Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1365/13.0TTBCL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO
PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: RP201410061365/13.0TTBCL.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: O recurso interposto de despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de suspensão de despedimento instaurado após 1 de Setembro de 2013, mostra-se contemplado na alínea i) do n.º 2 do art. 79º-A do CPT, ainda que com remissão agora actualizada para o art. 644.º, n.º 1, alínea a) do NCPC, pelo que o prazo para a sua interposição é de 10 (dez) dias, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 2 do CPT, tal como já ocorria antes da vigência do NCPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1365/13.0TTBCL.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
II
1. B…, instaurou em 18 de Dezembro de 2013 nos termos previstos pelos artigos 386.º do Código do Trabalho e 34.º do Código de Processo do Trabalho, a presente providência cautelar de suspensão de despedimento contra “C…, SA”, pedindo que seja decretada a suspensão de despedimento de que foi alvo, reconhecendo-se ainda que não existe fundamento sério e justo para a sua escolha como único caixa privativo a despedir por ter recusado assinar o acordo de polivalência apresentado pela requerida.
Apreciando esta pretensão em sede liminar, o Mmo. Juiz a quo proferiu a fls. 86-89 decisão que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar.
Esta decisão foi notificada ao requerente através de correio registado expedido em 20 de Dezembro de 2013 (fls. 93) e ao respectivo mandatário, via citius (fls. 92).
O trabalhador, inconformado, interpôs recurso desta decisão, apresentando as suas alegações de recurso em 10 de Janeiro de 2014 (vide fls. 109).
O recurso foi admitido na 1.ª instância com efeito meramente devolutivo, por despacho de fls. 110.
Recebidos os autos neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer nos termos do artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, concluindo no sentido de que se deve negar provimento à apelação (fls. 115-116).
Notificado deste Parecer, o recorrente entendeu que o Ministério Público não ponderou os seus argumentos e procedeu a uma interpretação que viola os preceitos constitucionais (fls. 119-120).
Conforme despacho da ora relatora, de fls. 122, determinou-se a baixa dos autos à 1ª instância com vista a que se determinasse a citação da requerida, tanto para os termos do recurso como para os da causa, como expressamente estabelece o artigo 641.º, n.º 7 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi dos artigos 33.º e 32.º, n.º 1, 1.ª parte do Código de Processo do Trabalho.
Cumprido o disposto neste preceito, a requerida deduziu oposição ao procedimento cautelar (a fls. 131 e ss.) e apresentou contra-alegações (fls. 372 e ss.) suscitando a questão prévia da extemporaneidade do recurso de apelação.
Subindo de novo os autos à segunda instância, foi determinada a notificação do recorrente nos termos dos artigos 665.º, n.º 2 e 654.º, n.º 2 do Código de Processo Civil para se pronunciar sobre a questão da extemporaneidade do recurso, por da sua procedência poder resultar o não conhecimento do objecto do recurso.
O recorrente veio pronunciar-se nos termos de fls. 493-494, defendendo ser o recurso tempestivo e concluindo do seguinte modo:
“Sendo o recurso um direito de acesso à justiça, a sua limitação tem de ser taxativa, clara e excepcional. Quando foi interposto o recurso, o nº 2 do artigo 691 ° do CPC tinha sido já revogado e nas novas alíneas do n° 2 do correspondente artigo 644° do NCPC não figura qualquer referência ao indeferimento liminar da providência ou a qualquer despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar. A garantia de acesso aos tribunais, previsto no artigo 2° do NCPC e nº 1 do artigo 20° da Constituição, o princípio da boa-fé estabelecido no artigo 8° do NCPC e a existência de um Estado de direito que garante a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (onde se inclui a segurança no emprego) conforme dispõe o artigo 2° da Constituição impõe que as normas jurídicas não estejam armadilhadas e que os direitos e deveres dos cidadãos não estejam dependentes de imprevistas interpretações especiosas que possam adjectivamente impedir a justiça material, reduzindo o direito a fórmulas secretas.”
Relegando para a Conferência a apreciação desta questão e colhidos os vistos, cumpre decidir, apreciando desde logo a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, suscitada pela recorrida.
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2. Os factos relevantes para a decisão emergem do relatório antecedente.
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3. Ao presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento, porque instaurado após 1 de Janeiro de 2010, é aplicável o Código de Processo do Trabalho na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro [cfr. os artigos 6° e 9° n° 1 deste diploma].
E, porque instaurado também após 1 de Setembro de 2013, é-lhe aplicável como lei adjectiva subsidiária o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho [cfr. os artigos 5.°, 7° n° 2 e 8.º deste diploma].
A decisão recorrida constitui um indeferimento liminar do procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
A questão que se coloca consiste em saber se o prazo para interposição de recurso de uma tal decisão é o prazo de 20 dias, previsto no n.º 1 do art. 80º do CPT, como defende o recorrente, ou se é o prazo de 10 dias, previsto no art. 80º, nº 2, do mesmo Código para os casos previstos pelo seu artigo 79.º-A, n.ºs 2 e 4, como defende a recorrida.
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3.1. Elencando as decisões de que cabe recurso de apelação, o artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho dispõe que cabe recurso de apelação da “decisão do tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo” (nº 1 do art. 79º-A) e das decisões a que se reportam as alíneas a) a i) do n.º 2 do mesmo art. 79.º-A do Código de Processo do Trabalho.
Na alínea i) do nº 2 do art. 79º-A do Código de Processo do Trabalho, a lei adjectiva laboral enuncia os casos ali contemplados em que cabe recurso autónomo de apelação remetendo expressamente para preceitos da lei processual civil geral ao dispor que cabe recurso de apelação “nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i) e j) do nº 2 do art. 691º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei”.
Estas normas dos artigos 79.º-A e 80.º foram introduzidas no Código de Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro, sendo o Código de Processo Civil a que se reporta o que foi revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[1].
Então, e no que ao caso interessa, a alínea l) do citado art. 691º, nº 2 dispunha que cabia recurso de apelação do “[d]espacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento”.
Assim, à luz do Código de Processo do Trabalho e do Código de Processo Civil em vigor até 31 de Agosto de 2013, o prazo de interposição de recurso de apelação que cabe da decisão prevista na alínea l) do n.° 2 do artigo 691.° do VCPC, ou seja, da decisão que indefere liminarmente o procedimento cautelar:
● em processo civil era de quinze dias [nos termos do artigo 691.º, n.º 5 do CPC];
● em processo laboral era de dez dias [nos termos das disposições conjugadas dos artigos 80°, n° 2, 1.ª parte, do CPT, por remissão para o n.º 2 do precedente artigo 79.º-A, e da alínea i) deste preceito, esta por remissão para a alínea l) do n.° 2 do artigo 691.° do VCPC].
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3.2. A revisão do Código de Processo Civil levada a cabo pela Lei 41/2013 de 26/06 entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2013, mas o Código de Processo do Trabalho não foi objecto de atenção do legislador no sentido da sua adaptação aquele novo regime.
Ora, o Código de Processo do Trabalho não regulava (e continua, hoje, a não regular) exaustivamente o regime do processo laboral e, designadamente ao nível dos recursos, tem como pressuposto o regime recursório do Código de Processo Civil que era (e continua a ser) o quadro normativo de referência em matéria de recursos laborais e funciona como lei subsidiária.
Não obstante, à semelhança do que sucedeu em 2007 com a reforma dos recursos operada pelo Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto, apesar das alterações que introduziu na lei processual civil, o legislador não revogou expressamente o Código de Processo do Trabalho, não o modificou de imediato, não o revogou tacitamente (cfr. o art. 7.º, n.º 3 do Código Civil, que impede a revogação tácita da lei especial) e não incluiu uma norma de adaptação do novo regime processual civil ao processo de trabalho, o que traz dificuldades acrescidas na compatibilização das previsões normativas das leis adjectivas civil e laboral.
Aplicando-se ao caso vertente o regime adjectivo emergente do Código de Processo do Trabalho e aplicando-se, do mesmo passo, o novo regime processual civil comum emergente da reforma de 2013, suscitam-se algumas dificuldades de compatibilização da lei processual laboral com a lei adjectiva comum, atenta a natureza subsidiária desta e a desarmonia que se criou entre o que antes se harmonizava, mormente nas situações em que o CPT remetia para concretos preceitos do CPC.
Seja como for, a lei processual fundamental a atender e aplicar prioritariamente para os processos de natureza laboral é o Código de Processo do Trabalho, que continua a aplicar-se como lei especial [art. 1.º, n.º 1 do CPT].
Nas situações em que o CPT não contém a regulação exaustiva de determinada matéria ou remete expressamente para o Código de Processo Civil, sempre que haja “lacuna legis”, deve recorrer-se à legislação adjectiva comum vigente que directamente previna o omisso e se mostre compatível com a índole do processo de trabalho, à regulamentação de casos análogos previstos no CPT e naquela legislação comum, aos princípios gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum [art. 1.º, nºs 2 e 3 do CPT].
Neste sentido se pronunciou António Abrantes Geraldes quando surgiram as dificuldades de compatibilização dos regimes recursórios laboral e comum após a vigência da reforma adjectiva de 2007 (tendo em consideração, essencialmente, a impossibilidade de o intérprete limitar o âmbito objectivo da revogação do art. 9.º do DL n.º 303/2007) e defendeu que qualquer aplicação do CPC por via de remissão do CPT, “não pode deixar de ser dirigida unicamente à legislação processual civil que estiver em vigor à data em que se mostre necessária a aplicação subsidiária”, suportando o foro laboral as alterações a que for sujeito o sistema processual comum naquilo que directamente não regule[2].
Havendo – como há – disposições processuais laborais que remetem para preceitos revogados do processo civil, cremos que a remissão deverá considerar-se feita de forma dinâmica para os preceitos actuais que prevêem as situações materiais contempladas nos preceitos revogados, aplicando-se, agora, as novas soluções da lei adjectiva subsidiária, mas apenas nos casos em que o Código de Processo do Trabalho não contenha um regime especial para aquelas situações materiais.
Em perspectiva próxima, José Eduardo Sapateiro[3] aponta a seguinte interpretação do artigo 79.º-A, n.º 2, alínea i) do CPT:
«(…) o legislador laboral, na sequência da reforma a que procedeu em 2009, decidiu chamar e inserir, ainda que por essa via indicativa e mediata, as referidas regras no texto do Código do Processo do Trabalho, fazendo-as suas e integrando-as, enquadrando-as e conciliando-as dessa forma com as demais, conferindo-lhes assim natureza adjetiva especial e laboral.
Logo, quando defendemos a impossibilidade de conciliação do art.º 79.º, n.º 1, alínea i) com o art.º 644.º do NCPC, não pretendemos afirmar que, em alternativa, se manteve em vigor o artigo 691.º do anterior Código de Processo Civil, mas antes que o teor dessa alínea i) fez seu o conteúdo das alíneas c), d), e), h), i), j) e l do n.º 2 dessa disposição entretanto revogada em 1/9/2013.»
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3.3. Tendo como pano de fundo a orientação interpretativa que traçámos, analisemos as regras legais actualmente em vigor.
No Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a abrangência material das apelações autónomas passou a estar prevista no artigo 644.º, que corresponde, com alterações, ao artigo 691.º do VCPC.
O diploma continua a permitir o recurso autónomo de apelação da decisão que indefere liminarmente o requerimento inicial do procedimento cautelar, ao estabelecer que cabe recurso de apelação “[d]a decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente” – artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do NCPC.
Como se infere do n.º 1 do artigo 644.º, o legislador passou a incluir na sua alínea a), não só a decisão, proferida em 1.ª instância, que “ponha termo à causa” (que o anterior n.º 1 do artigo 691.º contemplava exclusivamente, apelidando-a de decisão que “ponha termo ao processo”), mas também, além do mais, a decisão que põe termo “a procedimento cautelar”.
Apesar de o artigo 644.º, n.º 2 não fazer alusão expressa ao indeferimento liminar do procedimento cautelar, o n.º 1 do preceito, ao aludir à decisão, proferida em 1.ª instância, que “ponha termo” a procedimento cautelar, aí abarca o despacho de indeferimento liminar[4].
Assim, a remissão a que procede o art. 79º-A, n.º 2, alínea i) do C.P.T para o art. 691º, nº 2 al. l) do VCPC, que contempla o indeferimento liminar do procedimento cautelar, deverá ter-se por efectuada agora, no que aos presentes autos interessa, para o artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, preceito que continua a admitir o recurso autónomo deste tipo de decisões[5].
Seja como for, tem-se como certo que o legislador laboral de 2009 pretendeu, com a remissão para o art. 691º, nº 2, al. l), que o despacho de indeferimento liminar do procedimento cautelar coubesse nas situações contempladas no nº 2 do art. 79º-A (recorribilidade imediata, com o regime de prazo e modo de subida a este associado) e não nas previstas nos nºs 1 ou 3 desse preceito, e qualquer uma das formas de compatibilização das normas – seja por via da remissão dinâmica para o correspondente preceito actualmente em vigor [art. 644º, nº 1, al. a)], seja por via da “incorporação” dessa situação no n.º 2 do art. 79º-A, como defende José Eduardo Sapateiro, seja através da “criação”, pelo intérprete, de norma dentro do espírito do regime processual laboral – leva ao mesmo resultado, qual seja o de que a decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar estava, e continua a estar, contemplada no nº 2 do art. 79º-A e não no seu nº 1 (ou no nº 3)[6].
Quanto ao prazo de interposição de recurso na lei processual civil, o artigo 638.º, n.º 1 do NCPC mantém a sua fixação em 15 dias, tendo em consideração que os procedimentos cautelares se revestem de “carácter urgente” (artigo 363.º do NCPC).
É assim de concluir que, à luz do Código de Processo do Trabalho e da lei processual civil em vigor a partir de 1 de Setembro de 2013, o prazo de interposição de recurso de apelação que cabe da decisão que indefere liminarmente o procedimento cautelar, prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 644.° do NCPC:
● em processo civil é de quinze dias [nos termos das disposições conjugadas dos artigos 638.º, n.º 1 e 363.º do CPC];
● em processo laboral é de dez dias [nos termos das disposições conjugadas dos artigos 80°, n° 2, 1.ª parte, do CPT, por remissão para o n.º 2 do precedente artigo 79.º-A, e da alínea i) deste preceito, esta por remissão actualizada para a alínea a) do n.° 1 do artigo 644.° do NCPC].
Antes, como agora, os prazos constantes dos dois números do artigo 80.º, pela sua natureza especial, sobrepõem-se aos prazos gerais actualmente em vigor em sede do processo civil comum[7].
Por isso, no caso dos autos, vindo o recurso interposto de despacho que pôs termo ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento instaurado pelo requerente, indeferindo-o liminarmente, é de considerar que o mesmo se mostra contemplado na alínea i) do n.º 2 do art. 79º-A do CPT, ainda que com remissão agora actualizada para o art. 644.º, n.º 1, alínea a) do NCPC, pelo que o prazo para a sua interposição é de 10 (dez) dias, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 2 do CPT (tal como já ocorria antes da vigência do NCPC).
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3.4. Uma palavra cabe ainda sobre as considerações conclusivas do recorrente quando se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade do recurso.
Alega o recorrente que quando foi interposto o recurso, o nº 2 do artigo 691 ° do CPC tinha sido já revogado e nas novas alíneas do n° 2 do correspondente artigo 644° do NCPC não figura qualquer referência ao indeferimento liminar da providência ou a qualquer despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar.
Ora, como vimos, o indeferimento liminar do procedimento cautelar mantém-se contemplado no artigo 644.º do NCPC, embora no seu n.º 1 e não no n.º 2, como outrora sucedia com o artigo 691.º, tendo-se mantido no processo civil comum o prazo reduzido de 15 dias para a interposição de recurso da decisão que determine tal indeferimento (artigos 368.º, n.º 1 e 363.º do NCPC). Ou seja, apesar das alterações formais que resultam do novo diploma adjectivo comum, mantêm-se as soluções legais quanto à possibilidade de interposição de recurso autónomo e quanto ao prazo de que a parte dispõe para o efeito, não se nos afigurando que a interpretação destes novos preceitos levante dificuldades ou constitua uma qualquer “armadilha”, ou “imprevista” ou redutora do “direito a fórmulas secretas”.
As dificuldades que se verificam reportam-se à compatibilização dos dois regimes processuais (civil e laboral) após a publicação do NCPC, mas a verdade é que a solução interpretativa encontrada, para além de se nos afigurar a única plausível, mantém afinal o regime anterior, configurando para a situação do indeferimento liminar do procedimento cautelar exactamente os mesmos prazos que anteriormente se encontravam estabelecidos nos dois domínios adjectivos.
Não se vê também – nem em boa verdade o recorrente o explica – que a compatibilização a que procedemos dos dois regimes processuais tenha posto em causa o princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa ou a garantia de acesso aos tribunais, prevista no n.º 1 do artigo 20° da mesma Constituição e no artigo 2.° do NCPC, pois que, por um lado, a lei não exclui o direito ao recurso no caso de indeferimento liminar de procedimento cautelar e, por outro, o legislador constitucional deferiu a matéria dos prazos para a interposição dos recursos ao legislador ordinário, que tem um poder de conformação amplo em tal matéria, sendo que, no caso, o que ocorre é a fixação de um prazo inferior para a interposição do recurso, pelo que, observado que tivesse sido o mesmo, o recurso seria admissível. Aliás, deve dizer-se que a fixação de um prazo inferior face ao prazo geral é característica dos processos urgentes (como o são os procedimentos cautelares) e, especificamente, do regime processual laboral, que sempre se caracterizou por uma maior celeridade em relação ao regime processual civil, sendo o princípio da celeridade considerado como um dos princípios específicos do direito laboral ou, pelo menos, que nesta área se sente com particular intensidade[8], uma vez que os interesses pressupostos no direito dos litígios laborais, vg. a paz social, impõem que a justiça seja rápida na sua resolução.
Finalmente, quanto ao princípio da boa-fé estabelecido no artigo 8° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ainda que se entenda que o mesmo deve aplicar-se, não só às partes (como decorre da letra do preceito), mas também ao tribunal, não se vê que no caso vertente e antes da interposição de recurso o iter processual desenvolvido tenha induzido na parte um justificado investimento de confiança no sentido de que o prazo de que dispunha para interpor o presente recurso seria o prazo de 20 dias enunciado no n.º 1 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho e não o prazo de 10 dias enunciado no n.º 2 do mesmo do artigo 80.º. Nem, em boa verdade, o recorrente alega o que quer que seja a este propósito.
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3.6. Analisado e interpretado o regime processual a atender e as objecções do recorrente, vejamos o caso sub judice.
Como resulta do exposto, era de 10 (dez) dias o prazo para a interposição do recurso do despacho que pôs termo ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
A decisão sob recurso foi notificada ao requerente e ao seu mandatário em 20 de Dezembro de 2013, pelo que, nos termos do artigo 248.º do CPC actualmente em vigor e da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, considera-se o mesmo notificado dessa decisão no terceiro dia posterior, ou seja, em 23 de Dezembro de 2013.
Assim, considerando que o prazo em causa é contínuo (artigo 138.º, do Código de Processo Civil) o termo deste prazo de dez dias ocorreu no dia 02 de Janeiro de 2014, quinta-feira.
Até ao terceiro dia útil seguinte ao dia 02 de Janeiro, ou seja, até ao dia 7 de Janeiro de 2014, terça-feira, poderia ainda o requerente interpor recurso, observado que fosse também o pagamento da multa prevista no art. 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
Verifica-se, todavia, que o recurso e a respectiva motivação apenas deram entrada em juízo no dia 10 de Janeiro de 2014 (fls. 109), ou seja, 8 dias após o dies ad quem do prazo de que o recorrente dispunha para o interpor.
Desta forma, e como bem é referido pela recorrida, quando o recurso foi interposto já se mostrava excedido o prazo legal para a sua interposição e mostravam-se, também, excedidos os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo em que é possível a prática do acto mediante o pagamento de uma multa.
Extinguiu-se pois o direito de praticar o acto nos exactos termos previstos no n.º 3 do art. 139.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
O que significa que a decisão sobre que versa o recurso havia já transitado em julgado quando este foi interposto – cfr. o artigo 628.º do Código de Processo Civil.
Neste contexto, o recurso não devia ter sido admitido, por extemporâneo.
Uma vez, porém, que o despacho que o admitiu não vincula este tribunal de 2.ª instância (artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), nada obsta a que, neste momento, se tome posição sobre essa questão.
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4. Em face do exposto, e por extemporâneo, acorda-se em não admitir o recurso interposto.
Custas pelo recorrente, atendendo-se à isenção de que beneficia nos termos do art. 4º, nº 1, al. h), do RCP (cfr. documentos de fls. 16 e ss.), sem prejuízo, no entanto, do que houver a pagar nos termos dos nºs 6 (encargos) e 7 (reembolsos a título de custas de parte) do citado preceito.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 6 de Outubro de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Estava em vigor em 2009 o anterior Código de Processo Civil, na redacção constante da republicação em anexo ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: DL 180/96, de 25-9; DL 125/98, de 12-5; L 59/98, de 25-8; DL 269/98, de 1-9; DL 315/98, de 20-10; L 3/99, de 13-1; DL 375-A/99, de 20-9; DL 183/2000, de 10-8; L 30-D/2000, de 20-12; DL 272/2001, de 13-10; DL 323/2001, de 17-12; L 13/2000, de19-2; DL 38/2003, de 8-3; DL 199/2003, de 10-9; DL 324/2003, de 27-12; DL 53/2004, de 18-3; L 6/2006, de 27-2; DL 76-A/2006, de 29-3; L 14/2006, de 26-4; L 53-A/2006, de 29-12; DL 8/2007, de 17-1; DL 303/2007, de 24-8; DL 34/2008, de 26-2; DL 116/2008, de 4-7; L 52/2008, de 28-8; L 61/2008, de 31-10; DL 226/2008, de 20-11; L 29/2009, de 29-6. Por comodidade denominamos este diploma de VCPC e o actualmente em vigor de NCPC.
[2] “A reforma dos recursos introduzida pelo Dec. - Lei n.º 303/2007 e os seus reflexos no Código de Processo do Trabalho” in Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 74-75 Maio/Agosto-Setembro/Dezembro 2006, Coimbra, 2008, pp. 166 e ss..
[3] “O Regime de Recursos do Código do Processo de Trabalho e o Novo Código de Processo Civil”, in Caderno IV, O Novo Processo Civil, Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho, CEJ, 2013, consultável in http://www.cej.mj.pt.
[4] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 2014, p. 155.
[5] O Acórdão da Relação do Porto de 2014.07.09, Proc. n.º 936/12.6TTMTS.P1, que a ora relatora também subscreveu como primeira adjunta, e inédito, ao que supomos, enfrentou idêntica questão, mas relativamente ao recurso interposto de despacho saneador que conhecendo do mérito da causa, não pôs, contudo termo ao processo, e decidiu que a remissão do artigo art. 79º-A , n.º 2, alínea i) do C.P.T. para o art. 691º, nº 2 al. h) do VCPC se deverá efectuar para o art. 644º, nº 1, al. b) do NCPC, bem como que o prazo de interposição de recurso, é nos termos do disposto pelo art. 80º, nº 2 do C.P.T. de 10 dias e não de 20 dias.
[6] Assim se considerou, também, no Acórdão da Relação do Porto de 2014.07.09, já citado, embora relativamente ao despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, não põe termo ao processo.
[7] É de notar que o CPT, cerca de 2 meses após a publicação do novo CPC, veio a ser alterado pela Lei 63/2013, de 27 de Agosto, alteração esta que, não obstante posterior à publicação do novo CPC, não contemplou qualquer alteração em matéria de recursos, mormente ao art. 80º, nº 2.
[8] Vide Albino Mendes Baptista, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 33, Raúl Ventura, “Princípios Gerais de Direito Processual do Trabalho”, in Curso de Direito Processual do Trabalho, (Suplemento da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa), Lisboa, 1964, p. 34 e ss., e José António Mesquita, “Princípios Gerais do Direito Processual do Trabalho”, in Prontuário de Direito do Trabalho, nº 73, Jan.-Abr. 2006, p. 83.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
O recurso interposto de despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de suspensão de despedimento instaurado após 1 de Setembro de 2013, mostra-se contemplado na alínea i) do n.º 2 do art. 79º-A do CPT, ainda que com remissão agora actualizada para o art. 644.º, n.º 1, alínea a) do NCPC, pelo que o prazo para a sua interposição é de 10 (dez) dias, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 2 do CPT, tal como já ocorria antes da vigência do NCPC.

Maria José Costa Pinto