Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1507/18.9T8VLG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSÁVEIS
INTERVENÇÃO
TERCEIROS
Nº do Documento: RP201911181507/18.9T8VLG-B.P1
Data do Acordão: 11/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Na acção especial emergente de acidente de trabalho apenas poderão intervir as entidades que poderão ser responsabilizadas, perante o sinistrado/beneficiários legais, pela reparação prevista na Lei 98/2009, mormente, o empregador e/ou a respectiva seguradora e, no caso previsto no art. 18º, nº 1, da mesma, as aí mencionadas (e respectivas seguradoras).
II - Assim, nela não poderá intervir terceiro alheio à relação jurídico-laboral ainda que eventualmente responsável pelo evento naturalístico que deu causa ao acidente.
III - Deste modo, é de indeferir a intervenção requerida pela Ré empregadora, ao abrigo do art. 129º, nº 1, al. b), do CPT, de sociedade terceira, sem qualquer relação com a relação jurídico laboral existente entre a Ré empregadora e o sinistrado, nem se enquadrando em nenhuma da entidades referidas no art. 18º, nº 1, da LAT, mas que, segundo aquela, seria responsável pelo evento naturalístico que deu causa ao acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1507/18.9TTVLG-B.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1140)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, B…, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo [1], na qualidade de beneficiária legal do direito à reparação emergente de acidente de trabalho mortal de que foi vítima seu marido, C…, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, veio apresentar petição inicial contra “D…, UNIPESSOAL, LDA” [assim designada na p.i., sendo todavia, na contestação apresentada por essa Ré, designada como “E…, Unipessoal, Ldª”] e F… – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., tendo formulado o seguinte pedido:
“1) A 1ª Ré condenada a pagar à Autora, a título de danos não patrimoniais emergentes de responsabilidade civil por facto culposo a quantia global de €50.000,00, correspondendo € 10.000,00 pelo danos próprios da Autora e a quantia de € 40.000,00 pelo danos próprios da vitima falecida.
2) A 1ª Ré condenada a pagar à Autora, a título de agravamento da responsabilidade por violação (e/ou culposa) das regras de segurança por parte da 1ª Ré ou do seu representante:
a) Pensão anual e vitalícia, atualizada anualmente no valor de € 9.540,02, correspondente ao valor da retribuição anual do sinistrado, calculada nos termos do artigo 18, nºs 1, 4, al. a) da Lei 98/2009 de 04 de setembro;
b) a quantia de € 5.661,48, relativa a subsídio por morte, calculado de acordo com o disposto no artigo 65º, nº 1 e 2, al. a) da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
c) a quantia de € 1.546,75 relativa a despesas que realizou e pagou com o funeral do sinistrado, de acordo com o disposto no artigo 66º, nº 2 da Lei 98/2009, de 04 de setembro;
d) a quantia de € 15,00, a titulo de despesas de deslocação obrigatória a este Tribunal.
Caso assim não se entenda, a não existir responsabilidade agravada da ora 1ª Ré, 3) A 1ª Ré e a 2ª Ré, solidariamente, condenadas a pagar à Autora, por responsabilidade legal na reparação do acidente de trabalho:
a) Pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no valor de € 2.862,01, devida a partir de 28/07/218, calculada com base na retribuição ilíquida auferida pelo sinistrado à data do acidente e a percentagem de 30% legalmente atribuída à viúva (cônjuge), de acordo com o disposto nos artigos 59º, nº 1 al. a), artº 71º e nº 1 do artigo 75º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
b) a quantia de € 5.661,48, relativa a subsídio por morte, calculado de acordo com o disposto no artigo 65º, nº 1 e 2, al. a) da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
c) a quantia de € 1.546,75 relativa a despesas que realizou e pagou com o funeral do sinistrado, de acordo com o disposto no artigo 66º, nº 2 da Lei 98/2009, de 04 de setembro;
d) a quantia de € 15,00, a titulo de despesas de deslocação obrigatória a este Tribunal.
4) Quantias (todas) acrescidas de juros vencidos e vincendos, contados desde o dia seguinte à morte, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.”.
Para tanto, alegou em síntese que: era casada com o sinistrado acima referido, o qual, aos 27.07.2018 foi vítima de um acidente de trabalho, de que lhe resultou a morte, quando trabalhava sob as ordens da 1ª Ré, em obra levada a cabo por esta; para a execução da mesma, a 1ª Ré encomendou em Espanha, uma quantidade de 8.000 m2 “tela asfáltica”; as referidas telas, que foram deixadas no local da obra, tiveram, pelas razões que invoca e por ordem da 1ª Ré, que ser transportadas para o armazém desta, operação esta na qual participaram G…, sócio gerente da 1ª Ré, H… e o sinistrado; quando se procedia ao seu armazenamento, pelo menos uma das paletes que já se encontrava empilhada em sobreposição de outra, cedeu, caindo múltiplos rolos de tela sobre o corpo do sinistrado, o que lhe causou lesões determinantes da sua morte ocorrida nesse dia; o acidente só ocorreu por, face às razões que invoca, não terem sido respeitadas, minimamente, as normas de segurança e saúde no planeamento de execução da obra (DL 273/2003, de 29 de outubro), as normas de segurança e saúde na utilização de equipamentos de trabalho (DL 50/2005, de 25 de fevereiro) e da promoção da segurança e saúde no Trabalho (Lei 102/2009, de 10 de setembro, alterada e republicada pela Lei 3/2014, de 28 de janeiro); a 1ª Ré tinha a sua responsabilidade pela reparação emergente de acidente de trabalho transferida para a 2ª Ré.

As RR contestaram:
A Ré Seguradora, em síntese, por impugnação e alegando que: o contrato de seguro, pelas razões que invoca, não abrangia o sinistrado; o acidente ficou a dever-se, pelas razões que invoca, à ausência absoluta de condições de segurança, pelo que, subsidiariamente, sempre lhe assistiria o direito de regresso quanto às prestações normalmente calculadas que venha a pagar à A. (art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009).
A Ré Empregadora, em síntese, aceitando uns factos, impugnando outros, mais alegando que: as telas foram encomendadas e fornecidas pela empresa denominada “I…, S.A.”; desde que trabalha com este tipo de material, nunca os seus fornecedores/vendedores e/ou os funcionários destes informaram a Ré, na pessoa do seu sócio e/ou dos seus trabalhadores da forma como não se deve ou não pode manobrar, transportar e armazenar o mesmo, nem alertaram, avisaram, mencionaram, sequer referiram em momento algum à aqui Ré que o transporte, manuseamento e armazenamento das telas tinha que obedecer a um qualquer critério especial, a qualquer cuidado, a normas e procedimentos extraordinários; a rotulagem/etiquetagem das telas não tem, pelas razões que refere [da etiqueta que acompanha as telas que foram fornecidas pela referida empresa não constam quaisquer referências, informações sobre a forma de manusear as telas, sobre como fazer o seu transporte, o seu acondicionamento, carga, possibilidade ou não de colocação das mesmas sobrepostas em altura, nem informação sobre o peso que pode ou não ser colocado em cima de cada uma das paletes de telas, assim como não consta a resistência dos filmes que envolvem as telas, para se apurar da capacidade de resistência dos mesmos a deslocações horizontais, verticais, oblíquas e em movimento, nomeadamente para efeitos de apurar a resistência a travagens repentinas dos veículos que as transportam], qualquer informação que a lei obriga, nomeadamente o Decreto-Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos) e a Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada por diversos diplomas legais (Lei de Defesa do Consumidor), pelo que o produtor (definido nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 2º do Decreto lei nº 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos), é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação – ut. art. 1º deste referido diploma legal. Assim, a haver um responsável pela ocorrência do acidente dos autos e pelo ressarcimento dos danos é a empresa vendedora das telas acima identificada, I…, S.A, pelo que, nos termos do disposto nos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. do Trabalho, indica como responsável pelo acidente dos autos a sociedade “I…, S.A.”, requerendo a sua citação.
Mais declina, pelas razões que invoca, a sua responsabilidade pela ocorrência do acidente e, por consequência, que se verifique a situação prevista no art. 18º da LAT, defendendo ainda que a responsabilidade pela reparação dos danos se encontrava transferida para a ré Seguradora.

A A. respondeu à contestação das RR mantendo, em síntese, o alegado na p.i., mais se tendo pronunciado no sentido do indeferimento da intervenção da sociedade “I…, SA” requerida pela Ré empregadora alegando ser esta a “responsável única e culposa do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado”.
A Ré Seguradora respondeu à contestação da Ré empregadora no sentido, em síntese, do que já havia alegado na sua (da Ré Seguradora) contestação.

Aos 21.06.2019, a 1ª instância proferiu despacho a indeferir a intervenção/citação da sociedade I…, SA, decisão esta de que a Ré Empregadora, inconformada, veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1- Nos arts. 45º e 46º da contestação que apresentou a aqui Recorrente indicou como responsável pelo acidente dos autos a sociedade “I…, S.A.”, pessoa colectiva nº………, tendo requerido que a mesma fosse citada para a presente acção e de acordo com disposto nos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. do Trabalho.
2- Esta sociedade “I…, S.A.” não é a empreiteira da obra, antes uma fornecedora/vendedora das telas que caíram em cima do corpo do sinistrado e lhe causaram a morte.
3- Os factos, o contexto e a justificação da Recorrente para requerer a citação desta sociedade “I…, S.A.” vem descrita, justificada e estribada na factualidade que deixou escrita nos arts. 27º a 46º da contestação que apresentou.
4- E alicerça-se legalmente nos diplomas legais naquela peça processual citados, a saber, Decreto- Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos), na Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada por diversos diplomas legais (Lei de Defesa do Consumidor), no Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, alterado por aquele Decreto-Lei supra citado., como se deixou alegado nos arts. 40º, 41º e 42º da contestação da Recorrente.
5- Apontando a Recorrente como responsável do acidente esta sociedade “I…, S.A.”, objectivamente a mesma tem de ser chamada a intervir nestes autos, ao abrigo do disposto nos aludidos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. do Trabalho.
6- Face à alegação produzida pela aqui Recorrente na sua contestação, mormente na parte em que aponta factualmente e com respaldo no direito aplicável como responsável pelo acidente uma terceira entidade, no caso a fornecedora das telas que caíram em cima do falecido C… e lhe provocaram a morte,
7- Salvo melhor opinião, e com o devido respeito, que é muito, o Mtº Juiz “a quo” já está a tomar uma posição sobre o responsável do acidente, pois já está a formular um juízo que só pode assentar nas seguintes conclusões:
a) O causador do acidente é o próprio sinistrado, pelas mais variadas razões em que isso pode ter acontecido;
b) O causador do acidente é a entidade patronal, pelas mais variadas razões que podem ter ocorrido.
8- Com esta leitura e interpretação do art. 127º do Cód. Proc. do Trabalho, pode perguntar-se, para que serve tal dispositivo?.
9- A resposta tem de ser uma, salvo o devido respeito pelo legislador, para nada.
10- E se assim é, chegando-se à conclusão que o responsável não é nenhuma das partes do processo, seja do sinistrado, seja da entidade patronal, e não se dever a circunstâncias anormais e a factos ou causas naturais, quem é então o responsável?
11- Não crê a Recorrente, com o devido respeito, que o entendimento defendido pelo Mtº Juiz “a quo” plasmado no despacho recorrido possa ter acolhimento, e beneficie do respaldo da jurisprudência que identifica.
12- Pelo que o despacho recorrido deve ser revogado na parte aqui recorrida.
13- E substituído por outro que, conforme o requerido pela Recorrente, faça intervir a pessoa da sociedade “I…, S.A.”, ao abrigo do disposto no referido art. 127º do Cód. Proc. do Trabalho.
14- De resto, afigura-se até ser de todo o interesse desta sociedade também e desde já intervir no processo a fim de se poder defender.
15- E é de todo o interesse, seja por economia processual, seja por razões intimamente relacionadas com a possibilidade de serem trazidos ao processo factos e razões de direito que gerem um alargamento e amplitude de visões, que forneça ao tribunal “a quo” a realidade e a verdade que se venha a apurar para, assim, produzir a decisão/sentença justa, como certamente sucederá.
16- Quando no despacho recorrido se analisa o art. 18º da Lei nº 98/2009, da forma como o Mtº Juiz “a quo” a aborda e justifica, mais uma vez, com todo o respeito, que é muito, a Recorrente não pode concordar com a mesma.
17 Pois trata-se de realidades diferentes.
18- A empresa que a Recorrente aponta como responsável do acidente foi a empresa fornecedora das telas, que não uma empresa contratada pela Recorrente, seja a que outro título for e que possa responsabilizar a Recorrente do que quer que seja, mormente do acidente dos autos.
19- Por isso, o raciocínio e tese constante do despacho recorrido não pode, com o devido respeito e salvo opinião contrária, ter acolhimento.
20- Devendo, em consequência tal despacho ser revogado e substituído por outro que decida deferir a requerida citação da sociedade “I…, S.A.”, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 127º do Cód. Proc. do Trabalho, conforme alegado e requerido na contestação da Recorrente.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso (…)”.

A A. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O recurso apresentado põe em crise o douto despacho com a referência do Citius nº 405079981, proferido em 21 de Junho de 2019, nos presentes autos de ação especial declarativa de condenação emergente de acidente de trabalho.
2. O douto despacho recorrido indeferiu a requerida citação da I…, S.A., nos termos previstos pelos arts. 127º, 128º, nº 1 al. b) do CPT, que a ré/recorrente indicou e considera como “responsável pelo acidente dos autos”.
3. Adiante-se já, sempre se afigura de indeferir o presente recurso, por considerarmos que não assiste qualquer razão à recorrente, dando-se aqui por inteiramente reproduzido o teor do douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, que não se transcreve somente por receio de conspurcar a sua eloquência.
4. Considera a 1ª Ré, ora recorrente, como responsável pelo acidente que vitimou o malogrado C… uma terceira entidade:
“1- Nos artigos 45º e 46º da contestação que apresentou a aqui Recorrente indicou como responsável pelo acidente dos autos a sociedade “I…, S.A.”, pessoa coletiva nº ………, tendo requerido que a mesma fosse citada para a presente ação e de acordo com o disposto nos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. do Trabalho.
2- Esta sociedade “I…, S.A.” não é a empreiteira da obra, antes uma fornecedora/vendedora das telas que caíram em cima do corpo do sinistrado e lhe causaram a morte.
3- Os factos, o contexto e a justificação da Recorrente para requerer a citação desta sociedade “I…, S.A.” vem descrita, justificada e estribada na factualidade que deixou descrita nos arts. 27º a 46º da contestação que apresentou.
4- E alicerça-se legalmente nos diplomas legais naquela peça processual citados, a saber, Decreto-Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos), na Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada por diversos diplomas legais (Lei da Defesa do Consumidor), no Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, alterado por aquele Decreto-Lei supra citado, como se deixou alegado nos arts. 40º, 41º e 42º da contestação da Recorrente.
5- Apontando a Recorrente como responsável do acidente esta sociedade “I…, S.A., objetivamente a tem que ser chamada a intervir nestes autos, ao abrigo do disposto nos aludidos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. do Trabalho.”
5. Conclui ainda a recorrente que, o Tribunal “a quo” já esta a tomar uma posição sobre o responsável do acidente, considerando que o Meritíssimo Juiz conclui que “o causador do acidente é o próprio sinistrado, pelas mais variadas razões em que isso pode ter acontecido” ou então “o causador do acidente é a entidade patronal, pelas mais variadas razões que podem ter ocorrido”.
6. Em nosso entender não existe qualquer juízo de valor sobre o responsável pelo acidente, quer na interpretação dos factos carreados pela Ré na sua Contestação (ora Recorrente), quer na aplicação do direito pelo Meritíssimo Juiz “a quo”.
7. Em suma e in caso, existe uma questão que se pretende ver apreciada: quem é a entidade responsável?
8. A recorrente não consegue distinguir as questões de “determinação da entidade responsável” com as questões de atribuição da responsabilidade/culpa pela produção do acidente de trabalho, porquanto,
9. O objeto da ação especial emergente de acidente de trabalho consiste em averiguar quem são as entidades responsáveis pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas cujos sujeitos estão identificados nesta Lei – por um lado, a empregadora ou, então, a seguradora para quem a empregadora tenha transferido a sua responsabilidade.
10. De acordo com o regime estabelecido na Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, a Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro (e, já antes no domínio da LAT – Lei nº 100/97, de 23 de Setembro), em primeira linha, quem responde pelo pagamento das prestações que se pretendem ver reconhecidas nas ações especiais emergentes de acidente de trabalho é a empregadora ou, então, a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade.
11. Nos termos do artigo 7º (sob a epigrafe “Responsabilidade”) da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidentes de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colética de direito privado ou público não abrangida por legislação especial, relativamente ao seu serviço.
12. Na hipótese do acidente de trabalho ter sido causado por terceiro, o empregador (ou, então, a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade) responde também em primeira linha, sem prejuízo do direito de regresso que eventualmente lhe assistirá relativamente ao causador do acidente, ou da sua desoneração caso a empregadora já tenha pago ao sinistrado a indemnização devida pelo acidente.
13. Posto isto, mesmo na hipótese do acidente de trabalho ter sido causado por terceiros, a responsabilidade da empregadora mantém-se.
14. Por sua vez, processualmente, a fixação judicial das indemnizações devidas por aqueles que a Lei considera responsáveis pela reparação do sinistro laboral deve fazer-se na ação especial emergente de acidente de trabalho prevista do CPT (no caso, a ação dos autos), para a qual têm competência os Juízos de Trabalho de acordo com o que dispõe o artigo 126º, nº 1, al. c) da Lei 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ), preceito que reconhece competência, em matéria cível, das “questões emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais”.
15. Assim sendo, a competência dos Tribunais de Trabalho nas ações especiais emergentes de acidente de trabalho estão restringidas ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, a Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro que a autora invoca na petição inicial e, ainda, à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação, face ao modo como como esta Lei a obrigação reparadora.
16. Atenta a toda jurisprudência maioritária invocada no douto despacho recorrido, que aqui se dá por inteiramente reproduzida com todos os legais efeitos, não devem ser resolvidas no processo especial emergente de acidente de trabalho as questões que nada têm a ver com a responsabilização especialmente prevista no regime especial de reparação de acidentes de trabalho, que têm características especificas e que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é prevista nos arts. 562 e seguintes do Código Civil para efetivação da responsabilidade civil perspetivada nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
17. Concluindo-se como no douto despacho recorrido, a possibilidade de intervenção no processo especial de acidente de trabalho de todas as entidades que eventualmente possam ser julgadas responsáveis, prevista nos arts. 127, nº 1 e 129º, nº 1, al. b) do CPT, restringe-se somente à responsabilização pelas obrigações prescritas na lei que regulamenta especialmente o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro), obrigações estas cujos sujeitos são os identificados nesta lei e que têm características específicas que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é prevista nos arts. 562 e seguintes do Código Civil para efetivação da responsabilidade civil perspetivada nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
18. Posto isto, não se nos afigura que seja licita a intervenção/citação do eventual fornecedor da ré empregadora, seja a que titulo for.
19. Não será por uma mera indicação pela empregadora de uma entidade terceira como responsável do acidente que a lei vincula o tribunal à aceitação e obrigação de determinar o chamamento/citação dessa entidade à ação, porquanto, outrossim, a Lei permite ao julgador, oficiosamente e até ao encerramento da audiência, mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável – ex vi do nº 1 do artigo 127º do CPT.
20. Se a Lei não confiasse no Meritíssimo Juiz, qualquer entidade empregadora poderia chamar ao processo uma terceira entidade para empurrar “com a barriga” o que é da sua responsabilidade, o que nos parece ser, com o devido respeito, o pretendido pela empregadora/recorrente.
21. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão constante do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo e é integralmente acertada, sendo desprovida de fundamento a argumentação da recorrente, que, com a interposição deste recurso mais não pretende do que protelar o desfecho desta ação, adiando a decisão final.
22. Atento tudo o que vai exposto, impõe-se reafirmar que não merece qualquer reparo a douta decisão sob recurso, impondo-se, assim, concluir que a douta decisão sob análise não merece qualquer censura, daí decorrendo que a decisão de manter a mesma será, salvo melhor juízo, a única que melhor se ajusta ao fim do processo,
23. negando-se assim provimento ao Recurso, com o que será feita sã e boa Justiça.
Termos em que, (…), deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

Foi, pela 1ª instância, proferido despacho a fixar o valor da acção em €76.247,03, bem como a admitir o recurso, com efeito devolutivo.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual as partes não responderam.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
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II. Objeto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Constitui, assim, objeto do recurso, saber se deve ser determinada, ao abrigo do disposto nos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. do Trabalho, a intervenção da sociedade “I…, S.A.” requerida pela Ré empregadora, ora Recorrente.
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III. Fundamentação de facto

Para além do referido no relatório precedente, que se tem como assente, não existe outra factualidade que importe ao conhecimento do objeto do recurso.
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IV. Fundamentação de Direito

1. A Recorrente requereu, ao abrigo do disposto nos arts. 127º, 128º e 129º, nº 1, al. b), do CPT, a intervenção da sociedade “I…, S.A.”, alegando para tanto e em síntese que esta foi a fornecedora das telas, sendo ela responsável pela ocorrência do acidente uma vez que não terá prestado as necessários informações quanto ao seu manuseamento, transporte e armazenagem, e bem assim uma vez que a rotulagem/etiquetagem das telas não tem, pelas razões que referiu [da etiqueta que acompanha as telas que foram fornecidas pela referida empresa não constam quaisquer referências, informações sobre a forma de manusear as telas, sobre como fazer o seu transporte, o seu acondicionamento, carga, possibilidade ou não de colocação das mesmas sobrepostas em altura, nem informação sobre o peso que pode ou não ser colocado em cima de cada uma das paletes de telas, assim como não consta a resistência dos filmes que envolvem as telas, para se apurar da capacidade de resistência dos mesmos a deslocações horizontais, verticais, oblíquas e em movimento, nomeadamente para efeitos de apurar a resistência a travagens repentinas dos veículos que as transportam], qualquer informação que a lei obriga, nomeadamente o Decreto-Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos) e a Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada por diversos diplomas legais (Lei de Defesa do Consumidor), pelo que o produtor (definido nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 2º do Decreto lei nº 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos), é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação (art. 1º deste referido diploma legal).
A decisão recorrida indeferiu a requerida intervenção, do que discorda a Recorrente conforme decorre das conclusões do recurso, alegando, designadamente e em síntese, que: tal sociedade não é a empreiteira da obra, antes uma fornecedora/vendedora das telas que caíram em cima do corpo do sinistrado e lhe causaram a morte; invoca os diplomas legais acima mencionados; o Mmº Juiz “a quo” já está a tomar uma posição sobre o responsável do acidente, pois já está a formular um juízo que só pode assentar na conclusão de que o causador do acidente ou é o sinistrado ou é a entidade empregadora; a interpretação do art. 127º do CPT feita na decisão recorrida levaria a que este preceito não “servisse para nada”; se o responsável não é nenhuma das partes do processo, seja do sinistrado, seja da entidade patronal, e não se não se deve a circunstâncias anormais e a factos ou causas naturais, questiona então quem será o responsável; a mencionada sociedade tem todo o interesse no processo a fim de nele se poder defender, podendo a sua intervenção fornecer “ao tribunal a quo a realidade e a verdade que se venha a apurar”; discorda da interpretação do art. 18º da LAT feita pelo Mmº juiz pois que “a empresa que a Recorrente aponta como responsável do acidente foi a empresa fornecedora das telas, que não uma empresa contratada pela Recorrente, seja a que outro título for e que possa responsabilizar a Recorrente do que quer que seja, mormente do acidente dos autos.”

2. Na decisão recorrida referiu-se o seguinte:
“Da requerida – pela 1.ª ré, empregadora (cf., designadamente, art.s 45.º e 46.º da respectiva contestação) – citação da sociedade “I…, S.A.”, para, ao abrigo dos art.s 127.º, 128.º e 129.º/1 b) do CPT, intervir nos autos como (eventual) entidade responsável:
Para tanto a 1.ª ré, e em síntese, alega que da etiqueta que acompanha as telas – aludidas nos autos – e que foram fornecidas pela empresa “I…, S.A.”, não constam da quaisquer referências, informações sobre a forma de manusear as telas, sobre como fazer o seu transporte, o seu acondicionamento, carga, possibilidade ou não de colocação das mesmas sobrepostas em altura, etc., m suma, a rotulagem/etiquetagem das telas não tem qualquer informação que a própria lei obriga, nomeadamente o Decreto-Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos) e a Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada por diversos diplomas legais (Lei de Defesa do Consumidor), pelo que o produtor (definido nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 2º do Decreto lei nº 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto Lei nº 131/2001, de 24 de Abril (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos), é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação – ut. art. 1º deste referido diploma legal – donde, a haver um responsável pela ocorrência do acidente dos autos e pelo ressarcimento dos danos, é a empresa vendedora das telas já acima identificada.
O autor, notificado da dita contestação, no articulado de resposta que apresentou pronunciou-se no sentido do indeferimento deste requerimento da 1.ª ré (cf., em particular, art. 43.º da resposta), e a 2.ª ré, igualmente notificada da contestação da 1.ª ré e também na respectiva resposta, e embora não o dizendo de forma expressa, parece que toma posição semelhante (cf. designadamente art. 32.º).
De todo o modo (e adianta-se já), sempre se afigura de indeferir o referenciado requerimento.
Vejamos então.
É certo que nos termos do art. 127.º/1 do CPT, que tem por epígrafe Pluralidade de entidades responsáveis:
“1 - Quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na acção qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos.”,
E que, conforme art. 129.º/1 b) do mesmo Código, na contestação o réu pode, além de invocar os fundamentos da sua defesa:
“b) Indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar nos termos do artigo anterior.”
Mas, daqui não resulta, com o devido respeito por diversa opinião, o necessário suporte legal para a requerida intervenção.
Em primeiro lugar, assinala-se que não é necessária – na qualidade que se pretende ora seja chamada a intervir - a intervenção da entidade cuja intervenção foi agora requerida para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal (cf. art. 33.º do CPC).
Ademais, não estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário; à “relação material controvertida”, é alheia a vertente factual e jurídica que alegadamente justificariam o seu chamamento (da “I…”) (cf. art. 32.º/1 do CPC).
Depois, e como é de há muito entendimento dos nossos Tribunais Superiores, que se crê pacífico (atenta a jurisprudência publicada), a acção contra – no caso – o terceiro responsável pelo acidente fica fora do âmbito da Lei dos Acidentes de Trabalho, pelo que o Tribunal do Trabalho tão pouco é o competente em razão da matéria para conhecer de tal acção.
Na acção emergente de acidente de trabalho só é lícito ao juiz mandar intervir aqueles que considere responsáveis no âmbito da LAT e não os que considere responsáveis nos termos gerais – cf., a título de ex., Ac. RL de 08/07/1999, in www.dgsi.pt/jtrl, N.º de Doc. RL199907080036404, Ac. da RL de 26.01.2000, CJ, 2000, Vol. I, pág. 159 e ss, Ac. da RP de 14/05/2001, CJ, 2001, Vol. III, pág. 252 e ss, Ac. RC de 07.02.2002, CJ, 2002, Vol. I, pág. 67 e ss, Ac. RC de 10.10.2002, CJ, 2002, Vol. IV, pág. 55 e ss, Ac. RE de 09.4.2003, CJ, 2003, Vol. II, pág. 262 e ss, Ac. RL de 10.01.2007, CJ, 2007, Vol. I, pág. 144 e ss.
Assim, e no que tange à questão ora em análise, afigura-se pertinente, por sufragarmos o entendimento aí defendido, o douto acórdão do TRP de 21.01.2013 em que se discorreu: “Assim, a possibilidade de intervenção no processo especial de acidente de trabalho de todas as entidades que possam ser julgadas eventualmente responsáveis prescrita nos arts. 127º, n.º1 e 129º, n.º 1, al. b) do CPT, restringe-se à responsabilização pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas cujos sujeitos são os identificados nesta lei e que têm características específicas que as distinguem da obrigação de indemnização em geral, tal como esta é perspectivada nos arts. 562º e ss. do CC para efectivação da responsabilidade civil prevista nos arts. 483º e ss. do mesmo Código [4].
Neste quadro, não se nos afigura que seja lícita a intervenção nos presentes autos da empreiteira da obra em que o sinistrado se acidentou, ainda que a título de intervenção acessória.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 8 de Julho de 2004 (processo n.º 0410379), em acção especial emergente de acidente de trabalho, a Ré seguradora não pode fazer intervir, nos termos do artigo 330.º, n.º 1, do CPC, um terceiro, através do incidente de intervenção acessória provocada, uma vez que é estranha à relação jurídica trazida à acção, inexistindo o elemento de conexão imprescindível para que, neste caso, se possam chamar terceiros a intervir no pleito, ainda que em termos de intervenção acessória.
E o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.05.11 (processo n.º 05S1041), que recaiu sobre este aresto da Relação do Porto, confirmando-o, afirmou que as normas de intervenção de terceiros do CPT, na linha do regime antecedente, apenas pretendem assegurar a intervenção no processo das entidades a quem possa ser exigido o direito de reparação pelo acidente de trabalho (necessariamente, a entidade patronal e/ou a seguradora), não sendo aplicável relativamente a terceiros que possam ser responsáveis pela produção do acidente[5].” – in www.dgsi.pt, Proc. 383/09.7TTBCL-A.P1.
E tal entendimento tem, em essência, persistido, não obstante as alterações que as leis de reparação dos acidentes de trabalho têm sofrido, v.g. é entendimento que, no fundamental e quanto à vertente assinalada, mesmo no domínio da actual LAT – Lei 98/2009, de 04.9 - continua a ser sufragado.
Efectivamente, prevê agora o art. 18.º da mesma Lei, sob a epígrafe Actuação culposa do empregador:
“1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.” (sublinhado meu)
Todavia, deste alargamento das possíveis entidades passíveis de responsabilização no âmbito de um processo judicial emergente de acidente de trabalho, por via de haver culpa na ocorrência do acidente, não autoriza que seja aqui demandado todo e qualquer sujeito que se congemine possa ser de algum modo responsabilizado pela verificação do acidente.
Com efeito, enfatize-se, está ainda assim em causa o acidente provocado “pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra”.

3. Estamos, no essencial de acordo com as considerações tecidas na decisão recorrida.
Com efeito:
Antes de mais, importa referir que ao caso é aplicável o regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais constantes da Lei 98/2009, de 04.09[2], sendo que, embora algumas das considerações tecidas na decisão recorrida e jurisprudência aí invocada, tiradas ou reportadas embora ao abrigo da legislação antecedente [Lei 100/97, de 13.09 e Lei 2127, de 03.08.65 e respectiva e sua legislação complementar], mantém em grande parte actualidade [sem prejuízo da alteração decorrente do art. 18º da atual Lei 98/2009, o qual, nas situações no mesmo previstas, alargou a responsabilidade solidária pela reparação do acidente ao representante do empregador, à entidade por aquele contratada e à empresa utilizadora de mão de obra].
Dispõe o artº 2º que os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação decorrente de acidente de trabalho prevista na Lei 98/2009, explicitando o art. 3º quem se considera como trabalhador abrangido pelo direito à reparação.
Por sua vez, no art. 7º considera-se como “responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção do posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, as pessoas singulares ou colectivas de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.”
Por outro lado, a responsabilidade decorrente de acidente de trabalho, assente no risco da autoridade, é de natureza objectiva e a sua reparação tem um conteúdo próprio, qual seja o expressamente previsto na LAT, a saber: reparação em espécie e em dinheiro, esta consubstanciada em prestações pecuniárias, aliás não inteiramente coincidentes com os prejuízos patrimoniais efectivamente sofridos: indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; indemnização em capital (capital de remição) ou na forma de pensão anual e vitalícia correspondente à redução na capacidade de ganho ou de trabalho em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares do sinistrado em caso de morte deste; subsídios por situação de elevada incapacidade permanente e para readaptação de habitação (caso, naturalmente, se verifiquem os pressupostos legais da sua atribuição), por morte e nas demais prestações estipuladas nesse diploma (cfr. arts. 25º, 47º, 48º, 49º, 53º, 56º, 57º, 59º, 60º, 61º, 65º. 66º. 67, 68º, 69), prestações essas que gozam de um especial sistema garantístico (cfr. artºs. 12º e 78º), de que se destaca a indisponibilidade desses direitos.
Nos termos do referido diploma é, ainda, exigível à entidade empregadora a celebração de contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho cobrindo a reparação devida nos termos previstos na LAT (cfr. artº 79º, nº 1), contrato esse cujas cláusulas estão sujeitas ao estipulado por uma Apólice Uniforme própria do seguro de acidentes de trabalho (cfr. art. 81º da LAT).
A não transferência, mediante a celebração do dito contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, da responsabilidade para entidade seguradora determina a responsabilidade da entidade empregadora pela reparação, prevista na LAT, dos danos emergentes do acidente de trabalho ou, sendo a retribuição declarada para efeitos do prémio de seguro inferior à real, a seguradora responde na proporção da retribuição transferida e o empregador pela diferença relativa às indemnizações e pensões devidas, despesas, despesas efectuadas com hospitalização e assistência clínica (art. 79º, nº 5).
Importa também referir que, as situações previstas no artº 18º, nº 1 - acidente provocado pela entidade empregadora, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra ou quando resulte da inobservância, por aqueles, das regras de segurança e saúde no trabalho- importam a responsabilidade individual ou solidária daqueles, que serão responsáveis pelas pensões agravadas nos termos do citado preceito, situação essa que, mas apenas nesse caso, não prejudica, também, a responsabilidade pelos danos não patrimoniais que seja devida nos termos da lei geral, cabendo à Seguradora do responsável satisfazer o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso do empregador conforme art. 79º, nº 3, nos termos do qual “3. Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele”.
E, por outro lado, dispõe o art. 17º que “1. Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais. 2.Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante. 4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente. 5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”
Por sua vez, todo este regime substantivo especial tem correspondência num processo, também especial, previsto no CPT, qual seja o previsto nos arts. 99º e segs e em que, no seu art. 26º, nºs 1, al. e) e 3, se consagra a natureza urgente e oficiosa das acções emergentes de acidente de trabalho.
Desta regulamentação processual, que deverá ser conjugada com o mencionado regime substantivo ao qual dá execução, decorre também que o processo se desenrolará entre o sinistrado (ou seus beneficiários legais) e a Seguradora (havendo transferência da responsabilidade) e, nas situações previstas no artº 79º, nºs 3 e 5 entre aqueles (sinistrado/beneficiários legais) e esta (Seguradora) e/ou a entidade empregadora do sinistrado (conforme os casos) – cfr., designadamente, arts. 108º, 127º, 129º, nº 1, al. b), do CPT.
De tudo o referido pode-se concluir que a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho não se confunde, seja nos seus pressupostos, seja no seu objecto, seja nas normas substantivas e processuais que a regem, com a responsabilidade fundada nas normas gerais da responsabilidade civil e, por outro lado, que é sobre as entidades empregadores e/ou suas seguradoras que recai a obrigação da reparação prevista na LAT (obrigação essa apenas extensível, nas situações previstas no art. 18º, ao representante ou entidade contratada pelo empregador e empresa utilizadora), ainda que possa o acidente ser causado por terceiros (seja, ou não, no âmbito da violação de regras de segurança no trabalho). E só aqueles – empregador, sua seguradora e, nas situações referidas no art. 18º, as entidades aí referidas deverão e poderão intervir no processo especial emergente de acidente de trabalho.
Ou seja, no caso de acidente causado por terceiros, estes apenas poderão responder, perante o sinistrado/beneficiário legal, nos termos gerais de direito e na acção cível que para o efeito seja contra eles intentada, mas não responderão perante o sinistrado/beneficiário legal pela reparação prevista na lei dos acidentes de trabalho [podendo embora o empregador ou a sua seguradora sub-rogar-se no direito do lesado contra os mencionados terceiros se o sinistrado/beneficiário legal não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização].
Acresce dizer que o tribunal do trabalho não é o materialmente competente para conhecer das questões entre um sinistrado (ou seu beneficiário legal), vitima de acidente de trabalho, e terceiros estranhos à relação de que decorre a responsabilidade infortunística prevista na LAT (outros que não empregadores ou em situação que a lei a eles equipara e/ou respectivas seguradoras com quem haja sido celebrado contrato de seguro de acidente de trabalho). E, isto, ainda que a responsabilidade dos terceiros possa ter como causa o mesmo evento naturalístico (acidente), mas em que a sua responsabilidade não se insira no âmbito da especial reparação devida por acidente de trabalho.
E no sentido dessa incompetência, cfr. designadamente, Acórdãos desta Relação de 04.12.2000, CJ 2000, T5, p.249, de 14.05.01, CJ 2001, T3, p. 252 e de 21.02.2013, Proc. 283/09.7TTBCL-A.P1.
Na verdade, dispõe o art. 126º, al. c), da Lei de Organização do sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26.08 [tal como as suas antecessoras, designadamente a Lei 3/99, de 13.01] que, em matéria cível, o tribunal de trabalho é competente para as questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais (al. c)).
As questões emergentes de acidente de trabalho são as questões previstas na lei dos acidentes de trabalho (LAT) e que se desenrolam, como e pelas razões que acima expendemos, entre o sinistrado (ou seus beneficiários legais) e as entidades que, no âmbito e nos termos dessa lei, são as responsáveis pela reparação nela prevista, quais sejam a entidade empregadora (ou que a LAT, para os efeitos em questão, a ela equipara) e seguradora para quem ela haja transferido essa responsabilidade (ou entre aqueles e as entidades referidas no art. 18º, nº 1, nas situações previstas em tal norma), e não entre sinistrados/beneficiários legais e terceiros estranhos à relação de que emerge a especial reparação infortunística laboral.
No sentido de que a competência dos Tribunais do Trabalho nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho restringe-se ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho (…) e à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação em face do modo como aquela lei especial perspectiva aquela obrigação reparadora, bem como no de que tal competência não é extensível por via do disposto na al. o) do então artº 85º da Lei 3/99, se pronuncia o Acórdão do STJ de 30.09.04 [3], in www.dgsi.pt (Proc. 03S3775).
Por outro lado, e tendo presente o caso concreto, importa atentar no que refere Alberto Leite Ferreira, in Código do Processo de Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 80 e 81, em que, a propósito da extensão da competência a que se reporta a al. o) do art. 85º e dando como exemplo a situação em que um sinistro pode originar um acidente de trabalho e um acidente de viação, entende que nada obsta a que se façam valer as duas responsabilidades (a responsabilidade patronal pelo acidente de trabalho e a responsabilidade civil pelo acidente de viação); no entanto, aí refere que “simplesmente, o facto de ser a mesma a causa de pedir não legitima que a acção tendente à objectivação da responsabilidade civil seja atraída para a órbita da competência dos tribunais de trabalho. (…)”.
Finalmente no sentido de que “nos processos emergentes de acidente de trabalho não é admissível a intervenção de terceiro alheio à relação jurídico-laboral que tenha sido único e exclusivo culpado do acidente” cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 10.07.2019, Proc. 2327/17.3T8MAI-A.G1, in www.dgsi.pt. e, bem assim, Acórdão dessa mesma Relação de 25.06.2015, Proc. 383/09.7TTBCL-A.P1, www.dgsi.pt, que decidiu no sentido de que apenas é admitida a intervenção quando ocorram dúvidas quanto a apurar qual a entidade que é a responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho e em caso de violação de regras de segurança se daí resulta a responsabilidade solidária delas nos termos do art. 18º da LAT, ambos os mencionados acórdãos citados no douto parecer do Ministério Público.

4. Revertendo ao caso em apreço, do que se deixou referido se conclui que não assiste razão à Recorrente.
Com efeito e como esta própria admite, a sociedade cuja intervenção a mesma pretende não mantinha qualquer relação laboral com o sinistrado, nem era representante da Ré empregadora, nem entidade contratada por esta para levar a cabo actividade no âmbito da qual o acidente ocorreu, nem era empresa utilizadora, não se enquadrando pois nas entidades previstas e a que se reporta o art. 18º da Lei 98/2009.
Ou seja, e ainda que, porventura e como hipótese de raciocínio, a sociedade I…, SA pudesse ser a responsável/culpada pela ocorrência do acidente de trabalho, não será contudo a responsável, perante a A., beneficiária legal, pela reparação prevista na LAT e, como tal, não é a sua intervenção admissível no âmbito dos presentes autos, não sendo ela consentida pelos arts. 127º, nº 1, e 129º, nº 1, al. b), do CPT.
Perante o que a Recorrente alega, a mencionada sociedade seria uma terceira responsável pelo acidente, eventualmente responsável perante o sinistrado nos termos gerais de direitos, responsabilidade essa, todavia, enquadrável no art. 17º, mas não já no art. 18º da LAT e, como tal, não é admissível a sua intervenção nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho. E, por outro lado, a eventual responsabilidade dessa sociedade, terceira, não desonera ou desobriga a Recorrente, empregadora, da responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, sendo que o eventual direito de regresso que a Recorrente pudesse ter perante tal sociedade não permite a sua intervenção no âmbito dos presentes autos emergentes de acidente de trabalho que, nos termos já acima referidos, é restrita ao empregador, respectiva seguradora e, nos termos do art. 18º, às entidades aí referidas, nas quais não se enquadra a dita sociedade.
Diga-se que a Recorrente parece confundir a responsabilidade pela reparação prevista na LAT decorrente do acidente de trabalho com a responsabilidade pela ocorrência do acidente, o que, como decorre do referido, são realidades distintas, sendo que, por tal reparação, devida à beneficiária, a responsável é a empregadora e/ou a respectiva seguradora e não o terceiro responsável pela ocorrência do acidente de trabalho.
E não faz qualquer sentido o argumento da Recorrente de que o tribunal a quo já formulou um juízo prévio sobre a responsabilidade. O que disse a 1ª instância, como o diz agora esta Relação, é que, mesmo a provar-se a factualidade alegada pela Recorrente, tal não determinaria a sua desoneração, enquanto entidade empregadora, da obrigação, perante a A., da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, nem determinaria a obrigação da sociedade I…, SA, perante a A., de responder nos termos previstos na LAT. Já a (eventual) efectivação da responsabilidade desta, I…, SA, enquanto terceira responsável pelo acidente, no âmbito das relações entre ela e a Recorrente, não cabe, como já referido, no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho. E não basta, para fazer atuar o art. 127º, nº 1, al. b), do CPT, que a entidade empregadora demandada alegue que é outrem o responsável; tem que fundamentar essa sua pretensão e, da fundamentação aduzida pela Recorrente, mesmo (eventualmente) provando-se a factualidade que alega, esse outrem a quem imputa a responsabilidade pela ocorrência do acidente seria um terceiro, enquadrável no art. 17º da LAT, que não é responsável, perante a A/ beneficiária legal, pela reparação prevista na LAT decorrente do acidente de trabalho. E cabe naturalmente ao juiz fazer essa avaliação com vista à apreciação e decisão da intervenção que é requerida.
Por fim, cabe dizer que, manifestamente, também não procede o argumento de que a interpretação da decisão recorrida levaria à inutilidade do art. 127º, nº 1, al. b), do CPT. Este preceito tem em vista a situação em que existe dúvida sobre a entidade que tem a qualidade de empregador. Alguém que seja demandado em tal qualidade e que entenda que o não seja, poderá indicar outrem como sendo a entidade empregadora, não sendo esse o caso dos autos. Tal artigo tem e mantém, pois, toda a utilidade.
Assim sendo, improcedem as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
***
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 18.11.2019
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
_______________
[1] Cfr. decisão da Segurança Social junta pela A. aos 10.05.2019 conforme consulta do histórico informático do Processo Principal.
[2] Diploma este a que, de ora em diante, nos reportaremos na falta de indicação da sua origem.
[3] Cujas considerações, efectuadas embora no âmbito da anterior Lei 2127, de 03.08.65, são aplicáveis no âmbito da Lei 100/97, já que o regime desta constante é idêntico ao anterior.