Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
666/14.4T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA BACELAR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
DECISÃO POR SIMPLES DESPACHO
NÃO OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RP20150909666/14.4T8AGD.P1
Data do Acordão: 09/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Tem de ser expressa a não oposição a que seja decidida por mero despacho a impugnação da decisão de contraordenação, quando o impugnante nega os factos e arrola testemunhas a serem ouvidas em audiência, e na notificação que lhe é feita não é imposta qualquer cominação à ausência de resposta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 666/14.4T8AGD.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
B…, casado, reformado, residente na Rua …, n.º .., freguesia …, concelho de Guimarães, impugnou judicialmente a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 90 (noventa) dias, pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 84.º, n.ºs 1 e 4, 138.º e 145.º, alínea n), todos do Código da Estrada.

Enviados os autos ao Ministério Público junto da Comarca de Aveiro – Águeda e remetidos a Juízo [Instância Local – Secção Criminal], foi-lhes atribuído o n.º 666/14.4T8AGD do J1.

Considerada desnecessária a realização da audiência de julgamento, sem que tenha havido oposição, mediante despacho proferido em 9 de janeiro de 2015, foi decidido:
«a) julgar não verificada a existência da invocada nulidade por violação do disposto no artigo 50.º do RGCOC, improcedendo tal questão;
b) julga-se intempestiva a indicação da filha do recorrente como sendo a autora da infracção, não se afastando a presunção da prática da infracção que recaí sobre o proprietário do veículo, nos termos do disposto no artigo 171.º, n.º 2, do Código da Estrada, no caso, o recorrente;
c) julgar o recurso interposto por B… totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias, pela prática da infracção prevista nos artigos 84.º, n.ºs 1 e 4, 138.º e 145.º. alínea n), todos do Código da Estrada.
*
Custas a suportar pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – artigo 93.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e artigo 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III em anexo.»

