Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
669/10.8TALMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
PEÃO ATROPELADO NA PASSADEIRA
Nº do Documento: RP20140917669/10.8TALMG.P1
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não comete o crime de condução perigosa de veiculo rodoviário p.p. pelo artº 291º1 b) CP o condutor do veiculo automóvel que colhe o peão na passadeira, quando este se encontrava a atravessar a mesma em passo apressado logo após ter carregado no botão para accionar a luz vermelha para os carros e verde para os peões, não se demonstrando que o semáforo estava vermelho para os veículos, por não se poder afirmar a existência da uma violação grosseira das regras de circulação rodoviária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 669/10.8TALMG.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º669/10.8.TALMG.P1 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego a arguida B… foi submetida a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
III - Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acusação pública procedente, por provada, e, em conformidade, decide-se:
- condenar a arguida B… como autora de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, al. b), do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €5,00, no montante total de €450,00;
- condenar a arguida, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
- Mais vai a arguida condenada no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2UC, e nas demais custas;
*
A arguida deverá apresentar a sua carta de condução no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, e sem prejuízo do disposto no art. 5º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 2/98 de 3/1.
Após trânsito, cumpra-se o disposto no art.69º, nº 4, do Código Penal e remeta-se boletim ao registo criminal.
Comunique também ao IMTT.
(…)
*
Inconformada, a arguida interpôs recurso, no qual retira da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
1ª - A arguida não se conforma com a douta sentença recorrida, que a condenou pelo crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, pelo que o recurso interposto se restringe a este aspecto da sentença, e é o mesmo na firme convicção de que a prova produzida não permitia que o Tribunal a quo tivesse decidido pela condenação da ora recorrente.
2ª- A arguida vinha acusada de não ter respeitado o sinal luminoso vermelho para si e verde para os peões, e tal não se provou, mas não obstante foi condenada por alegadamente o menor peão já se encontrar na passadeira.
3ª- Ora, não se tendo provado o essencial da acusação pensamo , salvo o devido respeito, que a arguida desde logo deveria ter sido absolvida.
4ª- Mesmo considerando que a arguida foi condenada, não pelo que vinha acusada, mas por alegadamente o menor já se encontrar na passadeira, pensamos, mesmo assim, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação da prova produzida, em sede de audiência de julgamento;
5ª- Entendemos que o segmento da sentença que dá como provado que:
“…. a arguida não imobilizou o veiculo , prosseguindo a marcha, indo embater em C…, nascido a 10.03.1990 , que se encontrava já a atravessar aquela passadeira, sentido … – ….
Assim, o veiculo conduzido pela arguida embateu com a parte da frente em C…, atingindo-o e projectando-o para o chão, a uma distância de 13,80 metros.”
O veiculo conduzido pela arguida imobilizou-se metros apos o local do embate.

Ao circular naquela via sem tomar as cautelas a que as circunstâncias a obrigavam – designadamente não travando o veiculo ao aproximar-se da passadeira destinada á travessia de peões, não parando, em consequência, a marcha do automóvel que tripulava, de modo a permitir a passagem segura do ofendido que se encontrava a atravessar a mesma – a arguida tornou inevitável o acidente, o qual ocorreu devida à não observância de tais normas estradais.
Podia e devia ter tomado outros cuidados na sua condução, designadamente parando junto da passadeira destinada á travessia de peões, de modo a permitir a passagem segura do ofendido.
A arguida tinha consciência que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junto da passadeira de peões) e que a sua conduta era susceptivel de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as descritas condutas são proibidas e puniveis por lei”.
Estes factos, salvo o devido respeito não se provaram na forma descrita na douta sentença, e por isso foram incorrectamente julgados .
Efectivamente ,
6ª – Na nossa modesta opinião os depoimentos testemunhais produzidos em sede de audiência não permitem sustentar tal factualidade, pois cingiu-se às declarações da arguida, ao depoimento do menor C… (o atropelado), de D… (pai do menor) e E… (agente da PSP que tomou conta da ocorrência).
7ª- As declarações da arguida prestadas em sede de audiência de que a criança apareceu de repente, iniciando de imediato a travessia da passadeira e a correr, que travou logo o veiculo mas sem sucesso, porque já não foi possivel evitar o embate contra o menino que, em consequência caiu no chão e rebolou, que conduzia atenta e que não parou antes da passadeira, porque no momento em que se aproximou da mesma não havia qualquer peão que pretendesse passar e que o menino apareceu de repente” , não foram contrariadas ou contraditadas por qualquer uma das outras testemunhas .
8ª- Desde logo o agente da PSP E…, que explicou o funcionamento dos semáforos, sendo a sua transição muito rápida do verde para o vermelho directamente, e admitiu que as medições e localização do veiculo não estavam correctas.
9ª- Esta mesma testemunha e agente fez constar no auto de participação de acidente de viação:
“Considera que não existem indicios seguros da pratica de qualquer infracção”.
