Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7361/15.5T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONTRATO
PRESUNÇÃO
EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO IURIS TANTUM
Nº do Documento: RP201906277361/15.5T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 296, FLS 27-52)
Área Temática: .
Sumário: I - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
II - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
III - Não obstante a factualidade permitir ter como integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostrando-se assim preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre as partes, cumpre no entanto indagar, seguidamente, se foi ilidida aquela presunção, através da demonstração de que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não poder no caso concreto ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 7361/15.5T8MAI.P1
Autora: B…
Réus: C…, Lda., D… e E…
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Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

1. B… intentou ação de processo comum contra C…, Lda., D… e E…, peticionando o seguinte:
1 – Seja reconhecido e declarado que é trabalhadora (sem termo) da ré sociedade desde 1 de setembro de 2005.
2 – Seja declarado ilícito o seu despedimento operado pela ré sociedade a 14 de setembro de 2015
Ou se assim não se entender, face aos factos narrados, ser declarado ilícito o seu despedimento operado pela ré sociedade a 18 de setembro de 2015,
Ou a 25 de setembro de 2015,
Ou a 28 de setembro de 2015,
Ou a 29 de setembro de 2015,
Ou a 30 de setembro de 2015,
Ou a 1 de outubro de 2015,
Ou a 2 de outubro de 2015,
E, em consequência disso,
a) Serem todos os réus condenados a pagar-lhe solidariamente as retribuições que deixou de auferir desde a cessação do contrato até ao trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 390º, com a dedução operada pela alínea b) do nº 2 daquele artigo, cifrando-se à data da instauração da ação em € 750,00;
b) Ser a ré sociedade condenada à sua reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 389º do Código do Trabalho, ou, alternativamente, serem todos os réus condenados a pagar solidariamente a compensação pela não reintegração, que se cifra em € 11.290,06 calculada nos termos do artigo 391º do Código do Trabalho;
c) Serem todos os réus solidariamente condenados no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de danos morais.
Alegou, para tanto, em síntese, que, tendo celebrado um contrato de trabalho sem termo com a Ré no dia 1 de setembro de 2005, para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhando as funções de Diretora Comercial, apenas assinou, porém, o contrato de trabalho a 1 de setembro de 2009, sendo que, tendo sido nomeada gerente da Ré a 23 de abril de 2010, através de deliberação que viria a ser registada no dia 1 de maio de 2010, veio no entanto a ser destituída, por deliberação tomada a 11 de setembro de 2015, mas apenas registada a 24 de setembro de 2015, sendo que, diz, esta sua nomeação como gerente suspendeu o seu contrato de trabalho, nos termos do artigo 398º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, suspensão essa que cessou no termo do desempenho das suas funções enquanto gerente, readquirindo pois então o direito à situação que tinha antes da suspensão, sem prejuízo do cômputo do tempo da suspensão para efeitos de antiguidade. No entanto, diz ainda, veio a ser despedida, na medida em que depois da sua destituição se apresentou na empresa várias vezes para exercer as suas funções enquanto trabalhadora, tendo sido impedida de trabalhar e de entrar nas instalações da sociedade Ré, com a indicação de que enquanto trabalhadora as funções que exercia antes de passar a gerente se tinham extinto e que não era trabalhadora e que não tinha que prestar trabalho; invoca que sofreu danos não patrimoniais com o seu despedimento e pelas ameaças e humilhações que frequentemente sofria por parte do 2º e 3º réus. Por fim, alega que o 2º e 3º réus devem ser solidariamente responsabilizados pelos créditos peticionados, por força do disposto no artigo 335º do Código do Trabalho e 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais.

1.1 Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, os Réus apresentaram-se a contestar, por exceção e impugnação.
Também em síntese, por exceção, invocaram a ilegitimidade dos 2º e 3º réus. Negam depois a versão dos factos apresentada pela Autora, referindo nomeadamente que esta não celebrou qualquer contrato de trabalho, pois que, pese embora ter estado inscrita na segurança social como trabalhadora antes da sua nomeação como gerente, tal ocorreu apelas pelo facto de o pai da Autora, que foi gerente da Ré até 2012, ter comunicado aos demais sócios que iria ceder àquela as quotas que ainda possuía à data, pretendendo que a mesma viesse alguns meses para a empresa para experimentar como era gerir a mesma, tendo pedido, por isso, que a inscrevessem como trabalhadora até para que fosse já remunerada por esse “período experimental” de gerência – sendo certo que se viesse a ser nomeada gerente, por gostar do cargo, e decidir ficar com o mesmo, teria direito a receber um salário mais alto e ao recebimento das quotas e à sua nomeação oficial como gerente, por sua vontade e pedido, e que se teria o contrato de trabalho fictício da mesma por cessado, sendo que, perante tal pedido, e por consideração ao pai da autora, seu tio, os 2º e 3º réus aceitaram a vontade do seu tio, e inscreveram a Autora como trabalhadora na segurança social e deram-lhe acesso total à gestão da sociedade, tendo-lhe fixado o salário de € 650,00 e sido combinado que o contrato se extinguiria com a sua nomeação como gerente. Defendem que com a nomeação da Autora como gerente ocorreu, por lei e por vontade das partes, nessa data a extinção do contrato de trabalho (fictício), passando nessa data a mesma a ser gerente de facto e de direito, tendo tido direito a um acréscimo salarial de € 50,00 e passou a descontar para a segurança social na qualidade de sócia gerente, como acontecia com os demais, tendo o seu salário com o tempo vindo a ser progressivamente aumentado, sendo que, com a sua destituição e uma vez que o contrato de trabalho fictício já se tinha extinto, quer por lei, quer por vontade das partes, aquando da sua nomeação de gerente, ficou a Autora completamente desvinculada da ré sociedade e deu esta baixa da mesma na segurança social – e atentos os motivos da sua destituição foi deliberada a proibição da mesma entrar nas instalações da ré sociedade. Sem prescindir, sustentam que caso se entendesse que ocorreu efetivamente suspensão do contrato de trabalho, não teria sido a Autora despedida, por não ter existido qualquer declaração nesse sentido, tendo-se a Ré limitado a destituir a mesma, do cargo de gerente, e a proibir a sua entrada nas instalações nesta qualidade e apenas durante os dias imediatamente seguidos à Assembleia Geral e com receio que a mesma viesse tentar levar documentação que pudesse comprometer economicamente a saúde da empresa face aos motivos que levaram à sua destituição, sendo que nunca, contudo, foi proibida a autora de exercer as suas alegadas funções. Sustentam ainda os réus que os 2º e 3º Réus, enquanto gerentes da sociedade, não podem os mesmos ser responsabilizados pelos alegados danos não patrimoniais e, bem assim, quanto aos danos patrimoniais invocados (e mesmo não patrimoniais), a existirem, não foram provocados diretamente por aqueles réus, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre a sua atuação e os alegados danos causados, pelo que não são responsáveis. Por último, consignam os Réus como “última nota” que se opõem à reintegração da autora, pois a procedência da mesma teria consequências completamente nefastas para o funcionamento da empresa.