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. A autoridade administrativa aplicou ao ora Recorrente, pela prática de uma contra-ordenação, a coima de Eur.: 120,00 e a medida acessória de inibição de conduzir pelo período de noventa dias.
2. A referida notificação para o exercício do direito de audição e defesa do Arguido, no presente processo, não fornece todos os elementos necessários para que o mesmo fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão.
3. Inexiste descrição sumária dos factos, é indicada apenas a matrícula do veículo em causa, não é mencionada a Marca e Modelo do mesmo, nos autos de contra-ordenação juntos, desconhecendo o Recorrente se foi mesmo o veículo, sua propriedade que passou pelo local de detecção de veículos, ou qualquer outro com a sua matrícula, pelo que também por aqui fica irremediavelmente prejudicado o direito de defesa do ora Recorrente.
4. Dispõe o Código da Estrada, no seu Artº 170º, nº 1 que “quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contra-ordenação rodoviária (como a referida nos autos), levanta ou manda levantar auto de notícia, que deve mencionar (…) a identificação dos agentes da infracção (…)”.
7. O Recorrente, viu confirmado pelo Agente Autuante. A fls., que o veículo era conduzido por pessoa do sexo feminino.
8. O Recorrente indicou como agente da infracção C…, cujos elementos de identificação juntou, assim como requereu a sua audição como testemunha.
9. Logo, em nome da verdade material não deve ao Recorrente, nomeadamente por não ser o agente da infracção cometida, ser aplicada qualquer coima e sanção acessória correspondente.
10. Por discordar da douta sentença proferida, fundamentalmente no que respeita à omissão de diligências probatórias requeridas, VIOLANDO GROSSEIRAMENTE O PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL A QUE O PROCESSO PENAL ESTÁ ADSTRITO, quando a própria sentença dá como provado que o veículo de matrícula ..-..-TL, era conduzido por pessoa do sexo feminino, o Recorrente interpõe o presente recurso.
11. No Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, a impugnação judicial admite duas formas de decisão: uma, proferida após a realização de audiência e outra, através de simples despacho – art. 64.º n.º 1 do RGCOC.
12. In casu, a decisão só podia ter sido proferida após a audiência de julgamento, uma vez que o silêncio do arguido não pode constituir anuência à decisão por despacho, dado que no recurso que interpôs, impugnou a matéria de facto e arrolou testemunhas e não foi notificado de que o seu silencia valeria como oposição.
13. Nos casos de oferecimento de prova por parte do arguido o juiz nunca poderá decidir por meio de mero despacho judicial, excepto se se tratar de uma situação em que a decisão final não dependa de diligências de prova;
14. No caso em apreço a decisão final dependia da realização de diligências de prova face à impugnação da matéria de facto e à indicação de testemunhas por parte do Arguido;
15. Traduz oposição inequívoca do arguido à decisão por mero despacho a indicação, no requerimento de recurso, de uma ou mais testemunhas para serem ouvidas;
16. Pelo que, tendo o Meritíssimo Juiz decidido o recurso interposto da decisão da autoridade administrativa através de mero despacho dando como provado que o veículo era conduzido por pessoa do sexo feminino, e ainda, sem dar ao recorrente a oportunidade de se opor a tal forma de decisão, com a expressa cominação de que o seu silêncio servia como não oposição, cometeu a nulidade a que se refere o artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do C.P.P.;
17. O Meritíssimo Juiz “a quo” deu como provados factos impugnados pelo Arguido, sendo que a tanto estava impedido sem previamente permitir a realização das diligências de prova requeridas, ainda mais quando se reconhece na douta decisão final e se dá como assente que quem conduzia o referido veículo era uma “pessoa do sexo feminino”.
18. A Douta Sentença recorrida viola o estatuído no artigo 64.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO;
19. Já que interpretando-se o nº 2 do artigo 64º do RGCO no sentido de que o silêncio do arguido – perante a notificação de que é intenção do Tribunal decidir por mero despacho – constitui anuência, até para as situações em que a decisão final depende da realização de diligências de prova, viola-se o estatuído no artigo 32º n.ºs 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa (CRO);
20. Deve ser julgada inconstitucional a norma contida no nº 2 do artigo 64º do RGCO, quando interpretada no sentido de que o tribunal pode decidir por mero despacho um recurso de impugnação de uma decisão administrativa tomada no âmbito de um processo de contra-ordenação, ainda que a decisão dependa da realização de diligências de prova requeridas pelo arguido quanto à possibilidade de decisão por mero despacho e nada disse.

Nestes termos,
Revogando a douta Sentença farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. Nos termos do art. 64º nº 2 do RGCO o Juiz decide por despacho o caso quando não considere necessária a produção de prova e o arguido ou o Ministério Público não se oponham, sendo que existindo oposição pela parte destes o Juiz, mesmo que a considere infundada deve designar data para julgamento, ficando impedido de decidir o recurso por despacho visando-se com a realização do julgamento reforçar as garantias dos vários sujeitos processuais;
2. In casu, o arguido e o seu mandatário foram notificados do douto despacho de fls. 27 que determinou a sua notificação nos termos do art. 64º nº 2 do RGCO para que em dez dia declarasse a eventual oposição a que a decisão fosse proferida por simples despacho – cfr. fls. 28 e 29 e 31 - não tendo sido manifestada nos autos oposição expressa a tal pelo que não existe a nulidade invocada pelo arguido sendo o despacho proferido válido;
3. E a conclusão expendida pela regularidade do despacho mantém-se mesmo que, como o arguido alega nas alegações de recurso, tenha sido indicada no requerimento de recurso prova testemunhal já que esse facto quando desacompanhado de expressa manifestação de oposição não impede que se proceda à notificação nos termos do art. 64º nº 2 do RGCO quando o Juiz entender que atenta a natureza da matéria em causa e/ou por os autos já terem elementos que lhe permitam decidir sem necessidade de ser produzida audiência de discussão e julgamento;
4. Não se encontra prevista na lei que a indicação de prova no requerimento de impugnação judicial de decisão em processo de contra-ordenação deva ser considerada como oposição à decisão por despacho, sendo de referir que esse entendimento esvaziaria de sentido prático o art. 64º nº 1 e 2 do RGCO já que por regra é indicada prova testemunhal e as situações que aí poderiam ser enquadradas seriam residuais;
5. Não se vislumbra que a notificação para efeitos do art. 64º nº 2 do RGCO efectuada no caso concreto tenha violado o art. 32º da Constituição da República Portuguesa já que, pelo contrário, confere ao arguido – que no caso concreto foi notificado em nome próprio e também na pessoa do seu mandatário – a possibilidade de expressamente declarar nos autos a oposição a que a decisão seja proferida por despacho;
6. Tendo o arguido e o seu mandatário sido notificados para esse efeito deveria ter manifestado expressado no prazo concedido para esse efeito pelo despacho de fls. 27, o que não foi feito, pelo que quer a notificação efectuada quer a decisão proferida por despacho pela Mmº Juiz a quo não padecem de qualquer vício ou de nulidade ou inconstitucionalidade;
7. A decisão da Mmª Juiz a quo no que respeita à invocada nulidade por violação do art. 50º do RGCO e o facto de ter sido o mesmo condenado pela prática da contra-ordenação pese embora tenha ficado consignado que o condutor era de sexo feminino, merece-nos integral concordância;
8. O arguido apesar de devidamente notificado para o efeito de indicar quem era o condutor do veículo à data da infracção não cumpriu os formalismos e os prazos previstos nas diversas alíneas do art. 171º do C. Estrada motivo pelo qual bem andaram a entidade administrativa e a Mmª Juiz a quo ao accionar a presunção estipulada no art. 171º nº 2 do mesmo diploma já que o arguido, apesar de notificado, não a ilidiu atempadamente;

Pelo que deve o recurso improceder mantendo-se na integra a sentença recorrida.

V. Ex.ªs farão, como sempre, a habitual Justiça.»
*
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, entendendo que a omissão da realização de diligências probatórias requeridas constitui nulidade e convocando jurisprudência em conformidade, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O regime dos recursos de decisões proferidas em 1.ª Instância, em processo de contraordenação, está definido nos artigos 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações [doravante designado RGCO][1].
Nos processos de contraordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, podendo alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo Tribunal.

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[2], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[3].

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada a questão de saber se o silêncio do Arguido – na sequência de notificação realizada nos termos do artigo 64.º do RGCO –, interpretado como não oposição a que a decisão seja tomada por simples despacho viola ou não os seus direitos de defesa.
*
Da sentença recorrida, relativamente à factualidade considerada como provada, consta [transcrição]:
«1. No dia 26 de Julho de 2012, pelas 21h40m, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TL circulava na Rua …, em Águeda,
2. Fazendo o condutor uso indevido de telemóvel durante a marcha do veículo, tendo para o efeito a mão direita encostada ao ouvido direito.
3. O veículo identificado é propriedade do arguido e não foi possível identificar o autor da contra-ordenação, uma vez que o arguido, devidamente notificado, em 08/08/2012, do teor do auto de contra-ordenação, conforme assinatura aposta no aviso de recepção junto a fls. 9, não identificou devidamente outra pessoa como autora da contra-ordenação.
4. O arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado.
5. A coima foi paga voluntariamente.
6. O arguido necessita da carta de condução para fazer face às deslocações do seu dia-a-dia.
7. O arguido tem averbado no seu registo individual de condutor duas contra-ordenações graves (autos n.ºs 957041314 e 373429258) praticadas em 18/11/2009 e 10/12/2008, tendo-lhe sido impostas, respectivamente, a sanção de inibição de conduzir pelo período de 45 dias e, bem assim, pelo período de 30 dias, suspensa pelo período de 180 dias, sendo o primeiro auto referente ao desrespeito dos limites de velocidade (+ de 30 km/h até 60 km/h) e, o segundo, por utilização de aparelho radiotelefónico durante a marcha do veículo.»