10ª- De igual modo, a testemunha menor e atropelado C… no seu depoimento declarou que não tem a certeza se o sinal estava verde, que não sabe se olhou antes de atravessar, que as outras pessoas não atravessaram e que atravessou em passo acelerado;
11ª- Também a testemunha D… (pai do menor), declarou que não viu o embate, explicou que quando se carrega no botão cai logo o sinal e que o veiculo conduzido pela arguida ficou com a frente imobilizado em cima da passadeira;
12ª- Assim, pelo depoimento das testemunhas se revela que a arguida falou verdade, e por isso não se provaram tais factos e não cometeu o crime pelo qual foi condenada;
Acresce que,
13ª- O disposto no art. 291º, nº 1, al.b) exige que o agente “viole grosseiramente” e tal não está demonstrado, dado que não se provou que desrespeitou o sinal luminoso;
14ª- Por sua vez, o artigo 101º, nº 1 do CE tem duas vertentes uma dirigida ao condutor obrigado a tomar precauções em função da aproximação de peões, mas também há outra dirigida ao peão de que só deve atravessar a faixa de rodagem depois de tomar todas as precauções.
15ª- De igual modo, como se refere no Ac. R. Coimbra de 06.01.1979 BMJ nº 293, p.441:
“o dever de previsão exigível ao condutor de um veiculo automóvel não o obriga a contar com a actividade negligente de outrem, por ser de supor que os outros também cumprem as regras de transito e os deveres gerais de prudência”.
16ª- Assim, salvo o devido respeito, pela prova produzida em sede de audiência de julgamento e nas circunstâncias do caso concreto, parece-nos que o menor não tomou as precauções que lhe eram exigíveis, isto é, que devia esperar que o sinal luminoso ficasse verde para os peões e atentar no veiculo conduzido pela arguida que estava a circular naquele preciso momento.
17ª- Assim, o acidente foi inevitável e á arguida nenhuma responsabilidade criminal ou outra lhe pode ser imputada, pelo que a douta sentença deve ser revogada e substituida por outra que absolva a recorrente do crime de condução perigosa de veiculo rodoviário pelo qual foi condenada.
Finalmente,
18ª – Entendemos, salvo o devido respeito, que face á prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveria ter sido aplicada a arguida o principio in dúbio pro reo, face às duvidas mais que razoáveis quanto à ocorrência e verificação dos factos constantes da acusação, e do mesmo modo absolvida.
Nestes termos,
e nos mais e melhores de direito que V. EXªs doutamente suprirão , deve o presente recurso ser julgado procedente e decidindo-se em conformidade ser a arguida absolvida do crime de condução perigosa de veiculo rodoviário , e assim se fará inteira

(…)

O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
A) Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
No dia 17 de Novembro de 2010, por volta das 07h30, a arguida seguia ao volante do veículo ligeiro de mercadorias, de marca Mercedes Benz, de matrícula ..-FD-.., de cor branca, na …, cidade e comarca de Lamego, no sentido … – ….
Quando se aproximou da passadeira aí existente, junto às … – Lamego (e da …), própria para o atravessamento de peões, devidamente assinalada, e com sinais verticais luminosos, a arguida não imobilizou o veículo, prosseguindo a marcha, indo embater em C…, nascido a 10-03-1990, que se encontrava já a atravessar aquela passadeira, sentido … – ….
Assim, o veículo conduzido pela arguida embateu com a parte da frente em C…, atingindo-o e projectando-o para o chão, a uma distância de 13,80 metros.
O veículo conduzido pela arguida imobilizou-se metros após o local do embate.
Em consequência do embate, C…, sofreu hematomas e escoriações na testa e pernas, além de dores.
Ao circular naquela via sem tomar as cautelas a que as circunstâncias a obrigavam - designadamente não travando o veículo ao aproximar-se da passadeira destinada à travessia de peões, não parando, em consequência, a marcha do automóvel que tripulava, de modo a permitir a passagem segura do ofendido que se encontrava a atravessar a mesma -, a arguida tornou inevitável o acidente, o qual ocorreu devido à não observância de tais normas estradais.
Podia e devia ter tomado outros cuidados na sua condução, designadamente parando junto da passadeira destinada à travessia de peões, de modo a permitir a passagem segura do ofendido.
A arguida tinha consciência que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junta a passadeira de peões) e que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e a integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as descritas condutas são proibidas e puníveis por lei.
Da contestação:
A arguida é tida como pessoa de comportamento exemplar, pautando a sua conduta de acordo com as regras da boa convivência social.
É pessoa trabalhadora. Honesta, de boa formação moral e social, respeitada e respeitadora.
É de humilde condição social.
Presta serviços de distribuição de jornais e revistas para a F….
Fazendo o giro desde as 00.00horas com trajecto Porto – Vila Real – Lamego – Resende – Caldas de Aregos – Cinfães – Mosteiro – Marco de Canavezes – Porto, onde regressa cerca das 12.00/13.00 horas.
Este circuito ou giro é efectuado todos os dias, 365 dias por ano.
A arguida é motorista profissional há mais de 20 anos e nunca cometeu qualquer infracção estradal.
Dos serviços que presta à F… retira um rendimento correspondente ao salário mínimo nacional.
Vive em casa arrendada, pagando de renda a quantia mensal de €300,00.
Tem de ajudar economicamente e auxiliar as duas netas, de 10 e 5 anos, porquanto o pai destas, seu filho, encontra-se desempregado.
Recebe ajuda dos donos dos cafés, quiosques e restaurantes, que lhe dão muitas coisas para as netas.
Necessita da carta de condução para exercer a sua actividade, único modo de vida da arguida.
Sem carta de condução, não poderá assegurar o serviço de distribuição de jornais e revistas.
Mais se provou com interesse para a decisão da causa que:
A arguida não tem antecedentes criminais.
Possui o veículo automóvel acima identificado.
Tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.
B) Factos não provados:
Da acusação pública:
Nas circunstâncias acima descritas, quando se aproximou da passadeira aí existente, junto às … – Lamego (e da …), própria para o atravessamento de peões, o sinal vermelho estava ligado para os veículos automóveis, e verde para os passageiros.
Ao circular naquela via, naquelas circunstâncias, a arguida não respeitou a ordem de paragem decorrente do sinal luminoso vermelho, existente junto a passadeira destinada à travessia de peões, e que estava aberto para o trânsito automóvel.
Podia e devia ter parado antes do sinal luminoso vermelho.
Da contestação:
Se sofrer pena acessória de inibição de conduzir, a arguida perderá o emprego.
C) Provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O Tribunal fundou a sua convicção, desde logo, nas declarações da arguida que confirmou as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os factos, as características do local, que bem conhece por passar ali todos os dias úteis da semana em virtude da sua profissão de distribuidora de jornais e revistas, e, bem assim, o circunstancialismo que rodeou a ocorrência aqui em discussão, tal como descrito na acusação pública, apenas pondo em causa que quando a criança ofendida iniciou a travessia o sinal luminoso ali existente já se encontrava vermelho para o trânsito automóvel e verde para os peões, afirmando, ainda, que aquela apareceu de repente, iniciando de imediato a travessia da passadeira e a correr, altura em que travou logo o veículo, mas sem sucesso, porque já não foi possível evitar o embate contra o menino, que, em consequência, caiu no chão e rebolou. Mais negou que conduzisse desatenta, sem respeito pelas regras de trânsito, explicando, ainda, que não parou antes da passadeira, porque no momento em que se aproximou da mesma não havia qualquer peão que pretendesse passar, sendo que o menino apareceu de repente e a correr.
No que toca a estes aspectos, postos em crise pela arguida, o tribunal não lhe deu credibilidade, porquanto as suas declarações contrariam tudo o mais que foi apurado nesta sede.
Com efeito, quer do depoimento de C…, colhido pelo veículo conduzido pela arguidas nas circunstâncias supra descritas, quer do depoimento de D…, pai de C…, cujos relatos foram absolutamente honestos, isentos e objectivos, como já iremos ver, conclui-se de modo distinto do relatado pela arguida.
C… referiu que o pai foi levá-lo à escola, ali situada, tendo-o deixado no parque de estacionamento que antecede o local da passadeira aqui em causa; após dirigiu-se sozinho para a passadeira, sendo que vinham outras crianças logo atrás de si com a mesma direcção; e ali chegado, como sempre faz, carregou no botão do semáforo luminoso para accionar a luz vermelha para os carros e a verde para os peões; pensa que olhou para a estrada antes de iniciar a travessia, mas sem certeza, porque do que se lembra ficou com a ideia de que não existia qualquer carro próximo do local, sendo certo que, habitualmente, quando não havia carros atravessava logo e até sem carregar no botão; havendo carros, ainda que distantes carregava sempre. No caso, afirmou peremptoriamente que parou junto ao semáforo e carregou no botão e após iniciou a travessia, em passo acelerado, mas sem ser a correr, e já quase a meio da passadeira foi embatido pelo veículo, nada mais recordando a seguir porque desmaiou.
Por seu turno, o pai de C…, corroborou o relato do seu filho naquilo que viu. Esclareceu que ficou junto ao carro vendo o filho, que chegado ao semáforo carregou no botão, sendo que também ali se encontrava, mas atrás, outra criança que também pretendia atravessar – a testemunha G…; nesse momento regressou ao carro e instantes depois ouviu um estrondo, lembrando-se logo do filho, pelo que acorreu ao local da passadeira, onde verificou a existência do veículo aqui em causa imobilizado a meio da passadeira e o C… no chão, a cercas de 13 metros da passadeira, à frente desta. Também confirmou as lesões sofridas pelo filho, o estado do tempo e as demais características do local.
Mais se teve em consideração o depoimento da testemunha E…, agente da PSP que, nessa qualidade, foi ao local, onde tomou conta da ocorrência. Esta testemunha descreveu o local e o que visionou quando ali chegou, tendo constatado que a arguida se encontrava junto ao menino atropelado, que se encontrava à frente da passadeira mas a uma distância desta de cerca de 13,80m, e o carro da arguida encontrava-se imobilizado mais à frente da passadeira. Questionou a testemunha G… (testemunha da acusação, cuja audição foi efectuada mediante carta rogatória por se encontrar a residir no estrangeiro, mas cujo depoimento veio a ser prescindido pelo Ministério Público atenta a arguição da sua invalidade por não ter sido prestado perante um juiz) presente no local e que afirmou ter presenciado os factos e a própria arguida quanto às posições da vítima e do veículo, tendo sido confirmado por estas que aquelas posições correspondiam às mesmas após o embate e em consequência deste. Confirmou o teor do croquis de fls. 10, esclarecendo o ali retratado, tendo ainda esclarecido que os 13 metros a que se faz ali referência é a medida em linha recta desde o local onde o menino caiu até junto à base do sinal luminoso, sendo certo que desde este até à traseira do carro são 6,20m. Também esclareceu que o sinal luminoso ali existente é automático, está sempre verde para o trânsito automóvel e só passa a vermelho (transição rápida) quando algum veículo circula a mais de 50km/h ou quando alguém carrega no botão para atravessar a passadeira.
Relativamente às características do local e posições do veículo e da vítima após o embate, teve-se também em atenção o que decorre do auto de notícia de fls. 3 a 4 e do croquis de fls. 10.
Da conjugação destas provas, não temos dúvidas que a arguida circulava naquela via sem tomar as cautelas a que as circunstâncias a obrigavam - designadamente não travando o veículo ao aproximar-se da passadeira destinada à travessia de peões, não parando, em consequência, a marcha do automóvel que tripulava, de modo a permitir a passagem segura do ofendido que já se encontrava a atravessar a mesma. Com efeito, à arguida impunha-se o dever de parar e deixar passar C… que já se encontrava na passadeira; mesmo com o sinal ainda verde para o trânsito automóvel, uma vez que a criança iniciou a travessia da passadeira a arguida podia e devia ter parado; além disso, ainda que assim não fosse, sempre a arguida deveria ter adequado a velocidade do seu veículo à eventualidade de o ofendido iniciar a travessia da passadeira, pois que dúvidas não existem que o mesmo já ali se encontrava, aliás como também pelo menos mais uma criança, o que tinha e podia ser visto pela arguida, dadas as características da via, bem conhecidas da arguida, ao que acresce o facto de o menino ter parado para carregar no botão, não se vislumbrando como poderia fazê-lo correndo ao mesmo tempo; pelo menos, nesse momento, a criança esteve parada e só depois retomou a sua marcha que segundo o mesmo (e nenhuma razão existe para pôr em causa o seu relato pois que se vê é absolutamente honesto) era um passo acelerado, mas não a correr.
Ademais, vejam-se as posições do veículo e da vítima após o embate – o veículo da arguida imobilizou-se para lá da passadeira e encontra-se a ocupar o meio da faixa de rodagem, e o menino foi projectado para a frente e imobilizou-se a uma distância de cerca de 13 metros da passadeira.
Ora, a arguida tornou inevitável o acidente, o qual ocorreu devido à não observância de tais normas estradais, designadamente não ter parado antes da passadeira para deixar passar C… que já ali se encontrava e ainda por não ter adequado a velocidade às características da via e perante o visionamento do menino, que podia e devia ter visto, só assim não sendo se conduzisse totalmente desatenta, para assim imobilizar o veículo antes da passadeira para deixar passar os peões ou, não o tendo feito, para imobilizar de imediato o veículo no espaço ainda livre à sua frente.
Podia e devia ter tomado outros cuidados na sua condução, designadamente parando junto da passadeira destinada à travessia de peões, de modo a permitir a passagem segura do ofendido.
A arguida tinha consciência que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junta a passadeira de peões) e que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e a integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
Quanto aos demais factos dados como provados, no que concerne à sua situação económica, profissional e familiar atendeu-se às declarações da arguida, que prestou nesta parte e que mereceram credibilidade, conjugadas, ainda, com o depoimento da testemunha H…, amiga e vizinha da arguida, que mereceu inteira credibilidade, tendo também descrito a arguida como cidadã exemplar, respeitada e respeitadora, trabalhadora e bem formada.
Quanto à ausência de antecedentes criminais da arguida, atendeu-se ao CRC junto aos autos.
No que concerne aos factos dados como não provados:
Quanto ao facto de o sinal já estar vermelho para o trânsito automóvel, no momento em que a vítima iniciou a travessia da passadeira, nenhum prova foi feita nesse sentido. Com efeito, C… referiu que carregou no botão, mas não se lembra se esperou que ficasse verde para si, até porque a ideia que tem é que não havia nenhum carro próximo da passadeira; o pai de C… apenas se assegurou que o filho chegou à passadeira e carregou no botão, altura em que regressou ao seu veículo para ir embora; a arguida negou que o sinal estivesse vermelho para si; e a testemunha E… não presenciou o sinistro.