1.2 A Autora apresentou resposta pugnando pela improcedência da exceção de ilegitimidade e pedindo a condenação dos réus como litigantes de má-fé, no pagamento da quantia de € 10.120,00, sendo € 8.000,00 a título de multa e € 2.120,00 de indemnização (€ 2.000,00 de honorários do mandatário e € 120,00 de IVA à taxa legal).

1.3 Fixado em €17.040,00 o valor da ação foi de seguida proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, se declarou improcedente a exceção da ilegitimidade deduzida na contestação, dispensando-se depois a identificação do objeto do processo e dos temas da prova, na invocação dos artigos 62º, n.º 1 e 49º, n.º 2 e 3 do Código de Processo do Trabalho.

1.4 Prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação comum instaurada pela autora B… contra os réus C…, Lda, D… e E… e, em consequência, decide-se:
A) Reconhecer que a autora foi trabalhadora da ré sociedade desde 1 de fevereiro de 2010;
B) Declarar a ilicitude do despedimento da autora operado pela sociedade ré a 25-09-2015 e, em consequência,
B.1. Condenar a ré sociedade a pagar à autora a indemnização pela qual esta optou em substituição da reintegração, indemnização essa correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade decorrido desde a data de admissão da trabalhadora até ao trânsito em julgado da decisão judicial, a qual ascende nesta data ao montante de € 5.850,00, sem prejuízo do que se venha a liquidar oportunamente, atenta a data do trânsito em julgado da decisão;
B.2. Condenar a ré sociedade a pagar à autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde 2-11-2015 até ao trânsito em julgado da decisão, compensação essa à qual terão que ser deduzidas as importâncias que a autora auferiu com a cessação do contrato decorrentes da atividade laboral iniciada após o despedimento, bem como as quantias que aquela haja eventualmente recebido a título de subsídio de desemprego no referido período temporal as quais deverão ser entregues pela sociedade ré à Segurança Social, tudo a liquidar oportunamente nos termos do artigo 609º, nº 2, e 358º do Código de Processo Civil.
C) Absolver a ré sociedade do demais peticionado pela autora e que exceda o determinado nas alíneas antecedentes, onde se inclui o peticionado a título de danos não patrimoniais;
D) Absolver os réus D… e E… do pedido de condenação solidária no pagamento da indemnização em substituição da reintegração, retribuições intercalares e indemnização por danos não patrimoniais.
E) Absolvem-se todos os réus da peticionada condenação como litigantes de má-fé.
Custas por autora e ré sociedade na proporção do respetivo decaimento, sendo de, respetivamente, 62% para a autora e 38% para a sociedade ré (artigo 527º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º, nº 2, al. a), do CPT), tudo sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora.
Registe e notifique.”

2. Inconformados, apresentaram os Réus requerimento de interposição de recurso, concluindo as suas alegações com o que consideraram serem as conclusões, sendo que, após convite ao respetivo aperfeiçoamento pelo ora relator, foram então apresentadas as que seguidamente se transcrevem:
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2.1. Contra-alegou a Autora
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2.2 O recurso foi admitido em 1.ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

3. Emitiu a Exma. Procuradora-Geral Adjunta parecer no sentido da improcedência do recurso, de facto e de direito.
3.1. Respondeu a Apelada ao sufragado em tal parecer, manifestando a sua concordância.
3.2. Por sua vez, a Apelante na sua pronúncia evidenciou a sua discordância, pugnando pela solução que sustentou nas suas alegações.
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Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:
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III – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – regime aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: juízo sobre o mérito no que se refere à qualificação ou não do contrato como de trabalho; consequências decorrentes da conclusão a que se chegue sobre a questão anterior.
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IV – Fundamentação
A) De facto
O Tribunal recorrido considerou como factos provados o seguidamente se transcreve:
“1 – Pelo menos a partir de 1 de fevereiro de 2010, a autora prestou trabalho para a ré sociedade, exercendo funções como administrativa, mediante o pagamento pela sociedade ré à autora de uma retribuição mensal de € 650,00.
2 – Pelo menos a partir daquela data, de segunda a sexta-feira, a autora exercia funções para a sociedade ré, no escritório desta sociedade, utilizando para o efeito os equipamentos existentes nesse mesmo escritório, como telefone e computador.
3 - A ré sociedade nos meses de fevereiro de 2010 a abril de 2010 pagou à autora a retribuição mensal de € 650,00.
4 – A ré C…, Lda. declarou à Segurança Social remunerações da autora como trabalhadora por conta daquela sociedade ré a partir de 1 de fevereiro de 2010 até setembro de 2015 (inclusive, sendo que relativamente ao mês de setembro apenas no que respeita a 24,5 dias), fazendo os descontos respetivos.
5 - A ré sociedade é uma sociedade comercial por quotas, tendo por objeto o comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, conforme certidão permanente junta a fls. 20 verso a 26 dos autos cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido.
