrigações e consequências do mesmo decorrentes, para além do trânsito em julgado da sentença condenatória, apenas se extinguindo “com a extinção da pena”.
Ora, de entre as diversas obrigações e consequências subjacentes à prestação de termo de identidade e residência, destacam-se com particular relevo para o caso sub iudice as circunstâncias de todas as notificações futuras passarem a ser legitimamente feitas por mera via postal simples (nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º e do n.º 3 do artigo 113.º, ambos do Código de Processo Penal) e do incumprimento da comunicação de alteração de residência legitimar a representação do arguido por defensor e bem assim a realização da própria audiência de julgamento na sua ausência (nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 196.º e do artigo 333.º, ambos do Código de Processo Penal).
Desta feita, na sequência do intencional alargamento dos efeitos do termo de identidade e residência para além do trânsito em julgado da sentença condenatória e até à cessação da execução da pena (operado por via da apontada alteração legislativa de 2013) e à míngua de norma que determine outra forma expressa de como efetuar a notificação ao arguido do despacho de conversão proferido ao abrigo do artigo 49.º n.º 1 do Código Penal, existindo termo de identidade e residência validamente prestado nos autos ao abrigo deste novo regime legal, a notificação ao arguido deve e pode processar-se por aquela para a qual o mesmo foi expressamente advertido: por via postal simples para a morada por si indicada para o efeito.
Concluindo, se o arguido tiver prestado TIR em momento posterior à vigência da redação dos artigos 196º nº 3 e) e 214º nº 1 e) do CP, tendo, portanto, sido já advertido de que as obrigações e consequências inerentes se mantêm até cessar a execução da pena, consideramos defensável que se aceite que a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária se efetue apenas por via postal simples, desde que expedida para a morada do TIR ou para nova morada devidamente comunicada pelo arguido e observadas rigorosamente as respetivas formalidades.
O que importa é que a prova segura da receção da notificação postal pelo arguido garante um efetivo respeito pelos seus direitos de defesa e torna dispensável a notificação por contacto pessoal.
Ora, isso mesmo sucedeu in casu.
O arguido B… prestou termo de identidade e residência no dia 18.02.2015, ao abrigo da atual redação conferida aos artigos 214.º e 196.º do Código de Processo Penal e no qual foram consignadas as expressas advertências exigidas pelo n.º 3 deste último normativo, incluindo as das supra referenciadas alíneas c), d) e da introduzida alínea e), todas ali textualmente transcritas (cfr. fls. 14).
Não indicou nos autos qualquer morada distinta daquela ali indicada.
Nos termos legalmente previstos foi sendo notificado, a par do respetivo mandatário, de todos os atos processuais que o afetaram por via postal simples na morada do respetivo termo de identidade e residência, aqui se incluindo, necessariamente, todos aqueles atos expressamente consignados no n.º 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, como seja o próprio despacho de acusação e de designação de audiência e julgamento (destacados pelo legislador como aqueles que reclamam maior garantias de defesa e ainda assim relativamente aos quais a prática judiciária não questiona sequer a regular e válida notificação postal simples), tendo contestado e exercido plenamente todos os seus direitos de defesa.
Em face do não pagamento da pena de multa a que foi condenado e pese embora as oportunidades conferidas para o efeito ou para apresentação das razões para o incumprimento verificado (quer das prestações por si requeridas quer do montante global em dívida após declarado o vencimento daquelas), com os fundamentos melhor expostos a fls. 286 a 287 e mesmo após mediante prévia oportunidade de contraditório (de resto, não exercido), foi proferido o competente despacho de conversão da multa em prisão subsidiária, cuja notificação ao mandatário foi efetuada, encontrando-se em falta a notificação ao arguido.
Por tudo o exposto, à luz dos normativos supracitados e do regime processual penal atualmente aplicável, deve o Tribunal a quo deferir a promovida notificação do aludido despacho de conversão por via postal simples mediante prova de depósito na morada para o efeito indicada pelo arguido atenta a expressa advertência exarada no respetivo termo de identidade e residência), não sendo exigível a notificação pessoal do mesmo, determinando-se a revogação do despacho que indeferiu a primeira e determinou a necessidade de realização da segunda e substituído por outro no sentido inverso.
Em síntese, procede, pois, o recurso.
Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo Digno Ministério Público revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a notificação do condenado, B…, do despacho de 16 de fevereiro de 2018 que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, por via postal simples com prova de depósito para a morada indicada no termo de identidade e residência.
Sumário:
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Porto, 31 de outubro de 2018.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Paulo Costa
Élia São Pedro