Não obstante o esclarecimento do agente E… no sentido de que o sinal que está sempre verde e passa para vermelho quando um peão carrega no botão, não é suficiente para concluirmos que já estava vermelho para B… quando o menino iniciou a travessia. Assim, e uma vez que foi prescindido o depoimento da testemunha G… como acima se referiu, na ausência de qualquer outra prova segura nesse sentido, deu-se como não provado que a arguida não parou ao sinal luminoso vermelho.
No mais, também nenhuma prova foi produzida.
(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
. Se face à matéria dada como provada a arguida deveria ter sido absolvida do crime de condução perigosa de veículo rodoviário pelo qual vinha acusada;
. Impugnação da matéria de facto;
. Violação do princípio in dubio pro reo;
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II - FUNDAMENTAÇÃO:

A recorrente impugna a matéria de facto provada, considerando incorrectamente provados os seguintes factos:
““….a arguida não imobilizou o veiculo , prosseguindo a marcha, indo embater em C… , nascido a 10.03.1990 , que se encontrava já a atravessar aquela passadeira, sentido … – ….
Assim, o veiculo conduzido pela arguida embateu com a parte da frente em C…, atingindo-o e projectando-o para o chão, a uma distância de 13,80 metros.”
O veiculo conduzido pela arguida imobilizou-se metros após o local do embate.…
Ao circular naquela via sem tomar as cautelas a que as circunstâncias a obrigavam – designadamente não travando o veiculo ao aproximar-se da passadeira destinada á travessia de peões, não parando, em consequência, a marcha do automóvel que tripulava, de modo a permitir a passagem segura do ofendido que se encontrava a atravessar a mesma – a arguida tornou inevitável o acidente, o qual ocorreu devida à não observância de tais normas estradais.
Podia e devia ter tomado outros cuidados na sua condução, designadamente parando junto da passadeira destinada á travessia de peões, de modo a permitir a passagem segura do ofendido.
A arguida tinha consciência que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junto da passadeira de peões) e que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as descritas condutas são proibidas e puníveis por lei”.”
E como provas que impõem diferente decisão indica as declarações da arguida, do menor C…, e os depoimentos das testemunhas D… e E….
Não obstante os tribunais da Relação conhecerem de facto e de direito nos termos do disposto no artº 428º do CPP, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” Fórum Justitiae, Maio 99.
Na verdade, fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância; não se procura encontrar uma nova convicção, mas apenas verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso. Ao tribunal de recurso cabe apenas “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”. Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253.
Para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a lei prevê a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência – cfr. artº 363º e 364º, ambos do CPP.
Neste caso, o recorrente tem o ónus de especificar, os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, cfr. artº 412º nº 1 e 3, als.a) e b) do CPP, sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, havendo que ter em conta a interpretação afirmada no Acórdão de Fixação de jurisprudência nº 3/2012, 8 de Março de 2012 publicado no DR 1º série de 18 de Abril de 2012, o qual fixou jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artº 412ºº nº3 alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.”.
A recorrente alega que quando se aproximou, não se encontrava ninguém em cima da passadeira, e que o menor apareceu de repente a correr ou em passo acelerado.
Ouvidos integralmente todos os depoimentos indicados pela recorrente, verificamos que o menor, na parte final das suas declarações refere que ia mais com pressa, para chegar à escola, mas não a correr. E refere também que de certeza carregou no botão antes de atravessar para accionar a luz vermelha para os carros e a verde para ele e que foi apanhado “a meio da passadeira”. Disse não se lembrar se esperou que o sinal ficasse verde para atravessar
O que foi confirmado pela testemunha D…, seu pai, que disse que o filho “ Não foi a correr” e que carregou no botão.
O tribunal formou a convicção relativamente a facto de o menor já ter iniciado a travessia, nos seguintes termos “Da conjugação destas provas, não temos dúvidas que a arguida circulava naquela via sem tomar as cautelas a que as circunstâncias a obrigavam - designadamente não travando o veículo ao aproximar-se da passadeira destinada à travessia de peões, não parando, em consequência, a marcha do automóvel que tripulava, de modo a permitir a passagem segura do ofendido que já se encontrava a atravessar a mesma. Com efeito, à arguida impunha-se o dever de parar e deixar passar C… que já se encontrava na passadeira; mesmo com o sinal ainda verde para o trânsito automóvel, uma vez que a criança iniciou a travessia da passadeira a arguida podia e devia ter parado; além disso, ainda que assim não fosse, sempre a arguida deveria ter adequado a velocidade do seu veículo à eventualidade de o ofendido iniciar a travessia da passadeira, pois que dúvidas não existem que o mesmo já ali se encontrava, aliás como também pelo menos mais uma criança, o que tinha e podia ser visto pela arguida, dadas as características da via, bem conhecidas da arguida, ao que acresce o facto de o menino ter parado para carregar no botão, não se vislumbrando como poderia fazê-lo correndo ao mesmo tempo; pelo menos, nesse momento, a criança esteve parada e só depois retomou a sua marcha que segundo o mesmo (e nenhuma razão existe para pôr em causa o seu relato pois que se vê é absolutamente honesto) era um passo acelerado, mas não a correr.
Ademais, vejam-se as posições do veículo e da vítima após o embate – o veículo da arguida imobilizou-se para lá da passadeira e encontra-se a ocupar o meio da faixa de rodagem, e o menino foi projectado para a frente e imobilizou-se a uma distância de cerca de 13 metros da passadeira.”
Nos termos do artº 127º do CPP dispõe que «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.»
O princípio acabado de enunciar, responsabiliza o julgador ao permitir-lhe a avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro predefinido que fixe o valor das provas (sistema da prova legal).
Esta liberdade na valoração das provas admitidas pressupõe, por parte do julgador, a revelação da credibilidade que cada um dos meios de prova lhe mereceu, da sua relevância objectiva, dos raciocínios elaborados a partir deles e, por último, do confronto crítico exercido.
É certo, que como escreve Maia Gonçalves em anotação ao artº 127º do CPP «a livre convicção da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova», pois que «a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica». Código de Processo Penal, pág. 354, 17ª edição Almedina.
E, por isso mesmo é que o legislador processual consagrou no artigo 374º nº2 do CPP, a obrigatoriedade de uma concreta fundamentação fáctica da sentença/acórdão, de modo a alcançar-se um efectivo controlo da sua motivação.
Lida a motivação fáctica da sentença recorrida, verifica-se que na mesma está bem evidenciado o percurso lógico que esteve subjacente à motivação da convicção do tribunal não se detectando qualquer violação ao princípio da livre apreciação da prova contido no artº 127º do CPP.
Sendo que não basta que as provas indicadas pelo recorrente porventura até permitissem uma diferente convicção. É que a lei refere provas que «impõem» e não as que «permitiriam» solução diversa, pois casos haverá em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
Por outro lado não se vislumbra como possa ter sido violado o princípio in dubio pro reo uma vez que da decisão recorrida não ressalta que o tribunal a quo tivesse tido dúvidas sobre a existência dos factos impugnados. este princípio como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.-cfr. Figueiredo Dias- Dtº Processual Penal, pág 213.
Com tal improcede pois nesta parte a impugnação, já que não existem provas que imponham diferente convicção quanto a o menor encontrar-se já a atravessar a passadeira quando foi embatido pela arguida, nem que o mesmo apareceu a correr, sendo que o passo acelerado que a própria fundamentação refere, foi depois do momento de ter parado para carregar no botão. Aliás, diferentemente seria se o menor tivesse sido colhido logo no início da passadeira, e naturalmente pela parte lateral direita do veículo e não como efectivamente foi pela frente do veiculo já a meio da passadeira, o que só é compatível com o facto de se encontrar já a atravessar a mesma como foi dado como provado.
Porém, porque releva à integração jurídica, passa-se a reflectir nos factos provados aquilo que o tribunal deu como assente na fundamentação, de facto de modo a que os factos provados relevantes constem todos formalmente da matéria provada.
Assim nos termos do artº 431º nº1 alíneas a) e b) do CPP a factualidade constante do parágrafo 2º da sentença passa a ter a seguinte redacção:
“Quando se aproximou da passadeira aí existente, junto às … – Lamego (e da …), própria para o atravessamento de peões, devidamente assinalada, e com sinais verticais luminosos, a arguida não imobilizou o veículo, prosseguindo a marcha, indo embater em C…, nascido a 10-03-1990, que se encontrava já a atravessar aquela passadeira em passo apressado, e pós ter carregado no botão do semáforo luminoso para accionar a luz vermelha para os carros e a verde para os peões, no sentido … – … .…”
Impugna ainda o recorrente o segmento da matéria provada onde consta que “.Assim, o veiculo conduzido pela arguida embateu com a parte da frente em C…, atingindo-o e projectando-o para o chão, a uma distância de 13,80 metros.” por entender que apenas se provou que “ este foi embatido pela frente e foi aos saltos e depois a deslizar, até se imobilizar a 13,80 metros, como resulta do depoimento do próprio menor e da arguida.
Ora como resulta da conjugação da prova produzida designadamente das declarações da testemunha E…, o menor na sequência do embate foi cair uns metros à frente da viatura. Sendo que a testemunha E…, agente da PSP por referência ao croqui que elaborou a fls.4 referiu no seu depoimento que o mesmo contém um lapso, pois a distância dos 13,80 não é medida desde o ponto de embate, mas sim desde o poste de iluminação como estão todas as medidas. Ora como tal há que subtrair os 4,50 m –medidos em linha recta da base do sinal luminoso até ao local de embate – aos 13,80m, pelo que a distância de projecção foi de 9.30 e não de 13.80m. E dizemos distância de projecção, pois quer tenha ido a deslizar ou aos saltos, foi sempre projectado pelo embate do veículo conduzido pela arguida.
Assim e nos temos do artº 431º b) do CPP, altera-se nesta parte a matéria provada constante do terceiro parágrafo da sentença dela passando a constar: “.Assim, o veiculo conduzido pela arguida embateu com a parte da frente em C…, atingindo-o e projectando-o para o chão, a uma distância de 9,30 metros..”
E concomitantemente passa a constar como não provado que:
“A distância a que o C… foi projectado tenha sido de 13,80m.”
Alega a recorrente que a parte dos factos provados “Ao circular naquela via sem tomar as cautelas a que as circunstâncias a obrigavam – designadamente não travando o veiculo ao aproximar-se da passadeira destinada á travessia de peões, não parando, em consequência, a marcha do automóvel que tripulava, de modo a permitir a passagem segura do ofendido que se encontrava a atravessar a mesma – a arguida tornou inevitável o acidente, o qual ocorreu devida à não observância de tais normas estradais.
Podia e devia ter tomado outros cuidados na sua condução, designadamente parando junto da passadeira destinada á travessia de peões, de modo a permitir a passagem segura do ofendido...” é uma ilacção extraída pela Srª Juiz sem suporte factual.
Conquanto os juízos de valor e juízos normativos, por implicarem em si uma valoração que se prende com a actividade do julgador, e dado o seu cariz conclusivo não devam ser levados à matéria provada, a matéria em causa assenta nos factos objectivos supra dados como provados e exprime o nexo de causalidade entre a conduta da arguida e o acidente ocorrido, sendo que na parte em que contém juízos de revisibilidade e como tal normativos se tem a mesma como não escrita.
A arguida vinha acusada e foi condenada pela prática de um crime de condução perigosa previsto no artº 291º nº1 do CP na modalidade dolosa.
Como tal foi acusada de que “A arguida tinha consciência que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junto da passadeira de peõese aos sinais luminosos vermelhos) e que a sua conduta era susceptivel de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as descritas condutas são proibidas e puníveis por lei ..”
Porém, não resultou provado que no momento do acidente “o sinal vermelho estava ligado e verde para os peões” e que a arguida não tenha respeitado a ordem de paragem no sinal vermelho.
A materialidade relativa ao elemento subjectivo, fora dos casos de confissão, terá de resultar necessariamente de prova indirecta, por se tratarem de elementos de estrutura psicológica. Como se escreveu no ac. da Rel. de Lisboa de 8/2/2007 “ o que pertence à vida interior de cada um, só possível de apreender através de factos materiais comuns, podendo comprovar-se por meio de presunções judiciais, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência.”[1] No caso dos autos, face à materialidade objectiva assente, pensamos não se poder extrair uma conduta dolosa da arguida, relativamente ao desrespeito das normas rodoviárias, uma vez que não ficou provado que o sinal luminoso estivesse vermelho, e consequentemente que a arguida tivesse também agido conformada com o perigo que adveio da sua conduta, embora se entenda que a mesma previu esse perigo.
Assim altera-se consequentemente a matéria provada passando a constar como Provado:
“Com a sua conduta a arguida colocou em causa a vida e a integridade física do C…”
Ficando não provado que:
“.A arguida tinha consciência que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junto da passadeira de peões e aos sinais luminosos vermelhos) e que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
A arguida soubesse que necessariamente conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junto da passadeira de peões e aos sinais luminosos vermelhos) e que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou.
.A arguida tenha admitido que conduzia com desrespeito pelas regras de circulação rodoviária (paragem junto da passadeira de peões e aos sinais luminosos vermelhos) e que a sua conduta era susceptível de colocar em perigo tal circulação e que poderia colocar em causa a vida e integridade física dos utentes da estrada, como efectivamente colocou consequência com a qual se conformou.
Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as descritas condutas são proibidas e puníveis por lei ..”
No mais improcede a impugnação.
Alega a recorrente que os factos provados não integram a prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário pelo qual foi condenada, por em seu entender não estar demonstrado que a arguida violou grosseiramente as regras de circulação.
Dispõe o artº 291º nº1 al.b) do Código Penal, que “Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
O crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo artº 291º nº1 al.b) do CP, é um tipo de ilícito em que para além da segurança do tráfego rodoviário se protege em primeira linha, os bens jurídicos vida, integridade física e bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Exige-se que a conduta do agente tenha criado um perigo concreto para a vida integridade física, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. Como refere Paula Ribeiro de Faria “Não basta por conseguinte, ao preenchimento do tipo legal, a insegurança na condução, ou a violação grosseira das regras de circulação rodoviária, tornando-se necessário, que da análise das circunstâncias do caso concreto se deduza a ocorrência desse mesmo perigo concreto.”[2]
Fazem parte pois dos elementos objectivos do ilícito a violação grosseira das regras da circulação rodoviária supra transcritas e a criação de um perigo concreto para aqueles bens jurídicos, que represente, “probabilidade de dano para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios”.[3]
Quanto à criação de um perigo concreto para a integridade física e a vida do menor C…, inexistem duvidas, e ele resulta claro dos factos provados, pois a viatura que a arguida conduzia embateu naquele, que sofreu hematomas e escoriações na testa e pernas, além de dores.
Uma vez que se exige a violação grosseira das regras de circulação rodoviária, vejamos se tal requisito se verifica.
A decisão recorrida considerou que a arguida com a sua conduta violou a norma do artº 103º nº1 do C. da estrada a qual dispõe que “ Ao aproximar-se de uma passagem de peões assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.”
Face à matéria provada, tendo a arguida prosseguido a sua marcha, em vez de parar, apesar de o menor já se encontrar a passadeira, verifica-se sem dúvida a violação da referida norma. Contudo, afigura-se que nas circunstâncias concretas, tal violação não pode ser considerada grosseira para feitos do artº 291º n1 al.b) do CP.
A violação grosseira não se verifica numa violação de pequena dimensão, antes exigindo um grau especial de violação de deveres. “Está em causa uma violação que há-de ser agravada, qualificada ou grosseira.” [4]
Nas palavras de Miguez Garcia e Castela Rio, “ Violação grosseira é, no apontado contexto, uma séria infracção de uma norma tipicamente relevante para a condução.”[5]
Ficou demonstrado que a arguida não parou na passadeira, mas não ficou demonstrado que o sinal estivesse vermelho. Antes ficou demonstrado que o menor se encontrava já a atravessar a passadeira em passo apressado logo após ter carregado no botão para accionar a luz vermelha para os carros e verde para os peões.
Perante esta factualidade, e subsistindo como possível a hipótese de o sinal ainda se encontrar verde para a arguida, quando esta passou prosseguindo a sua marcha e concomitantemente vermelho para o menor, afigura-se não ser possível afirmar que a violação da referida norma do artº 103º nº1 do CE pela arguida tenha sido grosseira.
Diferente seria, a situação exemplificada por Paula Ribeiro de Faria, em que considera integrar violação grosseira, “ a actuação daquele que arranca bruscamente ao passar a verde a sinalização que lhe permite avançar, colocando em perigo a vida ou integridade física dos peões que entretanto iniciaram a travessia da via mas sem que tenham tido a oportunidade de a completar”.[6]
Assim e não se verificando um dos pressupostos do crime pelo qual vinha acusada, haverá que absolve-la de tal ilícito.
A conduta da arguida é contudo susceptível de integrar a contra-ordenação prevista no artº 103º nº1 e 4 do CE a qual era sancionada na redacção em vigor à data dos factos, anterior à alteração efectuada ao Código da estrada pela Lei nº72/2013 de 3 de Setembro com a coima de 120 a 600 euros.
Porém, tal contra-ordenação encontra-se já prescrita como a seguir se irá demonstrar.
Os factos pelos quais a arguida está acusada datam 17/11/2010.
Nos termos do artº 188º nº1 do C.Estrada , redacção à data dos factos, o procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito de prescrição logo que, sobre a prática dos factos tenham decorrido dois anos.
Tratando-se de lei especial, este prazo prevalece sobre o estabelecido no regime geral das contra-ordenações e deverá ser este o prazo a considerar e não o prazo de um ano estabelecido no artº 27º ala) do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.
Como “o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado” (art 119-1 do Código Penal de 1.10.95 inalterado em 15.9.2007 e aplicável ex vi art 32 do RGCOC) e a contra-ordenação se terá consumado em 17 de Novembro de 2010, a prescrição ocorreria em 17 de Novembro de 2012 caso não se verificasse alguma uma das causas de interrupção e ou de suspensão do decurso do prazo daquela;
Ora, nos termos do artº 28º nº1 do RGCOC, na redacção da Lei 109/2001 de 24/12) “A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
.b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
.c) Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
.d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.”
Por sua vez no artº 27º-A do RGCO dispõe-se que:
“1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
.a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
.b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Publico até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artº 40º;
.c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
.2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”
No caso dos autos, ainda que se entendesse que a última causa de interrupção, ocorreu com a notificação da acusação à arguida, por prova de depósito de 12/3/2012 a verdade é que, tendo em conta o prazo máximo de prescrição previsto no nº2 do artº 27ºA RGCO, 2 anos +1ano, acrescido do prazo máximo de suspensão de 6 meses, verifica-se que não obstante as interrupções ocorridas a prescrição teve lugar, necessariamente, decorridos 3 anos e 6 meses da prática dos factos, ou seja em 17/5/2014.
Resta pois absolver a arguida pelo crime de que vinha acusada.
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação
Em no provimento do recurso revogar a decisão recorrida a qual substituem por acórdão em que absolvem a arguida B… da prática do crime de condução perigosa pelo qual vinha acusada.
Sem tributação artº 513º nº1 do CPP

Porto, 17/09/2014
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
_________________
[1] Proferido no processo nº197/07, 9ª secção (relator Carlos Benido) citado no ac. de 12/5/2007 da Relação do Porto, proc.OTRP000400822 relatado por Artur Oliveira.
[2] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo II, pág. 1087, Coimbra Editora 1999.
[3] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Editora, 1996 pág.52.
[4] Cfr. Victor de Sá Pereira, Alexandre Lafayette, Código Penal, notado e comentado, quid Juris, 2008 pág 741.
[5] M-Miguez Garcia, J.M.Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e especial, 2014, pág.1098.
[6] Paula Ribeiro de Faria, comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial Tomo II, pág. 1084, Coimbra Editora 1999.