6 – Resulta da certidão de matrícula da ré sociedade aludida em 5 o seguinte:
- A ré sociedade foi inicialmente constituída com um capital social de € 5,000,00, tendo como sócios F… com uma quota de € 2.000,00 e G… com uma quota de 3.000,00, ambos nomeados gerentes, conforme Insc. 1 Ap. 11/20040716 daquela certidão;
- O sócio F… cessou funções de gerente, por renúncia registada em 9-05-2007, conforme Av. 1 Ap.4/20070509 daquela certidão;
- A ré sociedade sofreu alteração ao contrato de sociedade registada na Insc. 4 AP.1/20080909 daquela certidão, passando o sócio G… a deter a totalidade do capital social, com uma quota de 2.000,00 e outra de 3.000,00 e passando a sociedade a obrigar-se com a intervenção de um gerente;
- A ré sociedade sofreu um aumento de capital social e alteração ao contrato de sociedade registada na Insc. 5 AP.2/20080909 daquela certidão, passando o capital social para o valor de 100.000,00, detendo o sócio G… a totalidade do capital social, com uma quota de 98.000,00 e outra de 2.000,00;
- A ré sociedade sofreu alteração ao contrato de sociedade registada na Insc. 6 AP.5/20090729 daquela certidão, passando o capital social a ser detido por três sócios, sendo o sócio G… com uma quota de 70.000,00, o sócio D… com uma quota de € 15.000,00 e o sócio E… com uma quota de € 15.000,00, passando a sociedade a obrigar-se com a assinatura do gerente G… e a assinatura de um outro gerente, tendo sido então nomeado gerente o sócio E…;
- Pela Insc. 7. AP.9/20091117 foi designado gerente o sócio D…;
- O sócio D… cessou funções de gerente, por renúncia registada em 26-03-2010, conforme Av. 1 Ap.10/20100226 daquela certidão;
- A ré sociedade sofreu alteração ao contrato de sociedade e designação de membro de órgão social registada na Insc. 9 AP.11/20100501 daquela certidão, passando o capital social a ser detido por quatro sócios, sendo o sócio G… com uma quota de 50.000,00, o sócio D… com uma quota de € 15.000,00, o sócio E… com uma quota de € 15.000,00 e a sócia B… com uma quota de € 20,000,00, tendo sido então nomeada gerente a sócia B…;
- A ré sociedade sofreu um aumento de capital e uma alteração ao contrato de sociedade registada na Insc. 10 AP.167/20111025 daquela certidão, passando o capital social para € 250,000,00, detido por quatro sócios, sendo o sócio G… com uma quota de 125.000,00, o sócio E… com duas quotas de € 37.500,00 cada uma e a sócia B… com uma quota de € 50,000,00;
- A ré sociedade sofreu alteração ao contrato de sociedade registada na Insc. 11 AP.1/20111215 daquela certidão, passando na forma de obrigar a constar que a sociedade para se vincular em todos os atos e contratos tem obrigatoriamente que ter a assinatura de dois gerentes;
- O sócio G… cessou funções de gerente, por renúncia registada em 29-06-2012, conforme Av. 2 Ap.35/20120629 daquela certidão;
7 – A ré sociedade tem um capital social de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), que se encontra dividido em:
- Sócio (e gerente) D…, 2º réu, detentor de uma quota no valor de € 125.000,00;
- Sócio (e gerente) E…, 3º réu, detentor de duas quotas, cada uma no valor nominal de € 37.500,00;
- Sócia B…, aqui autora, detentora de uma quota no valor nominal de € 50.000,00.
Tudo conforme Insc. 12, Ap. 26/20140213 da referida certidão de matrícula referente a alteração do contrato de sociedade e designação de membro de órgão social.
– Em 23 de abril de 2010, a autora foi designada gerente da ré sociedade, através de deliberação que viria a ser registada no dia 1 de maio de 2010, sob a inscrição 9. AP.11/20100501.
9 – Ulteriormente, por deliberação tomada a 11 de setembro de 2015, mas apenas registada a 24 de setembro de 2015, a autora foi destituída do cargo de gerente, conforme Insc. 9. Av. 1, AP. 109/20150923.
10 – No dia 14 de setembro de 2015, a autora apresentou-se nas instalações da sociedade ré, sendo que se dirigiu ao réu D…, tendo o mesmo solicitado que aguardasse na sala de espera.
11 - A autora possuía umas chaves de acesso às instalações da ré sociedade.
12 – Em data não concretamente apurada, mas posterior à deliberação de destituição referida em 9 de 11-09-2015 e anterior a 18-09-2015, a fechadura da porta das instalações da empresa foi alterada, sendo que não foram facultadas à autora as novas chaves dessas instalações.
13 – No dia 18-09-2015, a autora apresentou-se ao serviço por volta das 9 horas, com o fito de continuar a trabalhar, mas foi-lhe vedada a entrada ao serviço nas instalações da sociedade ré pelo réu D….
14 – Nessa sequência, a autora chamou a Guarda Nacional Republicana ao local, pois estavam a impedi-la de trabalhar, facto esse que originou o auto de ocorrência elaborado pela Guarda Nacional Republicana –Comando Territorial do Porto –Dter.Santo Tirso-Posto Territorial da Trofa, junto aos autos como doc. 5 a fls. 29 e 30 e cujo teor se dá aqui como reproduzido, constando do mesmo no item “Descrição dos Factos e Informações Complementares” o seguinte:
“Aos 18 dias do mês de Setembro do corrente ano, por volta das 09:10, quando me encontrava de patrulha as ocorrências, foi esta Patrulha chamada pela denunciante Srª B… para participar como Ocorrência o facto de a mesma, sendo funcionária e na qualidade de sócia-gerente da empresa “C…”, aquando da sua entrada ao serviço nas instalações, foi-lhe vedada a mesma, pelo, segundo a denunciante afirma, Sr. D….
Segundo a Srª B…, o acesso ao seu local de trabalho tem sido negado por parte de um outro sócio da empresa, por, segundo indica, motivos de desentendimentos laborais.
A denunciante possuía uma chave de acesso as instalações e no presente dia e hora verificou que a fechadura da porta das instalações da empresa, tinha sido mudada.
A Srª B… informou esta patrulha que tem tido alguns conflitos com o outro sócio da empresa, motivo esse que tem despoletado estas situações.
Segundo o Sr. D… informa, a denunciante, Srª B… já foi destituída do cargo de gerente em assembleia geral da empresa e por maioria, existindo segundo o mesmo uma ata que comprova tal facto e por isso barra a entrada a denunciante.”.
15 – No dia 25-09-2015, a entrada da autora ao serviço nas instalações da sociedade ré foi novamente impedida pelo réu D…, sendo que nessa sequência, a autora chamou a Guarda Nacional Republicana ao local, facto esse que originou o auto de ocorrência elaborado pela Guarda Nacional Republicana –Comando Territorial do Porto –Dter.Santo Tirso-Posto Territorial da Trofa, junto aos autos como doc. 6 a fls. 30 verso e 31 e cujo teor se dá aqui como reproduzido, constando do mesmo no item “Descrição dos Factos e Informações Complementares” o seguinte:
“Aos 25 dias do mês de Setembro do corrente ano, quando me encontrava de patrulha as ocorrências, foi esta Patrulha chamada pela denunciante Srª B… para participar como Ocorrência o facto de a mesma, sendo funcionária da empresa “C…”, aquando da sua entrada ao serviço nas instalações, foi-lhe vedada a mesma, pelo, segundo a denunciante afirma, Sr. D….
Segundo a Srª B…, o acesso ao seu local de trabalho tem sido negado por parte de um outro sócio da empresa, por, segundo indica, motivos de desentendimentos laborais.
A Srª B… informou esta patrulha que tem tido alguns conflitos com o outro sócio da empresa, motivo esse que tem despoletado estas situações.
Segundo o Sr. D… informa, a denunciante, Srª B… já foi destituída do cargo de gerente em assembleia geral da empresa e por maioria, existindo segundo o mesmo uma ata que comprova tal facto e por isso barra a entrada a denunciante.”.
16 – Após o dia 25-09-2015, a autora voltou a apresentar-se à porta das instalações da sociedade ré pelo menos nos dias 29-09-2015, 1-10-2015 e 2-10-2015.
17 - A autora remeteu à sociedade ré, que a recebeu, uma carta registada datada de 28-09-2015 que se mostra junta a fls. 347 e 348 e cujo teor se dá aqui como reproduzido.
18 – Quando foi nomeada para o cargo de gerência a retribuição da autora passou para a quantia de pelo menos € 700,00, quantia que auferiu entre maio de 2010 a maio de 2014, sendo que a partir de junho de 2014 até à sua destituição passou a auferir a quantia de pelo menos € 900,00.
19 – Com a destituição da autora do cargo de gerente, a ré sociedade deu baixa da autora na Segurança Social.
20 - Com a deliberação de destituição da autora do cargo de gerente, foi ainda deliberada no mesmo dia 11-09-2015 a proibição da mesma entrar nas instalações da ré sociedade.
21 – A autora enviou à sociedade ré, que a recebeu, uma carta datada de 3-12-2015 na qual solicitava a entrega do modelo RP 5044.
22 – A ré respondeu à carta referida em 21, tendo remetido à autora uma carta registada datada de 9-12-2015 constante a fls. 77 verso a 78 dos autos, cujo teor se dá aqui como reproduzido.
23 – A sociedade ré foi notificada pela ACT nos termos constantes da notificação junta a fls. 79 dos autos, cujo teor se dá aqui como reproduzido. 24 – A sociedade ré respondeu a tal notificação da ACT por carta registada com A/R datada de 22-12-2015 e recebida pela ACT em 23-12-2015, conforme carta e A/R juntos a fls. 79 verso a 80 dos autos cujo teor se dá aqui como reproduzido.
25 – A autora apresenta descontos e contribuições para a Segurança Social como trabalhadora por conta da sociedade H…, Lda. entre fevereiro de 2016 a abril de 2016.
26 – A autora a partir de abril de 2016 começou a trabalhar para a sociedade I…, Lda, apresentando descontos e contribuições para a Segurança Social como trabalhadora por conta dessa sociedade desde abril de 2016.”
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Fez-se de seguida constar que “com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
A – No dia 1 de setembro de 2005 a autora celebrou verbalmente um contrato com a ré sociedade, nos termos do qual a autora desempenharia a partir daquela data funções de Diretora Comercial sob as ordens, direção e fiscalização da ré sociedade, sendo que tal contrato apenas foi formalizado por escrito em 1 de setembro de 2009.
B – A autora auferia da sociedade ré a quantia líquida mensal de € 750,00.
C – O horário de trabalho praticado pela autora era o das 9.00 horas às 13 horas e das 14 horas às 18 horas.
D – A autora aceitou a sua nomeação como gerente, sob a promessa do seu pai, na altura sócio e gerente da sociedade ré, que, em caso de cessação da gerência, regressaria ao seu posto de trabalho.
E – Foi no dia 14-09-2015 que a autora constatou que a fechadura da porta das instalações da empresa havia sido alterada.
F - No dia 14-09-2015 a autora informou o réu D… que ali se encontrava para exercer as suas funções enquanto trabalhadora.
G – Por volta das 11:30 horas do dia 14-09-2015, o réu D… entrou em contato com a autora, informando-a que pretendia conversar com esta.
H – Nesse sentido, a autora deslocou-se nesse dia 14-09-2015 novamente às instalações da ré sociedade, tendo sido informada pelo réu D… que os réus já tinham feito cessar as suas contribuições junto da Segurança Social. I – Nesse dia 14-09-2015 o réu D… informou a autora que “deu baixa na Segurança Social”, declarando que enquanto sócia seria livre de entrar nas instalações da ré quando quisesse, mas que enquanto trabalhadora, as funções que exercia antes de passar a gerente “com o decorrer do tempo extinguiram-se”, e que por essa razão não era trabalhadora e que não tinha que prestar trabalho.
J – No dia 28 de setembro de 2015, pela manhã, a autora apresentou-se novamente ao serviço, fazendo-se acompanhar da Sra. J… e do Sr. K…, sendo novamente impedida de trabalhar e de entrar nas instalações da sociedade ré.
K - A autora apresentou-se ao serviço no dia 30 de setembro de 2015, pela manhã, fazendo-se acompanhar da Sra. J… e do Sr. L…, sendo novamente impedida de trabalhar e entrar nas instalações da ré.
L – Aquando do referido em 16 dos factos provados a autora fez-se acompanhar da Sr. J…, sendo que nesses dias 29-09-2015, 1-10-2015 e 2-10-2015 foi novamente impedida de trabalhar e de entrar nas instalações da ré sociedade.
M – A autora com a sua nomeação como gerente passou a auferir € 1.500,00 mensais.
N – A autora sempre foi pessoa trabalhadora e zelosa do seu trabalho, sempre colocando como prioridade a execução das tarefas que lhe eram propostas.
O – A autora sempre desempenhou as suas funções com extremo rigor e dedicação.
P – A autora viveu e ainda vive angustiada por causa do referido em 10 a 16.
Q – A autora encontra-se numa grande ansiedade, nervosismo e apreensão, causada pelo grande receio de não lograr arranjar um novo emprego.
R – A autora criou e ajudou a manter a sociedade ré durante os últimos dez anos.
S – A autora tem sentido dificuldades em conviver no seu seio familiar, sofrendo distúrbios de sono que a impedem de retomar normalmente o seu quotidiano, com consequências nefastas na sua relação com a sua filha de tenra idade.
T – A autora viu-se mergulhada num a depressão, padece de ansiedade, insónias e sintomatologia depressiva, por causa do referido em 10 a 16.
U – O estado depressivo da autora tem vindo a aumentar, sentindo-se a autora triste, deprimida, sem vontade de sair de casa ou conviver com terceiros.
V – A autora colocou a sua vida académica – Curso de Direito e respetiva inscrição na Ordem de Advogados – em segundo plano, dando sempre primazia às funções exercidas na sociedade ré.
W – A autora sente-se embaraçada perante a sua família, principalmente perante a sua filha ainda menor, uma vez que não tem conseguido manter o nível de vida a que a mesma estava habituada.
X – A autora neste momento não tem qualquer fonte de subsistência económica.
Y – A autora, ficando sem qualquer tipo de remuneração, foi forçada a desistir do ginásio, atividade que havia sido prescrita pela sua psiquiatra.
Z – A sua filha menor deixou de frequentar a natação.
AA – A autora sente-se humilhada profissionalmente, sendo alvo de escárnio perante os colegas.
BB – A autora entrou e continua em estado depressivo em virtude dos atos cometidos pelos réus, tendo necessidade de recorrer a apoio médico com regularidade e a fármacos.
CC – Hoje em dia a autora tem graves problemas em conseguir dormir tranquilamente, encontrando-se permanentemente em estado de ansiedade. DD – No início do ano de 2010, o pai da autora e então gerente da ré sociedade, Sr. G…, dado o seu estado de saúde e cansaço, comunicou aos réus D… e E…, que tinha conversado com a filha, autora, e que estava interessado em ceder as quotas que ainda possuía à data à mesma.
EE – Mais disse, que queria que ela viesse alguns meses para a empresa para experimentar como era gerir a mesma, tendo pedido, por isso, aos mesmos que a inscrevessem como trabalhadora até para que fosse já remunerada por esse “período experimental” de gerência.
FF – Sendo que se viesse a ser nomeada gerente, por gostar do cargo, e decidir ficar com o mesmo, teria direito a receber um salário mais alto e ao recebimento das quotas e à sua nomeação oficial como gerente, por sua vontade e pedido, e que se teria aquele contrato fictício de trabalho da mesma por cessado.
GG – Perante tal pedido, e por consideração ao Sr. G…, seu tio, e tendo boa impressão da sua prima, com quem tinham boa relação e quem por vezes viam nas instalações com o pai a acompanhá-lo, e acreditando que a sua licenciatura em direito poderia ser uma mais valência para a gestão da empresa, os réus D… e E… aceitaram a vontade do seu tio.
HH – Foi por essa razão que a autora foi inscrita como trabalhadora na Segurança Social, tendo sido dado à autora nessa altura acesso total à gestão da sociedade.
II – Ficou combinado que o contrato se extinguiria com a nomeação da autora como gerente.
JJ – A partir da sua nomeação como gerente a autora passou a descontar para a segurança social na qualidade de sócia gerente.
KK – No dia 14-09-2015, aquando do referido em 10, a autora alegou que apenas se estava a deslocar à sede da sociedade ré para ir “buscar os meus pertences pessoais”, tendo o réu D… informado a autora que estava proibida de entrar enquanto gerente, mas que iria ver a melhor forma de restituir o que fosse seu e que lhe ligaria quando falasse com o outro gerente para apurar qual seria a melhor forma de resolver tal problema.
LL – Neste sentido, e depois de ter reunido com o réu E…, ligou o réu D… à autora a dizer-lhe que os seus pertences seriam enviados por intermédio da sua mãe.
MM – No período temporal situado entre fevereiro a abril de 2010 a autora exerceu funções de gerente, não tendo recebido qualquer tipo de ordens/direções, sendo que era a autora que dava ordens a todos os trabalhadores e geria os desígnios da sociedade.
*
Quanto aos demais artigos constantes dos articulados os mesmos não foram considerados por integrarem matéria de direito e/ou conclusiva e, portanto, não conterem factos passíveis de prova, bem como por não assumirem interesse para a decisão tendo em consideração o ónus de alegação e prova de cada uma das partes.”
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Nos termos expostos, na procedência parcial do recurso nesta parte, altera-se a redação dos pontos 1.º a 3.º da factualidade dada como provada, redação essa que passa a ser a seguinte:
1 - Pelo menos a partir de 1 de fevereiro de 2010, a Autora dirigia-se às instalações da Ré, em número de dias da semana não concretamente apurados, mas da ordem dos 3 ou 4, aí se mantendo normalmente entre as 10 ou 11 horas e as 16 horas, nomeadamente no escritório, sendo que nessas alturas, exercendo no mais atividade também não concretamente apurada, atendeu alguns telefonemas de clientes e transmitiu ordens/instruções, à produção ou para serem tiradas guias.
2- A Autora, aquando do referido em “1”, utilizou o telefone e o computador existentes no escritório.
3- A Ré emitiu recibos em que figurava o pagamento à Autora, respetivamente, de €700,00 referente ao mês de fevereiro de 2010 e de €650,00 em cada um dos meses de março e abril do mesmo ano.
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Deste modo, nos termos expostos, na procedência parcial do recurso, mantendo-se o ponto 16.º, elimina-se porém o ponto 14.º, passando os pontos 13.º e 15.º, por sua vez, após a nossa intervenção, a ter a seguinte redação:
- “13 – A Autora apresentou-se nas instalações da Ré, no dia 18-09-2015, por volta das 9 horas, com o fito de nessas entrar, mas foi-lhe vedada a entrada pelo Réu D….
