Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
839/11.1TTPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
ERRO DO TRIBUNAL
Nº do Documento: RP20141020839/11.1TTPRT.P2
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Se depois de ordenar o desentranhamento do articulado motivador por falta de pagamento da taxa de justiça o tribunal a quo não atentou na data de apresentação do requerimento do apoio judiciário, aceitou-o (ordenando que os autos aguardassem pela eventual decisão) e, face ao seu indeferimento, ordenou a notificação da empregadora para, em 10 dias, comprovar o pagamento da taxa de justiça, é o próprio tribunal que acaba por sanar aquele vício originário.
II - A falta da condição para o prosseguimento da ação/defesa, decorrente da omissão originária do pagamento da taxa de justiça, invocada pela trabalhadora em audiência de discussão e julgamento, encontra-se suprida, não pelo decurso do tempo mas antes da atuação do tribunal que, no decurso da ação, determinou o pagamento da taxa de justiça em falta por parte da empregadora recorrente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 839/11.1TTPRT.P2
Tribunal do Trabalho do Porto (1ª secção)
_________________________________
Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Desembargadora Fernanda Soares
– Desembargadora Paula Leal de Carvalho
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
B…, primeira caixeira, residente em Vila Nova de Gaia

intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra

C…, Ldª, com sede no Porto.

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
*
Procedeu-se à realização de audiência de partes e a empregadora, notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que:
- Procedeu à extinção do posto de trabalho da A. devido a quebra financeira da empresa fruto da conjuntura económica adversa e crise do comércio tradicional na cidade do Porto.
- Não era possível manter a situação de emprego da A., o que era do seu conhecimento.
- A A. estava colocada no estabelecimento sito na Rua … propriedade de D…, Ldª detida pelos mesmos sócios da Ré C….
- Termina, dizendo que estas razões levaram a ponderar o encerramento do estabelecimento e consequentemente à extinção do posto de trabalho.
*
A trabalhadora apresentou contestação alegando, em síntese, que:
- Prestava serviço como empregada de balcão da Ré C… sua empregadora.
- Foi-lhe apresentado um acordo de revogação do contrato de trabalho que recusou.
- À data do despedimento encontrava-se por liquidar a quantia de € 986,90 referente ao subsídio de férias e de natal de 2010, quantia à qual acresce a de € 492,54 de proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal do ano de 2011 e, ainda, a indemnização que não deve ser inferior a € 9.429.
*
A empregadora veio responder conforme consta de fls. 65 e segs., propugnando pela ilegitimidade da Ré e pela sua absolvição da instância.
*
O articulado motivador do despedimento foi mandado desentranhar por despacho de 29/07/2011, por falta de pagamento da taxa de justiça devida.
*
Foi proferido o despacho saneador de fls. 71 e 72.
*
Em audiência de discussão e julgamento (ata de fls. 75 e 76), face a tal despacho foi declarado nulo o processado a partir do despacho de 24/11/2011.
*
A empregadora interpôs recurso deste despacho de 13/06/2012 que declarou nulo todo o processado.
Este recurso foi objeto da decisão de fls. 129 e da qual consta que a decisão em causa só pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
*
Foi proferida a sentença de fls. 147 e segs., ao abrigo do disposto no artigo 98.º-J, n.º 3, do C.P.T. e que condenou a empregadora a pagar à trabalhadora uma indemnização em substituição da reintegração, à razão de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo e fração de antiguidade e as retribuições que a trabalhadora deixou de auferir desde a data do despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença.
*
A trabalhadora, notificada para o efeito (n.º 3, c), do artigo 98.º-J, do C.P.T.) veio peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho - fls. 156.
A empregadora contestou este pedido (fls. 182).
*
A empregadora, notificada daquela sentença, veio interpor recurso da mesma (fls. 161 e segs.) concluindo que:
CONCLUSÕES:
1) A sentença ora recorrida encontra-se ferida de nulidade (art. 668º, n.º 1, al. c) e d), do C.P.C.), por violação de normas legais e atropelos à interpretação e aplicação daquelas e ao processo, maxime consubstanciados na decisão de 13 de Junho de 2012, a qual veio declarar a nulidade do processado a partir do despacho de 24 de Novembro 2011 (inclusive).
2) Ao amputar o processo de parte do processado apenas a partir de 24 de Novembro de 2011, quando o acto que determinou a declaração de nulidade ocorreu a partir da tramitação posterior ao despacho de 29 de Julho de 2011, o qual ordenava o desentranhamento dos autos do articulado de motivação do despedimento da entidade empregadora, por falta de pagamento da taxa de justiça, a declaração de nulidade dever-se-ia reportar ao acto imediatamente seguinte àquele e subsequentes actos, o que não ocorreu, contradizendo-se o decidido com os fundamentos invocados.
3) A decisão de 13/06/2012 pronunciou-se sobre uma nulidade. Tratando-se de uma nulidade, não de irregularidade, pois que, ao mandar expurgar todo o processado após o despacho de 24/11/2011, está a amputar o processo de uma sua parte vital, a privar a demandada da sua defesa, quando não o poderia ter feito, porque aquela já se havia sanado, e, como tal, a influir directa e decisivamente no exame e decisão da causa, assim diminuindo as garantias da demandada, tal inquinou, igual e decisivamente, a sentença recorrida.
4) A aludida nulidade só poderia ser apreciada se ainda não se tivesse sanado pelo decorrer do prazo para tal, o que não sucedeu. Ao invocar o art. 206º do C.P.C. para expurgar a nulidade, isso não significa que o possa ser sem qualquer prazo, antes deve e tem de ser tido em conta o disposto no art. 205º, n.º 1, e, uma vez que não está previsto prazo especial no art. 201º, o prazo do art. 153º daquele diploma.
5) Se o prazo para arguir a nulidade previsto no art. 153º do C.P.C. já se tinha exaurido, esta não podia sequer ser reclamada, porque já se havia sanado.
6) A Autora foi notificada do despacho de 29/07/2011 uns dias depois. De aí em diante, foram practicados vários actos no processo e efectuadas notificações à Autora de actos que, atento o decidido naquele despacho, prefigurariam a alegada nulidade, da qual, como tal, não só tomou conhecimento, como não poderia diligentemente desconhecer.
7) Em 12/01/2012, decorridos quase 6 meses, foi notificada para contestar, pelo que aí se poderia e deveria, novamente, ter apercebido que o processo tinha seguido os seus trâmites. Assim, deveria ter arguido a nulidade em questão no prazo de 10 dias (art. 153º do C.P.C.) a contar da aludida notificação, porque dela (nulidade) podia conhecer, agindo com a devida diligência, ou, no máximo, no acto seguinte praticado no processo, que foi o da sua contestação, em observância ao imperativamente disposto no art. 205º, n.º 1 do C.P.C.
8) Ao não o fazer, o direito de arguir aquela extinguiu-se, pelo que, tratando-se de nulidade contida no art. 201º, n.º 1 do C.P.C., e, atendendo também ao disposto na segunda parte do art. 202º, o qual diz que só podia ser conhecida sobre reclamação dos interessados, e não se tratar de caso especial que permita o conhecimento oficioso, aquela já se tinha inexoravelmente sanado aquando da arguição na audiência de julgamento de 13 de Julho de 2012.
9) Tratando-se de nulidade que não está prevista nos artigos aludidos no art. 202º do C.P.C., deve enquadrar-se no disposto na segunda parte do mesmo artigo, i.e., só pode ser conhecida pelo tribunal sobre arguição dos interessados.
10) Não tendo esta sido tempestivamente efectuada no prazo previsto no art. 153º, n.º 1 do C.P.C., deve considerar-se sanada, pelo que não podia a decisão de 13 de Junho de 2012 vir, com base nela, porque já não existia, declarar nulo todo o processado após 24/11/2011.
11) Ao fazê-lo, houve uma errada interpretação e aplicação do art. 206º, pois que este deve sê-lo também em conformidade com o disposto no art. 153º, n.º 1, isto é, com o prazo aí fixado, o que manifestamente não sucedeu.
12) Não só ao não ter arguido a nulidade em tempo, como ao intervir sucessivamente no natural desenrolar do processo, quando daquela já tinha conhecimento, apresentando a sua contestação, rol de testemunhas e praticando os demais actos desde 29/07/2011, afigura-se haver da parte da Autora uma conduta que consubstancia uma renúncia tácita ao direito de invocar a dita nulidade, conforme o disposto no art. 203º, n.º 2 do C.P.C.
13) Não podia, passado um ano em que nada disse, aquando da audiência de julgamento vir invocá-la, pelo que, também por isso, deveria aquela considerar-se sanada e o processo consolidado tal como o foi. A génese da existência de prazo para a arguição é precisamente a tutela de um valor fundamental do Direito, a segurança jurídica, a protecção das legítimas expectativas das partes, pois, por vezes, mais elevados princípios devem ser salvaguardados.
14) De todo o exposto pode concluir-se que, a decisão de 13/06/2012, ao atender à invocação da nulidade feita, e mandar expurgar todo o processado após o despacho de 24/11/2011 inclusive, inquinou fatalmente todo o processo, pois que já não havia nulidade para expurgar, uma vez que esta já se havia sanado. Ao assim proceder, o tribunal a quo violou os artigos invocados, interpretando e aplicando-os erradamente, assim ferindo decisivamente a sentença recorrida.
Termos em que, e nos demais de Direito que não deixarão de ser devidamente supridos por V.ªs Ex.ªs, deverá ser dado provimento “in totum” ao presente recurso, e assim:
- revogar-se a sentença recorrida, implicando necessariamente, a revogação da decisão de 13 de Junho de 2012, com todas as legais e demais consequências;
- ser o processo mandado colocar no momento em que se encontrava à data daquela decisão, isto é, a realização da audiência de julgamento, com manutenção de todo o e até àquela data como tal processado;
- neste seguimento, proceder-se à apreciação da excepção dilatória de ilegitimidade passiva, oportunamente arguida pela ora recorrente no seu articulado de motivação do despedimento, por não o ter sido no douto despacho saneador e tratar-se de questão prejudicial que importa conhecer previamente ao mérito da causa.
Assim se decidindo, se fará e reporá inteira, sã e prudente
JUSTIÇA.”
*
A trabalhadora respondeu a este recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. Por decisão proferida em 13.06.2012 foi declarado nulo, todo o processado após o despacho que ordenou o desentranhamento de peça processual apresentada pelo recorrente por falta de pagamento da taxa de justiça.
2. Dispõe o art.486º-A do CPC, “que na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com o acréscimo de uma multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.”
3. Sendo que prevê o nº 4 do mesmo preceito legal que “ após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no nº2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior.”
4. O que ao não se verificar foi proferido despacho de desentranhamento do articulado apresentado pela entidade empregadora, aqui recorrente.
5. Pese embora, em momento posterior a recorrente ter liquidado a taxa de justiça, não liquidou a competente multa, nos termos do art.486º-A, nº3 e 4 do CPC.
6. E tendo o tribunal ad quo, prosseguido, erradamente, salvo melhor opinião, da instância.
7. Ora, ao proferir tal decisão (desentranhamento da peça processual) fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. – Art.666º nº 1 e 3 do C.P.C. Ou seja, o poder jurisdicional encontra-se, assim, esgotado quanto à matéria em discussão.
8. Pelo que a decisão de 13 de Junho de 2012 não se encontra ferida de qualquer nulidade.
Termos em que, e nos demais de Direito, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida fazendo-se a mais inteira e sã justiça!”
*
Foi proferido o despacho saneador de fls. 185.
*
Mais uma vez, agora em separado, o presente processo subiu a este Tribunal e foi objeto do despacho de fls. 299 que ordenou a sua devolução ao tribunal recorrido para oportuna apreciação de ambos os recursos.
*
Procedeu-se a julgamento (ata de fls. 313), tendo o tribunal decidido a matéria de facto nos termos constantes da ata de fls. 336 e segs..
*
Foi, depois, proferida sentença (fls. 346 e segs.) que condenou a empregadora C…, Ldª a pagar à trabalhadora B… a quantia global de € 11.647,75 a título de indemnização por despedimento ilícito e de créditos salariais vencidos e não pagos, a que acrescem as retribuições devidas desde a presente data e até ao trânsito em julgado da sentença proferida a 12/02/2013, à razão mensal de € 505, quantia aquela acrescida de juros de mora à taxa legal desde 12/02/2013 e até integral pagamento
*
As partes foram notificadas desta sentença por carta de 17/03/2014, no entanto, não foi interposto recurso da mesma.
*
Por despacho de 27/04/2014 foi ordenada a subida dos autos a este Tribunal.