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Nenhuma outra factualidade releva para a boa decisão da causa.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«Para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados, o Tribunal procedeu à análise crítica de todas as provas resultantes dos autos, nomeadamente, teor do auto de contra-ordenação de fls. 7/8, o A/R de fls. 9 e, bem assim, o teor da decisão de fls. 12/13.
A factualidade relativa à verificação do elemento subjectivo resulta da análise da factualidade objectiva apurada, em conjugação com as regras de experiência comum.
Teve-se ainda em consideração o alegado pelo recorrente no que se refere a necessitar da carta de condução para o seu dia-a-dia, o que se dá como provado tendo por base as regras de experiência comum, pois que é sabido que assim é, em regra.
Da decisão administrativa consta o pagamento voluntário da coima, o que o arguido também corroborou na impugnação judicial que apresentou e do teor do registo individual de condutor junto a fls. 24/25 resulta apurada a matéria vertida no ponto 7. dos factos provados.»
*
Conhecendo.
Não aceita o Recorrente que não tenha sido precedida de audiência de julgamento a decisão judicial que manteve a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 (noventa) dias, pela prática da infração prevista nos artigos 84.º, n.ºs 1 e 4, 138.º e 145.º. alínea n), todos do Código da Estrada.
Por considerar que assim foi violado o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 64.º do RGCO e ocorrer a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.

Resulta dos autos, com interesse para a questão que somos chamados a decidir, que:
(i) o ora Recorrente impugnou judicialmente decisão de autoridade administrativa, invocando não ser o autor dos factos em que a mesma se alicerça;
(ii) indicou prova testemunhal;
(iii) o despacho de admissão do recurso tem o seguinte teor:
«Autue como processo de contra-ordenação.
*
O Tribunal é competente.
Por tempestivo e ter sido formulado com observância das formalidades legais admito o recurso de impugnação interposto pelo recorrente B… da decisão.
*
Tendo o recorrente invocado a existência de nulidade processual e, bem assim, do auto de contra-ordenação e ratando-se de questões que merecem apreciação prévia, determina-se que, antes de mais, vão os autos ao Ministério Público para se pronunciar.
*
Notifique, sendo ainda o recorrente para, em 10 dias, declarar se se opõe a que o presente recurso seja decidido por simples despacho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64.º, n.º 2, do RGCOC, por se nos afigurar desnecessária a realização da audiência de discussão e julgamento.»
(iv) na sequência da notificação para o efeito realizada,
- o Ministério Público veio expressamente manifestar a sua não oposição;
- o Recorrente nada disse,
(v) e o Tribunal considerou poder decidir por despacho, face à não oposição do Recorrente e do Ministério Público.

Com interesse, importa, ainda,
O disposto no artigo 64.º do RGCO
«1 – O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 – O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
(…)»

A questão que nos é colocada – do valor a atribuir ao silêncio do arguido que impugna a matéria de facto e indica testemunhas, após ter sido notificado da intenção da decisão da causa por mero despacho –, foi recentemente tratada nesta Relação [4] e tem sido objeto de entendimento não coincidente.
Defendem alguns que, em semelhante situação, o juiz não pode decidir por despacho, uma vez que deve entender-se que constitui manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência.[5]
Dizem outros que a oposição exigida pelo n.º 2 do art.º 64.º do RGCO tem de ser expressa e inequívoca, não podendo considerar-se como tal a circunstância do arguido, na impugnação judicial ter arrolado testemunhas.[6]

Quem, como nós, opta pelo primeiro dos entendimentos enunciados, convoca o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de janeiro de 2008,[7] onde se afirma que:
«Em termos gerais, a “não oposição” pode ser expressa ou meramente tácita. Porém, não decorrendo da citada norma que a não oposição tácita tem o mesmo valor da expressa, essa consequência terá necessariamente de ser comunicada ao acoimado, isto é, se nada disser no prazo concedido, se terá por assente que não se opõe a que a causa seja decidida “através de simples despacho”.
E a necessidade dessa cominação será ainda maior naqueles casos – como o presente - em que o acoimado, na impugnação judicial, negue os factos e ofereça prova testemunhal. É que, independentemente da relevância da defesa, é normal que o recorrente espere que o juiz apenas decida das questões colocadas na impugnação depois de produzir a prova que ofereceu, ou depois de lhe serem comunicadas as razões porque se considera a prova irrelevante.
Ora, in casu, para além do despacho de fls. … não conter tais razões perante a expressão genérica utilizada (“face à situação concreta dos autos”), o certo é que, atenta a forma como foi efectuada a notificação, não podia o Ex.mo Sr. Juiz a quo concluir pela “não oposição”…
A decisão por despacho nos casos em que não tiver sido validamente obtida a não oposição do MºPº ou do arguido a tal forma de decisão «constitui uma nulidade processual susceptível de ser enquadrada na al. d) do n.º 2 do art. 120º do CPP, pois a imposição legal da obrigatoriedade de realização da audiência, nestes casos, tem como corolário que ele deva considerar-se como essencial para a descoberta da verdade» - vide Simas Santos e Lopes de Sousa, em anotação ao RGCO, pág. 376»

Ora, na situação do presentes dos autos, tal como na situação tratada no acórdão acabado de citar, não podia o julgador, sem ofensa do contraditório e das garantias de defesa, extrair do silêncio do arguido a sua não oposição à decisão por despacho, já porque pelo mesmo foram negados os factos e apresentada prova testemunhal.
Ao que acresce que o despacho recorrido não revela os motivos da desnecessidade da audiência de julgamento e da produção de prova apresentada pelo Recorrente.
Por fim, o despacho recorrido, nos termos em que foi proferido, não afasta a necessidade de uma tomada de posição, por banda daqueles a quem se destina, no sentido de se oporem, ou não, expressamente à decisão pela forma pretendido pelo julgador.

A não realização da audiência de julgamento, nas circunstâncias acabadas de indicar, constitui a nulidade prevenida na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal e que foi atempadamente suscitada – artigo 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e artigo 73.º, n.º 1, alínea e), do RGCO.
Pelo que não resta senão declarar tal vício, revogando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que designe data para a realização do julgamento.
Procedendo o recurso.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que designe data para realização da audiência de julgamento.
Sem tributação
*
Porto, 2015 setembro 9
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Ana Bacelar
Vítor Morgado
__________
[1] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e alterado pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, n.º 244/95, de 14 de setembro, n.º 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
[2] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[3] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[4] Acórdão de 15 de abril de 2015, proferido no processo n.º 9839/14.0T8PRT.P1 e acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[5] Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações. Anotações ao Regime Geral”, 5ª edição, Setembro de 2009, Vislis, página 550,e, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de outubro de 2006 [proferido no processo n.º 643695], de 17 de setembro de 2008 [proferido no processo n.º 2397/08], de 4 de fevereiro de 2009 [proferido no processo n.º 816413] e de 15 de abril de 2015 [proferido no processo n.º 9839/14.9T8PRT.P1], do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de dezembro de 2011 [proferido no processo n.º 1214/10.0TBBNV.L1], e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de maio de 2013 [proferido no processo n.º 58912.1T2ILH.C1] todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] António Beça Pereira, in “Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, em anotação ao artigo 64.º, e, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 17 de outubro de 2001 [proferido no processo n.º 111027], de 24 de abril de 2002 [proferido no processo n.º 1462/01-4], de 24 de janeiro de.2007 [proferido no processo n.º 615898] e de 9 de fevereiro de 2009 [proferido no processo n.º 846813], e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de outubro de 2011 [proferido no processo n.º 272/11.5TBLGS], todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Coletânea de Jurisprudência, Ano XXXIII, Tomo I, 2008, páginas 294e 295.