Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1251/12.0TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RP201406301251/12.0TYVNG.P1
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que alterou o paradigma, a integrar o objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação.
II - O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação dos planos de insolvência e recuperação. A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis, sendo fundamento de recusa da homologação judicial do plano de recuperação.
III - Incumbe ao credor oponente a prova, em termos plausíveis, de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano (artº 216º, do CIRE).
IV - O êxito do PER, ou seja, a recuperação do devedor, não pode ser paralisado por um credor que não aceite uma decisão tomada pela maioria dos credores, quando essa decisão (plano de recuperação) não evidencia, como no caso, uma violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
V - As ações previstas (cobrança de dívidas – artº 17º-E, nº 1, do CIRE), que não podem ser instauradas, se suspendem ou se extinguem, são as ações declarativas e as executivas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1251/12.0TYVNG.P1 - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome (1468)
Adjuntos: Macedo Domingues
Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1- RELATÓRIO

B…, com os sinais dos autos, veio requerer o processo especial de revitalização(PER), ao abrigo do estatuído no artº 17º-A e seguintes, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03, cuja última alteração foi dada pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que aditou aqueles normativos relativos ao PER.
*
A administradora judicial provisória juntou a lista provisória de créditos (fls. 722 e segs), e, após diversas impugnações, uma nova lista, corrigida (fls. 1978-1989).
*
Concluídas as negociações, foi aprovado um plano de recuperação conducente à revitalização da requerente, por mais de dois terços da totalidade dos votos expressos emitidos, correspondendo mais de metade dos votos emitidos a créditos não subordinados (artº 212º, nº 1, ex vi do artº 17º-F, nº 2, do CIRE), tendo votado favoravelmente credores que representam 93,44% do total dos votos expressos (votaram 95,41% dos credores), o plano de recuperação conducente à revitalização da requerente (ver fls. 2339-2341).
*
A administradora judicial provisória juntou aos autos (fls. 2173-2254) o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora, aqui dado como reproduzido, aprovado pela maioria dos credores (artº 17º-F, do CIRE).
*
Foi proferida sentença, em 31/01/2014, que homologou o plano de recuperação/revitalização aprovado nestes autos, com o seguinte dispositivo (sic):
“(…) decido homologar (“in toto”) tal plataforma de entendimento (PER) visando a recuperação do B…, fazendo-o por relação ao disposto no art. 17º-I nº4 do CIRE, tudo com as advenientes consequências jurídicas- cfr. o art. 17º-I nº 6 do citado diploma.
Custas pelo B…”.
*
Inconformados, o C…, S.A., e D… e Outros, credores reclamantes no PER, apelaram desta decisão, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões.

Conclusões do C…, S.A.

A. O presente recurso foi interposto do despacho proferido pelo Mº. Juiz a quo que homologou o plano de revitalização apresentado pelo devedor B….
B. Ao presente recurso de apelação deve ser atribuído efeito suspensivo, quer porque a execução da decisão recorrida causaria grave prejuízo ao Recorrente, quer porquanto, se não fosse atribuído efeito suspensivo a este recurso, correr-se-ia o risco de perda do efeito útil da decisão a proferir pelo Tribunal ad quem.
C. O Requerente/Devedor B… não se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas sim em situação de insolvência.
D. O passivo do Devedor ascende a € 65.050.258,66, conforme Lista Provisória de Credores elaborada e junta aos autos pela Administradora Judicial Provisória.
E. O C…, S.A. é credor do Devedor da quantia de, pelo menos, €4.004.271,97, sendo que as responsabilidades, decorrente do empréstimo hipotecário, se encontram em incumprimento desde 14 de Setembro de 2009.
F. O mesmo acontece com outras Instituições Bancárias, com a Segurança Social e com a Fazenda Nacional.
G. Com efeito, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, detêm dividas ao Fisco e Segurança Social bem como, dividas garantidas por hipoteca há mais de 6 meses.
H. Para a declaração de insolvência basta o preenchimento de um ou alguns dos factos contidos nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE, através dos quais a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza, uma vez que tais factos são taxativos, e não cumulativos.
I.O n.º 5, do art. 17º-F, do CIRE, estipula que são aplicáveis, “…com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.”
J.O Plano de Recuperação apresentado pelo Devedor prevê na alínea b), do ponto 5.2.3.2. com a epígrafe C…, S.A., da página 40, o seguinte: “A hipoteca que garante o crédito, deverá ser reduzida a 85% do montante global do crédito reconhecido no presente plano (…), redução que deverá formalizar-se até 14 dias após a aprovação do plano.”.
K. A supra referida cláusula é nula, na medida em que a Devedora pretende, com a supra referida cláusula, que o Plano de Recuperação produza efeitos antes da Sentença de Homologação do mesmo.
L. Do exposto decorre que o Devedor violou, e viola, com a supra referida cláusula, o princípio estipulado no art. 217, do CIRE, de que apenas a Sentença Homologatória confere eficácia aos actos e negócios previstos no Plano de Recuperação, ao pretender obter o mesmo resultado - eficácia dos actos e negócios previstos no Plano de Recuperação – com a mera aprovação do Plano e antes da Sentença de Homologação do mesmo.
M. Nos termos do art. 215, do CIRE, aplicado ex vi legis, do n.º 5, do art. 17–F, do CIRE, deverá ser recusada oficiosamente a homologação do Plano de Revitalização apresentado pelo B…, no presente Processo Especial de Revitalização, face à manifesta violação, absolutamente não negligenciável, de regras procedimentais cuja violação permitirá ao Devedor obter a eficácia de atos e negócios previstos no Plano de Recuperação com a mera aprovação do Plano e antes da Sentença de Homologação do mesmo.
N. Dispõe art. 195, do CIRE, nos números 1 e 2, o seguinte:- “O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.” (negrito e sublinhado nosso) - “O Plano de Insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos necessários e relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo Juiz, nomeadamente:(…)”.
O. O Devedor clausulou, na alínea a), do ponto 5.2.3.2., com a epígrafe C…, S.A., na página 40, do Plano de Recuperação, o seguinte: “(…) Regularização da situação debitória, no prazo de 12 meses a contar da data da homologação do plano.”
P. Tal cláusula é vaga, imprecisa e insuficiente, para que um credor possa ficar, minimamente, esclarecido sobre o conteúdo do Plano de Revitalização, na medida em que o mesmo não refere, de modo claro e inequívoco, o que se pretende dizer com “regularização da situação debitória”.
Q. O C… nunca obteve da Administradora Judicial Provisória, nem do devedor, resposta a esta questão, não obstante as várias interpelações para o efeito.
R. A proposta contida no Plano de Recuperação não contém, por isso, todos os elementos/esclarecimentos relevantes e necessários para efeitos de apreciação do plano de reembolso aos credores, violando, assim, o Conteúdo do Plano, tal como definido no art. 195, do CIRE, na medida em deixa por responder questões absolutamente essências, como entre outras, a acima mencionada.
S.O Plano de Revitalização viola o Conteúdo do Plano definido legalmente no art.195, do CIRE, devendo, por isso, ser recusada a sua homologação nos termos do disposto no art. 215, do CIRE.
T. O Devedor clausulou, como já acima se referiu, na alínea b), do ponto 5.2.3.2. com a epígrafe C…, S.A., da página 40, o seguinte: “A hipoteca que garante o crédito, deverá ser reduzida a 85% do montante global do crédito reconhecido no presente plano (…), redução que deverá formalizar-se até 14 dias após a aprovação do plano.”.
U. O Devedor clausulou no Plano de Revitalização, uma medida que prevê a redução da hipoteca de que é beneficiário o C… e que garante a totalidade do seu crédito, sem consentimento do Banco para o efeito.
V. O C… mostrou-se sempre indisponível para reduzir a hipoteca sobre o imóvel que garante a totalidade do seu crédito.
W. Esta medida, clausulada no Plano de Revitalização, viola a liberdade contratual do credor C… constituindo uma intervenção inaceitável, ilegal, e inconstitucional na esfera jurídica do C….
X. O art. 192, n.º 2, do CIRE, estipula o seguinte: “O plano só pode afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados.”.
Y. E, o art. 217, n.º 2, do CIRE, dispõe que: “A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente…” (negrito nosso)
Z. O C… não fez qualquer declaração expressa, por escrito, no processo, no sentido de aceitar a execução do acto jurídico aqui em causa – redução da hipoteca.
AA. Acresce que, o C… votou contra o Plano de Recuperação apresentado pelo Devedor.
BB. A supra referida cláusula, consignada no Plano de Revitalização, viola o disposto no n.º 2, do artigo 192º, do CIRE e o disposto no n.º 2, do art. 217, do CIRE, devendo, por isso, ser recusada a sua homologação nos termos do disposto no art. 215, do CIRE.
CC. O C… é credor do B… de, pelo menos, €4.004.271,97 (quatro milhões, quatro mil duzentos e setenta e um euros e noventa e sete cêntimos).
DD. O supra referido crédito está garantido, nomeadamente, por hipoteca de primeiro grau sobre: (i) o prédio urbano, sito na freguesia …, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8037 e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 1480 e (ii) o prédio urbano, sito na freguesia …, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7919 e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 1722.
EE. A referida hipoteca está registada a favor, entre outros, do C… pela inscrição C-1, correspondente à Ap.14 de 2003/02/2004 e Ap. 04 de 2003/02/12, até ao montante máximo de capital e acessórios de € 21.112.500,00 (vinte e um milhões cento e doze mil e quinhentos euros). No que diz respeito ao C… até ao montante de € 5.625.000,00 (cinco milhões seiscentos e vinte e cinco mil euros) a título, meramente, de capital, a que acrescem os juros contratuais e de mora.
FF. A supra referida hipoteca foi constituída com a máxima amplitude e subsistirá enquanto o Banco não estiver integralmente pago, abrangendo tudo quanto estiver implantado nos referidos imóveis, bem como todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras.
GG. O Plano de Recuperação apresentado pelo Devedor prevê (i) o pagamento ao C…, apenas, da quantia de € 1.852.327,99 (um milhão oitocentos e cinquenta e dois mil trezentos e vinte e sete euros e noventa e nove cêntimos), que corresponde a 64% do capital em dívida ao Banco, cujos termos e prazos são, como atrás se referiu, desconhecidos, (ii) o perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos e (iii) a redução da hipoteca que garante o crédito para 85%. (vide alínea a), do ponto 5.2.3.2., com a epígrafe C…, S.A., da página 40, do Plano de Recuperação).
HH. A proposta de reembolso do crédito ao C…, acima mencionada e descrita no Plano de Recuperação do Devedor, coloca o C… numa situação menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
II. Efetivamente, se não existisse qualquer Plano de Revitalização o C…:
Não veria o seu crédito reduzido para 64%, no que diz respeito ao capital;
Não veria os juros em dívida, que ascendem a € 1.108.446,99 (um milhão cento e oito mil quatrocentos e quarenta e quarenta e seis euros e noventa e nove cêntimos), totalmente perdoados;
Não veria a hipoteca de que é beneficiário, e que garante a totalidade do seu crédito (capital e juros), reduzida para 85%; e
Conseguiria ser ressarcido, integralmente, do seu crédito, caso os bens imóveis fossem vendidos.
JJ. Os imóveis em causa, estão avaliados em €33.040.000 (trinta e três milhões e quarenta mil euros).
KK. Num cenário de liquidação, o crédito do C…, no valor de € 4.004.271,97 (quatro milhões, quatro mil duzentos e setenta e um euros e noventa e sete cêntimos) seria integralmente pago ao Banco, por força das hipotecas em 1.º grau de que é beneficiário, uma vez que o crédito do C… seria sempre graduado em 1.º lugar logo após as custas do processo.
LL. O Plano de Recuperação apresentado pelo Devedor deve ser recusado, na medida em que a situação do credor C…, ao abrigo do supra referido Plano, no caso do mesmo vir a ser aprovado, é menos favorável do que a que seria na ausência de qualquer Plano, nos termos do disposto no art. 216, n.º 1, do CIRE.
MM. O plano e o despacho de homologação violam o disposto nos artigos 3º, 17º-f n.º5, 20º, 192º, 195º, 215º, 216º e 217º todos do CIRE.
Nestes termos, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a decisão do Tribunal “a quo” que homologou o plano de recuperação do devedor e substituída por outra que recuse a homologação deste plano.

Conclusões do recurso de D… e Outros
I
Os Recorrentes não aceitam o reconhecimento e qualificação jurídica dos seus créditos, na medida em que sobre estes se impunha uma decisão diferente.

A - No que concerne aos Credores Reclamantes D… e E…;
II
Ambos foram trabalhadores do B… e reclamaram no Tribunal do Trabalho o pagamento dos créditos laborais que lhe eram devidos, tendo o Recorrente D… reclamado o valor global de € 28.909,90 e o recorrente E… o montante global de €31.594,24.
(Cfr. docs juntos com os nºs 1 às respectivas reclamações de Créditos e à Impugnações da Lista Provisória)
III
Em 22 de Novembro de 2011, o B… e os recorrentes D… e E… acordaram o pagamento dos seus créditos laborais, nos seguintes termos:
O trabalhador D…:
- O B… reconheceu ser devedor ao Reclamante da quantia global de € 25.000,00 a título de créditos salariais vencidos e não pagos;
O B… compromete-se a pagar ao Reclamante a quantia de € 15.000,00 a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, em 30 prestações mensais e sucessivas, com início no dia 10 de Janeiro de 2012 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes;
- O não pagamento de qualquer uma das prestações (com uma carência de € 600,00) importava o vencimento da quantia global referida na Cláusula lª, ou seja, que o B… se considerava devedor ao Reclamante da quantia global de € 25.000,00, a título de créditos salariais.
(cfr. Does. juntos com os nºs. 2, 3 e 4 à Reclamação e à Impugnação da lista provisória)
O trabalhador E…:
- O B… reconheceu ser devedor ao Reclamante da quantia global de € 25.000,00 a titulo de créditos salariais vencidos e não pagos;
- O B… compromete-se a pagar ao Reclamante a quantia de € 15.000,00 a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, em 30 prestações mensais e sucessivas, com início no dia 10 de Janeiro de 2012 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes;
- O não pagamento de qualquer uma das prestações (com uma carência de € 600,00) importava o vencimento da quantia global referida na Cláusula 1ª, ou seja, que o B… se considerava devedor ao reclamante da quantia global de € 25.000,00, a título de créditos salariais.
(cfr. Does. juntos com os nºs. 2, 3 e 4 à Reclamação e à Impugnação da Lista provisória)
IV
No entanto, o B… não cumpriu com o acordado, tendo apenas pago a cada trabalhador a l.ª prestação no valor de € 500,00, não liquidando as restantes prestações, conforme resulta do valor do crédito salarial que foi reconhecido a cada um dos trabalhadores/recorrentes € 14.500,00.
V
Ora, nos termos deste acordo, o não pagamento das prestações subsequentes (COD a violação do montante de carência de € 600.00) importou o vencimento dos restantes, pelo que o B… se encontra em dívida para cada um dos Reclamantes na quantia de € 24.500,00 (descontados os € 500,00 pagos referentes à 1ª prestação do acordo - a única que foi saldada), acrescido dos juros de mora.
VI
Tal não foi o entendimento da Exma administradora judicial provisória e do Mmo Juiz que apenas reconheceu na lista provisória de créditos, a cada um dos credores, D… e E…, € 14.500 de créditos salariais e € 743,73 de juros de mora a cada um, por alegada falta de prova.
Sucede que,
VII
Nos termos de cada uma das sentenças proferidas, o B… comprometeu-se a pagar em prestações mensais e sucessivas € 500,00, com início em 10/01/2012, até perfazer o montante de € 15.000,00.
Ou seja,
VIII
Em 18 de Dezembro de 2012, a quando da reclamação de créditos, se o B… tivesse cumprido, não podiam ser reconhecidos créditos salarias a cada um dos recorrentes de valor superior a € 9.000,00 (€ 500,00 X 12 prestações =15.000,00).
No entanto,
IX
Foram reconhecidos a cada um dos reclamantes créditos de € 14.500,00, mais juros de mora de € 743,73.
X
o que só por si atesta que o B… não pagou pelo menos 10 prestações, a cada um dos recorrentes.
XI
Consequentemente, nos termos do artigo 6° da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho do Porto, o não pagamento das prestações (com uma carência máxima de €600,00) importa o reconhecimento da dívida de € 25.000,00, a título de créditos salariais, a cada um dos recorrentes, tendo inclusive o B… sido interpelado para o efeito (doc. 5 junto á reclamação)
XII
Pelo que, salvo devido respeito, a prova constante dos autos (independentemente de ter de ser o B… a provar que pagou, o que não fez, artºs nº 342°, nº 2 e 799° do Código Civil), e cabal para aferir o incumprimento do recorrido.
XIII
o que importa a revogação da decisão sob recurso e substituição por acórdão que reconheça aos recorrentes o valor reclamado na sua reclamação de créditos, ou seja, € 24.500,00 a título de créditos salariais, acrescido de € 743,73 de juros de mora, isto é, a obrigação do pagamento integral da divida reconhecida pelo B…, no valor de 25.000,00 (c:. l° e 5° do acordo homologado por sentença) a cada um dos recorrentes.

II - Quanto ao recorrente F…;
XIV
O recorrente F… foi trabalhador do requerido B… desde do dia 1 de Outubro de 1985 ao dia 1 de Junho de 2010, dia em que resolveu o contrato por justa causa por não pagamento das retribuições e dos subsídios de férias e de natal tendo peticionado a condenação do recorrido no valor global de € 1.37.242,65, cujo processo corre seus termos no Tribunal do Trabalho do Porto - Juízo único, 3.ª Secção – proc. nº 1613/10.8TTPRT, e se encontra suspenso em cumprimento com o disposto no artigo 17.º-E do C.I.R.E..
(Cfr. doc. de fls.... junto à reclamação de créditos e à impugnação da lista provisória).
XV
O credor reclamou esses créditos no Processo Especial de Revitalização tendo sido qualificado na globalidade como "sob condição", sujeito à verificação de um acontecimento futuro e incerto, ou seja, a procedência do processo n.° 1613/10.8TTPRT 3.ª Secção do Tribunal do Trabalho do Porto, o que salvo o devido respeito se encontra errado.
Vejamos,
XVI
No Despacho Saneador, já transitado erro julgado, foi considerado assente (porque confessado pelo réu B…) que o requerido B… não pagou ao requerente F…:
" - A quantia de € 13.271,65 a título de retribuições em falta - € 2.199,45, correspondente a parte da retribuição relativa ao mês de Fevereiro de 2010; 3.706,25, correspondente à retribuição do mês de Março de 2010; € 3.686130, relativo à retribuição do mês de Abril de 2010; € 3.679,65, correspondente à retribuição do mês de Maio de 2010;
- A quantia de € 14.145,00 a título de subsídios de férias e de Natal relativos a 2008 e 2009 - subsídios de Natal de 2008, no montante de € 3.535,00; € 3.540,00, relativo subsídio de Natal de 2009; - € 3.535,00/ correspondente ao subsídio de férias de 2008; € 3.535,00,, correspondente ao subsídio de férias de 2009.
- O reclamante não gozou férias em 2010 "vencidas em 1 de Janeiro desse ano/ nem recebeu o respectivo subsídio de férias.”
(Cfr. doc junto com o nº 3 à impugnação de fls)
XVII
Assim, os elementos dos autos, permitem, salvo melhor opinião, sem margem para dúvidas, que esse montante, € 27.416,65 (€ 13.271, 65 + € 14.l45,00) seja considerado como valor devido, sem condição, na exacta medida em que foram confessados pelo B….
XVIII
O Mmo. Juiz a quo não se pronunciou sobre este valor, não decidindo sobre o mesmo, o que configura salvo melhor opinião uma nulidade.

Quanto ao remanescente dos créditos salariais, nomeadamente a indemnização por antiguidade,
XIX
O reclamante resolveu o contrato de trabalho com o Requerido B… com justa causa face ao não pagamento culposo da retribuição relativa aos meses de Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2010, bem como, os subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2008 e 2009, nos termos do art. 394º, n.º 1. Al. a), nº 2 alínea a) e n.º 5, do Código do Trabalho.
XX
Trata-se de uma presunção de culpa inilidível, como tem sido considerado pelos Tribunais Superiores, mormente pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão proferido em 21/02/2011, no âmbito do proc. nº 345/10.1 TTPNF, disponível em www.dgsi.pt, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-02-2011, proc. 1022/09.1, publicado em em www.dgsi.pt.i
XXI
Pelo que, deve o reclamante ser indemnizado nos termos do disposto no n.º l, do artigo 396.° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, fixando-se o montante da indemnização em 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo.
XXII
Valor esse (30 dias por cada ano de antiguidade) fixado à colega de trabalho do Impugnante G… (cfr. reclamação de fls) e que também resolveu o contrato de trabalho por não pagamento das retribuições de Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2010, bem como à sua colega de trabalho H… conforme adiante se demonstrará.
XXIII
A data da resolução do contrato de trabalho com justa causa, o reclamante auferia a retribuição de € 3.400,00, acrescida de € 135,00 a título de diuturnidades, pelo que tem direito a receber a título de indemnização a quantia de € 91.910,00 (noventa e um mil, novecentos e dez euros) [26 anos de antiguidade x (€ 3.400,00 + € 135,00)
XXIV
Assim deve a decisão proferida ser revogada e substituída por acórdão que reconheça ao reclamante, sem qualquer condição o direito à indemnização de:
- € 27.416,65 de créditos salariais que o próprio B… já se confessou devedor;
€ 12.248,00 - relativo a retribuição de férias, subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2010 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal relativo ao trabalho prestado em 2010
- € 91.910,00, à indemnização por antiguidade a razão de 30 dias por cada ano de antiguidade conforme foi reconhecida por sentença transitada em julgado aos trabalhadores G… e H…, por falta de pagamento das mesmas retribuições que não foram pagas ao recorrente.
À cautela e caso assim não se entenda,
XXV
Apesar do crédito do Reclamante F… se encontrar sob condição, o que permitiria, verificada a condição aposta, que este fosse pago de acordo com o plano de revitalização acordado, o facto é que o artigo 17.º-E, n.º 1 do C.I.R.E. determina que "durante todo o tempo em que perdurarem as negociações suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”
XXVI
Imposição essa, que poderia ser parcialmente afastada se o acordo ou a sentença sob recurso expressamente o referisse, o que não sucede.
XXVII
Ao invés, o plano de revitalização do B… sob recurso determina que "Com a homologação do Plano de Revitalização extinguem-se todas as acções judiciais que correm contra o Devedor e respectivas penhoras ficando os credores impossibilitados de intentar qualquer acção declarativa ou executiva contra este, na vigência do plano pelos créditos aqui reconhecidos”.
XXVIII
Ora, este plano deverá cumprir-se por aproximadamente 13 anos, pelo que, o crédito reconhecido sob condição do Reclamante F… terá de esperar esse período de tempo para que pudesse ser judicialmente determinado, e posteriormente executado.
XXIX
Tal não assegura, de modo algum, o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos que deve assistir a todo e qualquer cidadão, não se podendo reconhecer um crédito sob a condição de procedência de um processo para o qual se determina a extinção.
Pelo que,
XXX
Deve a decisão ser revogada, substituída por acórdão que determine o levantamento da suspensão sobre o processo 1613/10.8TTPRT 3.ª Secção do Tribunal de Trabalho do Porto - de modo a que se possa verificar ou não a condição a que foi sujeito o pagamento destes créditos.

C) – G…;
XXXI
G… foi trabalhadora do requerido B… desde do dia 1 de Fevereiro de 1987 até ao dia 1 de Junho de 2010, data em que resolveu o contrato por justa causa, tendo reclamado judicialmente a condenação do Recorrido no pagamento dos créditos salariais devidos, acrescidos da indemnização devida, no valor global de € 89.799,22.
Cf. doc. junto reclamação e à impugnação de lista provisória de fls. )
XXXII

Em 25 de Novembro de 2011, por sentença transitada em julgado, proferida pelo 2.° Juízo do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, no âmbito do processo que correu seus termos com o n.º 1029/10.6TTVNG, o B… foi condenado a pagar à reclamante € 26.784,25, acrescido da indemnização pela resolução do contrato com justa causa entre 15 e 45 dias de retribuição base (2300 euros) e diuturnidades (135 euros) por cada ano de antiguidade, a liquidar em execução de sentença, bem como, de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação (06/10/2010) até integral pagamento.
XXXIII
Nestes termos, H... reclamou créditos no processo especial de revitalização no valor global de € 85.224,25 (€ 26.784,23 de retribuições em falta + € 58.440,00 de indemnização por antiguidade (calculada com base na fixação em 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo, de acordo com o que já havia sido estabelecido para a indemnização de ex-trabalhadores do requerido, solicitada nos mesmos termos e condições, designadamente da credora G…, cuja sentença se encontra nos autos a fls ... ).
XXXIV
Contudo, a lista provisória de créditos apenas reconheceu o valor de € 26.784,25 relativamente às retribuições em falta fixadas na sentença e a indemnização foi agora reconhecida na douta sentença sob recurso como "sob condição".
XXXV
Acontece que, na pendência da impugnação da lista provisória a recorrente H… requereu em incidente de liquidação a fixação do montante indemnizatório, tendo o B… sido condenado (decisão confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto) no pagamento de € 59.251,67, valor similar ao que a recorrente reclamo a quando da apresentação da reclamação de crédito.
conf. doc. junto processo principal em 13 de Janeiro de 2014)
XXXVI
Por esse motivo, a sentença recorrida determinou que "Quanto à Snra. D. H… reconheço o crédito de tal Senhora condicionalmente sendo certo que o aresto que lhe reconheceu novos créditos (posteriormente à publicação da legal lista) ainda não obteve trânsito em julgado tanto quanto me apercebi."
No entanto,
XXXVII
Coloca-se a mesma dúvida relativa aos créditos do Reclamante F…: como é que se dá por verificada ou não a condição aposta atendendo à imposição do artigo 17.º-E do C.I.R.E., uma vez que não se encontra salvaguardada na sentença?
XXXVIII
Sendo certo que neste caso aguardava-se apenas o trânsito em julgado da decisão, que já ocorreu, Lendo sido requerida pela recorrer-te a respetiva certidão, protestando juntar a decisão no prazo de 10 dias, pelo que, o valor da indemnização no valor de e 59.251,67 arbitrada à Recorrente H… deveria ser considerado como definitivo.
(Cfr. doc. que se junta com o nº 1).
Caso assim não se entenda
XXXIX
Impõe-se, uma vez mais, a salvaguarda dos processos que permitirão a verificação ou não das condições apostas ao reconhecimento dos créditos para que se inicie o pagamento dos mesmos, determinando-se o levantamento da suspensão aos autos no texto do plano de revitalização, tal como se prevê no artigo 17.º-E, nº l, parte final do C.I.R.E..
XL
Sob pena de extinção destas acções após o trânsito em julgado da sentença recorrida, obrigando os credores reclamantes a esperarem pelo menos 13 anos (duração da vigência do plano) para poderem determinar os seus créditos laborais.
Nestes termos, impõe-se uma reformulação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão que reconheça e qualifique os créditos dos Reclamantes recorrentes, nos seguintes termos:
a) Deverão ser reconhecidos integralmente os créditos reclamados por D… no montante de € 25.243,73 e por E… no montante de € 25.243,73
b) Quanto ao Credor Reclamante F…: Deverá ser reconhecido sem condição, o valor já confessado pelo B… - de € 27.416,65.
O remanescente deve ser considerado como crédito sem condição.
c) Deve ainda a sentença ser revogada e substituída por Acórdão que reconheça à recorrente H…, sem condição, o valor da indemnização que lhe foi atribuída pela 1ª Instância e confirmada pelo Tribunal da Relação, no montante de € 59.251,57, que acresce ao valor que já lhe foi reconhecido como definitivo na lista provisória.
Caso assim não se entenda,
d) Deverão ser expressamente determinados os processos que não se extinguirão com o trânsito em julgado da sentença de homologação, de acordo com o artigo 17.º-E, nº 1, parte final do C.I.R.E., sob pena de os reclamantes que têm o seu crédito reconhecido sob condição como é o caso dos recorrentes F… e H… terem de esperar o termo do PER para fazerem valer os seus direitos.

Nas respostas às alegações as apeladas sustentam a manutenção do decidido.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nºs 1 e 3, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2).

2.1- OS FACTOS

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório bem como da documentação existente no processo, sendo de realçar, desde já, que:
- A recorrente C…, S.A., com um crédito reconhecido no montante de € 4.004.271,97, manifestou, previamente à pertinente votação, oposição ao plano de recuperação, votou contra o mesmo, opondo-se à respectiva homologação judicial.
- O Plano de Recuperação apresentado pelo Devedor indica, no item 5, as “Propostas de Reestruturação dos Créditos” (fls. 2205-2221), propondo-se, relativamente às instituições bancárias e financeiras bem como à entidade construtora do estádio, I…, S.A. (maior credor), o pagamento dos créditos da seguinte forma:
a) Pagamento de 64% do capital em dívida (no caso do C…, S.A., valor de € 1.853.327,99);
b) Perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos;
c)Regularização da situação debitória, no prazo máximo de 12 meses a contar da data da homologação do plano;
d)A hipoteca que garante o crédito, deverá ser reduzida a 85% do montante global do crédito reconhecido no presente plano (Tabela I), de modo a que a soma global das hipotecas que subsistam, corresponda também ela ao valor de 85% dos créditos reconhecidos no presente plano aos credores que delas beneficiam, redução que deverá formalizar-se até 14 dias após a aprovação do plano.
- O recorrente F… votou a favor do plano de recuperação (fls. 2460).

2.2- O DIREITO

Apelação do C…, S.A.

Estabelece o artº 17°-A, nºs 1 e 2, do CIRE (aditado pela Lei nº 16/2012, de 20/04), que "O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização", e pode "ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação".
O processo especial de revitalização visa, pois, a viabilização ou recuperação do devedor. Num CIRE cujo fim precípuo era a satisfação dos direitos dos credores, o aditamento introduzido pela referida Lei na sua sistemática traduz uma mitigação de tal finalidade e um retorno ou colagem à anterior legislação falimentar na qual se previam figuras tendentes à consecução de tais propósitos (recuperação de empresa).
Este tipo de processo especial surgiu como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial num momento especialmente crítico do seu desenvolvimento, criando o legislador um novo instrumento de apoio à recuperação de empresas, com o intuito de optimização do contexto legal, tributário e financeiro em que as empresas actuam, tendo em vista a revitalização empresarial de unidades economicamente viáveis.
O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, encontrando-se em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. É um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a lograr-se um acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a reestruturação da empresa, podendo a final o plano de recuperação ser aprovado ou não aprovado, seguindo s os termos do disposto nos art°s 17°-F e 17º-G, do CIRE (ver, ainda, tramitação subsequente à fase inicial – requerimento e formalidades previstos no artº 17º-C - descrita no art° 17°-D).
Tal como preceituado no artº 17º-F, nº 3, do referido diploma legal, concluindo-se as negociações, o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1, do artº 212º, do CIRE, para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência (quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados), sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada.
Após a votação e aprovação do plano de recuperação, incumbe então ao juiz decidir se deve homologar ou recusar o plano no prazo de dez dias a contar da recepção do mesmo (artº 17º-F, nºs 5 e 6), aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, sendo que a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.
A intervenção do juiz neste processo urgente é muito restrita, porquanto o interesse público radica na primazia da vontade dos credores, confiando-se, quase plenamente, nos mesmos, no administrador judicial bem como, de certa forma, no devedor, no sentido de salvaguardarem os abusos prejudiciais para aqueles e para a saúde da economia.
Considera-se pertinente o ponderado no acórdão da Relação de Guimarães, de 04/03/2013 (acessível em www.dgsi.pt), sobre o PER:
“(…) Chegados aqui, e incidindo agora a nossa atenção sobre o conteúdo dos artºs 215º e 216 º, do CIRE, certo é que de ambos decorre o dever de o Juiz recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando v.g. tal lhe tenha sido solicitado por algum credor que demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano; b) O plano proporciona a um credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos.
Sucede que, no âmbito do poder/dever que dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, como bem salienta Luís Manuel Teles de Menezes Leitão(2), há-de o juiz ater-se às situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois que, já as “Violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano”.
Por sua vez, não distinguindo o legislador o que deve entender-se por “vício não negligenciável” que constitua fundamento da recusa de homologação do plano de recuperação, e estando abrangidos pelo artº 215º do CIRE tanto os meros vícios procedimentais com outrossim os de conteúdo, considera-se como que fazendo parte dos não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que importem forçosamente uma violação de normas imperativas que comportem a produção de um resultado não autorizado pela lei, sendo já porém negligenciáveis todas as outras infracções que atinjam regras de tutela particular que podem ser afastadas com o consentimento do protegido.
Em suma, dir-se-á que o processo especial de revitalização [inspirado no conhecido “capítulo 11” norte-americano], nascido no âmbito do programa revitalizar criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, e tendo como desiderato essencial afirmar-se como uma solução de reestruturação empresarial - ou seja, contribuir para a revitalização de empresas economicamente viáveis mas que se encontrem, pelas mais diversas razões, em situação difícil -, não devendo ser encarado como mais um expediente que veio fazer parte do “problema”, ao invés deve antes ser encarado como um efectivo meio que vem acrescentar algo de novo para a “solução”, maxime para a viabilização e/ou recuperação do devedor.
Ou seja, e dito de uma outra forma, com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, doravante [manifesto é que com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar o objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação], a recuperação do devedor a consubstanciar, também, um fim atendível no âmbito do CIRE, maxime em sede do PER.
Na verdade, tal como resulta da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à Lei 16/2012 [Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30/12/2011, da Presidência do Conselho de Ministros] o principal objectivo da alteração do CIRE visou direccionar este último diploma para a recuperação de empresas devedoras, “privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”.
E, sendo assim como é (não olvidando ainda o disposto no artº 9º, nº1, do Cód. Civil), tudo aponta e obriga a que, em sede de recusa da homologação [cfr. artº 215º, do CIRE] do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em razão de violação - não negligenciável - de regras procedimentais, há-de forçosamente o Juiz atender ou pelo menos não menosprezar o favor debitoris, ou seja, ter de alguma forma presente o desiderato do PER em sede de revitalização do tecido empresarial, e isto em oposição a uma anterior filosofia que privilegiava antes a liquidação e o desmantelamento das empresas.”.
Concorda-se com o ajuizado no referido acórdão.
Em suma, com publicação da mencionada Lei nº 16/2012, de 20/04, reorientou-se o CIRE para “a promoção da recuperação, representando uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público de defesa da economia, assente na filosofia de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”.
Estabelece o nº 2, do artº 192º, do CIRE:
“O plano só pode afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados.”.
Consagra o artº 194º, do CIRE, o princípio da igualdade, estabelecendo o nº 1, que “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”, enquanto o nº 2 estatui que “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.
O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação dos planos de insolvência e recuperação. A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis.
No artº 215º, do CIRE, regula-se a recusa oficiosa da homologação do plano de insolvência, enquanto no artº 216º, do mesmo diploma legal, prevê-se a não homologação a solicitação dos interessados.
Normas procedimentais (artº 215º) são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes - incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento - e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pg. 118).
Estando abrangidos pelo artº 215º, do CIRE, tanto os simples vícios procedimentais como os de conteúdo, deve considerar-se como que fazendo parte dos não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insusceptível de poder ser suprido com o consentimento do tutelado.
Dispõe o nº 1, do artº 216º:
“I - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.
Sustenta o Prof. L. Menezes Leitão (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, normativo em causa) que há-de o juiz ater-se às situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois que, já as “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano”.
Anotam, a propósito, Carvalho Fernandes e João Labareda (ob. cit., pg. 124):
“6. Verificado o pressuposto do direito, a procedência do pedido depende da demonstração de uma das duas situações que, alternativamente, estão consagradas nas duas alíneas do n.º l.
Naturalmente, só em presença de cada caso concreto pode concluir-se sobre o mérito do requerimento.
Sublinhe-se, no entanto, que a prova da eventualidade referida na al. a) pressupõe um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo legal supletivo.
Quanto aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. Quanto ao devedor, sócios, associados e membros, trata-se de avaliar eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património.
Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exactamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.
Casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil. Será o que sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento – ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano.
A este propósito, tenha-se em conta que, nos termos do art.º 197.°, se admite a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios se tal constar expressamente do plano, mesmo, segundo sustentámos, sem necessidade específica do assentimento do respectivo titular (cfr. a correspondente anotação). Por outro lado, atenda-se ao quorum deliberativo fixado no art.º 212.°, para cuja anotação igualmente se remete.
7. Quanto à hipótese contemplada na al. b), as coisas apresentam-se de modo bem mais simples, pois trata-se tão somente de comparar o valor nominal dos créditos, acrescido dos desembolsos que ainda deva fazer, com aquilo que o titular receberá no quadro do plano.
As duas últimas variáveis são sempre conhecidas; e a primeira sê-lo-á, também, por regra.”.
Feitas estas considerações genéricas (normativas, doutrinais e jurisprudenciais), revertendo ao objecto do recurso, temos que a apelante conclui, no essencial, que:
- Não se verificam os requisitos legais para o recurso ao PER, pois que o recorrido está em verdadeira situação de insolvência;
- Se verifica uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação, nomeadamente:
a) pela nulidade de cláusula referente à redução de garantias, que impõe obrigações aos credores em momento anterior à homologação do plano;
b) por violação de conteúdo, porquanto contém cláusula imprecisa no que toca à forma de pagamento;
c) por violação da liberdade contratual dos credores porquanto impõe regras que não obtiveram o prévio acordo do credor;
d) porque a homologação do plano deixa o credor em situação menos favorável do que a liquidação do património do clube devedor recorrido.
Vejamos.
Como predito, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação.
Desde logo, não está, objectivamente, demonstrado que a devedora se encontra numa situação de insolvência, sendo certo que apenas a sentença declarativa da insolvência opera, na esfera do insolvente, a produção dos efeitos que a ordem jurídica associa á situação.
Por outro lado, aceitando-se que a devedora estaria em situação de insolvência iminente, mas susceptível de recuperação (como o comprova a aprovação, por larga maioria, do plano de recuperação), justifica-se o recurso ao PER, que se trata de um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a lograr-se um acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a reestruturação da empresa, podendo a final o plano de recuperação ser aprovado ou não aprovado, seguindo s os termos do disposto nos art°s 17°-F e 17º-G, do CIRE.
Recorde-se que a intervenção do juiz neste processo urgente é muito restrita, porquanto o interesse público radica na primazia da vontade dos credores, confiando-se, quase plenamente, nos mesmos, no administrador judicial bem como, de certa forma, no devedor, no sentido de salvaguardarem os abusos prejudiciais para aqueles e para a saúde da economia.
Nada impede, assim, no caso, o recurso ao PER, em conformidade com o estatuído no artºs 1º e 17º-A e seguintes, do CIRE.
Por outro lado, adianta-se que, a nosso ver, não se verifica uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação.
O clausulado no plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores prevê na al. b), do ponto 5.2.3.2., com a epígrafe C…, S.A., da página 40, o seguinte: “A hipoteca que garante o crédito, deverá ser reduzida a 85% do montante global do crédito reconhecido no presente plano (…), redução que deverá formalizar-se até 14 dias após a aprovação do plano.”.
Na perspectiva a apelante a descrita cláusula é nula, na medida em que a devedora pretende, com a supra referida cláusula, que o plano de recuperação produza efeitos antes da sentença de homologação do mesmo, em violação do disposto no artº 217º, do CIRE.
Ora, como bem observa a devedora recorrida, na resposta à alegação e antes desta, na “resposta”, de fls. 2514-2529, ao pedido de não homologação do plano formulado pelo Banco reclamante/apelante), a fixação do prazo para cumprimento do clausulado (formalização da redução da(s) hipoteca(s)) prende-se exclusivamente com o facto de os créditos da Autoridade Tributária não só têm de ser pagos no mês seguinte ao da aprovação, como têm de estar garantidos em igual prazo (cf. decorre da conjugação dos artigos 30.º, n.ºs 2 e 3, 36.º da Lei Geral Tributária e artigos 196.º e 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 17º-D do CIRE).
Sublinhe-se que a recorrente não questiona a acordada redução da hipoteca mas apenas o momento em que a mesma se deveria verificar, a saber, 14 dias após a aprovação do plano, ou seja, até 15 de Setembro de 2013.
Por isso, a invocação da eventual invalidade do conteúdo daquela cláusula deixa de fazer sentido uma vez que o aí acordado não se concretizou no referido prazo.
Com a homologação judicial do plano de recuperação, poderá e deverá cumprir-se a aludida redução da(s) hipoteca(s).
Inexiste, pois, violação do estatuído no artº 217º, do CIRE.
Conclui, de seguida, a recorrente que há violação do conteúdo do plano de recuperação.
No item 5 do plano de recuperação aprovado, consta na alínea a), do ponto 5.2.3.2., com a epígrafe C…, S.A., na página 40, do Plano de Recuperação, o seguinte: “(…) Regularização da situação debitória, no prazo de 12 meses a contar da data da homologação do plano.”
No entender da apelante, “tal cláusula é vaga, imprecisa e insuficiente, para que um credor possa ficar, minimamente, esclarecido sobre o conteúdo do Plano de Revitalização, na medida em que o mesmo não refere, de modo claro e inequívoco, o que se pretende dizer com “regularização da situação debitória””.
Ponderamos, no nosso acórdão de 13/05/2013, no processo nº 4257/12.6TBVFR-B.P1 (acessível em www.dgsi.pt) o seguinte:
“(…) Anotam, a propósito, L. Carvalho Fernandes e J. Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2005, II, p. 38) que “3. (…) Por outro lado, mesmo quando o plano se reconduz a uma ou a um conjunto de providências recuperatórias da empresa do devedor, elas revestem um carácter instrumental enquanto meio predominantemente dirigido à realização dos interesses dos credores, e é em razão da sua apetência para alcançar esse objectivo que o próprio plano deve ser apreciado, quer, desde logo, para efeitos da admissão da proposta pelo juiz (cfr. art.º 207.°), quer para, uma vez aprovado pela assembleia, poder ser judicialmente homologado.
Diferentemente, no âmbito do processo de recuperação de empresa regulado pelo CPEREF, embora, segundo o entendimento que então sustentámos como melhor, não pudessem ser homologadas deliberações de aprovação de medidas de recuperação insusceptíveis de garantir uma satisfação mínima dos credores, havia sempre, como critério fundamental da aferição da legalidade da deliberação, a adequação da providência adoptada para assegurar a viabilidade económica da empresa.
Para além das diferenças enunciadas, há a assinalar a de as providências de recuperação precederem a declaração de falência, sendo justamente destinadas a evitá-la, enquanto o plano de insolvência sobrevém à declaração de insolvência, assumindo-se como um expediente alternativo de satisfação dos credores.
4. O que fica exposto prenuncia uma outra destrinça marcante entre o plano de insolvência e as providências de recuperação da empresa, que se projecta sobre o conteúdo de um e outras.
Quanto a estas últimas, embora consagrando o que denominámos de tipos abertos, a lei acolheu o princípio da tipicidade, o que tinha por consequência ser apenas permitido aos credores aprovar medidas de alguma das categorias legalmente enumeradas no art.º 4.° do CPEREF.
Distintamente, optou-se agora pela regra da liberdade de conteúdo, que, em geral, permite a composição do plano pelo modo entendido mais ajustado à tutela dos credores, se bem que se contemplem algumas limitações fora da sua disponibilidade. Isso mesmo resulta inequivocamente do estatuído nos art.º 195.° e seguintes.”.
O ponderado pelos mencionados doutrinadores, a propósito da destrinça entre o plano de insolvência e as providências de recuperação da empresa, previstas no CPEREF, pode aplicar-se, com as necessárias adaptações, à distinção entre plano de insolvência e o PER, incluindo o respectivo plano de recuperação, regulado no CIRE.
Dispõe o artº 195º, do CIRE (conteúdo do plano):
“1- O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.
2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) (…).”.
(…) O plano de recuperação, integrado no processo de revitalização, constitui uma realidade jurídica diversa do plano de insolvência regulado no Título IX, designadamente no Capítulo I (arts. 192º a 208º), do CIRE.
No quadro normativo específico do processo de revitalização apenas se prevê a aplicação, com as necessárias adaptações, do preceituado nos arts. 211º, 212º, 215º e 216º, do CIRE (Capítulo II, do Título IX), relativas à aprovação e homologação do plano de insolvência (ver arts. 17º-F e 17º-I).
…)- Plano de Recuperação e Plano de Insolvência são realidades jurídicas perfeitamente distintas, detendo cada um deles regras próprias e específicas e pressupostos e finalidades distintas;
- No PER, diversamente do que sucede no Processo de Insolvência, pretendeu-se conferir primazia à vontade dos credores, o que se reflete nas diversas soluções adaptadas quer de índole procedimental quer de índole substantiva, onde se atribui um controlo efetivo do processo pelos credores, em detrimento do controlo jurisdicional, que ficou reservado apenas a questões restritas e que, no fundo, se limitam a dar força à vontade dos credores;
-Por isso que o Processo de Insolvência, por exemplo, quanto aos pagamentos e aos Planos de Recuperação, seja claramente diferente do PER, como desde logo resulta dos termos em deve ser elaborado, apresentado e votado um PR e um Plano de Insolvência.
-Por isso, também, que as regras sobre a votação e aprovação do PR do PER sejam mais simples e sejam apenas as consignadas nos nº 1 a 5, do artigo 17º-F, com exclusão de quaisquer outras, mormente as do Capítulo I, do Título IX, do CIRE;
- O que bem se percebe já que o PER é um processo judicial com uma reduzida intervenção de juiz, em que se pretende promover e potenciar uma negociação inteiramente extrajudicial, fora do tribunal e quase fora do próprio processo, com amplíssima liberdade e com acrescida responsabilização dos credores, prevenindo-se e dissuadindo-se, assim, o seu eventual alheamento e obrigando-se ao seu comprometimento na negociação e nos seus resultados, sob pena de, caso não cooperem, se virem a deparar vinculados a um PR em que não participaram (artº 17°-F);
- No PER o legislador deixou assim a ponderação e a avaliação dos riscos e temores suscitados por um tal processo para o devedor, administrador e credores, coresponsabilizando-os nos resultados e no controlo desse processo, designadamente quanto às medidas que devem se adotadas para a recuperação do devedor e quanto ao conteúdo do PR.
Não tem, pois, aplicação, no PER, o estatuído no artº 195º, do CIRE.”.
Mantemos o ajuizado nesse acórdão.
De todo o modo, afigura-se-nos que o vertido na descrita al. a) do item 5.2.3.2, do plano aprovado, é suficientemente claro no sentido de que a regularização da situação debitória significa que, no prazo aí estipulado, a devedora pagará ou consensualizará com o credor a forma de pagamento no relativo ao valor resultante do plano para o crédito respectivo.
Assim o entenderam, ao menos implicitamente, os credores que aprovaram o plano e, a nosso ver, do mesmo modo interpretaria tal clausulado uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, em face dos termos da declaração (ver arts. 236º a 238º, do CC, que estabelecem critérios - objectivista ou normativo da impressão do destinatário - para o alcance ou sentido juridicamente decisivo da declaração negocial, e P.Lima-A.Varela, C.Civil Anot., 207, Vaz Serra, RLJ, 111º,220 e 307, Mota Pinto, Teoria Geral, 1973, p. 624 e segs., Acs. STJ, BMJ,374º/436, 406º/629, 421º/364 e 441º/357).
Conclui, ainda, a apelante pela violação da liberdade contratual dos credores, decorrente da aprovação, com oposição do Banco C…, da redução da garantia hipotecária a 85% do montante do crédito da apelante, em desrespeito pelo preceituado no nº 2, do artº 192º, do CIRE.
Os interessados no processo de insolvência (v.g. os credores) só podem ser atingidos verificado que seja um de dois pressupostos alternativos, a saber: o consentimento do próprio visado ou a afectação nos precisos termos autorizados pelo CIRE.
Por outro lado, tem-se por inquestionável que o plano de recuperação deve atender ao princípio da igualdade dos credores da insolvência (artº 194º, do CIRE), aceitando-se apenas diferenciações justificadas por razões objectivas, salvo se o credor afectado consentir nesse tratamento desfavorável, consentimento que se considera tacitamente prestado apenas no caso de voto favorável.
A preterição deste princípio importa, necessariamente, uma violação grave, não negligenciável, de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação, impondo-se a recusa judicial em homologar o plano.
Revertendo ao PER em apreço, constata-se que o plano de recuperação foi aprovado por muito larga maioria dos credores, designadamente pelo maior credor, a I…, S.A., o Estado, os restantes Bancos e instituições financeiras e outros credores (pessoas singulares e colectivas).
A administradora provisória considera, igualmente, possível a recuperação do B… devedor.
A redução da garantia hipotecária a 85% do montante do crédito aplica-se, por igual, a todos os credores possuidores de tal garantia especial das obrigações. Acresce que na reestruturação prevista no plano de recuperação é respeitada a devida proporcionalidade.
Relembre-se que, com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, doravante (manifesto é que com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar o objectivo primacial o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação), a recuperação do devedor a consubstanciar, também, um fim atendível no âmbito do CIRE, maxime em sede do PER. No âmbito do processo de revitalização, este aspecto assume grande relevância pois enquadra-se na filosofia geral da lei, que privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
Importa realçar que as normas introduzidas no CIRE, relativas ao PER (artº 17º-A e segs) têm de ajustar-se às finalidades e à tramitação do processo de revitalização, o qual carece de agilidade e versatilidade, embora sem atropelo da lei, como critérios de potenciação do êxito, que almeja.
Por isso, a lei estabeleceu a fase de negociações, concluída com a votação do plano de recuperação, que terá de ser aprovado pela maioria de votos prevista no nº 1, do artº 212º, do CIRE, seguindo-se a homologação judicial do plano, vinculante de todos os credores (artº 17º-F, do CIRE).
Significa isto que o êxito do PER, ou seja, a recuperação do devedor, não pode ser paralisado por um credor que não aceite uma decisão tomada pela maioria dos credores, quando essa decisão (plano de recuperação) não evidencia, como no caso, uma violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, designadamente o preceituado nos arts. 192º e 194º, do CIRE.
Por fim, conclui a apelante que a homologação do plano deixa o credor em situação menos favorável do que a liquidação do património do clube devedor recorrido.
Prova-se que a recorrente possui um crédito garantido (hipoteca) - artº 47º, nº 4, al. a), do CIRE.
Porém, o mesmo acontece com outros credores do clube requerente do PER.
Como predito, o juiz recusará a homologação do plano, a pedido do credor, se este demonstrar, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano (artº 17º-F, nº 5, e 216º, nº 1, al. a), do CIRE).
Já observamos supra, citando Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (ob. cit., II, p. 124), que a procedência do pedido de não homologação depende da demonstração da invocada situação gravosa, demonstração que aqueles autores associam a um complexo juízo de prognose intelectual “que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele”, ou seja, e no que toca aos credores, tudo se reconduz “a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele”.
O que substancialmente importa é, pois, a comparação entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência.
Ora, afigura-se-nos que está por demonstrar, com a necessária segurança, o pressuposto enunciado na mencionada al. a) do nº 1, do artº 216º, do CIRE, a saber, que na ausência de aprovação do plano de revitalização, o crédito da apelante seria integralmente satisfeito por via da liquidação do património da devedora/insolvente, concretamente através da venda do imóvel onerado com a hipoteca.
Com efeito, subscreve-se o concluído pela devedora/apelada no sentido de que:
- No plano aprovado, a devedora compromete-se regularizar a situação no prazo de doze meses após a homologação do Plano de Revitalização.
- Nesta perspectiva, é razoável afirmar-se que a situação do Banco recorrente hoje, face ao compromisso assumido pelo clube recorrido, é melhor do que a situação anterior em que desconhecia como e quando (e mesmo se) obteria a satisfação do seu crédito.
- E mesmo em cenário de liquidação, não ficaria a recorrente em situação mais favorável, desde logo porque a sua dívida está garantida por hipoteca sobre imóveis da devedora, imóveis estes cujo valor de mercado e efetiva possibilidade de venda, só poderá ser aferida em situação real, sendo, por isso, especulativa a alegação da credora apelante de que o seu crédito seria integralmente satisfeito através da venda do dito imóvel.
Em suma, não prova, em termos plausíveis, a credora recorrente, a nosso ver, que o plano de recuperação a coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.
Quer dizer, não demonstra a apelante o requisito conducente à recusa de homologação do plano, previsto na al. a) do nº 1, do artº 216º, do CIRE.
No caso, não ocorre justificação para a recusa de homologação do plano de recuperação conducente à revitalização, regularmente aprovado pela larga maioria dos credores, porquanto não se verifica qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (arts. 17º-F, nº 5, e 215º, do CIRE).
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso do Banco apelante.

Apelação de D…, E…, F… e H…

Como vimos, a recusa da homologação do plano de recuperação a solicitação de um credor pressupõe, desde logo, que este tenha manifestado nos autos a sua oposição ao plano (artº 216º, nº 1, do CIRE).
Prova-se que o credor recorrente F… votou a favor do plano de recuperação (fls. 2460).
Constata-se, por outro lado, que os recorrentes não pediram, na 1ª instância, ao Sr. juiz, a não homologação do plano de recuperação, alegando os pertinentes factos integradores dos pressupostos da recusa previstos no citado artº 216º, nº 1, als. a) e/ou b), do CIRE.
Depois, interpuseram recurso da sentença que homologou o plano de recuperação, não pedindo, nas conclusões do recurso, nem na alegação propriamente dita, que seja revogada a homologação mas antes, e apenas, uma reformulação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão que reconheça e qualifique os créditos laborais dos reclamantes recorrentes nos termos descritos na parte final das conclusões.
Acresce, de todo o modo, que, dado o valor dos créditos invocados pelos recorrentes, não seria possível pôr em causa o plano de recuperação aprovado por larga maioria de credores (artºs 17º-F, nº 3, e 212º, nº 1, do CIRE).
Vejamos.
Dispõe o nº 1, do artº 17.º-E, do CIRE:
“1- A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação".
Pese embora a questão, muito relevante, não seja pacífica, entende-se que as ações previstas (cobrança de dívidas), que não podem ser instauradas, se suspendem ou se extinguem, são as ações declarativas e as executivas (L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, ob. cit. 2ª ed., p. 164-165, Catarina Serra, Revitalização – A designação e o misterioso objeto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE", Almedina, 2013, pág. 99, Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, 2013, pág. 53, e acórdãos desta Relação, de 18/12/2013 e 07/04/2014, acessíveis em www.dgsi.pt. Ver contra, N. Salazar Casanova e D. Sequeira Dinis, PER, Coimbra Editora, 2014, p. 97 e segs, para quem a expressão acções para cobrança de dívidas a que se refere o artigo 17.º-E, n.º 1, abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos nos artigos 867.° ou 869.° do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios de acções que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal).
No plano de recuperação aprovado, estabelece-se no item 5.6, além do mais, que:
“8. Com a homologação do Plano de Revitalização extinguem-se todas as acções judiciais que correm contra o Devedor e respectivas penhoras ficando os credores impossibilitados de intentar qualquer acção declarativa ou executiva contra este, na vigência do plano pelos créditos aqui reconhecidos”.
Por outro lado, no item 5.2.1. (Créditos dos Trabalhadores) acordou-se que:
“a) O crédito dos trabalhadores no total de 717.780,88 C, dos quais 410.885,93 € constituem crédito vencido e o remanescente de 306.894,95 € está sujeito a condição suspensiva, têm natureza privilegiada nos termos do art.º 333 do CT.
b) O Devedor propõe o seu pagamento nos seguintes termos:
• Em 120 prestações mensais e progressivas (à razão de 1% ao ano), com início 30 meses a contar da homologação do plano (150 meses no total), previsionalmente em março de 2016;
• Perdão integral dos juros vencidos e vincendos.
c) No que concerne aos créditos que se encontram sob condição, caso a mesma se venha a verificar, o pagamento far-se-á nas mesmas condições do plano.”.
Saliente-se que o processo especial de revitalização não pretende restringir quaisquer direitos dos credores, pelo contrário, tem como fim fazê-los intervir na revitalização do seu devedor. Apesar de o seu regime ter ínsito um espírito de desjudicialização do processo de insolvência, certo é que aos tribunais é conferida a tutela do processo, designadamente, no que respeita à sua equidade entre credores.
O processo em causa tem regulamentação própria, bastante simplificada, diversa e distante da regulamentação do processo de insolvência.
O estatuído no artº 17.º-D, do CIRE, não colide, antes reflecte, obviamente, o espírito da tramitação do PER, não impedindo ou dificultando a sua finalidade de obter rapidamente a revitalização do devedor por meio de um plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores, para evitar uma situação de insolvência que está eminente.
Anotam, a propósito do normativo indicado, L. Carvalho Fernandes e J. Labareda (ob. cit. 2ª ed., p. 159) que:
“(…) Remanesce, todavia, a questão de saber como deve o tribunal proceder para resolver os litígios que as impugnações criam, o que envolve a dúvida sobre se deve ou pode, promover diligências de caráter instrutório. E esta, por sua vez, convoca o problema da possibilidade - e do efeito - da indicação de meios de prova não documentais, seja no requerimento de reclamação, seja no de impugnação.
Parece claro dos textos dos n.ºs 2 e 3 e da própria dinâmica que, com eles, se quis imprimir ao procedimento, não ter sido contemplada a realização de tais diligências. E também não há nenhuma indicação no sentido de que os requerimentos possam incluir o oferecimento de prova não documental. Por outro lado, é manifesto que a produção de prova posteriormente à apresentação, em juízo, das impugnações implicará normalmente - dir-se-á necessariamente segundo a comum experiência da vida - a absoluta impossibilidade de cumprimento do prazo de decisão contemplado na parte final do nº 3.
Estas circunstâncias induzem que o tribunal deva decidir exclusivamente com base nos elementos trazidos ao processo com os requerimentos, aí se incluindo a documentação com eles oferecida, devendo, além disso, levar em conta somente o que o processo já contenha, como será o caso da documentação de suporte ao requerimento inicial do credor.
Contra este entendimento não pode colher-se nenhum argumento a partir do regime do já citado n.º 3 do art.º 17.º-F.
No que aqui importa, perspetiva-se aí a possibilidade de, à data da aprovação do acordo recuperat6rio pela maioria necessária, haver impugnações por decidir. Poder-se-ia pensar que está aqui ínsita a admissibilidade de diligências complementares a levar a cabo pelo tribunal em ordem à habilitação do juiz para decidir.
Mas não é assim.”
Mais anotam que “(…) Sendo assim, não se vê obstáculo a que, não tendo a decisão sobre a impugnação no processo de revitalização sido precedida da observância das garantias próprias da discussão em processo civil, nomeadamente por virtude da limitação da produção e apreciação de provas, a questão possa vir a ser reposta em sede de outro processo que, diferentemente do de revitalização, tenha por objetivo prioritário e fundamental a definição da situação jurídica controvertida.
Neste contexto, a concatenação de todos os elementos disponíveis, tendo em conta as finalidades do processo de revitalização e a necessidade de lhe assegurar eficácia, aponta no sentido de que a melhor composição dos interesses em causa se faz com a solução que emerge aprioristicamente dos texto dos n.ºs 2 e 3 e que, em síntese, se pode enunciar nos seguintes termos: a impugnação de créditos e as subsequentes avaliação e decisão judiciais só podem ser suportadas em prova documental e esta última apenas tem caráter definitivo nos termos e para os efeitos do processo de revitalização em que se insere.” (sublinhado nosso).
Dito isto, verifica-se que os credores apelantes impugnaram a lista provisória de créditos, de fls. 722, bem como a subsequente lista (corrigida), de fls. 1978-1989 (resposta às impugnações por parte da administradora provisória).
Nessa lista estão reconhecidos, no que concerne, os seguintes créditos (privilegiados): D… e E… (€ 14.500,00, a cada um), F… (€ 131.575,35, sob condição e/ou provisoriamente) e H… (€ 26.784,25).
Relativamente aos apelantes D…, E… e H…, nessa lista não se reconhecem os valores de € 10.743,73, € 10.743,73 e € 60.799,93, respectivamente.
No concernente às impugnações deduzidas pelos apelantes D… e E…, subscreve-se o ajuizado na sentença recorrida no sentido de que não se verifica a existência de prova (documental) bastante que sustente a invocada “cláusula penal”, por inadimplemento contratual, cláusula essa que não opera de forma automática. Como defende, e bem, a devedora recorrida, o facto das prestações não estarem lançadas na contabilidade do B… não é prova bastante da verificação das condições de que depende a aplicação da referida cláusula.
Quanto à impugnação do recorrente F… importa lembrar, desde logo, que este votou favoravelmente o plano de recuperação.
Por isso, tendo presente o acordado no item 5.6.8. do plano de recuperação (ver supra), torna-se difícil admitir que venha, agora, negando o que, livremente, aceitara antes, pedir que “deverão ser expressamente determinados os processos que não se extinguirão com o trânsito em julgado da sentença de homologação, de acordo com o artigo 17.º-E, nº 1, parte final do C.I.R.E. (…)”.
Isto não obsta, naturalmente, a que o Sr. Juiz do Tribunal do Trabalho do Porto (Juízo único, 3.ª Secção, proc. nº 1613/10.8TTPRT) tome a posição que entender processualmente adequada, no caso (ver o seu despacho de 07/10/2013, constante de fls. 2571-2574, em que anuncia o seu pensamento sobre a questão, sem dúvida juridicamente delicada e paradoxal), devendo observar-se, a propósito, que ficou acordado no plano de recuperação que os créditos laborais apenas começam a ser pagos “(…) 30 meses a contar da homologação do plano (150 meses no total), previsionalmente em março de 2016.”. Significa isto que, até então, a questão poderá, eventualmente, ser resolvida no processo laboral (ver o clausulado em c), do item 5.2.1., do plano de recuperação aprovado).
Importa ter presente, por outro lado, acerca do invocado despacho de condensação (matéria assente), proferido no aludido processo laboral (nº 1613/10.8TTPRT), a instrumentalidade da base instrutória (especificação), que mais não é do que um acervo de questões que hão-de obter resposta ulterior do tribunal, não tendo a natureza de decisão mas de peça preparatória da decisão, não constituindo caso julgado.
Mantém-se, assim, o reconhecimento condicional do crédito do recorrente F….
Por fim, o crédito da recorrente H….
Face ao teor do acórdão desta Relação (Secção Social), de 06/01/2014, proferido no processo nº 1029/10.6TTVNG.P1, poderia acolher-se a pretensão da apelante H… no sentido de ser reconhecido o seu crédito privilegiado, no montante de € 86.035,92.
Porém, esse acórdão ainda não transitou em julgado, segundo informação prestada, nesta data, pela secretaria da Secção Social desta Relação (existe uma reclamação do não recebimento do recurso interposto pelo aí réu, aqui devedor apelado, B…).
Tal não impede, antes impõe, que se considere reconhecido nestes autos, sob condição (trânsito em julgado do mencionado acórdão desta Relação), um crédito de H… no montante de € 59.251,67, a acrescer ao já reconhecido pela administradora judicial provisória no valor de € 26.784,25.
Deste modo, se e quando tal aresto vier a transitar em julgado, atender-se-á ao clausulado em c), do item 5.2.1., do plano de recuperação aprovado: “c) No que concerne aos créditos que se encontram sob condição, caso a mesma se venha a verificar, o pagamento far-se-á nas mesmas condições do plano”).
Subsiste, para já, apenas o crédito reconhecido no PER a H…, no montante de € 26.784,25.
Improcede, assim, o concluído pelos recorrentes D…, E… e F…, na respectiva alegação, e procedente, na justa medida do expendido, o concluído pela recorrente H….

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
a) Improcedente a apelação deduzida pelo C…, S.A., confirmando-se a decisão recorrida que homologou o plano de recuperação acordado no PER, pelo requerente B…;
b)Improcedentes as apelações deduzidas pelos credores D…, E… e F…;
c) Parcialmente procedente a apelação interposta pela credora H…, reconhecendo-se, nestes autos, sob condição (trânsito em julgado do acórdão desta Relação, Secção Social, de 06/01/2014, proferido no processo nº 1029/10.6TTVNG), um crédito no montante de € 59.251,67, a acrescer ao já reconhecido pela administradora judicial provisória, no valor de € 26.784,25.
No mais, mantém-se o decidido na 1ª instância.
Custas das apelações deduzidas pelo C…, S.A., D…, E… e F…, pelos apelantes.
Na apelação intentada pela credora H…, as custas serão suportadas por apelante e apelada, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.
Notifique.
*
Anexa-se o sumário.

Porto, 30/06/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
________________
SUMÁRIO (ARTº 713º, nº 7, do CPC, actual artº 663º, nº 7):
I- Com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que alterou o paradigma, a integrar o objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação.
II- O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação dos planos de insolvência e recuperação. A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis, sendo fundamento de recusa da homologação judicial do plano de recuperação.
III- Incumbe ao credor oponente a prova, em termos plausíveis, de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano (artº 216º, do CIRE).
IV- O êxito do PER, ou seja, a recuperação do devedor, não pode ser paralisado por um credor que não aceite uma decisão tomada pela maioria dos credores, quando essa decisão (plano de recuperação) não evidencia, como no caso, uma violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
V- As ações previstas (cobrança de dívidas – artº 17º-E, nº 1, do CIRE), que não podem ser instauradas, se suspendem ou se extinguem, são as ações declarativas e as executivas.

Caimoto Jácome