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 358 e segs. concluindo que:
“a) – Não tendo sido interposto recurso da sentença final, o despacho interlocutório proferido em 2912.06.13 só pode ser impugnado nos termos do artigo 79º-A, n.º 5, do CPT, ou seja, num recurso a interpor após o trânsito em julgado da sentença final.
b) – Não tendo a empregadora cumprido o ónus de alegar e/ou de formular conclusões no recurso interposto da decisão prevista na alínea a), n.º 3, artigo 98º-J, do CPC, deve o mesmo ser indeferido nos termos do artigo 641º, n.º 2, alínea b), e n.º 6, do CPC.
*
A empregadora respondeu a este parecer (fls. 384 e segs.) concluindo que deve “o presente recurso ser apreciado, assim como julgado procedente, por provado, quanto ao demais se concluindo como nas respectivas alegações, com o que se fará, inteira, sã e prudente, JUSTIÇA.”
*
Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
*
III – Fundamentação
a) Factos provados
Os constantes do relatório supra e, ainda:
1 – A empregadora foi notificada para comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida, conforme ordenado em despacho de 11/07/2011.
2 – Por despacho de 29/07/2011, foi ordenado o desentranhamento do articulado apresentado pela empregadora, considerando que a mesma não comprovou o pagamento da competente taxa de justiça, nem a concessão de apoio judiciário, nem sequer que o requereu.
3 – Este despacho foi notificado à empregadora em 01/08/2011.
4 – Face ao requerimento apresentado pela empregadora em 10/08/2011, foi proferido despacho em 12/08/2011 no sentido de os autos aguardarem por eventual decisão acerca do pedido de apoio judiciário da entidade empregadora.
4 – Por despacho de 24/11/2011 foi ordenada a notificação da entidade empregadora para comprovar o pagamento da taxa de justiça devida, uma vez que lhe foi indeferido o pedido de apoio judiciário.
5 – Em 09/12/2011 a empregadora veio juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
6 – A trabalhadora, notificada do articulado motivador apresentado pela empregadora, apresentou a contestação de fls. 95 e segs..
7 – A empregadora respondeu a esta contestação nos termos constantes do articulado de fls. 65 a 66.
*
*
b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, ambos do C.P.C. na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/06).
*
Questões prévias:
1ª - Admissibilidade do recurso
O Exm.º Procurador Geral-Adjunto, no seu douto parecer entende que não tendo sido interposto recurso da sentença final, o despacho proferido em 13/06/2012 só pode ser impugnado num recurso a interpor após o trânsito em julgado da sentença final e não tendo a empregadora cumprido o ónus de alegar e formular conclusões no recurso interposto da decisão prevista na alínea a), do n.º 3, do artigo 98.º-J, do C.P.T., deve o mesmo ser indeferido.
A empregadora entende que devem ser apreciados os recursos que interpôs e que aguardavam oportuna apreciação.
Vejamos:
Dúvidas não existem de que o despacho proferido em 13/06/2012 que declarou nulo o processado a partir do despacho de 24/11/2011 só pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final, conforme o disposto no n.º 3, do artigo 79.º-A, do C.P.T. e já foi decidido por este Tribunal (decisão de fls. 129 supra referida).
Por outro lado, como já referimos, não foi interposto recurso da sentença final proferida a fls. 346 e segs. mas tão só da sentença proferida nos termos do n.º 3, a) e b), do artigo 98.º-J, do C.P.T..
Antes de mais cumpre dizer que a ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento prevista nos artigos 98.º-B e segs. do C.P.T. desenvolve-se, ou pode desenvolver-se de forma a que nela sejam proferidas duas sentenças.
Na verdade, se o empregador não apresentar o articulado motivador, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador e condena aquele a reintegrá-lo ou a pagar-lhe uma indemnização e, ainda, a pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado n.º 3, a) e b), do artigo 98.º-J, do C.P.T., ou seja, profere uma sentença. No entanto, a ação não fica (ou pode não ficar) por aqui, pois o juiz ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação (alínea c) do n.º 3, do mesmo normativo), articulado este que, pese embora a lei não o preveja, deve ser notificado ao empregador para o contestar, querendo.
Nasce, assim, uma “nova ação”. Como refere Albino Mendes Batista <<a lei não resolve o destino da acção a partir desse momento. Obviamente que o empregador tem direito a contestar esta “nova acção”, que deverá seguir o processo declarativo comum, perdendo a natureza urgente. É que se trata efectivamente de uma nova acção, porque o “formulário” que deu origem à anterior desembocou numa condenação. No seu âmbito nada mais há a decidir>>[1].
E, assim sendo, como é, aquela 1ª sentença proferida ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 98.º-J, do C.P.T., é uma decisão final pois, no que concerne à regularidade e licitude do despedimento e respetivas consequências legais mais nada há a decidir.
Acresce que, esta decisão é suscetível de recurso de apelação (artigo 79.º-A, n.º 2, e), do C.P.T.), como o foi, que subiu em separado mas que, como já referimos, não foi apreciado por este Tribunal.
Podemos, assim, concluir que tendo a empregadora interposto recurso daquela sentença final proferida ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 98.º-J, do C.P.T. e no mesmo impugnou o despacho proferido em 13/06/2012 que declarou nulo o processado a partir do despacho de 24/11/2011, nesta parte, este recurso deve ser apreciado por este tribunal.
Dizemos, nesta parte, porque, lidas as alegações de recurso e mais concretamente, as suas conclusões, facilmente se conclui que a empregadora, no que respeita à sentença recorrida apenas alega que a mesma se encontra ferida de nulidade (artigo 668.º, n.º 1, c) e d), do C.P.C.). Todas as restantes conclusões dizem respeito à decisão que declarou nulo o processado a partir do despacho de 24/11/2011 (inclusive).
2ª Arguição de nulidades da sentença
Nulidade da sentença
A propósito da arguição de nulidades da sentença dispõe o artigo 77.º, do C.P.T. que:
<<1. A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2. Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3. A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso>>.
Pese embora as críticas a que este normativo foi sujeito, certo é que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o mesmo e apenas no sentido da sua inconstitucionalidade “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência, a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior (…)” – Abílio Neto, C.P.T. anotado, 4ª ed. pág. 170.
Assim sendo, e lendo o requerimento de interposição de recurso, facilmente se conclui que a empregadora recorrente não arguiu as referidas nulidades conforme o disposto no citado normativo (fê-lo na respetiva motivação) e, consequentemente, a este tribunal está vedado o seu conhecimento por tal arguição ser extemporânea – neste sentido, entre outros, Acs. desta Relação de 19/09/2005 e 16/04/2007 e do S.T.J de 18/06/2008 e 16/09/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Desta forma, não se conhecem as nulidades invocadas pela empregadora recorrente nas suas alegações de recurso.
Improcede, assim, esta questão suscitada pela recorrente.
*
Cumpre, então, conhecer a seguinte questão suscitada pela empregadora recorrente:
Se a nulidade declarada por despacho de 13/06/2012 já se encontrava sanada.
*
A empregadora recorrente alega que a nulidade em causa já não podia ser reclamada porque o prazo para a sua arguição já havia decorrido uma vez que a trabalhadora foi notificada do despacho de 29/07/2011 e daí em diante foram praticados vários atos no processo e efetuadas notificações à mesma, pelo que, tomou conhecimento daquele; decorridos quase seis meses foi notificada para contestar, pelo que, deveria ter arguido a nulidade no prazo de 10 dias ou, no máximo, no ato da contestação; tal nulidade não é de conhecimento oficioso razão pela qual, não tendo sido arguida tempestivamente, deve considerar-se sanada.
Vejamos:
Conforme resulta da matéria de facto supra descrita e dos autos, a empregadora aquando da apresentação do articulado motivador não pagou a respetiva taxa de justiça devida o que, face à informação da secção originou a prolação do despacho de 11/07/2011 a ordenar a notificação daquela para, em 10 dias, comprovar o pagamento da mesma.
Posteriormente, por despacho de 29/07/2011, foi ordenado o desentranhamento do articulado apresentado pela empregadora, considerando que a mesma não comprovou o pagamento da competente taxa de justiça, nem a concessão de apoio judiciário, nem sequer que o requereu.
Entretanto, em 10/08/2011, notificada deste despacho, a empregadora veio requerer a sua revogação face ao “pedido de dispensa de taxa de justiça”, juntando um requerimento de apoio judiciário.
Face a este requerimento, foi proferido despacho em 12/08/2011 no sentido de os autos aguardarem por eventual decisão acerca do pedido de apoio judiciário da entidade empregadora.
E, face ao indeferimento deste pedido, por despacho de 24/11/2011 foi ordenada a notificação da entidade empregadora para comprovar o pagamento da taxa de justiça devida, o que a mesma fez, juntando, em 09/12/2011, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
A trabalhadora, notificada do articulado motivador apresentado pela empregadora, apresentou a contestação de fls. 95 e segs. e a empregadora respondeu a esta contestação nos termos constantes do articulado de fls. 65 a 66.
Compulsado o histórico do presente processo constatamos que a trabalhadora não foi notificada dos despachos supra referidos, pelo que, apenas podemos concluir que, tendo sido notificada para contestar, só nessa data teve conhecimento da apresentação do articulado motivador.
Foi depois proferido o despacho saneador de fls. 71 e 72 e designada data para julgamento.
Aberta a audiência de discussão e julgamento a trabalhadora veio alegar que face à consulta dos autos verificou que o articulado motivador foi mandado desentranhar por despacho de julho de 2011, que o pedido de apoio judiciário da empregadora foi requerido já depois de proferido tal despacho e, por isso, o articulado em causa não deveria ter sido admitido, o que invoca para os efeitos legais.
O Exm.º juiz proferiu, então, o despacho recorrido do seguinte teor:
“Nos presentes autos, o articulado motivador do despedimento da trabalhadora requerente foi mandado desentranhar por despacho de 29.JUL.11, em virtude da falta de pagamento da taxa de justiça devida.
--- Pese embora a entidade empregadora tenha requerido a concessão do benefício do apoio judiciário, tal pedido, além de ter sido indeferido, foi solicitado junto dos serviços da Segurança Social em 06.AGO.11, ou seja, já depois de proferido o referido despacho de desentranhamento do referido articulado.
--- Assim, de acordo com a lei (o art.º 98.º-J, n.º 3 do C. Pr. Trab.), na falta de apresentação de articulado de motivação do despedimento por parte da entidade empregadora, seguir-se-ia sentença a declarar a ilicitude do despedimento promovido pela entidade empregadora e demais condenações previstas nas al.s do n.º 3 do referido art.º 98.º-J.
--- Tal não aconteceu, porém, tendo os autos seguido os seus termos como se o articulado da entidade empregadora tivesse sido admitido.
--- Ou seja, foram praticados actos que a lei não autoriza que tivessem sido praticados, actos esses que têm influência decisiva no desfecho da presente causa; assim, ocorreu nulidade que importa expurgar (art.ºs 201.º e 206.º do C. Pr. Civil),.
--- Assim, declara-se nulo o processado a partir do despacho de 24.NOV.11 (inclusive).
--- Após trânsito em julgado do presente despacho, deverá ser aberta conclusão, a fim de proferir-se sentença conforme o art.º 98.º - J, n.º 3 do C. Pr. Trab.”
*
Antes de mais, cumpre referir que, efetivamente, o articulado motivador da empregadora foi mandado desentranhar e o requerimento do apoio judiciário tem data posterior à daquele despacho que ordenou o desentranhamento.
Acontece que, o despacho recorrido esquece todo o posterior processado determinado pelo próprio tribunal e que culminou no pagamento da taxa de justiça devida pela empregadora. Isto é, depois de ordenar o desentranhamento do articulado motivador, o Exm.º juiz do tribunal a quo não atentou na data de apresentação do requerimento do apoio judiciário e, aceitou a sua apresentação, ordenando que os autos aguardassem pela eventual decisão e, face ao seu indeferimento, ordenou a notificação da empregadora para, em 10 dias, comprovar o pagamento da taxa de justiça. Ora, salvo o devido respeito, face a estes despachos, o tribunal recorrido não podia, sem mais, “dar o dito por não dito”, sob pena de violação do princípio da confiança, lealdade e cooperação processual (artigo 266.º, do anterior C.P.C.). Foi o próprio tribunal que, convidando a parte a efetuar o pagamento da taxa de justiça devida e aceitando como válido o pagamento efetuado após tal intimação, acabou por sanar aquele vício originário.
Na verdade, a trabalhadora até pode só ter tido conhecimento do supra alegado ao consultar os autos como alega, no entanto, foi a atuação do tribunal que determinou todo o desenrolar do processo até à audiência de discussão e julgamento, criando a convicção na empregadora da sua integral regularidade.
Se é certo que o não pagamento da taxa de justiça, no caso de apresentação da petição inicial, determina a sua recusa pela secretaria (artigo 474.º, f), do anterior C.P.C.) e no caso de apresentação da contestação dá lugar à notificação a que alude o n.º 3, do artigo 486.º-A, do citado C.P.C., não estamos propriamente perante a existência de uma nulidade de conhecimento oficioso, antes revestindo o pagamento da taxa de justiça devida mera condição de prosseguimento da ação/defesa.
Embora seguindo um encaminhamento processual desconexo, o tribunal recorrido acabou por conferir essa possibilidade à empregadora, aceitando como bom o pagamento da taxa de justiça efetuado e, consequentemente, “sanando a nulidade”.
E nem se diga, como o faz a recorrida, que proferido o despacho que ordenou o desentranhamento do articulado motivador, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz.
Na verdade, proferida a sentença/o despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do anterior C.P.C.). No entanto, tal efeito pressupõe que um novo despacho proferido recaia exatamente sobre o mesmo objeto. Ora, sendo certo que a decisão em causa não é de mérito, a ora recorrente, notificada do despacho em causa (e antes de o mesmo transitar em julgado) colocou à consideração do tribunal um “facto” novo, qual seja, o da apresentação do requerimento de apoio judiciário e que, como já referimos, o Exm.º juiz aceitou e na sequência do qual (do seu indeferimento) veio a notificar aquela para efetuar o pagamento da taxa de justiça.
Desta forma, salvo melhor opinião, entendemos que não estamos perante um caso de esgotamento do poder jurisdicional do juiz tal como se encontra previsto no citado normativo.
Face ao que ficou dito, entendemos que o “vício” invocado pela trabalhadora em audiência de discussão e julgamento, encontra-se suprido, não pelo decurso do tempo, mas antes pela já relatada atuação do tribunal que culminou no pagamento da taxa de justiça por parte da empregadora recorrente, não existindo, assim, qualquer fundamento legal para declarar nulo o processado a partir do despacho de 24/11/11 (inclusive).
Pelo exposto, impõe-se a revogação do despacho recorrido e a consequente anulação de todo o processado a partir do mesmo (inclusive), devendo ser designada data para audiência de discussão e julgamento, prosseguindo os autos os seus trâmites legais.
Atento o decidido, fica prejudicada a apreciação da conclusão da recorrente de existência de uma contradição entre o decidido e os fundamentos invocados e no sentido de que a declaração de nulidade dever-se-ia reportar ao ato imediatamente seguinte ao despacho de desentranhamento de 29/07/2011.
*
Na parcial procedência do recurso, impõe-se a revogação do despacho recorrido.
*
*
IV – Sumário[3]
1. Se depois de ordenar o desentranhamento do articulado motivador por falta de pagamento da taxa de justiça devida, o tribunal a quo não atentou na data de apresentação do requerimento do apoio judiciário e, aceitou a sua apresentação, ordenando que os autos aguardassem pela eventual decisão e, face ao seu indeferimento, ordenou a notificação da empregadora para, em 10 dias, comprovar o pagamento da taxa de justiça, é o próprio tribunal que acaba por sanar aquele vício originário.
2. A falta da condição para o prosseguimento da ação/defesa, decorrente da omissão originária do pagamento da taxa de justiça, invocada pela trabalhadora em audiência de discussão e julgamento, encontra-se suprida, não pelo decurso do tempo mas antes da atuação do tribunal que, no decurso da ação, determinou o pagamento da taxa de justiça em falta por parte da empregadora recorrente.
*
*
V – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso acorda-se:
- em não conhecer das nulidades da sentença e
- em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido proferido em audiência de discussão e julgamento de 13/06/2012, anulando-se todo o processado posterior ao mesmo (inclusive), devendo designar-se nova data para audiência de discussão e julgamento.
*
Custas a cargo da trabalhadora recorrida.
*
*
Porto, 2014/10/20
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
_______________
[1] A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1ª edição, 2010, pág. 96.
[2] A ora recorrente foi notificada do despacho que ordenou o desentranhamento em 01/08/2011, pelo que, considera-se notificada em 04/08/2011, tendo apresentado o requerimento em causa no dia 10/08/2011).
[3] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.