Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1059/13.6PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: PENAS
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
EXTINÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP202304191059/13.6PJPRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Excepcionados os casos previstos no artigo 7º da lei n.º 31/2004, de 22/07, que define os crimes que configuram violação do direito internacional humanitário e infracções conexas, os atinentes a crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, não existem penas imprescritíveis, pelo que, e ressalvados esses casos, todas aspenas, incluindo as penas de prisão cuja execução foi suspensa, encontram-se sujeitas ao regime da prescrição.
II – Existe divergência jurisprudencial nesta matéria, havendo quem entenda que as alíneas a) a c) do nº 1 artigo 122º do Código Penal não são aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução, mas tão só a penas de prisão efetiva, pelo que a suspensão da execução da pena, enquanto pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão, encontra-se sujeita ao prazo prescricional de quatro anos previsto na al. d) do nº 1 do mesmo dispositivo legal.
III – Noutro sentido, há jurisprudência que perfilha o entendimento de que na al. d) do n.º 1 do artigo 122º do Código Penal cabem todas as penas de prisão inferiores a dois anos, suspensas ou na sua execução, e as penas de multa não abrangidas nas alíneas anteriores, ou seja, as penas de prisão suspensas não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável o disposto no artigo 122º, nº ,1 al. d), do Código Penal.
IV – Em relação à natureza da suspensão da execução da pena, a doutrina e a jurisprudência são unânimes de que se trata de uma pena de substituição, porque é aplicada e executada em vez da pena principal, a pena de prisão, sendo actualmente configuradas como verdadeiras penas autónomas.
V – A interpretação segundo a qual deverá contar-se o prazo de prescrição apenas a partir do trânsito da decisão revogatória, e não desde a data do termo do prazo de suspensão da execução da pena, não está suportada em nenhum normativo, além de que tal entendimento é altamente desfavorável para os direitos da defesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1059/13.6PJPRT.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso do despacho de 05.01.2023 proferido no Processo Comum Colectivo nº 1059/13.6PJPRT do Juízo Central Criminal do Porto (J6) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que não aderiu à promoção do Ministério Público de 04.01.2023 no sentido de se declarar prescrita a pena aplicada ao arguido AA de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e considerou que a sobredita pena não se encontra prescrita.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Ministério Público, considerando encontrar-se prescrita a pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, adstrita a regime de prova, irrogada a AA, promoveu em conformidade, o que veio a ser indeferido;
2. O despacho em crise exprime a violação do disposto nos art.s 122º/1-d), 126º/1-a), 2 e 3 do CP, defendendo, em nossa opinião, incorretamente, que o último dos referidos segmentos legais, o n.º 3 cit. – o qual, prevê um termo absoluto de prescrição, decorrente da adição ao prazo normal, da sua metade, sem embargo da suspensão – será sempre aplicável se no desenvolvimento do período prescritivo advier alguma causa de interrupção, independentemente dos momentos concretos em que esta surgiu e cessou;
3. Pormenorizemos o devir processual revelante para a operação em apreço:
a) o acórdão condenatório consolidou-se definitivamente na ordem jurídica a 23.09.2015, dies a quo para a contagem da prescrição – cfr. art. 122º/2 do CP;
b) tal prazo, atendendo à pena concretamente irrogada, cifra-se em quatro anos - cfr. art. 122º/1-c)-d) do CP;
c) o decurso prescritivo ficou interrompido durante dois anos e nove meses, correspondente ao período inicial da suspensão e posterior prolongamento, reiniciando-se a 23.06.2018 – cfr. art. 126º/1-a) e 2 do CP no sentido que o prazo de suspensão da pena consubstancia causa interruptiva do art. 126º/1-a) do CP vide acórdão do STJ de 13.02.2014, disponível em www.dgsi.pt;
4. A decisão a quo perfilha precisamente o raciocínio até agora delineado, identificando as mesmíssimas causas de interrupção e de suspensão e correspondentes momentos temporais;
5. Todavia, dela dissentimos quando calcula a prescrição exclusivamente eivado no disposto no art. 126º/3 do CP;
6. A mencionada norma consagra um termo absoluto, o limite a partir do qual o direito punitivo do Estado perde a sua essência, et pour cause, força executiva, precisamente pela ultrapassagem do prazo aí fixado;
7. Todavia, não estabelece o regime regra de cômputo da prescrição, pois ela pode ocorrer em momento anterior, mercê da lógica operatividade e dos efeitos da cessação de causas de suspensão e interrupção instituídas nos art.s 125º e 126º do CP;
8. Significativamente, aquele preceito serve de “válvula de segurança” para evitar a extensão desmesurada da duração da prescrição só merecendo aplicabilidade nas situações em que aquela, por força das regras de interrupção, superasse aquele limite máximo;
9. Contabilizar o devir prescritivo fundando-se somente no referido termo absoluto, como defendeu a instância, significou tornar “letra morta” e esvaziar de sentido, quer os prazos de prescrição previstos no art. 122º, quer os efeitos de cessação da interrupção - relembremos, a voz legal, “depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”, art. 126º/2 - porquanto, a mera existência de causa de interrupção, importou, na tese judicial, a majoração automática em metade do prazo prescritivo cabível, sem cuidar de aferir quais os momentos concretos em que tal causa ocorreu e deixou de existir;
10. E aí reside o seu erro.
11. Tornando ao dia 23.06.2018, percebe-se que então, devido ao terminus da causa de interrupção, passou a desenvolver-se por inteiro um novo prazo de quatro anos, ulteriormente sustado durante cento e cinquenta e nove dias, devido ao surto pandémico “Covid-19” – cfr. art.s 125º/1, 2, 126º/1-a), 2 do CP e art.s 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04;
12. Efetuando as necessárias operações aritméticas, verifica-se que a prescrição ocorreu a 29.11.2022, devendo declarar-se a pena extinta, observando-se as comunicações legais - cfr. art.s 122º/1-d), 125º/1-a), 2 126º/1-a), 2 do CP, 475º do CPP, 6º-a), 7º/1-a) e 2 da Lei 37/2015 de 05.05.
PELO EXPOSTO, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, nos termos aduzidos, como é de LEI!”

Por despacho de 08.02.2023, foi o recurso admitido com regime de subida imediata, nos próprios autos, sem atribuição de efeito.

O arguido apresentou resposta na qual se limita, por razões de economia e celeridade processual, a subscrever e aderir aos fundamentos, alegações, e conclusões ínsitas no douto recurso apresentado pelo digno representante do M.P, devendo o mesmo ser julgado procedente.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação acompanhou as alegações de recurso por entender que estão plenamente sustentadas pelos argumentos de facto e de direito que nessa peça são apresentados e emitiu parecer no sentido do integral provimento do recurso.

Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com jurisprudência assente, o objeto do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Perscrutadas as transcritas conclusões com que o recorrente (Ministério Público) rematou o respectivo recurso, a questão que importa decidir resume-se a saber se a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido se encontrava prescrita.

Com relevo para a resolução da antedita questão importa recordar a promoção do Ministério Público e o despacho (objecto de recurso) que sobre a mesma recaiu:

Promoção (transcrição):

“Considerando que:
a) AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado a 23.09.2015, pela comissão, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de Roubo, p. e p. nos art.s 22º, 23º, 210º/1 do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeitada a regime de prova;
b) por despacho de 28.04.2016, transitado em julgado a 30.05.2016, determinou-se a prorrogação do período suspensivo por um ano;
c) o prazo de prescrição da pena irrogada é de quatro anos – cfr. art. 122º/1-d) do CP;
d) o decurso prescritivo ficou interrompido durante dois anos e nove meses, correspondente ao período da suspensão e respetiva prorrogação, reiniciando-se 23.06.2018 – cfr. art. 126º/1-a) e 2 do CP no sentido que o prazo de suspensão da pena consubstancia causa interruptiva do art. 126º/1-a) do CP vide acórdão do STJ de 13.02.2014, cit.;
e) e, posteriormente, o mesmo prazo esteve suspenso durante o total de cento e cinquenta e nove dias, por força dos art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, diplomas relacionados com o surto pandémico “Covid-19” – cfr. art. 125º/1 do CP, neste sentido por todos vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.04.2021, in www.dgsi.pt; (tb ac. infra)
f) não se verificou nenhuma outra causa de interrupção, nem de suspensão– cfr. art.s 125º e 126º do CP;
Encetados os necessários cálculos realiza-se que a pena em apreço já prescreveu, devendo ser declarada extinta e remeter-se boletins, após trânsito – cfr. art. 6º-a), 7º/1-a) e 2 da Lei 37/2015 de 05.05 e 475º do CPP”

Despacho recorrido (transcrição):

“O arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado a 23.09.2015, pela comissão, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de Roubo, p. e p. nos art.s 22º, 23º, 210º/1 do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeitada a regime de prova; por despacho de 28.04.2016, transitado em julgado a 30.05.2016, determinou-se a prorrogação do período suspensivo por um ano.
O prazo de prescrição da pena é de quatro anos (art. 122º/1-d) do CP) e começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena, ou seja a pena prescreveria em 23/9/2019.
A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução pelo que ficou interrompido durante dois anos e nove meses, correspondente ao período da suspensão e respetiva prorrogação, reiniciando-se 23.06.2018 e, posteriormente, o mesmo prazo esteve suspenso durante o total de cento e cinquenta e nove dias por força dos art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, diplomas relacionados com o “Covid-19”
A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Ora, tendo em atenção que a pena foi aplicada a 23/9/2015, e que a pena prescreveria em 23/9/2019, acrescida de metade (por força do art. 126º nº3 do CP), a mesma prescreveria em 23/9/2021, descontando o período de suspensão de dois anos e nove meses e 159 dias, entende o Tribunal que a pena não se encontra prescrita.
Notifique.
Diligencie junto da base de dados pelo paradeiro do arguido.”

Passando já para a análise da questão suscitada:

Começamos por recordar que por acórdão proferido em 30.01.2015 transitado em julgado a 23.09.2015 nos autos supra referenciados foi o arguido AA condenado nos seguintes termos:
a) Pelo cometimento de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210°, n.° 1 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
b) Pelo cometimento de dois crimes de roubo simples na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 73° e 210°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de nove meses de prisão para cada um deles;
c) E em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto nos artigos 77° e 78° do Código Penal, na pena única de um ano e nove meses de prisão, que, ao abrigo dos artigos 50° e 53° do Código Penal, se suspende pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação com incidência na procura/manutenção de inserção laboral a tempo inteiro.
Donde, e antes de mais se rectifica a afirmação constante do recurso “AA foi nos presentes autos condenado, (…) pela comissão, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de Roubo, p. e p. nos art.s 22º, 23º, 210º/1 do Código Penal na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitada a regime de prova.”, pese embora sem interferência na decisão em curso.
Sucede que, por despacho de 28.04.2016, transitado em julgado a 30.05.2016, determinou-se a prorrogação do período suspensivo por um ano.
O Ministério Público, considerando encontrar-se prescrita tal penalidade, em 04.01.2023, elaborou a pertinente promoção, a qual não logrou acolhimento por parte do tribunal a quo e que assim a indeferiu.
Sustenta que o despacho sindicado, violou o disposto nos art.s 122º/1-d), 126º/1-a), 2 e 3 do CP, defendendo incorretamente, que o último dos citados segmentos legais – o qual, prevê um termo absoluto de prescrição, decorrente da adição ao prazo normal da sua metade, sem embargo da suspensão – será sempre aplicável se, no desenvolvimento do período prescritivo, advier alguma causa de interrupção, independentemente dos momentos concretos em que esta ocorreu e deixou de existir.
Vejamos.
Excepcionados os casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22.07 (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis - cf. art. 7.º.
Ressalvados esses casos, todas as penas, incluindo as penas de prisão cuja execução foi suspensa, encontram-se, pois, sujeitas ao regime da prescrição.
Assim, dispõe o art. 122º do Código Penal sob a epígrafe “Prazos de prescrição das penas”:
“1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º”
No caso vertente, aplica-se sem incerteza a alínea d) do nº 1 do antedito preceito legal, relembrando porém as divergências jurisprudenciais que rodeiam o tema, havendo quem entenda que as alíneas a) a c) do nº 1 art. 122º do Código Penal não são aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução, mas tão só a penas de prisão efetiva, pelo que a suspensão da execução da pena, enquanto pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão, encontra-se sujeita ao prazo prescricional de 4 anos previsto na al. d) do nº 1 do mesmo dispositivo legal (vide entre outros Ac. do TRL de 19.09.2017, acessível in www.dgsi.pt.); já outra corrente, perfilha o entendimento de que na al. d) do n.