Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
954/13.7TBPRD-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP20140709954/13.7TBPRD-D.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea a) do nº2 do art.º146º consagra uma limitação à verificação ulterior de créditos, a qual decorre do novo regime introduzido nesta matéria pelo CIRE.
II - Assim, não podem reclamar os seus créditos por esta via, os credores que tenham sido notificados nos termos do art.º129º, nº4, salvo se estes créditos se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.
III - No entanto, tal limitação só opera em relação aos credores que tenham sido avisados pelo Administrador da Insolvência através de correspondência que observe rigorosamente as regras prescritas na norma antes referida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº954/13.7TBPRD-D.P1
Tribunal recorrido: 3º Juízo Cível de Paredes
Relator: Carlos Portela (567)
Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa
Des. José Manuel de Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
No âmbito dos autos de insolvência de B…, S.A. veio C… casado em regime de comunhão de adquiridos com D…, propor acção especial de verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de B…, S.A., Credores da Massa Insolvente e B…, S.A. alegando em síntese o seguinte:
O Autor marido é accionista e administrador único da Insolvente, sendo a Autora mulher sua accionista.
Enquanto accionistas os Autores por diversas vezes e através de suprimentos, emprestaram dinheiro à mesma.
Tais suprimentos ocorreram em valores e datas que passam a descriminar e foram no montante global de € 592.194,60.
Mais alegam terem procedido a alguns levantamentos dos suprimentos efectuados, tendo estes ocorrido em dias e valores que indicam e que se cifraram na quantia total de € 44.750,00.
Assim sendo referem ser credores da Insolvente da quantia de € 547.444,60, valor este que acrescido dos respectivos juros de mora, deve ser oportunamente tido como verificado e graduado no local próprio.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º146º do CIRE, não tendo sido deduzida qualquer oposição.
Nos termos do disposto no art.º567º, nº1 do NCPC foram tidos por confessados os factos articulados na petição inicial.
Foi emitido despacho no qual se ordenou a notificação do AI no sentido de vir juntar ao processo os comprovativos das notificações dos Autores nos termos e para os efeitos do disposto no art.º129º do CIRE.
O mesmo AI deu cumprimento ao ordenado como se mostra do requerimento que veio juntar a fls.38.
Foi ordenado o cumprimento do disposto no nº2 do mesmo artigo, mas nenhuma das partes produziram alegações escritas.
Foi então proferida sentença que julgou verificada a excepção peremptória inominada decorrente da inadmissibilidade da verificação ulterior de créditos e, que em consequência absolveu os Réus do pedido.
Inconformada com esta decisão dela veio recorrer a autora D…, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos, as suas alegações.
Não foram produzidas contra alegações.
Foi proferido despacho que considerou o recurso tempestivo e legal, admitindo o mesmo como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação foi emitido despacho que considerou o recurso como o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Como se mostra dos autos a presente acção foi proposta em 14.10.2013 e a decisão recorrida foi proferida em 30.01.2014.
Assim sendo e atento o disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26.06. ao presente recuso são aplicáveis as regras processuais postas a vigorar por este último diploma legal.
Ora como é por demais sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das alegações de recurso da Autora/Apelante (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
I.A sentença que julga verificada a excepção peremptória inominada, determinando a inadmissibilidade da acção de verificação ulterior de créditos, não se pode manter.
II. Considerou o Tribunal “a quo” julgar improcedente a acção ulterior de créditos interposta pela Recorrente, por ter sido seu entendimento que a Recorrente foi, em 20 de Junho de 2013, notificada, ao abrigo do que dispõe o artigo 129.º, n.º 4, do CIRE, designadamente, para impugnar, querendo, o crédito que lhe havia sido reconhecido pelo Senhor Administrador da Insolvência.
III. Ocorre que a Recorrente não foi notificada de tal carta, já que a sua carta foi devolvida ao Senhor Administrador da Insolvência, com indicação de “endereço incorrecto ou insuficiente”.
IV. O marido da Recorrente, igualmente credor nos presentes autos, esse sim, foi notificado, de uma carta que lhe foi remetida pelo Senhor Administrador da Insolvência, em cumprimento do artigo 129.º, n.º 4, do CIRE.
V.Com o devido respeito que temos por opinião diversa da nossa, não nos parece que a posição vertida na sentença de que se recorre possa vingar, pois a notificação feita ao marido da Recorrente, não pode valer para esta última, até porque o valor dos créditos reconhecidos para ambos é diferente, pelo que a notificação efectuada ao marido da Recorrente apenas para ele pode valer.
VI. Impunha-se que fossem efectuadas duas notificações, conforme o Senhor Administrador muito bem realizou, uma vez que estão em causa dois credores diferentes, cujos valores dos créditos, igualmente, são diversos, não obstante esteja em causa marido e mulher.
VII. Não nos afigura legítimo que o Tribunal “a quo” infira que por ter sido o marido da Recorrente notificado da carta remetida pelo Senhor Administrador da Insolvência, alusiva ao artigo 129.º, n.º 4, do CIRE, e a Recorrente não, que esta última seja considerada notificada.
VIII. Tal entendimento não decorre do artigo 129.º, n.º 4, do CIRE que determina que “Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada (…)”.
IX. Sendo a Recorrente uma credora da Insolvente, tinha de ser notificada ao abrigo do que determina o supra citado artigo, não podendo, com o devido respeito, a notificação efectuada a outro credor – mesmo que este outro credor seja o seu marido – valer como notificação validamente realizada.
X. Em face de tudo quanto foi exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça à Recorrente um crédito no valor de € 547.444,60 (quinhentos e quarenta e sete mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e sessenta cêntimos).
XI. Nesta conformidade, afigura-se à Recorrente que o Tribunal “a quo” andou mal ao proferir a sentença recorrida, tendo feito uma errada aplicação e interpretação dos artigos 129.º, n.º 4 e 146.º, n.º 2, a), todos do CIRE.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser a sentença de que se recorre substituída por outra que reconheça à Recorrente um crédito no valor de € 547.444,60 (quinhentos e quarenta e sete mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e sessenta cêntimos).
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Perante o acabado de expor, resulta claro que é a seguinte a única questão que nos é colocada no âmbito deste recurso:
A de saber se deve ser tida por verificada no que toca à autora D…, a excepção peremptória da inadmissibilidade da verificação ulterior de créditos.
Ora como se constata da decisão recorrida, o Tribunal “a quo” e tendo em vista o conhecimento da excepção em apreço, teve como provados os seguintes factos:
1.Em 14 de Outubro de 2013, os Autores intentaram a presente acção de verificação ulterior de créditos, pedindo o pagamento da quantia de € 547.44,60, a título de suprimentos realizados entre Março de 2012 e Novembro de 2012.
2.Nos autos principais, foi proferida sentença que declarou insolvente a sociedade em 18/3/2013, a qual logrou transitar em julgado.
3.O crédito dos autores consta da relação definitiva de créditos elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE sob os números 7 e 17.
4.Os Autores foram notificados por carta registada enviada em 20 de Junho de 2013, para a mesma morada, para impugnar os aludidos créditos, não o tendo feito.
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Sendo estes os factos tidos na 1ª instância por provados, a questão que importa apreciar neste recurso, tem claramente a ver com o que consta do último deles.
Senão, vejamos.
Findo o prazo das reclamações de créditos (fixado na sentença declaratória da insolvência), o reconhecimento de créditos faz-se através de acção proposta contra a massa insolvente (art.º146º, nº1 do CIRE), podendo então ser juntos novos apensos aos autos de insolvência, tantas quantas as acções propostas (cf. art.º148º).
Deste modo, as acções propostas nos termos destes artigos, e por isso, já fora do prazo geral do art.º 141º -com o ajustamento decorrente do art.º144º -não constitui já uma fase do processo de insolvência, antes revestindo a natureza de uma acção autónoma em que o reclamante assume a posição de autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus (neste sentido cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, pág.485/486).
No entanto, importa não esquecer que a alínea a) do nº2 do art.º146º, consagra uma limitação à verificação ulterior de créditos, a qual decorre do novo regime introduzido nesta matéria pelo CIRE.
Assim, não podem reclamar os seus créditos por esta via, os credores que tenham sido notificados nos termos do art.º129º, nº4, salvo se estes se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.
Ou seja, são notificados nos termos deste preceito, os credores que, tendo reclamado os seus créditos, não os viram reconhecidos pelo administrador, os credores reconhecidos embora não tenham apresentado reclamação.
Apenas nesta última situação a norma tem interesse, pois nas restantes funcionarão, em regra, os efeitos cominatórios estabelecidos no apenso regular.
Isto porque como já antes referia Miguel Teixeira de Sousa, no âmbito do CPEREF, A Verificação do Passivo no Processo de Falência, a pág. 365, “não faz sentido admitir o credor avisado à reclamação posterior”.
Ora como de forma expressa determina o referido nº4 do art.º129º, as comunicações a que o mesmo alude, deverão ser feitas “pelo administrador de insolvência por carta registada, como observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artigos 40º a 42º do Regulamento (CE), nº1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União Europeia, que não tenham sido já citados nos termos do nº3 do artigo 37º”.
Perante os elementos que estão nos autos e que temos por isso ao nosso dispor, o que podemos concluir é que tal obrigação apenas foi devidamente cumprida no que toca ao aqui autor C…, o qual e como se confirma de fls.39 a 41, foi devidamente notificado nos termos e para os efeitos da aludida norma.
Já relativamente à autora D…, não se pode afirmar que tal notificação teve lugar de forma correcta e eficaz.
Isto porque como se mostra de fls.42 e seguintes, a correspondência que lhe foi enviada pelo Administrador de Insolvência acabou por não lhe ser entregue, sendo antes devolvida ao remetente com a menção “endereço incorrecto ou insuficiente”.
Deste modo e perante tais circunstâncias, não poderia pois a Sr.ª Juiz “ a quo” e quanto à dita Autora, ter como cumprido o estatuído no nº4 do art.º129º do CIRE.
E mais ainda, não poderia também quanto a ela, ter julgada verificada a excepção dilatória inominada da inadmissibilidade da verificação ulterior de créditos, a qual apenas ocorre quanto ao autor C….
Perante o acabado de dizer, impõe-se pois e sem mais, concluir pela procedência do recurso aqui interposto pela autora D….
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Sumário (art.º663º, nº7 do NCPC):
1.A alínea a) do nº2 do art.º146º consagra uma limitação à verificação ulterior de créditos, a qual decorre do novo regime introduzido nesta matéria pelo CIRE.
2.Assim, não podem reclamar os seus créditos por esta via, os credores que tenham sido notificados nos termos do art.º129º, nº4, salvo se estes créditos se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.
3.No entanto, tal limitação só opera em relação aos credores que tenham sido avisados pelo Administrador da Insolvência através de correspondência que observe rigorosamente as regras prescritas na norma antes referida.
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III. Decisão:
Pelo exposto e na procedência do presente recurso de apelação, revoga-se a decisão recorrida a qual deve ser substituída por outra que mantendo o decidido quanto ao autor C…, determine o prosseguimento dos autos relativamente ao pedido formulado pela autora D….
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Sem custas.
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Notifique.

Porto, 9 de Julho de 2014
Carlos Portela
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros