Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
76/15.6PCVCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
TITULAR DE CARTA DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RP2016011376/15.6PCVCD.P1
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º981, FLS.109-114)
Área Temática: .
Sumário: I – A sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor decorrente da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez deve ser aplicada mesmo a quem não seja titular de carta de condução.
II – As alterações introduzidas no artigo 69.º, do Cód. Penal, pela Lei n.º 77/2001, de 13 de julho, não pretenderam excluir da condenação nessa pena acessória os infratores que não estão habilitados com carta de condução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 76/15.6PCVCD.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Nestes autos de processo sumário foi B… condenado, como autor, da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo Art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros); de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à mesma taxa diária de € 7,00 (sete euros); sendo que em cúmulo jurídico das duas penas, foi o mesmo condenado na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), o que perfez o montante global de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros).
Não se conformando com esta sentença recorreu o Ministério Público para este tribunal da Relação, concluindo da seguinte forma:
1. No caso em apreço, uma vez que o arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal, deveria ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.°, n.° 1, do mesmo Código.
2. De facto, resulta do artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, não fazendo a lei depender tal condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.
3. Para além disso, a imposição desta pena acessória justifica-se, também, pela necessidade de evitar um tratamento desigual dos condutores que conduzam em estado de embriaguez e a concessão de um injustificado privilégio a quem praticou um comportamento mais grave (por conduzir em estado de embriaguez e sem título de condução).
4. Por, apenas assim, se respeitar o princípio constitucional da igualdade, estabelecido no n.° 1 do artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, inequivocamente obstativo da diferenciação jurídico-sancionatória.
5. Ademais, o próprio legislador claramente assume, nos dispositivos normativos ínsitos nos artigos 126.°, n.° 1, alínea d), do Código da Estrada, e 4.°, n.°s 1, al. e) e 4, al. f), do D.L. n.° 98/2006, de 06/06, a possibilidade de condenação de condutores não habilitados a tal pena acessória.
6. Com o devido respeito por diversa opinião, afígura-se-nos como incontornável e obrigatoriedade de cominação de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados a qualquer (judicialmente) reconhecido agente dalgum dos crimes enunciados sob as diversas alíneas do n.° 1 do artigo 69.° do Código Penal, designadamente - no que ora importa - do de condução de veículo em estado de embriaguez (p. e p. pelo artigo 292.°, n.° 2, do Código Penal), encontre-se ou não legalmente habilitado à respectiva tripulação.
7. A Mm.a Juiz a quo omitiu qualquer consideração relativamente à pena acessória a que alude o artigo 69.°, do C.Penal, pelo que incorreu a respectiva sentença na nulidade prevista no art.3790., n°.l al.c) do C.P.P.
Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas Senhores Juízes Desembargadores se dignarão suprir, dando-se provimento ao recurso e, em consequência, seja julgada procedente a nulidade invocada, substituindo-se a decisão recorrida por outra em que seja suprida a nulidade por omissão de pronúncia invocada, condenando-se o arguido na pena acessória de inibição de conduzir.
Não foi apresentada resposta pelo arguido.
Nesta sede o Ex.mo Procurador-geral adjunto reiterou a fundamentação do recurso interposto.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo Ministério Público, aqui recorrente, a questão jurídica que importa decidir reconduz-se a saber se resulta do Art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez e a norma não faz depender essa condenação da titularidade ou não de licença ou de carta de condução.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta a questão objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar o saneamento do processo a fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença que é a seguinte:
“O Ministério Público, deduziu acusação em Processo Sumário, perante Tribunal Singular contra C…, perdão, B…, imputando-lhe a prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292 nº 1 do Código Penal e 69º nº 1 al. a) do Código Penal e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3, nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro.
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O arguido não apresentou contestação.
Procedeu-se ao julgamento com observância do formalismo legal da acta constará.
Os processos mantêm-se isento de nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
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FACTOS PROVADOS:
- No dia 10 de Abril de 2015, pela 01h40, foi o arguido abordado por agentes da PSP, quando conduzia o veículo, matrícula ..-..-SQ, …, na Póvoa de Varzim, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,748 g/l, deduzido o erro máximo admissível.
- O arguido não era titular de qualquer título que o habilitasse à condução de veículos automóveis.
- O arguido, que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, bem sabia que não podia conduzir veículos no estado alcoolizado em que se encontrava.
- Conhecia as características do mencionado veículo e, não obstante saber que a sua condução apenas é legalmente permitida a quem é titular de documento que o habilite para tal, não se absteve de levar a cabo o descrito comportamento.
- Agiu deliberada livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
MAIS SE PROVOU:
- O Arguido tem dois antecedentes criminais: o Arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 08 de Março de 2003, 2013, na pena de 120 dias de multa a taxa diária de 5,00 €, e foi punido na mesma ocasião pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de (perdão isto aqui não se percebe muito bem), na pena, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi punido por 120 dias de multa e 3 meses na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pena de multa essa já liquidada, não, não está liquidada, a pena acessória é que já foi cumprida (pena acessória de proibição de conduzir).
- Mais se provou que o Arguido trabalha como cozinheiro no Restaurante Cervejaria "…" na Rua..., neste momento aufere 500 euros, contando vir a auferir 700 ou 750 euros.
- Vive em união de facto com uma senhora portuguesa, a qual trabalha como modelista, auferindo 650 euros mensais, tem dois filhos menores a cargo, de 9 e 2 anos, vivendo em casa própria.
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MOTIVAÇÃO:
A convicção sobre a matéria de facto provada baseou-se no teor dos documentos juntos aos autos, talão de teste, auto de notícia, declarações do arguido que confessou integralmente e sem reserva a prática dos factos de que vinha acusação
Quanto a existência dos antecedentes criminais do arguido servimos do Certificado de Registo Criminal junto aos autos, quanto a sua situação sócio-económicas valemo-nos das suas declarações à falta de outra prova que nos pareceu sincero.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
Diz o art. 292º do Cód. Penal que “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Neste tipo de crime é a própria acção que é em si mesma considerada perigosa, segundo a experiência comum aceite pelo legislador, não sendo a exigência do perigo como resultado da acção elemento do tipo. Isto é, não se exige a prova da criação de uma concreta situação de perigo para determinados bens jurídicos, sendo suficiente a prova da acção típica.
Trata-se assim, de um crime de perigo abstracto, em que a acção é em si mesma considerada perigosa, de acordo com um juízo de experiência comum que permite afirmar que ela comporta uma forte probabilidade de o resultado desvalioso vir a ocorrer.
No caso em concreto, não há duvidas que, atenta a taxa de álcool detectada, superior a 1,2 g/l, o arguido cometeu o crime de que vem acusado condução de veículo em estado de embriaguez.
Por se verificar em ambos os elementos do tipo, deve então o arguido ser condenado.
Relativamente à prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, também resulta demonstrado que o arguido não tem habilitação legal para conduzir, e ainda está provado que ele sabia não ter habilitação para conduzir, mesmo assim, por vontade livre e consciente conduziu este automóvel em via pública, estando ciente do seu estado de não habilitado.
Relativamente àquilo que ele referiu, acerca de ser ou não portador de carta de condução, o tribunal não levou essa factualidade aos factos provados, uma vez que entende-se ser insuficiente o declarado pelo arguido, até porque o arguido praticou e foi julgado e condenado por crimes idênticos em 2013, e já na altura ele não tinha a carta de condução, parecendo-me estranho que alguém que tem carta de condução, como ele afirma ter, mantenha a mesma situação de cometer este crime, com os riscos que isto acarreta, quando, a crer no que ele disse seria tão fácil obter este título valido. O Tribunal desconhece se tem ou não carta de condução, não se provou, foi insuficiente na perspectiva do Tribunal, se o arguido será portador de carta de condução, pelo que essa factualidade o tribunal sequer levou a base dos factos provados, e não havendo contestação, também não levou aos factos não provados, uma vez que resultou da mera declaração do arguido.
Temos assim, que também por este, não existe qualquer exclusão da licitude ou da culpa, pelo que o arguido terá de ser condenado relativamente a este tipo legal de crime.
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MEDIDA CONCRETA DA PENA:
Relativamente, à medida concreta da pena, e considerando que o arguido tem uma situação igual à presente, praticado em 2013, atento facto de estar bem integrado social e profissionalmente, eu entendo que será bastante e suficiente, neste momento, a aplicação de uma pena de multa, ainda que de montantes significativos, que se repute suficientes em termos de prevenção geral, mas sobretudo em termos de prevenção especial, para obstar a que o arguido volte a cometer este crime, desde logo atendendo a que o arguido se encontra bem integrado social, pessoal e profissionalmente, e daí não optar por uma pena de prisão.
Relativamente ao montante concreto, eu entendo, que as expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, só ficará assegurada, no que respeita ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com a imposição ao arguido de uma pena de 100 dias de multa a taxa diária de 7 €, atenta a sua situação sócio-económica, e no que respeita ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, com a imposição ao arguido de uma pena de 200 dias de multa a taxa diária de 7 €.
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DECISÃO:
Pelo exposto decide-se julgar totalmente procedente por provada a acusação e, em consequência:
- Condeno o arguido, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros) o que perfaz 700 €;
- Condeno o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros);
- Procedendo ainda ao cúmulo jurídico das duas penas, decido condenar o Arguido B…, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz o montante global de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros);
- Condeno o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UC's, reduzida a metade em face da confissão integral e sem reservas - artº 344º, nº 2, c) do CPP e art.º 8.º, n.º 9, por referência à tabela III, ambos do RCP.
Ordeno a remessa de Boletins de Registo Criminal.
Notifique e deposite.”
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Cumpre agora, nesta sede, analisar dos fundamentos de recurso.
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No recurso o Ministério Público invoca que o tribunal a quo, apesar de ter condenado o arguido por crime de condução em estado de embriaguez, omitiu qualquer consideração relativamente à pena acessória a que alude o Art.º 69.º, do Código Penal, pelo que incorreu a respectiva sentença na nulidade prevista no Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal.
Cumpre apreciar.
Em primeiro lugar, há que referir que o pedido de aplicação dessa sanção acessória de inibição de conduzir se encontrava realizado na parte dispositiva do libelo acusatório, com referência ao respectivo dispositivo legal, pelo que se encontra ultrapassada a questão referente à alteração da qualificação jurídica dos factos, sem necessidade do prévio cumprimento da comunicação a que aludem os n.ºs 1 e 3 do Art.º 358.º do Código de Processo Penal, segunda determina a jurisprudência uniformizada pelo Ac. do STJ n.º 7/2008 de 25/6/2008, DR I.ª Série de 30/7/2008, disponível em https://dre.pt/application/dir/pdf1sdip/2008/07/14600/0513805145.pdf.
Depois, tal como desenvolve o mesmo Ministério Público no seu recurso, temos como bom o entendimento de que a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor decorrente da prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez deve ser aplicada mesmo a quem não seja titular de carta de condução.
Resulta do Art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez e a norma não faz depender essa condenação da titularidade ou não de licença ou de carta de condução.
Como tem sido sublinhado em jurisprudência maioritária, a imposição desta pena acessória mesmo aos arguidos sem licença ou carta de condução, justifica-se por aplicação do princípio constitucional da igualdade estabelecido no n.º 1 do Art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa. Entre dois condutores que cometem crime de idêntica natureza, nada justifica que não seja condenado em pena acessória de proibição de conduzir precisamente quem comete os factos de maior gravidade, por, além de conduzir embriagado, também o ter feito sem a habilitação legal. Basta pensar na hipótese de o arguido na ocasião do julgamento já ter concluído o exame necessário ou de vir a obter em tempo próximo a licença ou carta de condução.
Acresce que o legislador admite a possibilidade de condenação na pena acessória de condutores não habilitados na pena acessória, quando expressamente prevê que um dos requisitos a que se encontra condicionada a obtenção do título de condução consiste na circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir sanção de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução (assim, no Art.º 18.º n.º 1, alínea e) do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Decreto-Lei nº 138/2012, de 5 de Julho, aplicável por força do Art.º 126.º do Código da Estrada).
A obrigatoriedade da aplicação da pena acessória prevista no Art.º 69.º, n.º 1, do Código Penal, foi introduzida com a revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15/3, e reflecte os ensinamentos de Figueiredo Dias, o qual, a tal propósito, escreveu que “deve, no plano de lege ferenda, enfatizar-se a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor - em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária - de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização do veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante: e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. Uma tal pena - possuidora de uma moldura penal específica - só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma de cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão” – assim, em Figueiredo Dias, Direito Penal Português: Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Editorial Notícias, 1993, pp. 164-165.
E a questão que nos ocupa no presente recurso foi até abordada, expressa e claramente, no decurso dos trabalhos da Comissão de Revisão de 1995 do Código Penal, ficando a constar das respectivas actas o seguinte (in Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Lisboa: Ministério da Justiça, 1993, pp. 75-76): "O Senhor Procurador-Geral da República anteviu uma dificuldade lógica no nº.3 para os não titulares de licença de condução. Vai-se proibir, com pena acessória, quem não tem licença de condução? O Senhor Professor Figueiredo Dias justificou a necessidade de tal pena acessória mesmo para os não titulares, para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição. A comissão, frisando que esta pena também se aplica aos não titulares, acordou na seguinte redacção para o nº.3 deste artigo (...)".
Porém, a questão coloca-se, de novo, face à nova redacção dada ao Art.º 69.º do Código Penal pela Lei n.º 77/2001 de 13/7, onde se retirou do n.º 3 desse Art.º 69.º a seguinte referência “a proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica para o condenado que for titular de licença de condução a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela C,. .)”, passando a constar de tal preceito legal apenas que “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”.
Apesar desta alteração legislativa (que decalca o disposto no Art.º 500.º, n.º 2, do CPPenal, em redacção já vigente à data de tal alteração), entendemos que a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor decorrente da prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez deve ser aplicada mesmo a quem não seja titular de carta de condução.
Com efeito, a pena acessória prevista no Art.º 69.º do Código Penal, conexionada com o facto cometido, visa objectivos de prevenção geral e especial.
Ora, sendo sem dúvida mais grave a conduta do agente que conduza veículo de forma perigosa ou sob a influência do álcool e sem estar habilitado a conduzir do que a conduta do agente que apenas conduza de forma perigosa ou sob a influência do álcool (estando devidamente habilitado), pois na primeira hipótese existe acréscimo do perigo na condução, sairiam claramente frustrados aqueles objectivos se o primeiro agente não fosse punido com a pena acessória de proibição de conduzir e o segundo o fosse.
A alteração operada pela Lei n.º 77/2001 de 13-7 não alterou, pois, a filosofia penal que, no ponto em apreço, esteve na base da revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 48/95, de 15-3, restringindo-se tal alteração, no aspecto que ora nos ocupa, a simples questões de natureza procedimental relativas à execução da sanção acessória de proibição de conduzir.
Do mesmo modo, traduzindo-se a pena acessória de proibição de conduzir na privação de um direito (o de conduzir), privação esta de natureza temporária, não faria sentido que dele ficasse privado o agente encontrado a conduzir preenchendo os tipos dos Art.ºs 291.º ou 292.º do Código Penal, mas portador de licença de condução, mas já não o ficasse o agente que conduz colocando em perigo terceiros e(ou) embriagado, sem estar habilitado para o efeito.
Ou seja, as alterações introduzidas no Art.º 69.º do Código Penal pela Lei n.º 77/2001, de 13/7, não pretenderam excluir da condenação em pena acessória de proibição de conduzir os infractores que não estejam habilitados com carta de condução.
Neste sentido, consultem-se os acórdãos da RL de 12/9/2007, proc. 4743/2007; de 26/7/2007, proc. 5103/2007; e de 24/1/2007, proc. 7836/2006, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl; da RC de 22/5/2002, in CJ ano XXVII, tomo 3, pp. 45; de 24/5/2006, proc. n.º 919/06; e de 10/12/2008, proc. n.º 17/07.4PANZR, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrc, e de 11/9/2013, proc. 12/13.4GELSB.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/d3650700c4f8858b80257be5003c3341?OpenDocument; bem como desta RP de 9/7/2008, proc. 12897/08, de 1/4/2009, proc. 963/08.8PAPVZ, publicados in www.dgsi.pt/jtrp; e da da RG de 4/5/2015, processo n.º 240/14.5GBPTL.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/4155eecff0cd431e80257e4600519ff3?OpenDocument.
No tocante à execução da sanção acessória de proibição de conduzir nos casos em que o arguido não possua título de condução, esclarece Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2.ª ed., 2008, pp. 1257, nota 6 ao Art.º 500.º: “Quando o arguido não possua título de condução, a execução da sanção de inibição de conduzir inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que tem a consequência prática de que durante esse período ele não poderá obter esse título (art. 126°., nº.1, al. d) do CE)”.
Nesse sentido, e conforme dispõe o Art.º 69.º, n.º 4, do Código Penal, a secretaria do tribunal tem de comunicar a decisão que fixou a proibição de conduzir ao IMT, quer se trate de condutores com habilitação legal, quer se trate de condutores sem essa mesma habilitação (é de salientar que o DL 98/2006, de 6-6, que estabelece e regula o registo de infracções de condutores não habilitados, preceitua, no seu Art.º 4.º, que um dos elementos que deverá constar desse registo é a pena acessória aplicada pelo tribunal referente a crimes praticados no exercício da condução).
No caso dos autos, como se viu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel na via pública sem para tal estar habilitado, previsto e punível pelo Art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo Art.º 292.º do Código Penal.
Tendo em conta estes elementos, entendemos que deve ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir apesar de não ser titular de licença de condução, valendo essa condenação para a circunstância de vir a obter essa habilitação legal.
Em sede de sentença condenatória não foi o arguido sujeito à pena acessória prevista no Art.º 69.º, quando é certo que o deveria ter sido, assim procedendo os argumentos expostos no recurso do Ministério Público.
Acresce, tal qual já vimos acima, não ser correcta a asserção segundo a qual nas situações em que o arguido não possua carta de condução, não tem qualquer efeito útil a sua condenação na sanção acessória de proibição de conduzir. Antes de mais, porque até ao trânsito em julgado da decisão o arguido poderá, entretanto, ter obtido carta de condução, e, nesse caso, sempre estaria obrigado a fazer a sua entrega, para cumprir a proibição que lhe foi imposta. Depois, porque se o condenado pretender obter habilitação para conduzir durante o período da proibição, já não o poderá fazer, atento o disposto no Art.º 126.º do Código da Estrada.
Daí que a decisão recorrida tenha de ser alterada, no sentido de ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
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Sendo a sentença recorrida omissa quanto à referida matéria (aplicação da inibição de conduzir), forçoso se torna concluir que a mesma padece do vício a que alude a alínea c), do n.º 1 do Art.º 379.º do Código de Processo Penal, uma vez que, como decorre do já explanado, não se pronunciou sobre este indispensável objecto.
Não o fazendo incorreu o mesmo tribunal numa omissão de pronúncia que consubstancia uma (invalidade) nulidade de sentença, pois deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar – cfr. Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal.
A condenação em causa deve ser efectuada, de imediato, nesta instância de recurso?
Cremos que não, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque é essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, no Art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Esta omissão de pronúncia, assim, não pode ser suprida por esta via de recurso (mesmo por via do disposto no n.º 4 do Art.º 379.º do CPPenal), pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição no que respeita a esta precisa questão omitida.
Em segundo lugar, por ser essa a solução imposta pelo nosso modelo, quer processual quer substantivo, de determinação da sanção.
A tal propósito, escreve Damião da Cunha in O Caso Julgado Parcial - Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num Processo de Estrutura Acusatória, Lisboa: Publicações Universidade Católica, 2002, pp. 410 que “os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, … assumem também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre vontade”, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena de prisão).
Assim sendo, torna-se claro que, para além da necessidade de respeitar o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, implica que deva ser o tribunal de 1ª instância a proferir a decisão em causa, depois de, se assim o entender, ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que tenha por convenientes.
A sentença deve ser anulada e os autos devem baixar ao tribunal de primeira instância para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, conhecendo-se nela da questão mencionada que o mesmo tribunal deveria ter apreciado.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público, pela procedência dos fundamentos expostos relativos à omissão de pronúncia, anulando-se a sentença nos termos do vertido no Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal, e determinando-se a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância para que nele se proceda à elaboração de nova sentença, conhecendo-se nela da questão mencionada que o mesmo tribunal deveria ter apreciado nos moldes acima indicados (aplicação da sanção de inibição de conduzir).
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Sem custas.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 13 de Janeiro de 2016
Nuno Ribeiro Coelho
Renato Barroso