º 1 do art. 122º do CP cabem todas as penas de prisão inferiores a 2 anos (suspensas ou na sua execução) e as penas de multa não abrangidas nas alíneas anteriores, ou seja, as penas de prisão suspensas não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável o disposto no art. 122º, nº 1 al. d) do CP - cfr. Acs. do STJ de 28.02.2018 proferido no processo 125/97.8IDSTB-A.S1, do TRL de 21.02.2019 e do TRP de 07.07.2021, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Sucede que no caso que temos em mãos, a pena única em apreço foi fixada em 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, (inferior, portanto a dois anos) suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação com incidência na procura/manutenção de inserção laboral a tempo inteiro, donde o prazo de prescrição é de 4 anos (al. d) do nº 1 do art. 122º do CP) que se conta, em nosso entender, como de resto passaremos a explicar, a partir do dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (nº 2).
É que, a pena de prisão aplicada ficou suspensa na sua execução, e não podemos deixar de trazer à liça, a questão concernente ao dies a quo do prazo prescricional, isto é, se só ocorre com o trânsito em julgado da decisão que revogar (artigos 56º e 57º do CP) a pena de substituição e determinar a execução da pena principal ou a partir do dia em que transitar em julgado a decisão condenatória que tiver aplicado a pena de substituição, não vindo a revelar-se pacifica a sua solução.
Em relação à natureza da suspensão da execução da pena, a doutrina e a jurisprudência são unânimes de que se trata de uma pena de substituição, porque é aplicada e executada em vez da pena principal, a pena de prisão.
A pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição, sendo estas actualmente configuradas como verdadeiras penas autónomas - vide Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, pág. 329, clarificando ademais “a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição”.
Por seu turno, a pena de suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, pode terminar pelo seu cumprimento após o decurso do prazo - art. 57º - ou pode terminar por força da sua revogação - art. 56º ambos do CP, pelo que a sua extinção não é automática. Dito de outra forma, só quando a suspensão da execução da pena não é revogada, a pena (principal) é declarada extinta – art. 57º, n.º 1 “A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”. Acrescentando o n.º 2 que “Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente (…) incidente por falta de cumprimento de deveres (…), a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão”.
E, portanto, a questão que agora se coloca é a do momento, a partir do qual se deve iniciar a contagem do prazo de prescrição da pena de prisão; se com o trânsito em julgado da decisão condenatória que suspendeu a execução da pena de prisão, ou se com o trânsito em julgado da decisão que revogue tal pena de substituição, decisão esta que determina a execução da pena principal.
No Acórdão do TRC nº 328/98.8GAACB-B.C1 de 17-03-2009 que se debruçou sobre a questão pode ler-se “Como decidiu o Ac. do STJ, de 1-6-2006, in www.dgsi.pt, “só faz sentido que esse prazo se inicie com a decisão que efectivamente aplicou a pena e que, no caso, foi a que revogou a medida de substituição inicialmente aplicada”.
Assim sendo, enquanto se mantiver a suspensão, não se inicia o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão, pelo que a suspensão da execução da pena pode ser tida como causa de suspensão da prescrição da pena de prisão a que alude a al. c) do n.º 1 do art. 125º do CP. Este tem sido o entendimento de Maia Gonçalves e Figueiredo Dias.
Na versão originária do CP/82 dispunha o art. 123º, n.º 1, al. b) que «A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão da execução da pena».
Com a revisão do Código Penal operada pelo DL n.º 48/95, de 14Mar., o art. 125º, sob a epígrafe “Suspensão da prescrição” estabelece que:
“1- A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar,
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.»
Para Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime – Parte Geral – II, pág. 715, referindo-se à versão originária do CP/82 “a actual al. b) do art. 123º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são «outras penas» e cabem por isso na primeira parte do preceito”.
E, como salienta Maia Gonçalves in Código Penal Português anotado, 10ª ed., pág. 424 “Em relação à versão originária (…), nota-se ainda, na al. c) do n.º 1, a eliminação de referência à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; e quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito”.
Este entendimento levanta algumas dificuldades porquanto a al. c) do n.º 1 do art. 125º se reporta “ao cumprimento de outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade”. Ora, a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição, não privativa da liberdade. Daí que, o STJ, por Ac. de 19-4-2007, in www.dgsi.pt, tenha decidido que entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125º, n.º 1, al. a) do CP (e não, nos termos da alínea c)).
Para se concluir que:
Ficou a pena de prisão suspensa pelo período de 3 anos, não sendo automática a extinção da pena. Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 57º do CP «A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação». Acrescentando o n.º 2 que «Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente (…) incidente por falta de cumprimento de deveres (…), a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão».
Como decorre do n.º 5 do artigo 50º do CP, o período de suspensão inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
O acórdão condenatório transitou em julgado em 13-7-99, pelo que o período de suspensão de 3 anos terminou em 13-7-2002.
Acontece que, sendo a suspensão da execução da pena uma pena de substituição da pena principal, está sujeita ao mesmo prazo de prescrição da pena de prisão, que no caso vertente era de 4 anos (art.122º, n.º 1, al. d)). E, nos termos do n.º 2 do art. 122º a prescrição conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, estando ainda a prescrição da pena de substituição sujeita às situações de suspensão e de interrupção da prescrição previstas nos artigos 125º e 126º do CP. Logo, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 126º do CP, a prescrição da pena de substituição interrompeu-se com a sua execução (em 13-7-2002), começando então a correr novo prazo de prescrição de 4 anos. Assim, não tendo sido revogada ou declarada extinta a suspensão da execução da pena, esta pena de substituição pena prescreveu em 13-7-2006.”
Já a posição adoptada no citado Ac. do STJ de 28.02.2018 proferido no processo 125/97.8IDSTB-A.S1 é a de que no caso das penas de prisão suspensas na sua execução, o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena (n.º 2 do art. 122.º do CP) (Ponto I do sumário).
Acrescenta-se no mesmo aresto que não é defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na la. d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Parafraseando o dito acórdão “meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na al. d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, penas de multa) não abrangidas nas als. anteriores.
A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das als. do art. 122.º, n.º 1, do CP.”
Consequentemente, para este entendimento durante o prazo da pena de suspensão (que pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso e só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).
Ali se verteu, o que se transcreve: “Uma pena só é de substituição enquanto subsiste, enquanto substitui. A partir do momento em que é revogada (é a hipótese a considerar nestes autos), estamos perante uma pena de prisão pura e simples, isto é, perante a pena substituída.
Com a revogação ressurge, reaviva, a pena de prisão substituída, que é a pena originária. E é a esta (pena de prisão/pena originária) que deve atender-se (…) para efeitos de prescrição. Sendo de atender à pena principal, o regime é o da pena principal e não o da pena de substituição, que foi revogada.”
Conforme se escreve no Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 135/04.0IDAVR-C.S1, «I - A partir do momento em que a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, e atempadamente, a pena que o arguido passou a ter que cumprir é a pena de prisão em que foi condenado. II - A partir do trânsito em julgado do despacho que operou essa revogação, a prescrição da pena a atender é a prescrição da pena de prisão pois que é a única em relação à qual se pode colocar, nessa altura, a questão da respectiva execução e não perante a pena cominada na primitiva sentença condenatória, de suspensão de execução da pena de prisão, a qual se encontra revogada.”
A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das alíneas do art. 122.º, n.º 1 do CP.
E a revogação implica o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56.º, n.º 2 CP) sem qualquer desconto.
Durante o prazo da pena de suspensão (pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso. Só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).
O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.
Podem existir complicações processuais, que façam com que o despacho revogatório não ocorra no período correcto.
Na verdade, não faltam casos em que o mesmo é exarado vários anos depois de esgotado o prazo da suspensão, ou em que o trânsito em julgado do despacho revogatório, embora tal despacho tenha ocorrido em tempo, como no caso dos presentes autos, só transita já bastante depois do decurso do prazo normal da suspensão.”
E se adoptada a posição vinda de referir, a pena ainda não estaria prescrita, pois não se verificou ainda a extinção da pena, que se mantém suspensa na sua execução, tão pouco decisão de revogação da pena de substituição, e nessa medida não se iniciou o prazo prescricional da pena de prisão.
Mas será este o entendimento que devemos adoptar, devendo apenas contar-se o prazo de prescrição a partir do trânsito da decisão revogatória e não desde a data do termo do prazo de suspensão da execução da pena?
Porém a resposta terá que ser negativa, pois tal interpretação, não é quanto a nós clara e não está suportada em nenhum normativo, sem olvidar que a opção por tal entendimento é altamente desfavorável para os direitos da defesa.
E caso o legislador pretendesse tal solução legal, ainda para mais numa matéria tão delicada, impunha-se que a tivesse acolhido expressamente, o que não sucedeu.
Não podemos por isso deixar de acompanhar o entendimento expresso no citado Ac. da RC nº 328/98.8GAACB-B.C1 de 17-03-2009, ou seja, de nos termos do n.º 2 do art. 122º a prescrição conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, estando ainda a prescrição da pena de substituição sujeita às situações de suspensão e de interrupção da prescrição previstas nos artigos 125º e 126º do CP.
É também esta a posição que perfilhou o Ac. desta Relação de 23.06.2021 proferido no Proc. nº 141/11.9PDPRT-A.P1, acessível in www.dgsi.pt. onde de forma cristalina se expõe:
B – Da contagem do prazo de prescrição da pena;
B.1. Do prazo de prescrição;
Nos termos do disposto no artigo 122º, nº 2, do Código Penal, "O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena."
A sentença condenatória respetiva transitou em julgado em 11 de Julho de 2013.
O prazo de prescrição, pelas razões acima concretizadas, é de 4 (quatro) anos.
Porém, tratando-se de uma pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, a contagem do prazo de prescrição foi interrompida entre 11 de Julho de 2013 (data do trânsito em julgado da decisão condenatória) e 11 de Julho de 2015 (o termo do período de suspensão da execução da pena), por força do disposto no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por se tratar do período (dois anos) durante o qual esteve a ser executada (facto duradouro) a pena suspensa, mediante regime de prova.
Daqui resulta que a contagem do prazo de prescrição (quatro anos) da pena aplicada nos presentes autos se iniciou em 11 de Julho de 2015.”
Também desta Relação, pode ler-se no Acórdão de 30.03.2022, acessível in www.dgsi.pt. “(…) em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição dessa pena, pois, como vimos, como pena autónoma que é, está obrigatoriamente sujeita a prazo de prescrição. Com efeito, o condenado não pode ficar indefinidamente à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad eternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido. O direito à paz jurídica do condenado impõe que, decorrido o período de cumprimento da pena substitutiva (que corresponde ao período de suspensão), o incidente previsto no artº 57º do Cód. Penal seja concluído em prazo razoável. E esse “prazo razoável” corresponde ao período de prescrição da pena.”
Em consonância o prazo de prescrição de 4 anos (art. 122º, n.º 1, al. d) do CP), e o dies a quo ocorreu a 23.09.2015, data do trânsito em julgado do acórdão. Tendo o termo do prazo de suspensão da execução da pena ocorrido em 23.06.2018, ou seja, 1 ano e 9 meses acrescido de 1 ano de prorrogação da suspensão, o prazo de prescrição interrompeu-se por conseguinte durante os sobreditos 2 anos e 9 meses, começando então desde aquela data (23.06.2018) a correr aquele prazo de 4 anos de prescrição (cfr. art. 126º, nº 1, al. a) e nº 2 do CP)
E até aqui, o despacho recorrido revela acerto, fazendo-se porém notar que o pretenso surgimento de circunstâncias suspensivas relevantes, especificamente entre 09.03.2020 a 03.06.2020 e de 22.01.2021 a 06.04.2021 – totalizando cento e cinquenta e nove dias - por força dos art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, diplomas relacionados com o surto pandémico “Covid-19” – cfr. art. 125º/1 do CP, que quer o tribunal recorrido, quer o Ministério Público recorrente fazem apelo, não se verificam, pois não têm aplicação no prazo de prescrição de uma pena em curso, apenas sendo de aplicar aos procedimentos, tal como se colhe entre outros do Ac. da Rel. de Lisboa de 15.12.2022 proferido no Proc. nº 804/03.2PCALM-A.L1-9 acessível in www.dgsi.pt. onde se escreve “Assim a determinação da suspensão dos prazos de prescrição contida nas sobreditas Leis “Covid” para vigorar, como vigorou, durante os sobreditos períodos temporários e a título excepcional, não pode ser aplicada ao prazo de prescrição de uma pena em curso, sob pena de violar o princípio da não retroactividade da lei penal menos favorável ao arguido, da confiança ou previsibilidade das normas por parte dos cidadãos em geral e dos arguidos em especial.”
Donde, contrariamente ao entendimento do Ministério Público junto da 1ª instância e deste Tribunal, não consideramos que tal suspensão (operada pelas sobreditas medidas excepcionais e temporárias implementadas por causa da pandemia epidemiológica provocada pela doença Covid -19 que assolou Portugal (e o resto do mundo) em 2020, por força das quais, foi determinada a suspensão de vários prazos, incluindo de prescrição, nos períodos de 9/3/2020 a 3/6/2020 e de 22/1/2021 a 6/4/2021) seja suscetível de fazer suspender o prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido nos autos em apreço e cuja contagem se manteve (desde 23.06.2018) ininterruptamente até se completar o respectivo prazo prescricional de 4 anos (em 23.06.2022).
Mas o tema dissidente no recurso diz respeito à contabilização da prescrição alicerçada no disposto no art. 126º, nº 3 do CP que prescreve “A prescrição da pena ou medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade”.
Como anota o recorrente e bem, “a transcrita norma consagra um termo absoluto, o limite a partir do qual o direito punitivo do Estado perde a sua essência, et pour cause, força executiva, precisamente pela ultrapassagem do prazo aí fixado”. Não estabelece, porém, o regime regra de contagem da prescrição, pois ela pode ocorrer em momento anterior, mercê da lógica operatividade e dos efeitos da cessação de causas de suspensão e interrupção instituídas nos arts. 125º e 126º do CP.
O que o legislador pretende evitar, mediante a previsão do n.º 3 do art. 126º, é que em virtude de sucessivas causas de interrupção, a prescrição se alongue em demasia ou se eternize.
Daí a razão de ser daquele prazo ou termo absoluto, já que mesmo existindo múltiplos e sucessivos fatores de interrupção, para se executar a pena, ao tempo base de prescrição, consignado nas diversas alíneas do art. 122º, nº 1 do CP, acrescentar-se-á metade do mesmo, sem prejuízo do período de suspensão.
Mas, e naturalmente sem prejuízo de a prescrição poder ocorrer anteriormente.
Por outras palavras, a fixação de um período máximo não prejudica a verificação da prescrição em momento anterior, o que de todo foi entendido pelo tribunal a quo.
A expressão “tem sempre lugar” que consubstancia o dito termo absoluto serve pois como “válvula de segurança” para evitar a extensão excessiva da duração da prescrição, só requerendo aplicação naquelas situações em que aquela, por força das regras de interrupção, superasse aquele limite máximo, o que não aconteceu na situação que examinamos.
Verificou-se, por isso, na decisão recorrida uma errada aplicação da sobredita regra que contém o mencionado termo absoluto.
Como justamente observa o recorrente na alegação recursiva “contabilizar o devir prescritivo fundando-se somente no referido termo absoluto, significaria tornar “letra morta” e esvaziar de sentido, quer os prazos de prescrição previstos no art. 122º, quer os efeitos de cessação da interrupção - relembremos, a voz legal, “depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”, art. 126º/2 - porquanto, sempre que houvesse causas de interrupção, aqueles prazos majoravam-se automaticamente em metade, sem se cuidar de aferir quais os momentos concretos em que tais causas ocorreram e deixaram de existir.”
O tribunal recorrido considerou aplicável o referido segmento normativo, pela mera circunstância de identificar o surgimento de um motivo de interrupção, o que, na ótica judicial, de per se, bastaria para adicionar ao prazo base de prescrição, metade do mesmo, não cuidando de aferir se, depois do recomeço da contagem daquele tempo legal – mercê da cessação da causa de interrupção – tal período se havia ou não esgotado, como impõe o art. 126º, nº 2 do CP.
Mas, tal como já se deu conta, o prazo de prescrição na situação vertente é de quatro anos e começa a contar-se a partir de 23.06.2018 quando cessa a causa de interrupção (e sem causas de suspensão por força das Leis Covid como já se assinalou), não havendo que somar mais dois anos, correspondentes a metade do prazo, como erroneamente o fez o tribunal a quo e assim a prescrição vem a ocorrer em 23.06.2022.
Pelo que, desde a antedita data o poder punitivo encontra-se completamente esgotado pelo decurso do tempo não sendo mais possível fazer responder o condenado AA por esta pena, porquanto se mostra ultrapassado o prazo legalmente estabelecido para o efeito.
Em suma só nos resta, conceder provimento ao recurso e, consequentemente revogar o despacho recorrido e declarar extinta a pena em apreço, por prescrição desta em 23.06.2022 o que se nos impõe declarar, através desta decisão, com a inerente extinção da responsabilidade criminal do arguido e o arquivamento dos autos.
*
3. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogar o despacho recorrido e declarar extinta a pena em apreço, por prescrição desta em 23.06.2022, com a inerente extinção da responsabilidade criminal do arguido e o arquivamento dos autos.

Não há lugar a tributação.

Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

Porto, 19 de abril de 2023
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro