Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
847/20.1T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NÉLSON FERNANDES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
RECURSO
FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Nº do Documento: RP20221107847/20.1T8MAI.P1
Data do Acordão: 11/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS IMPROCEDENTES; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC) verifica-se quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada, enquanto que a nulidade prevista na alínea c) acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete.
II - Como resulta claro do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.
III - Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade.
IV - Considera-se celebrado por tempo indeterminado o contrato a termo e respetivas renovações quando o respetivo texto não concretiza com factos os acréscimos temporários de trabalho que foram invocados.
V - Nas circunstâncias a que se alude em III e IV, comunicando a entidade empregadora ao trabalhador que não iria renovar o contrato de trabalho na data do seu termo, porque a caducidade invocada não constitui meio legal de pôr um fim ao contrato de trabalho por tempo indeterminado que vigorava entre as partes, essa comunicação configura-se como um despedimento ilícito.
VI - Impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 847/20.1T8MAI.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia

Autora: AA
Ré: J... Lda.
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Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
1. AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra J... Lda., pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento operada pela Ré e, em consequência, ser esta condenada: a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento; a título de indemnização por opção em substituição da reintegração a quantia de 1.800,00€; a quantia de 5.958,81€ relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho, já vencidos, acrescidos os juros de mora à taxa legal, sobre o capital em dívida, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; a pagar-lhe o montante de 1.500,00€ a título de danos não patrimoniais; a regularizar a sua situação contributiva junto da Segurança Social, referente ao período em falta, desde abril de 2018 até 04 de setembro de 2019; ainda, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 25,00€ (vinte e cinco euros), por cada dia de atraso no pagamento daquilo a que vier a ser condenada.

A Ré contestou, impugnando o alegado pela Autora, para concluir pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

A Autora apresentou resposta.

Foi fixado o valor da ação em €9.258,81 e admitida ampliação do pedido formulada pela Autora, sendo que, aquando do saneador proferido, foi julgada verificada a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria quanto ao pedido de condenação da Ré a regularizar a situação contributiva da Autora junto da Segurança Social.
Dispensou-se, então, a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.

Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e em consequência:
a) Julgo ilícito o despedimento da A. AA promovido pela R. J... Lda. e em consequência condeno a R. no pagamento à A. de uma indemnização pelo despedimento ilícito no valor de 1.800,00€ (mil e oitocentos euros);
b) Condeno a R. a pagar à A. a título de férias, subsídios de férias e de Natal, proporcionais ao tempo de serviço prestado, sem prejuízo dos legais descontos que se imponham, nomeadamente para efeitos de Segurança Social, o montante de 66,00€ (sessenta e seis euros), correspondente à quantia computada de 900,00€, deduzida do montante já pago de 834,00€;
c) Condeno a R. a pagar à A. juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, e a sanção pecuniária compulsória correspondente aos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença;
d) Absolve-se a Ré do demais contra si peticionado na presente ação.
Custas pela Autor e pela Ré, na proporção de 79%/21%, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário - artigo 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”

Após, depois de notificada a sentença, no seguimento de requerimento apresentado pela Autora, o Tribunal proferiu despacho que concluiu do modo seguinte:
“Na desinência do exposto, defere-se a requerida retificação, aditando-se à Decisão a alínea b.1) com o seguinte teor:
b.1.) Condeno a R. a pagar à A. as retribuições de esta deixou de auferir desde 2-2-2020 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego que, entretanto, haja recebido.
Notifique e oportunamente retifique no local próprio com menção ao presente despacho.”

2. Não se conformando com o assim decidido, presentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando, após despacho de aperfeiçoamento das que antes apresentara, as conclusões as seguintes:
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2.1. Contra-alegou a Autora, defendendo designadamente, em síntese, que a “sentença aqui em crise, no que diz respeito à invalidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes, e em consequência, a condenação da Ré a pagar-lhe indemnização, não merece qualquer juízo de censura, devendo tal decisão, nessa parte, manter-se, concluindo-se pela improcedência do Recurso ora apresentado”.

2.2. Apresentou também a Autora requerimento de interposição de recurso, formulando, mais uma vez após despacho de aperfeiçoamento das que antes apresentara, as conclusões seguintes:
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2.3. Os recursos foram admitidos em 1.ª instância como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido: de ser formulado convite ao aperfeiçoamento das conclusões; de baixarem os autos à 1.ª instância para ser proferido o despacho previsto no n.º 1 do artigo 617º. do CPC.
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Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso – artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a apreciar: (1) nulidades da sentença invocas; (2) matéria de facto / admissibilidade ou não dos recursos e sua apreciação, sendo admitidos; (3) o direto do caso: (3.1) recurso da Ré / natureza do contrato e sua validade / causa da cessação da relação laboral / demais questões; (3.2.) recurso da Autora.
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III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido considerou que resultam provados os seguintes factos (transcrição):
“A) A A. foi admitida ao serviço da R. no dia 4 de Março de 2019, mediante assinatura do “contrato de trabalho a termo certo”, com início no dia 4-3-2019 e termo no dia 3-9-2019, com “duração de 6 meses, renovando-se automaticamente, no silêncio das partes, por igual período por mais duas vezes”. (…) “A contratação (…) destina-se a satisfazer uma necessidade temporária da empresa originada pelo acréscimo excepcional e transitório da sua actividade, tendo em conta, com carácter temporário e cuja duração não se prevê ao período fixado na cláusula 1ª” - art. 8º e 12º da contestação.
B) Para, sob as ordens da Ré, direcção e fiscalização, exercer funções nas instalações da empresa da Ré, sito no Hotel ..., no Porto. – art 2º da PI.
C) Como contrapartida do trabalho prestado a A. auferia o Salário mensal de 600,00€ (seiscentos euros) – art. 4º da PI.
D) No dia 7 de Março de 2019 a A. compareceu numa acção de formação sob o tema “simulacro de incêndio” organizada pela empresa C... Lda. – art. 6º da contestação.
E) Em 19 de Abril de 2019, a A. sofreu uma hemorragia, tendo recorrido ao hospital, onde se veio a confirmar que uma gravidez não evolutiva. – art. 20º da PI.
F) A R. dirigiu uma carta registada com AR no dia 18 de Julho de 2019, avisando a A. que não iria renovar o contrato de trabalho na data do seu termo em 3 de Setembro de 2019, que foi recebida pela A.- art. 48º da contestação.
G) Tendo-lhe sido indicado para que se deslocasse aos escritórios da R. para receber os créditos laborais a que tinha direito – art. 54º da PI.
H) A A. no dia 4 de Setembro por entender que os créditos laborais não estavam correctos, recusou-se a receber e a assinar o respetivo recibo de quitação, interpelando naquele instante a R. para rectificação dos valores – art. 55º da PI.
I) Pelo que, atento o facto da A. não ter aceite aquele valor, a R. optou por efetuar o pagamento da quantia de 834,00€ por transferência bancária, dando conhecimento disso, através de missiva endereçada á A. em 05 de Setembro de 2019 – art. 56º da PI.”
Por sua vez, fez-se constar como “Factos não provados”:
“i) A Autora foi admitida ao serviço da Ré, em 04 de Abril de 2018, mediante contrato verbal – art 1º da PI.
ii) Os recibos de vencimento não eram emitidos, não obstante terem sido requeridos pela A. por mais que uma vez, assim como não foram efetuados os descontos obrigatórios para a Segurança Social. – art. 5º da PI.
iii) Em 2 de abril de 2019 a aqui A. informou a sua entidade patronal, mais concretamente o Sr. BB, de que se encontrava grávida de 6 semanas – art 6º da PI.
iv) No imediato dia seguinte, o mesmo coagiu a aqui A. a assinar uma carta/documento em que a mesma, denunciaria por si, o Contrato de Trabalho, para dali a uns meses, quando esta mostrasse já algumas incapacidades para o desempenho da profissão, caso contrário, seria despedida de imediato – art. 7º da PI.
v) Sem alternativa e por se tratar de uma situação inesperada e face á enorme necessidade em manter o seu emprego, a mesma assinou a referida carta/documento, não tendo no entanto, ficado com cópia da mesma – art. 8º da PI.
vi) Tendo mais tarde sido requerido à aqui R., que fosse enviado á mandatária da A. a Denúncia que a mesma havia assinado, a qual não mereceu qualquer resposta por parte do Réu – art. 9º da PI.
vii) A R. iniciou por proibir as colegas de trabalho da A. de manterem qualquer tipo de convivência/contacto com aquela – 11º da PI
viii) Bem como disse o Sr. BB diretamente á aqui A. “Estás proibida de falar com os recepcionistas ou qualquer outro colega aqui dentro”. – art 12º da PI
ix) Desde que lhe foi transmitido de que estava grávida, a R. colocou a A. a fazer as tarefas que exigiam mais esforço físico, nomeadamente a copa, as limpezas gerais e assim que estas estivessem terminadas é que passava para a lavandaria. – art. 13º da PI.
x) Fazendo deste modo com que a A. ficasse completamente isolada dos demais colegas, que exerciam as tarefas em conjunto. – art 14º da PI.
xi) A A. estava, nesta altura, obrigada a desempenhar as tarefas fisicamente mais exigentes e sempre sozinha, como se de um castigo se tratasse. – art. 15º e 16º da PI.
xii) O R. passou a recusar falar com a A., mesmo até para lhe fornecer instruções acerca da jornada de trabalho, passando estas instruções a serem transmitidas exclusivamente pelas colegas de trabalho. – art. 18º da PI.
xiii) A situação de gravidez não evolutiva verificada a 19-4-2019, importou 15 dias de baixa médica – art. 21º da PI.
xiv) Quando regressou ao emprego em 07 de Maio de 2019, foi novamente uma colega que transmitiu à A. que doravante se manteria a desempenhar funções exclusivamente na copa e limpezas, e só quando terminasse, iria para a lavandaria. – art 22º da PI
xv) Por diversas vezes o Sr. BB surgia de surpresa, de forma inesperada e sorrateira, e fazia reparos dos mais variados á prestação de serviço da A. – art 25º da PI
xvi) Numa altura em que a A. se encontrava a limpar a Sala 2 se dirigiu á A. questionando se a mesma tinha tempo de ler um Livro.
- Ao que lhe respondeu a A.. “eu estou a limpar e literatura inglesa não faz o meu género”, ao que de imediato o Sr. BB lhe respondeu “Pois o teu deve ser mais Kamasutra” – art. 26º da PI.
xvii) A A. sentia tal pressão que sempre que deixava determinado compartimento após ser limpo, sentia necessidade de gravar através do seu telemóvel, com receio que fosse acusada de alguma ocorrência, visto que era usual naquela fase, o Sr.BB vistoriar tudo o que era feito pela A. – art. 29º da PI
xviii) Por mais que uma vez, a A. se apercebia que o Sr. BB se encontrava escondido atrás desta, em cortinados, enquanto a mesma estendia as roupas – art. 31º da PI.
xix) Os Colegas de trabalho evitavam contactos com a aqui A. – art 32º da PI.
xx) A A. desempenhava todas as funções completamente isolada dos demais colegas, que anteriormente em diversas circunstâncias, desempenhavam funções em conjunto, auxiliando-se mutuamente – art. 33º da PI.
xxi) Em meados de Maio de 2019, a R. dirigiu á A. uma carta/documento para que esta assinasse, cujo conteúdo se prendia com a declaração da A. a indicar que abdicava de trabalhar os feriados, situação perante a qual a A. anuiu, em virtude de todo o mal estar existente e não querendo levantar problemas junto da R. – arts. 35º e 36º da PI.
xxii) A A. desempenhou trabalho nos seguintes feriados: 25 de Abril de 2018; 1 Janeiro de 2019; 1 de Maio de 2018; 1 de Maio de 2019; 31 de Maio de 2018; 10 de Junho de 2018; 15 de Agosto de 2018; 5 de Outubro de 2018; 1 Novembro de 2018; 8 de Dezembro de 2018 – art. 1º da PI aperfeiçoada.
xxiii) No ano de 2018 a A. trabalhou 39 dias de folga aos domingos que não foram compensados – art. 9º da PI aperfeiçoada.
xxiv) No ano de 2019 a A. trabalhou 19 dias de folgas aos domingos que não foram compensados - art. 12º da PI aperfeiçoada.
Quanto aos demais artigos constantes dos articulados os mesmos não foram considerados por integrarem matéria de direito e/ou conclusiva e, portanto, não conterem factos susceptíveis de um juízo probatório.”
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B) Discussão
1. Nulidade da sentença / recurso da Ré
Invoca a Ré / recorrente, o que levou designadamente às conclusões XXIV a XXVII, que a sentença está ferida das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do artigo 615.º do CPC.
Sustenta a Ré que não foram especificados devidamente na sentença os fundamentos de facto e direito, e resultar ambiguidade que a torna ininteligível, invocando designadamente o seguinte:
- o tribunal omitiu o seu dever de pronúncia, assim quanto a documentos, “não os integrando quer nos factos provados, quer nos não provados”, mais referindo que a Autora enviou carta registada, manuscrita, à Ré, invocando “motivos particulares” para rescindir o contrato de trabalho, produzindo a rescisão todos os seus efeitos a partir de 01 de Setembro de 2019, data em cessariam que todas as funções na empresa – “durante a audiência de julgamento, não se provou qualquer relação desta carta com uma suposta coação moral como foi invocado nos art.º 7.º e 8.º da PI, situação que claramente não foi provada, estando essa possibilidade definitivamente afastada conforme os pontos iii), iv) e v) dos Factos não provados!” –, sendo que, diz, “a pronúncia sobre esta comunicação”, “o simples reconhecimento da sua existência permitiria” “uma decisão diferente, ou seja, a absolvição da R., de todos os pedidos, já que a matéria dada como provada, e não provada, pode conduzir a esse desfecho”.
- a sentença é “confusa na sua formulação, já que a A. no decurso da audiência de julgamento declarou estar a trabalhar (não especificando a mesma desde quando), e se trabalhava como trabalhadora dependente, trabalhadora independente a recibos Mod. 2, ou mesmo como empresária em nome individual) situações que, evidentemente, só podem ser confirmadas pela Segurança Social, e poderão colidir com a atribuição, ou não, de prestações de desemprego dedutíveis, é perfeitamente aceitável que se questione como se justifica, que na douta decisão se escreva que são devidas retribuições que “deixou de auferir desde a data da propositura da ação até ao seu trânsito em julgado”;
- o normal curso dos autos foi seriamente afetado pelos efeitos da pandemia Covid-19, e pelos seus períodos de confinamento decretados pelo Governo, o que impediu o agendamento atempado das audiências, circunstâncias que não ficaram dependentes da vontade das partes (inexistindo qualquer expediente de dilação), nem de paragem injustificada, por parte do tribunal, mas a decisão não indica um critério para contagem de prazos, pelo que se revela desajustada – “não formula qualquer palavra sobre a sua adequação a uma nova realidade jurídica, incluindo o “direito in constituendo”, resultante das perturbações resultantes da Pandemia Covid 19, e para a qual não estão ainda definidos critérios legais nem jurisprudências sobre os efeitos dessa situação inédita nas decisões judiciais, nomeadamente na consideração do processo de cálculo de indemnizações”.
Pugnado a Autora pela não verificação dos referidos vícios, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido de baixarem os autos à 1.ª instância para ser proferido o despacho previsto no n.º 1 do artigo 617º. do CPC.
Como questão prévia, importa dizer que, sendo verdade que em 1.ª instância, diversamente do que resulta do n.º 1 do artigo 617.º do CPC, não foi proferido como deveria o despacho a que se alude nesse normativo, no entanto, dada a natureza das questões levantadas, como ainda por razões de celeridade processual, não se nos afigura indispensável, como resulta do n.º 5 do mesmo artigo, mandar baixar o processo para que esse seja proferido, razão pela qual de seguida procederemos à apreciação.
Fazendo uma breve abordagem aos vícios invocados pelo Recorrente, pode dizer-se que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[1] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito». No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[2], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[3].
Por sua vez, referente à alínea c) – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, lembrando Alberto dos Reis[4], o pretenso vício acontecerá quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete. Ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto. A propósito, refere-se no acórdão do STJ de 26 de Janeiro de 2021, processo 2350/17.8T8PRT.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt, “O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no Aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.”
Dentro dos critérios antes enunciados, entrando na análise, não se deteta, salvo o devido respeito, a ocorrência dos vícios invocados.
Na verdade, a respeito da condenação nas designadas retribuições intercalares, a sentença pronuncia-se, pois que se fez constar: “Ademais, dispõe o artigo 390º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho, que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal deduzindo-se o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento. No caso dos presentes autos foi a A. despedida a 3 de Setembro de 2019, sendo que a acção foi proposta no dia 2-3-2020. Assim, tem a A. direito às retribuições que deixou de auferir, desde 2-2-2020 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego que entretanto haja recebido”.
Daí que, havendo pronúncia expressa, incluindo com referência à norma que se teve por aplicável, não se possa dizer que a sentença não contém fundamentação, na consideração, como o dissemos antes por apelo ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2016, que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas», sendo que, esclareça-se, o saber se a decisão é ou não adequada se pretende já como o mérito, sendo enquanto tal apenas por nós apreciada mais tarde, quando desse conhecermos.
Por sua vez, a respeito da pretensa omissão de pronúncia sobre “documentos, “não os integrando quer nos factos provados, quer nos não provados”, vendo-se nessa alegação que a Recorrente pretendesse que fossem considerados provados factos que não o foram pelo Tribunal, então, sendo nesse âmbito que deve ser proferida decisão em sede de recurso, a questão passaria por invocada ocorrência de erro de julgamento em sede de matéria de facto, existindo, para o efeito, regime próprio, assim o previsto no artigo 672.º do CPC, bem como, ainda, o modo como se deve reagir, assim através da competente interposição de recurso em sede de matéria de facto, com cumprimento dos ónus legais previstos no artigo 640.º do mesmo Código.
Por último, a respeito de uma qualquer pretensa ambiguidade ou obscuridade que possa ocorrer e que que torne a decisão ininteligível, baseada nos fundamentos invocados pela Recorrente referentes a uma mencionada afetação do normal curso dos autos pelos efeitos da pandemia Covid-19, mesmo esquecendo-se que estamos no essencial perante questão nova apenas invocada em sede recursiva, a verdade é que sequer se percebe, pois que a Recorrente o não indica, com que base legal se imporia que tivesse de ser considerado na sentença o que agora pretende.
Em face do exposto, carecem de fundamento os argumentos invocados.

2. Matéria de facto / recurso sobre a matéria de facto
2.1. Critérios de admissibilidade / aplicação ao caso
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[5]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[6].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[7] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[5].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[9] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[10] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Ainda, por último, no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de outubro de 2016[11]– proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”[12]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.” Ainda mais recentemente, resulta do Acórdão do mesmo Tribunal de 5 de Setembro de 2018[13] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
Aplicando tais critérios ao caso, no que ao recurso interposto pela Autora diz respeito, entendemos que a mesma cumpriu de modo bastante os mencionados ónus legais, pois que indica quais os pontos de facto impugnados, a decisão que deve ser proferida e os meios de prova em que suposta a alteração, nada obstando, pois, à apreciação.
Porém, diversamente, já tal não ocorre quanto ao recurso interposto pela Ré, pois que, afinal, apesar de resultar das conclusões que apresentou discordância sobre a pronúncia em sede de matéria de facto, torna-se evidente que omitiu o cumprimento de tais ónus legais, do que resulta que o recurso é rejeitado nesta parte, o que se decide.

2.2. Apreciação / recurso da Autora
Alínea A) da factualidade provada e ponto i) da factualidade não provada
- “A) A A. foi admitida ao serviço da R. no dia 4 de Março de 2019, mediante assinatura do “contrato de trabalho a termo certo”, com início no dia 4-3-2019 e termo no dia 3-9-2019, com “duração de 6 meses, renovando-se automaticamente, no silêncio das partes, por igual período por mais duas vezes”. (…) “A contratação (…) destina-se a satisfazer uma necessidade temporária da empresa originada pelo acréscimo excepcional e transitório da sua actividade, tendo em conta, com carácter temporário e cuja duração não se prevê ao período fixado na cláusula 1ª” - art. 8º e 12º da contestação.”
- “i) A Autora foi admitida ao serviço da Ré, em 04 de Abril de 2018, mediante contrato verbal – art 1º da PI.”
Defende a Autora / recorrente que deve considerar-se provado “A Autora foi admitida ao serviço da Ré, em 04 de Abril de 2018, mediante contrato verbal – art 1º da PI”, dando-se por sua vez como não provado o que consta da alínea A) da factualidade provada – “A A. foi admitida ao serviço da R. no dia 4 de Março de 2019, mediante assinatura do “contrato de trabalho a termo certo”, com início no dia 4-3-2019 e termo no dia 3-9-2019, com “duração de 6 meses, renovando-se automaticamente, no silêncio das partes, por igual período por mais duas vezes”. (…) “A contratação (…) destina-se a satisfazer uma necessidade temporária da empresa originada pelo acréscimo excepcional e transitório da sua actividade, tendo em conta, com carácter temporário e cuja duração não se prevê ao período fixado na cláusula 1ª”- art. 8º e 12º da contestação.”
Para suportar a alteração, refere a Autora que, “relativamente a este facto, não deu a Exma. Sra. Dra. Juiz como provado tal factualidade, alegando de forma genérica e de forma transversal a toda a defesa da Autora, que as suas declarações de parte se “revelaram contraditórias na sua própria narrativa e com as testemunhas por si arroladas” (não especificando concretamente quais as contradições), pelo que defendendo o contrário, atentemos à transcrição dos depoimentos, quer da Autora (Declarações de Parte da Autora: Ficheiro: 20220119112214_15674075_2871520 (minutos 1:08 a 03:46), quer das testemunhas de ambas as partes, designadamente, as testemunhas, CC (ficheiro áudio 20220119141428_15674075_2871520 minutos 3:01 a 4:29); DD (Ficheiro Áudio 20220119150632_15674075_ 2871520, (minutos 06:38 a 07:59); EE (ficheiro áudio: 20220119153104_ 15674075_2871520, (minutos 10:46 a 10:58) e FF (no ficheiro áudio 20220119155222_15674075_2871520, minutos 14:57 a 16:04), onde todos afirmam que a A. ingressou ao serviço da Ré em 2018, para substituir a trabalhadora GG, que se encontrava em licença de parentalidade, o que é igualmente corroborado pela prova documental junta pela Ré aos autos em 28/06/2021, com Referência citius nº 29328439, sob docs 1 e 2 , Relatórios Único do ano de 2019 (Quadro de pessoal e fluxo de trabalhadores), onde se verifica que em 2019 esta funcionária GG já não constava do quadro de pessoal, pelo que a ter saído, terá sido no decorrer do ano 2018” – mais acrescentando que a Ré “mentiu no seu depoimento de parte, quando referiu que a D. AA tinha vindo em Março de 2019, para substituição duma outra funcionária, de nome HH, todavia, nem a própria funcionária (HH), testemunha nos autos, corroborou esta tese, dizendo claramente que quem a indicou para ir trabalhar para a empresa fora a D. AA e que veio trabalhar em Outubro de 2018; - a este propósito atente-se no Depoimento de parte da Ré gravado em ficheiro áudio, 20220119104138_15674075_2871520, Sr. BB: (Minutos 1:56 a 2:16, 2:54 a 3:07; 3:51 a 4:15), da testemunha II, depoimento, gravado no ficheiro áudio 20220210141705_15674075_2871520 - (minutos 2:00 a 08:14), transcritos nas Motivações”.
Consta da motivação constante da sentença recorrida designadamente o seguinte:
“(…) De seguida, valorou o tribunal as declarações prestadas pela A. que se revelaram contraditórias na sua própria narrativa e com as testemunhas por si arroladas.
O início da relação laboral foi reportado pela A. como tendo ocorrido em Abril de 2018 na sequência de um contacto da testemunha, CC, recepcionista da R., que confirma o contacto, tendo posteriormente por sua vez a A. contactado uma conhecida sua, II, que veio a trabalhar para a R. em Outubro de 2018. No entanto, somente estes dois trabalhadores do hotel, amigos da A., é que se reportam à relação laboral da A. no ano de 2018. Veja-se que todos os demais trabalhadores da R. se referem à A. no ano de 2019. Ademais, não se logra extrair qualquer corroboração do depoimento da testemunha JJ, porquanto este - à data empregado de mesa numa confeitaria próxima - apenas logrou descrever que os trabalhadores da R. frequentavam aquele estabelecimento aos fins de semana e feriados envergando farda. No entanto, concretizando o período temporal em que a A. o fez, a testemunha associou o seu trabalho naquele estabelecimento aos fins-de-semana anteriormente à pandemia, sendo público e notório que os efeitos da pandemia no nosso país se fizeram a partir do início do ano de 2020, pelo que nada nos permite concluir que a testemunha tivesse atendido a A. no ano de 2018 e não no ano de 2019. Acresce que, a circunstância de a A. poder ter envergado um ou dois modelos de farda (fls. 83 e 84) durante a vigência da relação laboral se revela inócuo, perante a afirmação unânime das testemunhas trabalhadoras da R. no sentido de não haver altura certa do ano para substituição do fardamento. Por fim, veja-se que o anúncio do simulacro de incêndio (fls. 66), pese embora datado de 21-2-2019, foi assinado pelos trabalhadores no próprio dia da formação, 7-3-2019, conforme as declarações das testemunhas II e FF, pelo que também não permite inferir que a A. lá trabalhasse antes da data do contrato de fls. 50 e 51.”
Em face da citada fundamentação, ouvidos que foram nesta sede recursiva os registos de gravação dos depoimentos, diremos o seguinte:
Em primeiro lugar, importa fazer um esclarecimento, este no sentido de deixar claro que aquilo que é indicado como sendo transcrições de depoimentos, ouvidos que foram nesta sede recursiva os registos de gravação, não se deteta uma correspondência exata, como entendemos que se imporia, sendo que, ainda assim, tais transcrições acabam por conter no essencial o sentido que resulta de tais depoimentos.
Apreciando, então, desde já avançamos que, em face da prova indicada que foi produzida – pela recorrente e na motivação transcrita –, não encontramos sustentação bastante para afastarmos a convicção firmada em 1.ª instância e a substituirmos designadamente por aquela que é indicada pela Recorrente, pois que, tal como aliás o salienta o Tribunal recorrido, nos deparamos com depoimentos contraditórios entre si, assim no que se refere ao momento do início da relação laboral. Demonstrando-se o que se disse, por um lado as testemunhas CC – que indica o mês de abril de 2018 (minutos 3/4) – e II – referindo que teria sido antes de outubro de 2018 (quando refere que entrou, através da Autora, que já lá estava a trabalhar antes /minutos 2) e, por outro, as testemunhas DD – que reportou tal início a março de 2019, referindo que a Autora não esteve lá em 2018 e sim apenas em março de 2019 (minutos 13) –, EE – que também referiu que a Autora entrou em 2919, março de 2019 (m2) – e FF – que referiu que a Autora foi trabalhar lá em março de 2019, que essa apenas trabalhou lá cerca de dois meses (minutos 6/7). Por outro lado, importa também dizê-lo, não encontra sustentação, diversamente do que o invoca a Autora, assim nos três últimos depoimentos antes indicados, o argumento de que desses resulte que a Autora teria ingressado ao serviço da Ré em 2018, para substituir a trabalhadora GG, que se encontrava em licença de parentalidade, pois que, salvo o devido respeito, tal não é mencionado pelas referidas testemunhas.
Neste contexto, não encontramos razões para não acompanharmos o que se fez constar da citado motivação, assim que, tendo o início da relação laboral sido reportado pela Autora como tendo ocorrido em abril de 2018 na sequência de um contacto da testemunha CC, rececionista da Ré, que confirma o contacto, tendo posteriormente por sua vez a Autora contactado uma conhecida sua, II, que veio a trabalhar para a Ré em Outubro de 2018, no entanto, como aí se diz expressamente, “somente estes dois trabalhadores do hotel, amigos da A., é que se reportam à relação laboral da A. no ano de 2018”, pois que “todos os demais trabalhadores da R. se referem à A. no ano de 2019”.
Daí que importe ter presente, valendo para o caso, que neste domínio vigora o princípio da livre apreciação da prova, esse que, nas palavras de Lebre de Freitas[14], “significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova” – “Compreende-se como este princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis” –, sendo que, na sua aplicação ao caso, não encontremos afinal razões para não considerarmos que a decisão recorrida motivou e analisou, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida, não padecendo de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis, tanto mais que, como resulta do que dissemos anteriormente, essa decisão não resulta a nosso ver infirmada na alegação da Recorrente.
Na verdade, tendo por base o regime legal aplicável, há que ter presente que a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[15] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos – sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[16]).
Ao ser assim, resta-nos concluir pela improcedência do recurso nesta parte.

Ponto ii) da factualidade não provada:
“Os recibos de vencimento não eram emitidos, não obstante terem sido requeridos pela A. por mais que uma vez, assim como não foram efetuados os descontos obrigatórios para a Segurança Social”
Sustenta a Recorrente que a prova deste facto resulta das declarações de parte que prestou – Ficheiro: 20220119112214_15674075_2871520, (minutos 3:44 a 03:46, 07:07 a 14:06) –, “completamente corroboradas pelos depoimentos da testemunhas CC e II, que conjugados com as informações constantes do Doc. nº 3 junto com a petição inicial, onde se afere que a A. auferiu de um subsídio de doença deferido em 23-03-2018 e após isto apenas ficou de baixa médica, tal como relatado pela Autora, em 30/12/2018, cujo subsídio lhe foi indeferido por inexistência de contribuições para a segurança social”. Conclui que estre facto deve ser considerado provado, por apelo à “prova produzida, quer testemunhal, quer documental, quer ainda com as regras da experiência comum”.
Ora, apreciando, não se pronunciando a motivação expressamente sobre o analisado facto – podendo assim ter-se por integrado na afirmação de que “a demais factualidade dada como não provada ficou a dever-se a não ter sido realizada prova cabal acerca da verificação da mesma, designadamente não resultando dos documentos ou dos depoimentos das testemunhas analisados individual ou conjuntamente –, importa ter presente que a factualidade em reanálise está afinal diretamente relacionada com a prova dos factos que analisámos no ponto anterior, sendo que, não obtendo provimento o recurso nessa parte, assim que a relação laboral tivesse tido o seu início anteriormente a 4 de março de 2019, carece de real sentido e pois de fundamento a prova do facto que agora se aprecia, assim referente a qualquer não emissão de recibos de vencimento antes dessa data (não obstante terem sido requeridos pela Autora por mais que uma vez, assim como não foram efetuados os descontos obrigatórios para a Segurança Social).
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso nesta parte.

Pontos iii), da factualidade não provada:
“iii) Em 2 de abril de 2019 a aqui A. informou a sua entidade patronal, mais concretamente o Sr. BB, de que se encontrava grávida de 6 semanas – art 6º da PI.
iv) No imediato dia seguinte, o mesmo coagiu a aqui A. a assinar uma carta/documento em que a mesma, denunciaria por si, o Contrato de Trabalho, para dali a uns meses, quando esta mostrasse já algumas incapacidades para o desempenho da profissão, caso contrário, seria despedida de imediato – art. 7º da PI.
v) Sem alternativa e por se tratar de uma situação inesperada e face á enorme necessidade em manter o seu emprego, a mesma assinou a referida carta/documento, não tendo no entanto, ficado com cópia da mesma – art. 8º da PI.
vi) Tendo mais tarde sido requerido à aqui R., que fosse enviado á mandatária da A. a Denúncia que a mesma havia assinado, a qual não mereceu qualquer resposta por parte do Réu – art. 9º da PI:”
Defende a Autora / recorrente que estes factos devem considerar-se provados, para o que indica como prova o que diz resultar das suas declarações “(Ficheiro áudio 20220119112214_15674075_2871520, minutos 12:24 a 16:46; minuto 32:03 a 38:29)” e dos “depoimentos das testemunhas CC (ficheiro áudio 20220119141428_ 15674075_2871520, minutos 03:12 a 09:09)”, referindo, ainda, designadamente: resultar dos autos que apenas teve conhecimento do contrato de trabalho e seus termos já no decurso da ação, pelo que, a ser verdade que foi ela Autora, por sua iniciativa, “quem redigiu a Denúncia do Contrato de Trabalho, como saberia ela naquela altura que o seu contrato de trabalho era de 6 meses e findava em Setembro de 2019?” – “não tendo naquela altura conhecimento dos termos do contrato, pois que não lhe fora sequer facultada cópia do mesmo, não tinha a Autora como saber que a data aposta para a respetiva Denúncia teria de ser a de Setembro ou outra data qualquer, o que evidencia que a Autora fala com a verdade e efetivamente foi instruída/coagida a redigir a carta (em que a mesma se demitiria futuramente), conforme sempre defendeu”; com a petição inicial sob doc. nº 1, foi junta a carta de interpelação, enviada registada e com aviso de receção, em Junho de 2019 à Ré, pela mandatária da Autora a solicitar que lhe fosse enviada “Cópia do Contrato de Trabalho e eventuais renovações e ainda o documento assinado pela trabalhadora na V/ presença em início de Abril de 2019”, que se concatenado com as suas declarações claras e assertivas, em que foi instruída a assinar carta denúncia com efeitos a partir de Setembro de 2019, associado às regras de experiência comum, da lógica, em que bem sabemos que infelizmente ainda nos presentes dias, muitas são as mulheres que lhe vêm recusado emprego ou que são despedidas por se encontrarem na condição de grávida e atento que a Autora até tinha vindo substituir uma funcionária que também ela tinha estado grávida, não é, com o devido respeito, inverosímil que a Autora tenha, a partir do momento em que comunicou a sua gravidez, sido colocada na posição de ter de assinar a sua denúncia ou então seria despedida naquele imediato momento, atento que em virtude do contrato de trabalho se encontrava em vigor há apenas 1 mês, estando portanto, dentro do período experimental”.
Não obstante o recurso ser dirigido a um conjunto de factos, indicando-se também a prova a todo esse conjunto, entendemos que, ainda assim, na consideração de que se trata de factos com alguma relação, entendemos que estão reunidas condições bastantes para que possamos proceder à apreciação.
Para o efeito, constatamos que da motivação constante da sentença resulta nomeadamente o seguinte:
“(…) No que tange ao estado de gravidez da A., esta declarou que comentou com os colegas na recepção que estava receosa, pois tinha celebrado o contrato em Março, ao que todos lhe disseram que o Sr. BB compreenderia, pelo optou por lhe comunicar, ao que o gerente lhe transmitiu que passava a realizar as tarefas da copa ou da lavandaria, que seriam as tarefas mais leves. Só no dia seguinte, descreve a A., que o gerente e sua esposa lhe disseram para assinar uma carta a despedir-se dali a 6 meses por iniciativa própria.
Ainda de acordo com a descrição da A. só volvido um mês é que foi “passada para canto”.
Ora, se a A. manifestou tal receio aos colegas, então a conversa com estes teria ocorrer após 4 de março de 2019 (fls. 50 e 51), no entanto declarou a A. que quando foi à consulta da medicina do trabalho (12-3-2019 – fls. 58) não sabia que estava grávida, pois só soubera quando sofreu o aborto, a 19-4-2022 (fls. 81 verso), o que também não é compatível com o registo clínico datado de 8-4-2019 que confirma uma gravidez (fls. 81), já após o último aborto espontâneo ocorrido em fevereiro (fls. 80 verso).
Não logrou, assim, a A. demonstrar que tivesse comunicado a gravidez ao gerente da R., muito menos na data em que alega ter feito 2-4-2019. Sublinhe-se que, se mostra destituído de sentido que, tendo celebrado contrato a 4 de Março de 2019 com termo a 3 de Setembro de 2019, o gerente da R. a instasse a redigir uma carta (fls. 64) para cessar o contrato no mesmo mês em que aquele já caducaria e enquanto ainda decorria o período experimental (cfr. fls. 50 e 51). Por último, a carta endereçada pela I. Mandatária da A. solicitando à R. cópia de um “documento assinado pela trabalhadora na V. presença em Abril de 2019” (fls. 11 verso), não tem a virtude de, por si só, permitir concluir que se trata do documento de fls. 64.
Os certificados de incapacidade temporária para o trabalho juntos aos autos (fls. 58 verso e 59) cotejados com o extracto do histórico das prestações da Segurança Social de fls. 101 verso e ss, não permitem aferir que em virtude da situação de gravidez não evolutiva ocorrida a 19 de Abril de 2019 a A. tivesse permanecido 15 dias, ou outro período temporal, de baixa médica, porquanto o primeiro dos documentos se refere a assistência a familiar (KK nascida a .../.../2013) e o segundo se reporta à prorrogação por 30 dias de período de incapacidade por doença natural.
Das próprias declarações da A. se extrai que esta fazia limpezas desde o início da relação laboral, e que apenas passaria para a copa ou para a lavandaria em virtude da comunicação da gravidez, que a A. afirma ter realizado, que nessa altura foram vistas (pela própria) como sendo tarefas mais leves do que a actividade de limpeza (…).”
Tendo presente a citada motivação, assim as razões que estiveram na base da formação da convicção pelo Tribunal recorrido, incluindo a análise crítica e ponderada da prova que expressamente se refere, desde já diremos que, vistos os argumentos da Recorrente, bem como a prova em que sustenta a alteração que pretende, não consideramos que exista fundamento para concluirmos que tenha existido uma inadequada apreciação e ponderação de toda a prova produzida, repete-se, toda a prova produzida, pois que a Recorrente, baseando-se somente na prova que indica, acaba por evidenciar apenas um diverso entendimento, assim o seu, o que, sendo naturalmente legítimo, não logra porém abalar aquelas razões e fundamentos em que se alicerçou o Tribunal – assim, desde logo, também, quando se baseia no que diz resultar das suas declarações, bem como do depoimento da testemunha CC (refere ainda a testemunha II mas no corpo das alegações, quanto a estes factos, não faz indicação de registo de gravação, como ainda qualquer transcrição). É que, evidenciando as transcrições dessas declarações e depoimento referências que darão apoio à convicção defendida pela Recorrente, no entanto, como aliás o salientou o Tribunal a quo e também já o referimos antes no presente acórdão (aquando da reapreciação da alínea A) da factualidade provada e ponto i) da factualidade não provada), importa relembrar que é patente, em face do que foi referido por todas as testemunhas, quer estamos perante depoimentos em grande parte não coincidentes a respeito do acorrido, em particular, mas não só, sobre o início da relação laboral. Por outro lado, quanto aos documentos que se indicam, mais uma vez o Tribunal recorrido, através de uma sua análise crítica e conjugada, explicitou as razões por que a convicção deveria ser aquela que indicou, a respeito do que, diga-se, também não vislumbramos, vistos os documentos, que ocorra demonstração de erro no julgamento.
O que antes se referiu visa relembrar, mais uma vez, como já o dissemos, que, vigorando neste domínio o princípio da livre apreciação da prova, na sua aplicação ao caso, não encontramos razões para considerarmos que a decisão recorrida não tenha motivado e analisado, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida, toda ela repete-se, não se evidenciando que padeça de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis, sendo que, mais uma vez, como resulta do que dissemos anteriormente, essa decisão não resulta infirmada na alegação da Recorrente – quando seria exigível, o que não fez, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos.
Ao ser assim, resta-nos concluir, mais uma vez, pela improcedência do recurso também nesta parte.

Ponto xiii), da factualidade não provada
xiii) A situação de gravidez não evolutiva verificada a 19-4-2019, importou 15 dias de baixa médica – art. 21º da PI.”
Defende a Recorrente / Autora que este facto deve considerar-se provado pois que, diz, para além dos relatórios clínicos das urgências que foram juntos aos autos, em sede de reposta, resulta também do documento nº 3 junto com a petição inicial, de onde resulta claro que “esteve de baixa médica”, “por Interrupção da gravidez (aborto espontâneo como resulta dos relatórios das urgências), no período de 22-04-2019 a 06-05-2019, pelo que confirma-se assim, 15 dias de baixa médica”.
Justificando o julgado, consta da motivação, designadamente, que «os certificados de incapacidade temporária para o trabalho juntos aos autos (fls. 58 verso e 59) cotejados com o extracto do histórico das prestações da Segurança Social de fls. 101 verso e ss, não permitem aferir que em virtude da situação de gravidez não evolutiva ocorrida a 19 de Abril de 2019 a A. tivesse permanecido 15 dias, ou outro período temporal, de baixa médica, porquanto o primeiro dos documentos se refere a assistência a familiar (KK nascida a .../.../2013) e o segundo se reporta à prorrogação por 30 dias de período de incapacidade por doença natural».
Apreciando, a respeito da primeira parte do ponto que se analisa, assim que “a situação de gravidez não evolutiva verificada a 19-4-2019”, importa ter presente, a propósito dos documentos indicados pela Recorrente, o que já referimos anteriormente, assim que o Tribunal recorrido explicitou as razões por que a convicção deveria ser aquela que indicou a respeito da situação de gravidez, sendo que, estando agora em causa no facto que tenha sido essa gravidez não evolutiva verificada a 19-4-2019 que importou 15 dias de baixa médica, também não encontramos real fundamento, assim nos documentos indicados, para suportar suficientemente convicção diversa daquela a que se chegou em 1.ª instância. No entanto, apesar do que se referiu anteriormente, existe um documento dos autos, de resto junto pela Ré, assim o registo de tempo de trabalho, que nos permite dar suporte bastante à prova de que a Autora esteve de baixa médica entre 22 de abril e 6 de maio de 2019, razão pela qual, em conformidade, tal facto deve ser dado como provado.
Por decorrência do exposto, na procedência parcial do recurso nesta parte, adita-se à factualidade provada, sob a alínea E.1), o seguinte facto:
“A Autora esteve de baixa médica entre 22 de abril e 6 de maio de 2019.”

Ponto xxi), não provado:
“Em meados de Maio de 2019, a R. dirigiu á A. uma carta/documento para que esta assinasse, cujo conteúdo se prendia com a declaração da A. a indicar que abdicava de trabalhar os feriados, situação perante a qual a A. anuiu, em virtude de todo o mal estar existente e não querendo levantar problemas junto da R. – arts. 35º e 36º da PI”
Sustenta a Recorrente que este facto devia ser considerado provado, “na medida em que resulta dos autos a própria missiva que a Ré enviou à Autora, assim como do próprio depoimento de parte do Réu (ficheiro áudio 20220119104138_ 15674075_2871520, (minutos 30:47 a 32:14); bem como das declarações de parte da Autora, que comprovam que a Ré enviou em Maio de 2019 uma carta à Autora, indicando-lhe que a mesma estaria dispensada de prestar serviço nos feriados 10, 20 e 24 de Junho de 2019 e 15 de Agosto de 2019 – vide doc. nº 10 da Contestação, e reproduzido nas motivações”.
Apreciando, em face do documento a que se alude, de resto junto aos autos pela Ré, sem dúvidas que se justifica que o teor desse documento deva ser considerado, mas tão só, diga-se, pois que, quanto ao mais, na consideração também da prova indicada pela Recorrente, assim o que diz ter resultado das declarações prestadas pelo legal representante da Ré / recorrida, dessas nada ressalta a respeito das motivações a que se alude no ponto aqui em reanálise – o que tal representante referiu foi que estavam com uma taxa de ocupação muito elevada e que tinha de ter a certeza das pessoas que estavam em absoluto de corpo e alma para trabalhar, e que como a Autora estava numa fase de faltas intermitentes, com baixas médicas, para poder organizar o trabalho e para poder notificar as outras colaboradoras, para virem trabalhar nesses determinados feriados, logicamente que preferiu prescindir do trabalho daquela, ficando com a ideia ciente que nesses dias ela de certeza que não viria, no sentido de poder convocar as outras para virem trabalhar nesses feriados.
Por decorrência do exposto, procedendo em parte o recurso quanto a este ponto, adita-se à factualidade provada, sob a alínea E.2), o seguinte facto:
A Ré enviou à Autora, em 27 de maio de 2019, carta, transmitindo-lhe que se encontrava “totalmente dispensada de prestar trabalho nos feriados de 10, 20 e 24 de junho e de 15 de agosto de 2019.

Ponto xxii), não provado:
“xxii) A A. desempenhou trabalho nos seguintes feriados: 25 de Abril de 2018; 1 Janeiro de 2019; 1 de Maio de 2018; 1 de Maio de 2019; 31 de Maio de 2018; 10 de Junho de 2018; 15 de Agosto de 2018; 5 de Outubro de 2018; 1 Novembro de 2018; 8 de Dezembro de 2018 – art. 1º da PI aperfeiçoada.”
Refere a Recorrente, quanto à prova deste facto, que o mesmo está diretamente relacionado com a prova e fundamentos apresentados antes quanto à sua admissão ao serviço da Ré em 4 de Março de 2018 e que, “concatenada com a carta que a Ré enviou em Maio de 2019 a prescindir dos seus serviços nos feriados, forçoso seria concluir, que a contrario, se nada a Ré dissesse à Autora relativamente aos feriados, esta estaria automaticamente obrigada a trabalhar naqueles feriados”, pelo que, diz, socorrendo-nos ainda das declarações de parte da Autora e das testemunhas arroladas, quer da Autora quer da Ré, se concluiu que os feriados são todos trabalhados sem exceção e não são pagos – indicando as suas declarações de parte e os depoimentos das testemunhas CC, DD, FF e JJ.
Apreciando, como aliás a própria Recorrente o reconhece, a prova deste facto não pode ser dissociada, por estar com essa direta e necessariamente relacionada, com a prova dos factos que já antes analisámos, assim referente ao momento do início da relação laboral, sendo que, como então se concluiu, não obteve o recurso provimento nessa parte, assim que a relação laboral tivesse tido o seu início anteriormente a 4 de março de 2019, do que decorre, pois, que, por falta desse pressuposto necessário, careça de real sentido e pois de fundamento a prova do facto que agora se aprecia referente a dias anteriores ao momento que se considerou como sendo o do início da relação laboral – assim os dias 25 de abril de 2018, 1 de janeiro de 2019, 1 de maio de 2018, 31 de maio de 2018, 10 de junho de 2018, 15 de agosto de 2018, 5 de outubro de 2018, 1 de novembro de 2018 e 8 de dezembro de 2018 –, sendo que, quanto ao único dia que resta, assim o de 1 de maio de 2019, valendo o que consta da motivação da sentença a respeito do “confronto com o registo do tempo de trabalho de fls. 131ss, que não foram abalados por outro meio de prova”, não se extrai, assim dos depoimentos que indica, sustentação para a prova do facto, importando aliás realçar que é a própria Recorrente quem retira qualquer sustentação quanto a ter trabalhado nesse dia, assim quando dirigiu o recurso ao ponto xiii), da factualidade não provada –“A situação de gravidez não evolutiva verificada a 19-4-2019, importou 15 dias de baixa médica”.
Em face do exposto, improcede o recurso também nesta parte.

Ponto xxiii) e xxiv, não provados:
- “No ano de 2018 a A. trabalhou 39 dias de folga aos domingos que não foram compensados – art. 9º da PI aperfeiçoada”
- “No ano de 2019 a A. trabalhou 19 dias de folgas aos domingos que não foram compensados - art. 12º da PI aperfeiçoada.”
Defende a Recorrente, por último, que, “alicerçados no facto de a nosso ver, estar dado como provado que a Autora deu entrada ao serviço da Ré em Março de 2018 e, conjugado com os testemunhos em que afirmam todos, sem exceção, que o horário laboral compreendia 8h diárias, das 8h às 16h, com um gozo de uma folga e meia semanal, se conclui que, a Autora trabalhava mais de 40H semanais e que as folgas trabalhadas aos Domingos, não lhe eram pagas nem compensadas – a este propósito atentemos nas Declarações de Parte da Autora, gravado em Ficheiro áudio 20220119112214_15674075_2871520, minutos 3:03 a 3:46 ); no depoimento da testemunha arrolada pela Ré, D. EE, conforme depoimento gravado ficheiro áudio: 20220119153104_15674075_2871520, (minutos 12:37 a 13:47); no depoimento, gravado no ficheiro áudio 20220210141705_15674075_2871520 da testemunha - II (minutos 06:47 a 06:58) –, devendo assim, estes factos terem sido considerados provados”.
Apreciando, diremos que valem quanto a estes pontos as considerações que fizemos quanto ao ponto anterior, assim que, não obtendo o recurso provimento quanto ao facto de a relação laboral ter tido o seu início anteriormente a 4 de março de 2019, por falta desse pressuposto necessário, carece de real sentido e pois de fundamento a prova do facto que agora se aprecia, referente a dias anteriores ao momento que se considerou como sendo o do início da relação laboral, sendo que, no mais, em face do que consta da motivação da sentença a respeito do “confronto com o registo do tempo de trabalho de fls. 131ss, que não foram abalados por outro meio de prova”, se nos imporá concluir pela não prova, pois que os elementos de prova indicados no recurso não dá adequado suporte.
Daí que, sem necessidade de outras considerações, o recurso improceda também nesta parte.

3. Dizendo de Direito
Apresentando ambas as partes recurso, de seguida procederemos à respetiva apreciação, pela ordem da respetiva entrada em juízo.

3.1. Recurso da Ré
3.1.1. Natureza do contrato e sua validade
Breve enquadramento:
Tendo sido o contrato objeto dos autos celebrado no âmbito da sua vigência, é aplicável o Código do Trabalho de 2009 (doravante CT), assim o regime nesse estabelecido, no que ao caso importa a respeito dos requisitos de validade formal para a celebração de contrato de trabalho a termo – que, diga-se, são no essencial similares ao que já constava do CT/2003.
Como aliás resulta da decisão recorrida, a contratação a termo tem no nosso ordenamento jurídico natureza excecional – como tinha anteriormente, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do Código do Trabalho de 2003 –, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: um primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações previstas no artigo 141.º, n.º 1, do CT, entre as quais, no que aqui poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado; um segundo requisito, este de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no artigo 140.º do CT/2009, entre as quais se conta, no que ao caso importa, o “Acréscimo excepcional de actividade da empresa” (alínea f), do seu n.º 1).
Também como é consabido, a lei atribui à inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, a consequência de que o contrato de trabalho celebrado a termo seja considerado como sem termo (artigo 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT/2009), sendo que, a propósito, importa também salientar que a fundamentação formal do contrato se constitui como formalidade de natureza ad substantiam, o que é reconhecido face a ratio que a ela preside, assim a de permitir que possam ser sindicadas as razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo[17].
A respeito da exigida menção do motivo justificativo no contrato, porque melhor não o faríamos, socorrendo-nos do que a esse respeito se fez constar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017[18], pelo que diremos também, seguindo esse Aresto, que essa menção do motivo deve ser feita “com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3”, visando-se como este requisito “um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[1] – …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”. Daí que, como mais uma vez se refere no citado Acórdão, ocorra “a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c)”, para depois aí se concluir, no que ao caso importa, como veremos mais tarde, “que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato” – “Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º”.
Do exposto decorre que qualquer contrato a termo em que não seja mencionado o motivo que o justifica, do modo antes indicado para dar cumprimento aos termos prescritos na lei, deva ser considerado sem termo – sendo absolutamente irrelevantes, avance-se desde já também, os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial, assim como irrelevante será, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo –, pelo que, ainda em conformidade, apenas o motivo justificativo que é invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo também irrelevante que, caso ele não se prove, outro motivo possa existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação – ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo.

O Direito aplicado ao caso:
Importando descer ao caso concreto que se decide, percebendo-se que estará a defender que a sentença recorrida teria violado designadamente o disposto no artigo 140.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), do CT, pelo que deve ser revogada, sustenta a Ré / recorrente como argumentos, nas suas conclusões, com relevância, neste âmbito, o seguinte:
- Tendo o tribunal recorrido entendido que o contrato de trabalho se encontrava mal fundamentado, não poderia ignorar “que no ano de 2019, a cidade do Porto, e a hotelaria em Portugal, vivia um período verdadeiramente excepcional, um verdadeiro fervilhar de actividade com a chegada de imensos turistas, que levou a R. a considerar o acréscimo excepcional e transitório da actividade do seu estabelecimento, tendo sido essa, a verdadeira justificação do contrato de trabalho (alínea f) do art.º 140.º do CT)” – “as actividades de hotelaria, centralizadas na chamada “época alta”, que é inequivocamente uma época sazonal, por si só, permite a sua integração na previsão da alínea e) do art.º 140.º do CT), mas a formulação da Lei é muito restritiva impondo a sua aplicação a períodos de contratação mais curtos, como são as actividades agrícolas – colheitas, vindimas, ou contratos de trabalho ligados a obras/empreitadas de construção civil, etc.; “A aplicação do direito, das normas jurídicas, deve acompanhar a evolução dos tempos. O direito faz-se “in constituendo”. O legislador, quando previu a norma do artigo 140.º do CT, não conseguiu especificar, por exemplo, a novidade do incremento e natureza temporária da actividade turística, que, anos depois, veio a tornar-se, uma realidade em Portugal. Por isso, ela não figura no elenco das actividades que a norma consagra na alínea f) do art.º 140.º do CT”; “a abordagem técnica jurídica efectuada pelos agentes sociais, pelos Tribunais, pela doutrina, e pela jurisprudência, não pode, assim, ficar refém da realidade existente ao tempo em que a norma foi criada. Os Tribunais devem adaptar as suas decisões à evolução da sociedade, às novas formas de esta se organizar, adaptando as normas de acordo com o direito”; “A justificação legal estava implícita na formulação do contrato, e na forma como ficou redigido, integrando por isso a formalidade “ad substancium” a que a jurisprudência se refere para a validação e conformidade do contrato face à Lei”; “O tribunal “a quo” não estava, portanto, perante uma situação dúbia quanto à fundamentação que o dito Doc. 1 traduzia. Antes, tinha perante si todos os elementos que lhe permitiam aferir da correcta justificação do contrato de trabalho sub-judice”; “No presente processo, o tribunal “a quo”, simplificou a sua análise, e preferiu avançar na defesa do princípio da segurança no emprego consagrado no art.º 53.º da CRP, o que nunca esteve em causa, e sustentou a sua decisão no Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1992/15.0T8FNC-L1-4., no qual a discussão se centrava num contrato celebrado para o exercício de uma actividade comercial, sendo a que a fundamentação para a contratação, se sustentava na alínea c) do Art.º 141.º do CT, envolvendo a contratação de trabalhador/a desempregada de longa duração”; “A justificação do contrato, não sendo vaga e indefinida, não impediu a A. de entender/compreender o alcance do contrato que subscreveu, pelo que, sempre com o devido respeito por opinião contrária, a R. justificou a formalização do contrato de “maneira suficientemente definida e percetível”, “possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal”; “A douta decisão recorrida, que entendemos como hermética e simplista, em vez e ter aferido da existência ou inexistência de uma realidade factual concreta e verdadeira, para discernir sobre a licitude ou ilicitude do motivo justificador da aposição do termo, e a inerente possibilidade ou impossibilidade de acompanhamento, da percepção exacta, e objectiva compreensão da trabalhadora do motivo invocado pela R. (alínea f) do artigo 140.º do CT. - Acréscimo excepcional de actividade da empresa), na nossa modesta opinião, não o entendeu devidamente”;
- Concluindo a sentença que a carta que dirigiu à Autora (em 18 de Julho de 2019), “com respeito pelos prazos legais, não constituía o meio legal para pôr fim ao contrato, pelo que o “despedimento” seria considerado ilícito, porque não precedido do correspondente procedimento disciplinar, nem suportado em qualquer conduta culposa, ilícita e grave da trabalhadora - cfr. Artigos 340º, 344º, 351º a 358º, 381º, 382º,387º, 389º a 392.º do Código do Trabalho (citamos)”, diz a Recorrente que .o tribunal, “ao não ter feito uma análise mais cuidada do contrato de trabalho celebrado entre as partes, ao não o enquadrar numa realidade jurídica e social vivida no momento em que foi celebrado”, “fez uma errada análise dos elementos de que dispunha, pelo que a sua decisão não pode ser acolhida, por exagerada, e não conforme com a boa aplicação da justiça, pelo que ora se pugna pela revogação de tal decisão em sede do presente recurso”.
Conclui que a sentença deve ser alterada de forma; a “validar o contrato de trabalho celebrado entre as partes em 04.03.2019 como um contrato de trabalho a termo certo resolutivo, porque este integra todos os requisitos que lhe são exigíveis pelo artigo 140.º do CT, e a sua justificação estar de acordo com a especificidade da actividade da indústria hoteleira, e com as circunstâncias em que a mesma operava no ano de 2019”; a “anular a parte em que concluiu pela ilicitude do despedimento, e decidiu pelo pagamento retribuições que a A. teria deixado de auferir, desde a data da propositura da ação até ao seu trânsito em julgado, já que a A. declarou em audiência que se encontrava a trabalhar, pelo que, naturalmente não lhe pode corresponder um pagamento por uma actividade profissional que não exerceu na relação com a Recorrente, por se encontrar ao serviço de outrem”. “Em alternativa, e sempre mantendo a matéria de facto provada e não provada, a douta Sentença deverá ser substituída por decisão que valide a rescisão unilateral do contrato de trabalho com data efeito para o dia 01 de Setembro de 2019, e, consequentemente, absolver a R. de todos os pedidos”.
Defendendo a Autora a improcedência do recurso, de seguida procederemos à apreciação das questões que nos são colocadas.
Da sentença recorrida fez-se constar, neste âmbito, o seguinte:
“O contrato de trabalho a termo resolutivo está sujeito a forma escrita, atento o disposto no Art.º 141º do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2 [de ora em diante, apenas, CT/2009] e deverá conter a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, como decorre da alínea e) do nº1 do citado preceito.
Para o efeito, segundo prescreve o nº 3 do art. 141º do CT/2009, a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Daí que se considere contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, bem como as referências exigidas no nº 1 do art. 141º - cfr. art. 147º, nº1 c), do CT/2009.
Como é sabido, o contrato a termo - por oposição ao contrato de trabalho por tempo indeterminado - assume natureza excepcional, só podendo ser celebrado nas hipóteses legalmente previstas. Na verdade, o artigo 140º do CT/2009, à semelhança do que já acontecia no CT/2003, instituiu um sistema misto de cláusula geral e enumeração exemplificativa.
Há, assim, que justificar sempre o recurso a tal tipo de contratação, cabendo tal ónus à entidade empregadora, como decorre do disposto no art. 140º, nº5 do CT/2009. Tal repartição do ónus da prova funda-se na desvantagem que a empregadora terá que suportar caso não justifique o recurso à contratação a termo, qual seja, ver o contrato a termo convertido em contrato por tempo indeterminado.
O princípio da segurança no emprego, com assento no art. 53º da Constituição da República Portuguesa, proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Constitui, assim, emanação deste princípio a necessidade de motivo justificativo para que se possa lançar mão da contratação a termo, que por definição conduz a um vínculo precário ou temporário. Neste sentido pode ler-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, pág. 711.
Por outro lado, como já se referiu, a justificação deverá constar do contrato escrito - formalidade ad substantiam - e deve enunciar os factos concretos que a integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Acresce que a falta de concretização do motivo justificativo, seja pelo recurso às fórmulas legais contidas nas várias alíneas do artigo 140º do CT/2009, seja pelo recurso a expressões vagas, genéricas ou imprecisas, não pode ser suprida pela eventual alegação posterior dos factos pertinentes, mormente em sede de acção judicial, o que constitui emanação do carácter ad substantiam daquela formalidade.
Em suma, mostra-se actualmente pacífico que na estipulação do termo se deve indicar concretamente os factos que o integram, o respectivo prazo e o nexo de causalidade entre uns e outro, pois só assim se poderá verificar se está ou não justificado o recurso ao contrato de trabalho a termo, que é excepcional.
De sublinhar ainda que «cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo» - art. 140º, nº 5 do CT/2009.
Descendo ao caso vertente, resulta da factualidade assente que a A. foi admitida ao serviço da R. no dia 4 de Março de 2019, mediante assinatura do “contrato de trabalho a termo certo”, com início no dia 4-3-2019 e termo no dia 3-9-2019, com “duração de 6 meses, renovando-se automaticamente, no silêncio das partes, por igual período por mais duas vezes”. (…) “A contratação (…) destina-se a satisfazer uma necessidade temporária da empresa originada pelo acréscimo excepcional e transitório da sua actividade, tendo em conta, com carácter temporário e cuja duração não se prevê ao período fixado na cláusula
”.
Do acervo factual se extrai que o contrato em causa, não obstante a alegação genérica alusiva ao acréscimo excepcional e transitório de actividade, não contém qualquer facto concreto susceptível de integrar o termo aposto, pelo que se conclui pela invalidade do termo.
Neste sentido colhemos o ensinamento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 04-05-2016, proferido no processo 1992/15.0T8FNC.L1-4, in www.dgsi.pt:O motivo justificativo da aposição do termo neste tipo negocial não se pode limitar a transcrever secamente uma das alíneas dos números 2 ou 4 do artigo 140.º do atual Código do Trabalho, sob pena de o mesmo se converter em contrato por tempo indeterminado (artigo 147.º, número 1, alínea c)). Tal motivo, se não pode ser tão vago e indefinido que impeça o trabalhador e, depois, a ACT e o tribunal de trabalho, de compreender e fiscalizar, devida e efetivamente, as razões em que se radica a necessidade de firmar um tal contrato, também não reclama que o empregador escreva e descreva o motivo explicativo com o máximo de detalhe ou pormenor que, materialmente, lhe for possível, bastando-lhe fazê-lo de maneira a que se ache suficientemente definida e percetível a situação de facto real e concreta que reclama a celebração do contrato de trabalho a termo certo em questão, possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal.”
Em suma, estamos perante um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre a Autora e a Ré em 4-4-2019, cumprindo aferir da causa da sua cessação. (…)”
Apreciando,
Por referência à citada fundamentação, desde já adiantamos que, salvo o devido respeito pela divergência manifestada pela Apelante / ré no presente recurso, aquela fundamentação e decisão acompanhamos, sendo que, assim o entendemos também, a mesma não careceria sequer, para justificar o julgado, na nossa ótica, de maiores considerações.
Sempre acrescentaremos, não obstante, o seguinte:
A divergência da Recorrente parece assentar na afirmação Tribunal a quo de que o motivo da contratação que se fez constar não se encontra suficientemente concretizado em termos fácticos de modo a que se possa concluir, com segurança, pela necessidade da contratação a termo.
Mas sem razão, assim o consideramos também.
É que, sendo exigido que a indicação desse motivo seja feita de forma suficientemente circunstanciada[19], sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140.º do CT/2009, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, tal exigência não temos por cumprida no caso, pois que, diversamente do que sustenta a Recorrente, também consideramos que o que se fez constar do contrato, assim, apenas, que “a contratação (…) destina-se a satisfazer uma necessidade temporária da empresa originada pelo acréscimo excepcional e transitório da sua actividade, tendo em conta, com carácter temporário e cuja duração não se prevê ao período fixado na cláusula 1ª”, não evidencia, como o refere o Tribunal a quo, que acréscimo excecional e transitório da sua atividade ocorreu no caso que motivasse a celebração do contrato de trabalho a termo – mais uma vez no que ao caso importa, do que resulta expressamente do contrato, apenas encontramos a mera referência à previsão legal, sem qualquer concretização, seja em termos de se justificar qual seria o acréscimo excecional e extraordinário que estivesse efetivamente subjacente à aplicação da norma que se invoca, de modo a que se conseguisse perceber por que razão esse contrato e já agora por quanto tempo imporia aquele acréscimo.
Trata-se, pois, como bem o disse o Tribunal recorrido, de uma indicação insuficiente, pois que não permite alcançar a razão de ser do estipulado um prazo, ao não estar suficientemente concretizado que aumento de necessidades se verificaram. Ou seja, estamos perante uma referência genérica a um aumento de atividade, por não estar devidamente concretizada em termos de se poder dizer que fosse pontual, sendo que, com salvaguarda do respeito devido, carecem assim de real fundamento legal os argumentos da Recorrente em contrário, esclarecendo-se também, por último, que sequer se percebe a invocação que faz sobre uma qualquer falta de enquadramento do contrato de trabalho celebrado entre as partes “numa realidade jurídica e social vivida no momento em que foi celebrado”, pois que, afinal, no que ao caso importa, assim a respeito das exigências legais estabelecidas para este tipo de contratação, em que se inclui também a que se fez constar do contrato, de modo algum se pode considerar que essas estariam afastadas.
De resto, relembrando-se o que já referimos anteriormente, quanto aos argumentos que são invocados na ação ou neste recurso, mas que extravasam o que se fez constar do contrato, importa reafirmar que qualquer contrato a termo em que não seja mencionado o motivo que o justifica, do modo antes indicado para dar cumprimento aos termos prescritos na lei, deva ser considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes, também, os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial, assim como irrelevante será, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo – apenas o motivo justificativo que é invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo também irrelevante que, caso ele não se prove, outro motivo possa existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação, pois que, ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo.
Assim, sem necessidade de outras considerações, porque as referências ao motivo justificativo da contratação da Autora com termo certo são insuficientes, concluímos, tal como o Tribunal a quo, que o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré se considera sem termo, não nos merecendo assim censura a decisão recorrida.
Em face do exposto, resta-nos concluir, claudicando os argumentos da Recorrente / ré, pela improcedência do presente recurso.

3.1.2. Questão da causa da cessação da relação laboral
Quanto a esta questão, invoca a Recorrente / ré que, concluindo a sentença que a carta que dirigiu à Autora (em 18 de Julho de 2019), “com respeito pelos prazos legais, não constituía o meio legal para pôr fim ao contrato, pelo que o “despedimento” seria considerado ilícito, porque não precedido do correspondente procedimento disciplinar, nem suportado em qualquer conduta culposa, ilícita e grave da trabalhadora - cfr. Artigos 340º, 344º, 351º a 358º, 381º, 382º,387º, 389º a 392.º do Código do Trabalho (citamos)”, no entanto, diz, o tribunal, “ao não ter feito uma análise mais cuidada do contrato de trabalho celebrado entre as partes, ao não o enquadrar numa realidade jurídica e social vivida no momento em que foi celebrado”, “fez uma errada análise dos elementos de que dispunha, pelo que a sua decisão não pode ser acolhida, por exagerada, e não conforme com a boa aplicação da justiça, pelo que ora se pugna pela revogação de tal decisão em sede do presente recurso”.
Conclui que deve ser anulada a parte da sentença “em que concluiu pela ilicitude do despedimento”, ou, em alternativa, e sempre mantendo a matéria de facto provada e não provada, que aquela deverá “ser substituída por decisão que valide a rescisão unilateral do contrato de trabalho com data efeito para o dia 01 de Setembro de 2019, e, consequentemente, absolver a R. de todos os pedidos”.
Defendendo a Apelada a improcedência do recurso quanto a esta questão, cumprindo-nos apreciar, mais uma vez diremos que não nos merece reparo a solução a que se chegou na sentença nesta parte, assim quando se fez constar que, resultando provado que a Ré “dirigiu uma carta registada com AR no dia 18 de Julho de 2019, que foi recebida pela A., avisando-a que não iria renovar o contrato de trabalho na data do seu termo em 3 de Setembro de 2019”, porque “a caducidade invocada pela R. não constitui meio legal de pôr um fim ao contrato de trabalho por tempo indeterminado que vigorava entre as partes”, essa comunicação configura, “nessa medida, um despedimento ilícito, porque não precedido do correspondente procedimento disciplinar, nem suportado em qualquer conduta culposa, ilícita e grave da trabalhadora - cfr. artigos 340º, 344º, 351º a 358º, 381º, 382º, 387º, 389º a 392º do Código do Trabalho de 2009.”
Na verdade, com salvaguarda do respeito devido, carecem na nossa ótica, mais uma vez, de real fundamento legal os argumentos da Recorrente em contrário, sendo que, importa tê-lo presente, extravasam aliás o quadro factual provado a respeito do pedido alternativo que formula – “decisão que valide a rescisão unilateral do contrato de trabalho com data efeito para o dia 01 de Setembro de 2019” –, carecendo assim nesta parte de qualquer suporte.
É que, a comunicação, constante da carta enviada pela Ré / recorrente à Autora, de que “não iria renovar o contrato de trabalho na data do seu termo em 3 de Setembro de 2019”, que tinha subjacente a caducidade de um contrato a termo validamente celebrado, porque este contrato, ao ser ilegal, foi considerado sem prazo, desaparecendo assim o único fundamento invocado que poderia fundar tal comunicação da Ré, estando claramente em causa uma manifestação de vontade da mesma em fazer cessar a relação laboral, tal traduz-se, na falta de validade daquela única invocação, num modo ilegal de fazer cessar tal relação laboral, como o refere o Tribunal recorrido.
Deste modo, claudicando todos os argumentos avançados pela Recorrente, sem necessidade de maiores considerações, o recurso terá de improceder também nesta parte.

3.1.3. Demais questões
Em face das conclusões, percebe-se que a Ré / recorrente, baseando-se aliás também em pressupostos de facto de que partiu – assim em termos de alteração da matéria de facto, mas que não logrou alcançar nos termos antes decididos no presente acórdão –, defende que, tendo-se decidido pelo pagamento das retribuições que a Autora teria deixado de auferir desde a data da propositura da ação até ao seu trânsito em julgado, não se teve em conta, diz, que a Autora “declarou em audiência que se encontrava a trabalhar, pelo que, naturalmente não lhe pode corresponder um pagamento por uma actividade profissional que não exerceu na relação com a Recorrente, por se encontrar ao serviço de outrem”, como ainda, antes, assim em conclusões anteriores, outras razões.
Ora, em primeiro lugar, importa relembrar, desde já, o que já dissemos antes em sede de pronúncia sobre nulidades invocadas e que, porque relevante, repetimos aqui de novo, agora para efeitos de conhecimento do mérito.
Assim, por um lado, que, a respeito da condenação nas designadas retribuições intercalares, constando pronúncia expressa na sentença – assim que, com base no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho “o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal deduzindo-se o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento”, e que, “no caso, “foi a A. despedida a 3 de Setembro de 2019, sendo que a acção foi proposta no dia 2-3-2020”, tendo assim essa direito “às retribuições que deixou de auferir, desde 2-2-2020 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego que entretanto haja recebido” –, importa então agora ter presente, como então se disse também, a respeito da apreciação do mérito, que não logrou a Recorrente alcançar qualquer alteração do quadro factual provado, esse que conforma a aplicação do direito, por razões que só à mesma podem ser imputadas e que levaram à rejeição do recurso na parte dirigida à alteração da matéria de facto. Por outro lado, a respeito dos argumentos baseados numa qualquer afetação do normal curso dos autos pelos efeitos da pandemia Covid-19, mesmo esquecendo-se, como também já se disse, que estamos no essencial perante questão nova apenas invocada em sede recursiva, a verdade é que, pois que a Recorrente o não indica, não se encontra qual seria a base legal que imporia que se tivesse de considerar na sentença essas razões, para os efeitos que se pretendem, tanto mais que, como certamente é do conhecimento da Recorrente, aplicando-se tais razões em geral, e assim no caso a ambas as partes, um qualquer protelamento que possa ter havido da decisão final, como afinal pode ocorrer em face de outras razões, na falta de previsão legal que o considere, não afasta a aplicação da norma legal chamada à aplicação.
Aliás, a respeito de não consideração de eventuais deduções que se incluam na previsão da alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º, a própria sentença, muito embora em nota de rodapé, ao fazer-se referência ao Acórdão desta Secção de “28-11-2011, in www.dgsi.pt, acaba por dar resposta, ao citar-se, desse, a afirmação de que “as deduções a que aludem as alíneas b) e c) do referido artigo (ao contrário das deduções da al. a) são de conhecimento oficioso, em face da natureza dos interesses em causa”.
Por decorrência do exposto, em face dos argumentos invocados, mas que não logram obter sustentação, improcede o recurso também nesta parte.

3.2. Recurso da Autora
Em face das conclusões que apresentou, que delimitam o objeto do recurso, torna-se evidente que a Autora / recorrente, assenta os todos os argumentos que apresentou na alteração da matéria de facto por que pugnou, mas que, nos termos antes analisados, não logrou no essencial alcançar, sendo que, excluídas as conclusões dirigiras a essa alteração do quadro factual provado, sequer cuidou de avançar com efetivos argumentos jurídicos tendentes a infirmar a aplicação do direito constante da sentença, limitando-se no final a concluir que deve ser concedido provimento ao recurso, e ser a sentença alterada, devendo: Considerar-se a existência de um Contrato de Trabalho sem termo, por invalidade da aposição do mesmo, mas com data de efeito a 4 de Abril de 2018; Considerar o despedimento da A., despedimento ilícito, por inobservância das formalidades legais e consequentemente ser condenada ao pagamento de indemnização por despedimento ilícito, nos termos peticionados; Ser a R. Condenada ao pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal não retribuídos no tempo de serviço prestado; Ser a R. Condenada ao pagamento das quantias peticionadas a título de Trabalho suplementar, feriados e horas de formação não ministrada, nos termos do peticionado em sede de petição inicial e ampliação de pedido.
O que se referiu anteriormente visa evidenciar, visto o teor da sentença, que não cuidou a Recorrente, nomeadamente para o caso de não lograr alcançar a alteração da matéria de facto por que pugnou quanto aos pressupostos de facto de que parte, de dirigir àquela sentença, nessa eventualidade, no que à aplicação do direito diz respeito, qualquer efetivo argumento jurídico tendente a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra – no caso aquela que menciona na supra mencionada conclusão.
Como é comummente afirmado, impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Do exposto resulta que o recurso improcede necessariamente no âmbito da aplicação do direito.

Cada uma das Recorrentes é responsável pelas custas do recurso que interpôs (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC –, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto;
1. Rejeitando-o na parte dirigida à matéria de facto, em declarar no mais improcedente o recurso interposto pela Ré;
2. Procedendo parcialmente na parte dirigida à matéria de facto, em declarar no mais improcedente o recurso interposto pela Autora.

Custas de cada um dos recursos pela respetiva Recorrente.

Porto, 7 de novembro de 2022
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] In www.dgsi.pt
[2] In www.dgsi.pt
[3] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56.
[4] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[6] Op. cit., p. 235/236
[7] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[8] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[9] www.dgsi.pt
[10] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[11] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[12] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[13] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt.
[14] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196
[15] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[16] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[17] Entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 – Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt.:
“(…) Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]
[18] Já antes identificado.
[19] De modo a permitir, afinal, precisamente o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[19], sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140º do CT, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo - veja-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 599.