- “15 – No dia 25-09-2015 a entrada da Autora nas instalações da sociedade Ré foi novamente impedida pelo Réu D…”.

1.3 Nos termos antes considerados em sede de recurso sobre a matéria de facto, a base factual a atender, para dizermos de Direito, é aquela que foi fixada pelo Tribunal a quo, com as alterações afirmadas nos pontos anteriores (1.2.1 e 1.2.2).

2. O Direito do caso:
2.1 Saber se vigorou entre as partes um contrato de trabalho
Nas conclusões IX a XIX defende a Apelante que, diversamente do decidido, não se pode concluir que antes da nomeação da Autora como gerente, em abril de 2010, não se pode concluir que a mesma tenha estado vinculada à Ré por contrato de trabalho.
Pugnando a Apelada pela adequação do julgado, cumprindo apreciar e decidir, constata-se que o Tribunal recorrido fez constar da sentença o seguinte:
A primeira questão a analisar nos presentes autos consiste em saber se entre a autora e a sociedade ré se estabeleceu uma relação contratual de natureza laboral, ou seja se vigorou entre ambas um contrato de trabalho.
Neste particular, e com relevância para a resolução desta questão, apenas resultou provado que: pelo menos a partir de 1 de fevereiro de 2010, a autora prestou trabalho para a ré sociedade, exercendo funções como administrativa, mediante o pagamento pela ré à autora de uma retribuição mensal de € 650,00; pelo menos a partir daquela data, de segunda a sexta-feira, a autora exercia funções para a sociedade ré, no escritório desta sociedade, utilizando para o efeito os equipamentos existentes nesse mesmo escritório, como telefone e computador; a ré nos meses de fevereiro de 2010 a abril de 2010 pagou à autora a retribuição mensal de € 650,00; a ré C…, Lda. declarou à Segurança Social remunerações da autora como trabalhadora por conta da ré sociedade a partir de 1 de fevereiro de 2010 até setembro de 2015 (inclusive, sendo que relativamente ao mês de setembro apenas no que respeita a 24,5 dias), fazendo os descontos respetivos.
Da matéria provada, apenas pode, pois, afirmar-se a existência de uma relação contratual entre as partes a partir de 1 de fevereiro de 2010, no âmbito da qual a autora prestava uma atividade à sociedade ré que dela beneficiava.
Como assim, para a resolução da questão da qualificação da dita relação jurídica tem aqui aplicação o regime definido pelo Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2009 (diploma ao qual se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso).
Na definição do artigo 11º, que acolhe a noção contida no artigo 1152º do Código Civil, contrato de trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de uma organização e sob a autoridade destas”.
Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho são: a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Atente-se que, conforme constitui entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, os factos reveladores da existência do contrato de trabalho apresentam-se como factos constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, pelo que o ónus de prova incumbe a quem os invoca nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil.
Foi precisamente tendo em mente as dificuldades de prova da existência de um contrato de trabalho que surgiram as denominadas presunções de laboralidade, primeiro no Código de Trabalho de 2003, com a subsequente modificação da redação inicial do seu artigo 12º decorrente da Lei nº 9/2006, de 20-03), até à redação contida no artigo 12º do atual Código de Trabalho de 2009.
Atualmente, o Código do Trabalho de 2009 contém uma norma presuntiva com estrutura semelhante à redação originária de 2003, mas aligeirando o esforço em sede de prova dos factos, na medida em que não se terá agora que provar cumulativamente os vários factos-base, mas apenas alguns, para que se possa aferir da existência dos elementos caraterizadores do contrato de trabalho.
Como é consabido, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349º do Código Civil). Estas presunções (ilações legais ou de direito) são as que têm assento na própria lei, ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto, o que significa que quem tiver a seu favor uma presunção dessa natureza escusa de provar o facto a que a mesma conduz, embora a presunção possa ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum -, exceto naquelas situações em que a lei o proíbe – casos em que a presunção é designada de iuris et de iure (artigo 350º do Código Civil).
No caso, como se disse, o legislador previu no artigo 12º uma presunção de laboralidade, dispondo este normativo, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho” o seguinte:
“1. Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes caraterísticas:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador da atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
(…)”.
Conforme uniformemente entendido, os pressupostos não são todos eles de verificação cumulativa, bastando a verificação de, pelo menos, dois, para que a presunção atue. Assim, provando-se pelo menos dois desses cinco requisitos, presume-se que estamos perante um contrato de trabalho, incidindo sobre a outra parte, a prova de factos que contrariem esta presunção [Sobre esta matéria poderá ver-se, sem divergências, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, apontando-se aqui o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2017, processo nº 1694/16.0T8VLG.P1, disponível na competente base de dados acessível in www.gde.mj.pt].
Na verdade, por via da referida presunção e verificados que sejam os pressupostos de base de atuação da mesma, caberá ao alegado empregador a prova do contrário (artigo 350º, nº 2, do Código Civil), não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
Ora, e reportando ao caso dos autos, concluímos que a autora logrou provar factos que integram e preenchem a mencionada presunção, pois que estão verificadas as «características» expressamente previstas no artigo 12º nas alíneas a), b) e d) do nº 1 – cfr. pontos 1 a 3 dos factos provados. Essas circunstâncias fáticas são, por si só, suficientes para o preenchimento da presunção prevista no artigo 12º do Código de Trabalho de 2009, por verificação de três dos cinco indícios de laboralidade contidos naquele normativo.
Por outro lado, verifica-se que a ré não provou factos que infirmem que entre ela e a autora vigorou um contrato de trabalho. De facto, os réus não lograram provar factos suscetíveis de elidir aquela presunção.
Nesta consonância, decorrendo dos factos provados que a autora a partir de 1 de fevereiro de 2010 prestou uma atividade à sociedade ré que dela beneficiou, e no âmbito da qual se verificaram três das caraterísticas previstas no artigo 12º, nº 1, sem que tivessem resultado provados factos suscetíveis de elidir a presunção legal de laboralidade prevista naquele normativo, forçoso é concluir que entre a autora e a ré sociedade vigorou um contrato de trabalho a partir de 1 de fevereiro de 2010. (...)”
Não acompanhamos o decidido, esclareça-se desde já, desde logo porque teve na sua base uma realidade factual que, face ao decidido em sede de apreciação do presente recurso sobre a matéria de facto, já não se verifica, assim o que constava dos pontos 1.º a 3.º da factualidade que havia sido dada como provada, que passaram em sede de recurso a ter diversa redação.
É que, desde logo pela aplicação precisamente do regime afirmado na sentença mas agora à factualidade que se pode considerar provada depois da nossa intervenção, tendo por aplicável (o que não é aliás contrariado em sede de recurso) o regime que resulta do artigo 12.º do CT/2009 – tal como tem sido repetidamente dito pela Jurisprudência, a lei aplicável, para efeitos da qualificação do contrato, é a que vigorava à data do início da relação entre as partes, salvo alteração ocorrida nessa relação em momento posterior[1] –, deixam afinal de verificar-se os pressupostos fácticos que, na mesma sentença, fundaram a aplicação da presunção nesse estabelecida, assim o que se afirmou na sentença, ou seja, “as «características» expressamente previstas no artigo 12º nas alíneas a), b) e d) do nº 1 – cfr. pontos 1 a 3 dos factos provados”», circunstâncias essas que, na mesma sentença, se referiu serem, “por si só, suficientes para o preenchimento da presunção prevista no artigo 12º do Código de Trabalho de 2009, por verificação de três dos cinco indícios de laboralidade contidos naquele normativo”.
Vejamos as razões do nosso entendimento:
O artigo 11.º do CT/2009 define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.[2]’[3]
Podendo encontrar-se o núcleo diferenciador entre os contratos de trabalho e por outro lado de prestação de serviços na existência ou não de trabalho subordinado, recorrendo aos ensinamentos de Monteiro Fernandes[4], poderemos dizer que “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…). Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”
Como é consabido, serão elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Incumbindo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento desses elementos constitutivos do contrato[5], à semelhança de outros casos em que previu também a existência de presunções[6], estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, assim atualmente no artigo 12.º do CT/2009.
Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.
Deste modo, o legislador, sem dúvidas por reconhecer que a realidade nos demonstra que muitas vezes, por exemplo sob a capa de contratos denominados de prestação de serviços, se escondem verdadeiros contratos de trabalho, estabelece no n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009, facilitando a tarefa interpretativa, presumir-se “a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”.
Sobre a aplicação do regime que resulta do aludido artigo 12.º, socorremo-nos de seguida do que foi afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2017[7], nos termos que seguidamente se transcrevem:
“(…) Tratando-se dum regime legal insatisfatório para o trabalhador, o Código do Trabalho de 2009, em vigor desde 17/2/2009, veio alterá-lo de forma substancial, conforme se colhe do seu artigo 12.º, que sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estabelece que: (…)
Assim, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.
E da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário, a lei faz decorrer um efeito jurídico específico - a existência dum contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de actividade.
Por isso, e tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, “se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto”[8].
De qualquer maneira, tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
Assim, cabendo-lhe este onus probandi, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.
Podemos assim concluir que o actual regime do artigo 12º do CT/2009, representa uma verdadeira vantagem para o trabalhador, pois e conforme refere JOÃO LEAL AMADO, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[9].
Postas estas considerações genéricas, vejamos então o caso presente. (...)”
Resulta pois do citado normativo que se presume a que as partes celebraram um contrato de trabalho desde que preenchidas, pelo menos, duas das cinco alíneas aí previstas – prova essa cujo ónus impende como se disse sobre o autor para fazer operar a presunção –, sendo que, se o fizer, impenderá então sobre a outra parte o ónus de provar que, apesar disso, não estamos perante um contrato de trabalho.
O que acabou de referir-se é também sintetizado no Acórdão desta Relação e Secção de 19 de Maio de 2014[10], nos termos seguintes (citando):
“(...) Resulta da lei que a base da presunção legal de laboralidade estabelecida no Código do Trabalho de 2009 é constituída pela verificação de, pelo menos, duas das características indicadas. Só assim a lei presume que haverá um contrato de trabalho e faz recair sobre a contraparte a prova do contrário[20]. Assim, o facto de se verificarem as duas referidas características faz, a nosso ver, operar a presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova – que incumbe ao autor demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – este fica dispensado de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil) e passa a incumbir ao réu provar factos tendentes a elidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores de que as partes não celebraram um contrato de trabalho e se verifica uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Mas, em face da já aludida dificuldade de prova de elementos que distingam um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviço, pois que o elemento distintivo fundamental exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e é prestada a actividade (com, autonomia ou sob os poderes de direcção e disciplina do beneficiário da actividade), cremos que a tarefa do réu passa pela alegação e prova de factos que constituam um indício relevante e consistente da autonomia do trabalhador face ao beneficiário da actividade no desenvolvimento da sua actividade ao longo da execução contratual.
Na apreciação a efectuar, como já dito, mantém-se a exigência de o julgador interpretar a globalidade da factualidade apurada na operação de qualificação, embora com uma diferente perspectiva quanto ao ónus da prova pois que se trata, afinal, de verificar se se mostra elidida a presunção de laboralidade.(...)”
Partindo pois do enquadramento antes delineado, que acompanhamos como se disse, impondo-se verificar, em primeiro lugar, como é pressuposto, se no caso a Autora logrou fazer a prova da verificação de pelo menos duas das alíneas do supra citado n.º 1 do artigo 12.º do CT – pois que se assim não for, não operando então a presunção aí prevista, terá de demonstrar todos os factos de que dependa a qualificação do contrato como de trabalho –, a resposta é a de que, no caso, só com dificuldade se pode responder afirmativamente.
De facto, eliminado em sede de recurso o que constava dos pontos 1.º a 3.º, vista a redação que dos mesmos agora consta, como ainda o que resulta da demais factualidade provada, não consideramos que se encontre verdadeiramente preenchida, o que se torna necessário para fazer operar a presunção, a previsão de uma qualquer das alíneas do citado normativo.
É que, apesar de se ter provado que a Autora se dirigia às instalações da Ré, em número de dias da semana não concretamente apurados, mas da ordem dos 3 ou 4, aí se mantendo normalmente entre as 10 ou 11 horas e as 16 horas, nomeadamente no escritório, sendo que nessas alturas, exercendo no mais atividade também não concretamente apurada, atendia alguns telefonemas de clientes e transmitiu ordens/instruções à produção ou para serem tiradas guias, não poderemos daí retirar, como conclusão, desde logo, sequer, que toda a atividade desenvolvida pela Autora o fosse afinal no interesse da Ré, enquanto sua beneficiária – a alínea a) refere-se a atividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado –, e não já, afinal, da própria Autora (ou mesmo do seu pai, sócio maioritário e gerente, mas por decorrência da própria relação familiar que os unia e não pois numa qualquer relação de hierarquia inerente às posições de sócio gerente e de trabalhadora, tanto mais que, acrescente-se, mesmo na parte em que a atividade se pode ter como relacionada com interesses da Ré, não é essa minimamente esclarecedora sobre um aspeto relevante, assim referente à posição da Autora dentro do todo organizativo da Ré, em particular sobre se não o seria mais com aproximação à posição dos gerentes daquela, pois que esses também desenvolviam essas atividades) e não já por ter recebido quaisquer ordens ou instruções, ou seja, numa posição de subordinação às ordens e determinações dos gerentes da Ré. Do mesmo modo, e aqui com maior facilidade, não se pode concluir que a Autora cumprisse qualquer horário determinado pela Ré – a alínea c) refere “observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma” –, pois que tal não resulta da factualidade. Também a respeito da utilização pela Autora do telefone e do computador, tendo em vista o eventual preenchimento da alínea b) – “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade” –, vale o que se referiu anteriormente, ou seja, podendo tirar-se a ilação que o telefone teria sido utilizado nas conversações com clientes da Ré, e assim numa atividade em que esta fosse beneficiária, fica por esclarecer se estava ou não em causa atividade ou função que resultasse de qualquer cumprimento de determinação provinda de pessoa que detivesse na Ré um poder de direção, sendo que, já quando ao computador, aqui nem sequer pode ser estabelecida entre o seu uso e qualquer atividade realizada no interesse da Ré. Por último, apenas se tendo provado que “a Ré emitiu recibos em que figurava o pagamento à Autora, respetivamente, de €700,00 referente ao mês de fevereiro de 2010 e de €650,00 em cada um dos meses de março e abril do mesmo ano”, não se pode também dizer, como a alínea d) pressupõe, que tenha sido efetivamente paga periodicamente uma quantia certa.
Seja como for, mesmo admitindo-se que a factualidade provada possa sustentar diverso entendimento, assim o de que se teriam porventura preenchido pelo menos duas das citadas alíneas, ainda assim, também nesse caso, por aplicação do critério antes enunciado da verificação da existência de autonomia ou antes de subordinação no exercício da atividade – critério que e que é precisamente utilizado perante a existência de dificuldade de prova de elementos que distingam os contratos – teríamos de concluir que falta no caso, pelas rações que já adiantámos anteriormente, o elemento subordinação no exercício da atividade, que carateriza, como se disse, o contrato de trabalho.
Cumprindo então avançar na apreciação do recurso, não beneficiando a Autora da presunção estabelecida do artigo 12.º do CT/2009 e não provando ela também a existência dos factos/elementos de que depende a qualificação de um contrato de trabalho, daí decorre, como consequência, que não pode afirmar-se que tenha estado vinculada à Ré, como o sustenta na ação, por contrato de trabalho, assim antes da sua nomeação como gerente, com as consequências que daí emergem para os destinos da ação, incluindo toda a análise feita na sentença recorrida sobre os efeitos dessa nomeação caso houvesse prova da existência anterior de uma relação laboral – como ainda, aliás, que tal relação se tivesse porventura estabelecido já durante o período em que perdurou essa gerência, como nesta parte também afirmou o Tribunal recorrido, afirmando nomeadamente que “descendo à situação dos autos, não decorre da matéria de facto apurada que depois de passar a assumir a qualidade de sócia gerente a autora não exercesse as funções próprias de gerente da ré sociedade (pelo contrário, ambas as partes estão de acordo que a autora assumiu efetivamente essas funções depois da sua designação como gerente), ou que existisse uma posição de domínio dos outros sócios gerentes ou a dependência hierárquica ou funcional nesse período”.
Em conformidade, não demonstrada a existência de uma relação laboral subordinada que vinculasse a Autora à Ré, ou seja a existência de um contrato de trabalho, carece de fundamento factual e legal a aplicação do invocado regime do despedimento, que a sentença considerou aplicável, com as consequências que retirou ainda do entendimento de que se trataria de despedimento sem justa causa, chamando à aplicação o regime que resulta nomeadamente dos artigos 381.º, 389.º e 391.º do CT/2009, razão pela qual, na procedência do recurso, se impõe a revogação da sentença na parte em que no seu dispositivo condenou a Ré a reconhecer que a autora foi trabalhadora da ré sociedade desde 1 de fevereiro de 2010 (alínea A), declarou a ilicitude do despedimento da autora operado pela sociedade ré a 25-09-2015 (alínea B) e, em consequência, a condenou nos termos constantes de B.1 e B.2.
Procede pois, por decorrência do exposto, totalmente o recurso nesta parte.

A responsabilidade pelas custas, da ação e do recurso, impende sobre a Autora/apelada (artigo 527.º do CPC).
***
V – DECISÃO:
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência parcial do recurso apresentado pela Ré quanto à matéria de facto e total no mais, em revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré nos termos constantes das alíneas A), B), B.1 e B.2 do seu dispositivo, que se substitui por este acórdão, em que se absolve a Ré dos pedidos formulados pela Autora.
Custas da ação e do recurso pela Autora/recorrida.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator.
*
Porto, 27 de junho de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] É abundante a Jurisprudência sobre esta questão, aqui se referindo, a título meramente exemplificativo, porque relatado pelo também aqui relator, o Acórdão desta Relação de 24 de Abril de 2017, in www.dgsi.pt.
[2] Idêntica noção consta do artigo 1152.º do Código Civil, nos termos do qual contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
[3] A noção de contrato de trabalho não sofreu, no que diz respeito à sua essência, nas definições constantes, sucessivamente, do artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e do artigo 11.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
[4] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.
[5] Vejam-se, entre outros, afirmando-o, os Acs. STJ de de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção, e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[6] “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do CC).
[7] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.
[8] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [6]: “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183.
[9] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [7]: Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80
[10] Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto.