Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6116/18.0T9VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: MEDIDA DE SEGURANÇA
PRESSUPOSTOS
PERIGOSIDADE DO AGENTE
INTERNAMENTO
PROPORCIONALIDADE
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: RP202112096116/18.0T9VNG.P1
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Como refere Maria João Antunes, os artigos 91º n.º 1 e 2, 20º n.º 1, e 40º, n.º 1, do Código Penal devem ser interpretados do seguinte modo:
a) O facto que é pressuposto da imposição da medida de segurança de internamento coincide com o facto do agente declarado inimputável em razão de anomalia psíquica;
b) O juízo de inimputabilidade implica uma prova tríplice ou um triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido.
II - A aplicação de uma medida de segurança passa inevitavelmente por um juízo de prognose, que se reputa aliás decisivo e fundamental – o juízo sobre a perigosidade criminal do arguido
III – O internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança depende exclusivamente de uma averiguação conclusiva no sentido de, em virtude da anomalia psíquica, haver fundado receio de que a arguida venha a cometer outros factos da mesma espécie.
IV - A aplicação de medidas de segurança deve subordinar-se estritamente ao princípio da subsidiariedade: uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosas constituam uma proteção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.
V - A prevenção especial ganha, no âmbito das medidas de segurança, uma dupla função: de segurança e proteção da sociedade; e de socialização do agente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 6116/18.0T9VNG.P1
Recurso penal

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo nº6116/18.0T9VNG do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, foi em 1 de julho de 2021 proferida sentença, e na mesma data depositada, na qual – além do mais - se decidiu:
1- Absolver a arguida B… da prática de doze crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal e onze crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal.
2- Declarar que a arguida B… cometeu factos ilícitos típicos que correspondem a nove crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal e nove crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal.
3- Declarar que a arguida B… é inimputável perigosa.
4- Decretar, nos termos dos artigos 20.°, n.º 1, 91.º, e 92.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, fixando-se a sua duração máxima em 3 (três) meses, sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, nos termos impostos pelo artigo 92.º, n.º 1, do Código Penal.
5- Decretar, nos termos do artigo 98.º do Código Penal, a suspensão da execução do internamento referido em 4) pelo período de 1 (um) ano, subordinada à obrigação de a arguida se sujeitar a tratamento psiquiátrico adequado, mediante a frequência de consultas médicas e a manutenção do tratamento farmacológico prescrito (em regime de ambulatório), sob a vigilância tutelar da DGRSP.
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a arguida, para este tribunal da Relação do Porto, pugnando pela sua revogação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
Conclusões
1. A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.º 412.º do C.P.P., ao abrigo do disposto no art.º 431.º, al. b) do C.P.P.
2. A Sentença recorrida considera como provados factos que não o deviam ter sido, face à prova produzida.
3. Não devem ser considerados como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 9 e 10 e da matéria de facto provada na decisão em crise.
4. Não foi produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento que permitisse ao Tribunal a quo alicerçar e fundamentar tal decisão.
5. O exame de psiquiatria forense efectuado à Recorrente, nos autos a fls. 235 a 237, indicou a necessidade de realização de estudo orgânico, nomeadamente serológico e imagiológico cerebral, para descarte de alguma patologia tratável de que pudesse padecer a Recorrente.
6. Em momento algum foi realizado tal estudo orgânico, não foram realizados os exames serológico e/ou imagiológico cerebral indicados pelo perito em psiquiatra forense, não tendo sido efectuado despiste às eventuais causas do alegado estado clínico da recorrente.
7. O diagnóstico efectuado pelo perito em psiquiatria forense encontra-se prejudicado pela incompletude da aferição do estado de saúde da Recorrente, por falta de realização dos exames médicos aí indicados, existindo dúvida inultrapassável a esse propósito que obsta a que a factualidade constante do ponto n.º 9 da fundamentação de facto possa ser dada como provada.
8. O diagnóstico realizado em 28-01-2020 não deve ser transposto para a actualidade, atento o período temporal decorrido entre tal diagnóstico e a prolação da decisão em crise em 01-07-2021, assim como dado que, depois desse diagnóstico, a Recorrente frequentou voluntariamente consultas de psiquiatria até Outubro de 2020, conforme factualidade dada como provada no ponto n.º 11 da fundamentação de facto da sentença em crise.
9. Logo, dos autos não consta prova que permita estribar que actualmente a Recorrente sofra de anomalia psíquica grave.
10. No relatório de fls. 235 a 237, o perito concluiu que o tratamento psiquiátrico farmacológico constitui uma mera tentativa de controlar a patologia em causa e visar a diminuição do risco de reincidência;
11. Juízo técnico-científico esse que não é livre de dúvidas quanto à suficiência do tratamento em causa.
12. Contendo o diagnóstico em causa as apontadas reservas, não foi descartada a possibilidade da Recorrente ter sofrido, ou sofrer, de patologia orgânica tratável, caso em que o tratamento psiquiátrico farmacológico não é bastante, ou até medicamente indicado para controlar “a doença da arguida e o risco de reincidência”.
13. Assim, com a devida vénia, não deve ser dada como provada a matéria constante do ponto n.º 10 dos factos provados.
14. Consequentemente, impõe-se a revogação da decisão recorrida, devendo ser dada como não provada a factualidade constante dos pontos n.ºs 9 e 10 dos factos provados, com as legais consequências.
15. Sem prescindir, a Recorrente não concorda com a decisão de aplicação de medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, com duração máxima de três meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à obrigação de a mesma se sujeitar a tratamento psiquiátrico adequado, mediante a frequência de consultas médicas e a manutenção de tratamento farmacológico prescrito (em regime de ambulatório) sob vigilância tutelar da DGRSP;
16. In casu não se encontram preenchidos os pressupostos legalmente previstos, designadamente os constantes dos art.ºs 40.º, n.º 3, e 91.º, n.º 1, ambos do Código Penal, para aplicação da medida de segurança na decisão em crise.
17. Ao abrigo dos normativos legais acabados de referir e conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 28-05-2008, só deve ser aplicada medida de segurança se a mesma for proporcionada à gravidade do facto praticado e assim o exigir a perigosidade do agente, enquanto fundado receio de que o agente venha a cometer factos da mesma espécie, em respeito pelos princípios da necessidade ou exigibilidade, da adequação ou idoneidade e da proporcionalidade ou racionalidade.
18. Os factos aqui em apreço são integradores dos ilícitos típicos de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do Código Penal, e de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do Código Penal;
19. Tais ilícitos típicos correspondem a crimes que são, quanto à sua natureza, particulares, exigindo-se para a prossecução penal dos mesmos que o ofendido apresente queixa, requeira a sua constituição como assistente e deduza acusação particular – o que configura uma exceção aos princípios da oficialidade e obrigatoriedade da promoção penal pelo Ministério Publico que norteiam o preceituado no art.º 48.º do C.P.P. - exigências essas justificadas pela especial natureza dos valores/ bens jurídicos em causa e pela diminuta gravidade da infração.
20. Pelo que, os ilícitos típicos aqui em apreço assumem o carácter de bagatelas penais, cuja prossecução penal é relegada pelo legislador para a livre disponibilidade dos ofendidos.
21. Sendo também aquilatado o grau diminuto da sua ilicitude em função da moldura penal fixada aos ilícitos criminais em questão que, quanto ao crime de difamação, é de pena de prisão até 6 meses ou pena de multa até 240 dias e, quanto ao crime de injuria, é de pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 120 dias.
22. Assim, os ilícitos típicos em questão tem gravidade muito diminuta, em grau tão baixo que não é suscetível de sustentar a verificação do respetivo pressuposto para aplicação de medida de segurança alguma.
23. Impondo-se, até pelo carácter bagatelar dos ilícitos típicos em causa, a não aplicação de medida de segurança no caso em apreço.
24. Igualmente é diminuta a gravidade dos factos sub judice dadas as circunstâncias da sua verificação que ocorreram motivadas por dissensos decorrentes das relações de condomínio existentes entre a Recorrente e os Assistentes.
25. Também não se provou que, no caso de ser sujeita a tratamento psiquiátrico, deixe de existir probabilidade da Recorrente reincidir em ilícitos do tipo dos descritos nos autos.
26. Pois, no relatório de fls. 235 a 237, o perito não concluiu que o tratamento psiquiátrico farmacológico fosse suficiente para controlar a patologia em apreço e o risco de reincidência, mas antes concluiu ser tal tratamento no sentido de tentar controlar essa patologia e diminuir o risco de reincidência.
27. Atendendo às reservas apontadas no diagnóstico em questão, não foram descartadas as possibilidades de a Recorrente ter sofrido, ou sofrer, de patologia orgânica tratável, caso em que qualquer tratamento psiquiátrico farmacológico não será medicamente indicado, muito menos suficiente, para controlar “a doença da arguida e o risco de reincidência”.
28. Importa vincar que os mais recentes factos em causa nestes autos ocorreram em 28-03-2019, não tendo ficado demonstrado nos autos que, após 28-03-2019, tenham ocorrido factos ilícitos típicos idênticos aos aqui em apreço.
29. Da factualidade dada como provada no ponto n.º 11 e da prova documental junta aos autos a fls.278, 286 e 287, resulta demonstrado que a Recorrente motu proprium marcou várias consultas de psiquiatria, consultas essas que frequentou até Outubro de 2020, e, apesar de ter deixado de frequentar consultas de psiquiatria, não há informação de repetição de factos ilícitos do tipo dos supra descritos.
30. Atento o período de tempo entretanto decorrido sem a repetição de factos da mesma espécie pela Recorrente, e face à factualidade dada como provada assim como da motivação da decisão, designadamente o facto de Assistente C… ter abandonado o cargo de administrador de condomínio do prédio em questão, tendo inclusive mudado, com a sua esposa a Assistente D…, de residência para outro prédio, impõe-se juízo de prognose de nula probabilidade de reincidência da Recorrente, estando asseguradas as finalidades de prevenção especial, independentemente da sujeição da Recorrente a medida de segurança.
31. Logo, num juízo de prognose dir-se-á que não existem indícios suficientes dos pressupostos fácticos que permitam fundamentar a aplicação à Recorrente de uma medida de segurança, muito menos de internamento.
32. Assim, no presente caso não estão preenchidos todos os pressupostos previstos no art.º 91.º, n.º1, do Código Penal;
33. Consequentemente, a aplicação de medida de segurança à Recorrente a douta sentença recorrida viola o disposto nos art.ºs 40.º, n.º 3, 91.º, n.º 1, do Código Penal, e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, enfermando desse vício, que aqui expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
34. Nessa conformidade, deve a decisão em crise ser revogada e substituída por decisão que não aplique medida de segurança.
35. Sem conceder, a decisão em crise decretou suspensão da medida de internamento em estabelecimento de tratamento, por período com duração de 1 (um) ano, mediante aplicação analógica do art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal.
36. Nos termos do disposto no art. 1º, nº3, do Código Penal “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a medida de segurança que lhes corresponde”.
37. Também para art. 29º, nº1, da C.R.P., consagra que “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”.
38. O Tribunal a quo não deveria ter efectuado aplicação analógica do preceito em questão, mas, se tanto, determinado a duração do período de suspensão da medida decretada tendo como limite a duração máxima de três meses da medida de internamento aplicada;
39. O Tribunal a quo não deveria ter atendido a critérios penais dirigidos à suspensão da pena de prisão e que assumem natureza e fins de punição que não se coadunam com os critérios que dizem respeito às medidas de segurança e finalidades prosseguidas pelas mesmas, mas antes deveria ter determinado suspensão em período igual – três meses - ao da medida cuja duração foi julgada necessária à previsível cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.
40. Logo, ao aplicar analogicamente norma que regula pressupostos e duração período de suspensão de pena de prisão à suspensão de medida de internamento decretada, a decisão em crise violou o disposto nos art.ºs 1.º, n.º 3 do Código Penal e 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
41. Destarte, impõem-se a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que tenha em conta o supra aduzido.
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Por despacho proferido foram os recursos regularmente admitidos.
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão proferida.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando os considerandos constantes da resposta anterior, pugna pela improcedência do recurso.
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Cumprida a notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi efetuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) [1].
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso” – cfr. Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt. [2].
Posto isto,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
1ª Do erro de julgamento da matéria de facto (art. 412°, nº3, do Código Processo Penal) e a livre apreciação da prova
2ª Dos pressupostos da medida de segurança
3ª Do período da suspensão de internamento
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Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar
a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte (transcrição):
Factos provados
“1. Em 2018 a arguida e os assistentes eram vizinhos, residindo todo na Rua …, …, em Vila Nova de Gaia.
2. No dia 30.04.2018 encontrava-se afixado na porta da garagem do referido prédio o documento junto aos autos a fls. 87 e 88, cujo teor se dá aqui por reproduzido, elaborado e aí colocado pela arguida e no qual pode ler-se, entre o mais, “possíveis rendas camufladas e vitalícias, transpondo gerações no prédio da R. …, ….-…-VNG”, “em todos os casos a favor de C… e seus herdeiros! Estão dispostos a sustentar isto através de gerações! (…) Uma Doutorada em Economia Aplicada não aceita esta corrupção. Já está em denúncia e publicação. Haja gente honesta, porque a vida custa a todos!” e ainda, no verso, em letra manuscrita pela arguida, “no meio dos pintores estava o homem a quem C… pagou há meses para insultar a D. B1… na cave 2018/04/30”.
3. Na página seguinte do referido documento, sob o título “Objectos roubados, perdidos e danificados”, e depois da descrição de vários objectos com indicação do respectivo valor monetário, pode ler-se “os objectos sinalizados com os nºs 1 e 2 [referindo-se a um prato de cristal com o valor atribuído de € 200,00 e quatro vasos de louça vidrada com o valor atribuído de € 60,00] foram roubados por D… (esposa de C…), na Cave (…); o objecto sinalizado com o nº 4 [referindo-se a um tabuleiro de Natal com o valor atribuído de € 37,50] e de grande estimação, não foi anda devolvido por E…, casado e filho do casal …;(…) pintura do Honda … (riscos feitos por D1…), candeeiro partido (D1…, no meu lugar de garagem), pintura do Honda (Riscos pela D1… no LG); Dia 25 de Abril de 2018, cerca das 21 horas o elevador estava travado e a D1…, tentando agredir a D B1… danificou-lhe os óculos com 2 lentes de mais de 1000 euros cada uma! Quem aguenta isto? Que malvadez é esta! É o que já dizem os funcionários da Honda e o Chapeiro! Andamos a pagar rendas após a celebração de contratos de compra e venda! (…) A Comunicação Social vai clarificar melhor o que são estes Contratos! (…)”.
4. No dia 20 de Outubro de 2018 o assistente C… recepcionou carta registada da arguida com o registo …………., datada de 19 de Outubro de 2018, contendo um cartão escrito e assinado pelo punho da arguida, o qual acompanhava o cheque nº ………., no valor de € 743,40, emitido e assinado pela arguida e destinado à Administração de Condomínio, para pagamento de dívida de condomínio acordada no Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia, podendo ler-se no referido cartão “dívida actual de C… 1529,05 euros + …com os danos de N.N. créditos até 2019 = 351,95€ agora vamos entrar na “gestão danosa”, isto é, Direito/Economia Aplicada! B1…”.
5. No dia 2 de janeiro de 2019 estava afixado na garagem do mesmo prédio o documento junto aos autos a fls. 93, cujo teor se dá por reproduzido, elaborado pela arguida e aí colocado pela arguida e do qual consta, entre o mais “as ameaças «caladinhas» por parte da família … continuam mas estão todas referenciadas e contabilizadas… Uma renda camuflada e vitalícia a favor de C…, há mais de 20 anos, mais os pagamentos extras da ligação dos esgotos à rede pública e a pintura do prédio têm de ser anulados para bem de todos nós! Em gestão tem que haver o sentido do bem comum e a transparência dos actos praticados! «Nunca beneficiar alguém quando outro ou outros ficarem piores no seu bem-estar» - Pareto (…)”.
6. Numa outra circunstância, em data não concretamente apurada mas entre 2018 e 28.03.2019 a arguida também afixou o documento junto aos autos a fls. 91, de sua autoria, cujo teor se dá por reproduzido e no qual pode ler-se “estamos a fazer denúncia da gestão danosa (…) não à invasão da propriedade privada! (…) a renda existente de C… vai ser anulada! (…) a dívida à Dra. B1…, que excede já o valor de 1529,05€ em roubos e estragos (com invasão da propriedade privada!!) fora as ameaças da Família … e seus assalariados conforme foi referido numa reunião, não será ignorada (…)”.
7. Os escritos supra referidos, para além de afixados, foram também colocados pela arguida nas caixas de correio dos assistentes e demais condóminos, que os receberam e leram.
8. A arguida agiu com o propósito conseguido de atingir a honra, bom nome, dignidade, consideração e respeito devidos aos assistentes.
9. A arguida sofria à data dos factos descritos e sofre actualmente de anomalia psíquica grave, concretamente psicose, que a incapacitava de avaliar a ilicitude dos actos por si praticados e de se determinar de acordo com essa avaliação, havendo fundado receio de que a mesma possa cometer factos da mesma natureza ou similares aos supra descritos, sem a sujeição a tratamento psiquiátrico adequado.
10. O cumprimento rigoroso de tratamento psiquiátrico farmacológico será suficiente para controlar a doença da arguida e o risco de reincidência.
11. Não obstante, a arguida não comparece em consultas de psiquiatria pelo menos desde outubro de 2020 e não toma a medicação prescrita.
12. Os demandantes são considerados e estimados no meio em que se inserem, sendo tidos como pessoas educadas.
13. Em resultado das condutas da demandada os demandantes sentiram-se humilhados, envergonhados, revoltados e ansiosos.
14. Alteraram as suas rotinas, evitando cruzar-se com a demandada.
15. O demandante C… abandonou o cargo de administrador do condomínio.
16. A arguida vive com uma irmã.
17. Foi condenada, em 22.01.2020, neste Tribunal Judicial, pela prática de um crime de injúria e um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 130 dias de multa.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa, designadamente que:
a) o referido em 6 aconteceu na semana de 22 a 28 de Outubro;
b) sempre que abordada para se abster destes actos, quer pelos assistentes, quer por outros condóminos, em contactos informais ou em reuniões de condomínio, a arguida apelidou na presença quer dos assistentes quer dos demais condóminos, por várias vezes, os assistentes de ladrões, corruptos, falsos, mentirosos e “ratos”;
c) a arguida agiu de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
d) os demandantes C… e D… vivem as suas vidas repartindo o seu tempo entre o Brasil e Portugal;
e) o demandante C…, apesar dos seus 85 anos, é um gestor dinâmico do seu património imobiliário, considerado por todos nos negócios como pessoa muito séria e honrada, simpática, cordial, afável, muito carinhoso e ligado à sua família, que gosta de se dar bem com toda a gente;
f) a demandante D…, de 84 anos de idade, é uma pessoa frágil e de saúde delicada, com limitações de locomoção e equilíbrio em virtude de problemas auditivos, muito metida na sua vida domiciliária e convivendo quase exclusivamente com os seus próprios familiares;
g) o demandante E… coadjuva administrativamente o seu pai na gestão do património imobiliário da família;
h) os papéis que a arguida escreve são comentados pelos vizinhos das redondezas e pelos próprios prestadores de serviços que ali se deslocam para pequenas reparações no prédio, que movidos pela natural curiosidade já abordaram os demandantes, questionando-os quanto aos factos que a demandada publicita, pelo que os demandantes se vêm obrigados a fornecer explicações;
i) o constrangimento sofrido pelos demandantes estendeu-se junto das entidades policiais e até camarárias, quer relativamente aos profissionais que se deslocaram ao prédio em diversas vezes, acabando tais entidades, depois de inteiradas do sucedido, por recomendar aos demandantes que tenham calma ou que “não ligassem” à conduta da demandada;
j) em consequência das condutas da demandada os demandantes tiveram muitas dificuldades em conciliar o sono, denotando-se nas manhãs seguintes que o sono demonstrava não ter sido reparador, apresentando períodos de grande sonolência, irritabilidade, incapacidade para raciocinar com facilidade e lentidão de reflexos, bocejando constantemente nos dias seguintes à ocorrência dos factos.
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III – Motivação
Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
Assim, o Tribunal considerou, em conjugação com a participação de fls. 2 e seguintes, os aditamentos de fls. 16 e seguintes e 30 seguintes e os diversos documentos juntos aos autos, designadamente os de fls. 87/88, 89/90, 91 e 93, as declarações da arguida e dos assistentes C… e E… e os depoimentos, todos prestados de forma que se nos afigurou séria, coerente e isenta, de H…, I… e J….
Concretamente, a arguida, em suma, admitiu a autoria dos escritos aqui em causa (que diz ter redigido por ser verdade) e admitiu também ter afixado e posto alguns deles nas caixas de correio.
Os assistentes, por seu lado, explicaram que a arguida escreveu estes documentos, os pôs nas caixas de correio e afixados no prédio (nas datas que deles constam), designadamente na garagem, à vista de toda a gente e que o assistente C…, por se ter cansado destas situações e já não aguentar mais, deixou de ser administrador do condomínio e saiu daquele prédio (tendo comprado um outro apartamento ali perto).
H… (vizinho da arguida, vivendo neste condomínio há 28 anos) relatou que viu estes papéis (concretamente os de fls. 89/90 e 93) e outros do género na garagem e na sua caixa de correio, muitas vezes (não tendo ideia de os ver na entrada do prédio; geralmente tais papéis eram postos na caixa de correio e afixados na garagem) e referiu ainda que os assistentes, que sempre foram pessoas educadas, acabaram por se mudar para “preservar as sua tranquilidade”.
I… (vizinho da arguida) referiu que toda a gente recebeu papéis “a falar de situações com os assistentes” – em que, por exemplo, a arguida dizia que não pagava o condomínio porque o Sr. C… tinha, segundo ela, umas dívidas para consigo (por lhe ter roubado coisas e por não lhe ter pago uns versos feitos para umas bodas de ouro) -, que se recorda em concreto dos de fls. 87/88 e 93, que, não se recordando se os mesmos foram afixados na parede da garagem comum ou postos nas caixas do correio, não tem dúvidas de que foram divulgados e que a dada altura o assistente C… e a esposa saíram do prédio.
Finalmente, J… (esposa do assistente E…) confirmou que a arguida afixou os documentos em questão e os pôs nas caixas de correio, tendo também levado alguns para reuniões de condomínio e explicou que os sogros saíram do prédio, que isso lhes causou infelicidade (até porque a sogra se sente isolada e sozinha), que mesmo assim a arguida continua a dizer no prédio que eles são ladrões e coisas do género e que o marido tem problemas de audição.
Dúvidas não restaram, pois, e face à prova assim produzida, sobre os factos que vieram a ser dados como provados sob os pontos 1 a 8.
Os factos enunciados nos pontos 9 e 10 resultam do relatório de fls. 235 a 237, resultando, por seu lado, o facto constante do ponto 11 dos documentos de fls. 278 e 286/287.
Quanto aos factos constantes dos pontos 12 a 15, os mesmos assentam nas declarações dos assistentes e depoimentos das testemunhas ouvidas, conjugadamente com as regras da experiência comum.
No tocante à situação familiar da arguida aceitaram-se as suas declarações.
Relativamente aos antecedentes criminais da arguida atendeu-se ao certificado junto aos autos a fls. 253.
Quanto aos factos dados como não provados, deles não se fez qualquer prova (documental ou testemunhal) ou tais factos foram contrariados pela prova produzida, nos termos supra enunciados.
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Conhecendo as questões suscitadas, cumpre decidir.
1ª Do erro de julgamento da matéria de facto (art. 412°, nº3, do Código Processo Penal) e a livre apreciação da prova (…)
2ª Dos pressupostos da medida de segurança
A Recorrente não concorda com a decisão de aplicação de medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, com duração máxima de três meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à obrigação de a mesma se sujeitar a tratamento psiquiátrico adequado, mediante a frequência de consultas médicas e a manutenção de tratamento farmacológico prescrito (em regime de ambulatório) sob vigilância tutelar da DGRSP.
Contudo, mantendo-se inalterada a matéria de facto da decisão recorrida, fácil se torna intuir, sem outras considerações retóricas, aqui desnecessárias, que à luz dos factos provados se encontram preenchidos os pressupostos legalmente previstos, designadamente os constantes dos art.ºs 40.º, n.º 3, e 91.º, n.º 1, ambos do Código Penal, para aplicação da medida de segurança na decisão em crise.
Dispõe o artigo 91º, nº1, do Código Penal que “Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”.
São pressupostos de imposição da medida de segurança de internamento do agente declarado inimputável em virtude de anomalia psíquica:
a) a prática por parte do agente declarado inimputável de um facto ilícito típico grave;
b) a perigosidade criminal do agente.
Como refere Maria João Antunes, in Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica, pág. 463, os artigos 91º n.º1 e 2, 20º n.º1, e 40º, n.º1, do Código Penal devem ser interpretados do seguinte modo: o facto que é pressuposto da imposição da medida de segurança de internamento coincide com o facto do agente declarado inimputável em razão de anomalia psíquica.
O juízo de inimputabilidade implica uma prova tríplice ou um triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido. A aplicação de uma medida de segurança passa inevitavelmente por um juízo de prognose, que se reputa aliás decisivo e fundamental – o juízo sobre a perigosidade criminal do arguido – cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 125 e 81.
No caso dos autos, inalterada a matéria de facto provada, não há dúvida de que a arguida é inimputável e praticou os ilícitos criminais pelos quais foi condenada em virtude da sua doença mental, pelo que, assim sendo, inquestionada se mostra a inimputabilidade da arguida.
Recordando a sentença recorrida “provou-se que a arguida, na data da prática dos factos, sofria de psicose, encontrando-se sem capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Destarte, não oferece qualquer dúvida que a arguida padecia de uma anomalia psíquica durante a prática dos factos, que comprometeu a avaliação da ilicitude dos seus atos e a sua capacidade de se autodeterminar, concluindo-se que a arguida, no momento da prática do facto, se encontrava onerada com um substrato biopsicológico que a impediu de avaliar a tipicidade daquela concreta conduta e de se autodeterminar em conformidade”.
Aqui chegados, o internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança depende exclusivamente de uma averiguação conclusiva no sentido de, em virtude da anomalia psíquica, haver fundado receio de que a arguida venha a cometer outros factos da mesma espécie.
Como realça Maria João Antunes, in ob. cit. pág. 473, uma perigosidade específica «cometer outros da mesma espécie» a exigir o estabelecimento de uma ligação de causa e efeito entre a anomalia psíquica e o receio da prática de factos da mesma espécie do facto praticado anteriormente. Assim se confirmando, ao exigir-se que os factos receados sejam da mesma espécie do facto praticado pelo agente inimputável por motivo de anomalia psíquica, que do facto pressuposto é esperada a função de facto comprovativo de perigosidade criminal emergente da anomalia psíquica.
A partir do momento em que, com o auxílio da perícia, se mostrou existir na arguida uma anomalia psíquica determinante da prática do ilícito típico, há a certeza da sua perigosidade – de que já foi perigoso. Dúvidas poderão apenas subsistir quanto à persistência desse estado de perigosidade à data (logicamente posterior) do julgamento. A incerteza residual resume-se então na pergunta: o agente ainda é perigoso ou já deixou de o ser? Pergunta que equivale, praticamente, a esta outra: a doença mental mantém-se? A resposta da perícia como vimos é inequívoca neste particular permitindo concluir pela perigosidade do arguido – cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo», pág. 123 e 167.
Mesmo que outra fosse a conclusão pericial importa vincar que a observação de um arguido com o fim de avaliar a sua imputabilidade ou perigosidade por um perito não é definitiva, já que a imputabilidade e a perigosidade têm referentes normativos que só ao juiz cabe interpretar e decidir. É uma tarefa com duas faces e a tarefa do perito constitui apenas uma das faces da mesma realidade. A perícia tem um carácter instrumental relativamente à boa decisão forense: pretende-se do perito médico-legal que forneça a base científica imprescindível para que o julgador possa decidir pela verificação ou não, in casu, dos elementos definitórios da perigosidade normativa. Pois, o perito pode dizer que o arguido é perigoso porque existe grande probabilidade de atentar contra a sua própria vida e o juiz desvalorizar esse juízo, por isso não configurar sequer ilícito penal.
Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, in “As consequências jurídicas do crime”, pág. 446, a matéria relativa à aplicação de medidas de segurança deve subordinar-se estritamente ao princípio da subsidiariedade: uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosos constituam uma proteção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.
Ora, o recurso à perícia, à prognose clínica é, depois do que fica dito, útil mas em alguns casos insuficiente para o tribunal que tem de ajuizar quanto à perigosidade. Insuficiente não apenas no sentido de que a aplicação do critério normativo de perigosidade cabe sempre, em última instância ao julgador, mas igualmente insuficiente no sentido de não lhe poder fornecer uma base de facto com a solidez desejada e necessária para sobre ela apoiar um juízo convicto. Por outras palavras: a prognose clínica não constituirá (em muitas ocasiões) prova acabada da perigosidade - cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo», pág. 101, 102.
Todavia, no caso vertente, como resulta da matéria fáctica provada, não há dúvida que essa perigosidade da arguida ainda persiste.
Assim sendo, ter-se-á de concluir pela perigosidade da arguida, em virtude de essa pessoa ser alguém de quem se espera, se nada for feito e dadas as características da sua doença mental, o cometimento no futuro, de outros factos ilícito-típicos.
Nos termos prescritos pelo Código Penal e Código Processo Penal, importa não perder de vista que o quadro normativo aplicável aos inimputáveis, em sede criminal, sendo a tramitação processual do crime do agente imputável a mesma que a do facto do agente inimputável, apenas divergem nos seus desfechos, ou seja: a possível aplicação de uma pena no primeiro dos casos e de uma medida de segurança no segundo.
Assente que está o risco de repetição de comportamentos que preencham ilícitos típicos da mesma espécie exige-se ainda a necessidade de uma medida, pois o risco de «reincidência» não deve ser suportado pela sociedade, mas por conta do agente perigoso. Como nos movemos no plano da estrita legalidade e tipicidade penal entra aqui o princípio da proporcionalidade e da menor intervenção possível para a escolha da medida.
Não se olvide, contudo, que não basta a perigosidade para a imposição automática de uma medida de segurança; mas exige-se ainda a verificação da necessidade da medida e que esta seja proporcional ao ilícito praticado e à personalidade do arguido [3].
Isto mesmo vemos consagrado no art.40º, nº3, do Código Penal, segundo o qual: “A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Parafraseando a sentença recorrida, o princípio da perigosidade estabelece como “condição sine qua non da aplicação de qualquer medida de segurança, privativa ou não privativa da liberdade, que o agente revele perigo de vir a cometer no futuro novos ilícitos-típicos. O conceito de perigo deve ser perspectivado, segundo Figueiredo Dias, como uma probabilidade de repetição pelo agente de crimes da mesma espécie da do ilícito-típico praticado, sendo certo que não basta uma mera possibilidade de repetição, pois que esta, em rigor, sempre existe. É necessária uma possibilidade qualificada de que o agente irá voltar a cometer novos crimes (Figueiredo Dias, ob. cit, p. 441-445).
O princípio da proporcionalidade exige que entre as medidas de segurança disponíveis deve o julgador aplicar a que causar menor gravame ao delinquente. Assim, uma medida de segurança não deve ser aplicada quando outras medidas menos onerosas constituam uma protecção adequada e suficiente dos bens jurídicos face à perigosidade do agente. Deste modo, deve o julgador averiguar, antes de tudo, se a aplicação no caso de uma certa medida de segurança serve concretamente a realização dos fins a que ela se destina, ou seja, a finalidade primária de socialização do agente e a finalidade secundária de segurança da sociedade face à perigosidade comprovada. De seguida, deve o tribunal averiguar se, no caso, a aplicação de uma medida menos gravosa não será suficiente e eficaz relativamente à prossecução dos fins apontados.
Finalmente, deverá o tribunal analisar se a aplicação da medida de segurança, apesar de adequada e necessária, não representa para o agente uma carga desajustada, excessiva e desproporcionada face à gravidade do ilícito praticado e ao perigo de repetição de factos da mesma espécie. Quanto a este último aspeto, isto é, quanto à proporcionalidade com o facto ilícito típico praticado, do que se trata é analisar se a medida de segurança escolhida não se revela desproporcional face à gravidade do ilícito, isto é, não deve ser aplicada uma medida de segurança se o ilícito-típico cometido apresentar do ponto de vista objectivo ou subjectivo do ilícito, diminuta gravidade ou se revelar mesmo de natureza bagatelar (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 446-451)”.
A finalidade da prevenção especial ganha, por via disso, uma dupla função: função de segurança e proteção da sociedade e uma função de socialização do agente.
“Com a sua aplicação pretende-se evitar o cometimento de novos ilícitos típicos por parte daquele concreto agente e obstar, no interesse da segurança da vida comunitária, à prática de factos ilícitos futuros através de uma actuação especial-preventiva sobre o agente perigoso” – cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., p.424.
Perante a factualidade provada não há dúvida, a arguida não o questiona, que deve ser declarada inimputável, porquanto, no momento a prática dos factos, apresentava anomalia psíquica grave que a incapacitava de avaliar a ilicitude dos atos por si praticados, impedindo-a de se determinar de acordo com essa avaliação.
E como existe o comprovado risco de a arguida voltar a cometer atos semelhantes aos descritos, ou seja, reincidir em comportamentos da mesma natureza, não poderemos deixar de considerar a mesma perigosa.
A propósito do requisito da adequação da medida à gravidade dos factos (ou seja, o carácter necessário, proporcional e de menor intervenção possível da medida em questão), refere o Prof. Figueiredo Dias (in Código Penal - Actas e Projecto da Comissão de Revisão), que uma medida de segurança só pode ser imposta para salvaguarda de um interesse público preponderante, sendo toda esta matéria dominada pelo princípio da proporcionalidade, pelo que a sua aplicação não deve ter lugar quando estejam em causa casos insignificantes, e devendo aquela gravidade ser apurada não apenas em face de uma determinada moldura penal abstrata, mas também em termos de relevo da lesão social verificada.
Ora, no caso concreto, a arguida, em três circunstâncias diferentes (30.04.2018, 02.01.2019 e numa outra data não apurada anterior a 29-03-2019), afixou em local visível no prédio onde todos vivem e colocou nas caixas de correio dos assistentes e restantes condóminos missivas nas quais acusava os assistentes, entre o mais, de não serem honestos, de corrupção, de lhe terem furtado objetos e de a terem agredido e ameaçado.
A arguida imputou, deste modo, aos assistentes factos objetivamente ofensivos da honra e consideração destes e fê-lo, não só dirigindo-se eles, mas também a terceiros (aos restantes condóminos).
Dessa atuação resulta o preenchimento dos tipos objetivos dos crimes de injúria e difamação (um por cada ocasião e por cada assistente), num total de 18 vezes.
Os factos praticados pela arguida têm gravidade, por serem particularmente ofensivos da honra dos assistentes, atenta a natureza e reiteração das expressões amplamente divulgadas durante um período de tempo ainda longo.
Provou-se que existe probabilidade de a arguida reincidir em ilícitos do tipo como o descrito nos autos, salvo no caso de ser sujeita a tratamento psiquiátrico adequado (tratamento que, entretanto, abandonou).
Posto isto, a probabilidade de a arguida reincidir em ilícitos do tipo dos supra descritos é considerável, caso não seja submetida a tratamento psiquiátrico, donde a sua perigosidade.
Mais, o cumprimento rigoroso de tratamento psiquiátrico farmacológico constitui medida necessária para controlar a doença da arguida e o risco de reincidência, risco que se provou.
Tudo visto, somos forçados a concluir pelo fundado receio de que a arguida venha a cometer outros factos típicos igualmente graves, caso não seja determinada uma medida de segurança adequada.
Posto isto, os factos em apreço preenchem a previsão do artigo 91º, do Código Penal, que manda aplicar ao arguido uma medida de internamento, a qual tendo em conta os factos praticados pela arguida:
- não tem qualquer duração mínima, por não se verificar a previsão do nº2 do artigo 91° do Código Penal [4];
- tem como limite máximo o correspondente ao limite máximo da moldura penal do crime mais grave cometido [5], conforme previsto no artigo 92°, nº2, do Código Penal.
Contudo, ressalvado o disposto no artigo 91º, nº 2, quanto a factos correspondentes a crimes contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, dispõe o artigo 92º, nº 1, que o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.
No caso concreto, considerando não se tratar de nenhum dos crimes contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, a duração do internamento, sem limite mínimo, tem a duração máxima de 6 (seis) meses [6], por ser esse o limite máximo da punição abstrata correspondente ao crime mais grave (crime de difamação p. p. pelo art.180º, nº1, conjugado com o artigo 92°, nº2, do Código Penal).
Salvo melhor opinião, contrariamente ao que se fez na sentença recorrida, não compete ao julgador a determinação judicial e concreta da duração da medida de segurança, ainda que para estabelecer novo limite máximo dentro da moldura abstrata, a partir da ponderação das circunstâncias atinentes à gravidade global dos factos e à perigosidade do agente [7].
Esse limite máximo será sempre o previsto no artigo 92°, nº2, do Código Penal, sem prejuízo do disposto no seu nº1.
Prosseguindo, só deve ser aplicada medida de segurança se a mesma for proporcionada à gravidade do facto praticado e assim o exigir a perigosidade do agente, enquanto fundado receio de que o agente venha a cometer factos da mesma espécie, em respeito pelos princípios da necessidade ou exigibilidade, da adequação ou idoneidade e da proporcionalidade ou racionalidade.
Mas, a convocação destes princípios, por força do art.40º, nº3, do Código Penal, deve-se apenas à circunstância da “prova da perigosidade criminal não acarretar obrigatoriamente um juízo positivo no que diz respeito à aplicação de uma medida de segurança” [8].
Na verdade, para que possa ser decretado o internamento de inimputável é necessário que o facto praticado seja grave, por forma a comprometer gravemente a segurança pública e que haja fundado receio relativo à perigosidade, ou seja, fundado receio de que agente volte a praticar factos jurídicos da mesma espécie. Não pode ser decretado o internamento de inimputável se o crime praticado não atinge a gravidade exigida pelo artigo 91º do Código Penal [9].
Os factos aqui em apreço são integradores dos ilícitos típicos de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 do Código Penal, e de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 do Código Penal.
A gravidade global dos factos, foram 18 (dezoito) os ilícitos reiteradamente cometidos com ampla divulgação e alguma dispersão temporal, justifica a aplicação de medida de segurança.
É claro que existe sempre a possibilidade da arguida, ainda que sujeita a tratamento psiquiátrico, reincidir em ilícitos do tipo dos descritos nos autos.
No relatório de fls. 235 a 237 o perito concluiu que o tratamento psiquiátrico farmacológico é necessário e adequado para tentar controlar a psicose da arguida e o risco de reincidência, independentemente de existir ou não patologia orgânica tratável.
Contrariamente ao sugerido pela recorrente, o perito médico legal não pode garantir, como acontece com qualquer juízo de prognose, um dado resultado clinico, mas apenas o meio para o conseguir, de acordo com a sua experiência e as legis artis, donde a expressão tentar controlar a patologia e o risco de reincidência.
Caso se conclua no decorrer da suspensão que o tratamento psiquiátrico farmacológico não é indicado, muito menos suficiente, para controlar “a doença da arguida e o risco de reincidência” sempre poderá haver lugar a outra terapêutica ajustada à sua situação clinica, no âmbito do tratamento psiquiátrico a que ficou sujeita, aqui incluída a revogação da suspensão para internamento.
Como sobredito, o juízo médico legal sobre o estado psicótico e de perigosidade da arguida é atual, sendo irrelevante a data dos factos ilícitos mais recentes, no caso anteriores a 29-03-2019, tanto mais que desde outubro de 2020 se encontra numa situação de abandono terapêutico.
Por conseguinte, nesse quadro clinico é destituído de fundamento afirmar-se que é nula a probabilidade de reincidência da Recorrente, independentemente da sujeição a medida de segurança, mostrando-se preenchidos todos os pressupostos previstos no art.91.º, n.º1, do Código Penal.
A medida de segurança aplicada, internamento suspenso na sua execução sob tratamento psiquiátrico e vigilância do arguido, mostra-se necessária, adequada e proporcional à globalidade dos ilícitos típicos cometidos, pelo que a sentença recorrida não viola o disposto nos art.ºs 40.º, n.º 3, 91.º, n.º 1, do Código Penal, e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Por conseguinte, também nesta parte carece de fundamento a pretensão recursiva.
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3ª Do período da suspensão de internamento
A sentença recorrida decretou a suspensão da medida de internamento em estabelecimento de tratamento, por período com duração de 1 (um) ano, mediante aplicação analógica do art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal.
Todavia, acrescenta, o Tribunal a quo não deveria ter atendido a critérios penais dirigidos à suspensão da pena de prisão e que assumem natureza e fins de punição que não se coadunam com os critérios que dizem respeito às medidas de segurança e finalidades prosseguidas pelas mesmas, mas antes deveria ter determinado suspensão em período igual – três meses - ao da medida cuja duração foi julgada necessária à previsível cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.
Nos termos do disposto no art. 1º,n º3, do Código Penal “Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a medida de segurança que lhes corresponde”.
Também para art.29º, nº1, da C.R.P., consagra que “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”.
O Tribunal a quo não deveria ter efetuado aplicação analógica do preceito em questão, mas, se tanto, determinado a duração do período de suspensão da medida decretada tendo como limite a duração máxima de três meses da medida de internamento aplicada;
Logo, ao aplicar analogicamente norma que regula pressupostos e duração período de suspensão de pena de prisão à suspensão de medida de internamento decretada, a decisão em crise violou o disposto nos art.ºs 1.º, n.º 3 do Código Penal e 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Cumpre apreciar.
De acordo com o artigo 98°, nº1, do Código Penal “O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida”.
Acrescenta, porém, o nº2 do mesmo preceito legal que, no caso previsto no nº2 do artigo 91º, a suspensão só pode ter lugar verificadas as condições aí enunciadas, ou seja, se “a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social”.
Permite-se, dessa forma, que através de tal suspensão, o agente inimputável tenha a possibilidade de gozar de um regime não institucional ou extra muros que potencie um tratamento para os seus males sem o peso da clausura, que nem sempre, como é sabido conduz a resultados satisfatórios.
Ao contrário do que acontece com a suspensão da pena - em que funciona uma verdadeira coação psicológica sobre o arguido sujeitando-o a uma pressão no sentido de não voltar a delinquir - na suspensão da medida de segurança de internamento não se usa, como é óbvio, o seu livre arbítrio, tentando-se apenas influenciá-lo para um tratamento que impeça a reiteração de novos factos ilícitos-típicos graves.
No caso vertente, o tribunal a quo entendeu, sem contestação recursiva da arguida, que estão reunidos todos os requisitos legais que permitem lançar mão da suspensão do internamento, por se entender num juízo de prognose favorável que será razoável esperar da suspensão, ainda que condicionada ao tratamento em liberdade com consultas médicas e toma da medicação prescrita, a eliminação da perigosidade criminal e consequente proteção dos bens jurídico-penais, finalidades desta medida (artigo 98°, nºs 1 e 3, do Código Penal).
Contesta a recorrente – e apenas isso -, a aplicação analógica do art.º 50.º, n.º 5, do Código Penal, por violação do violou o princípio da legalidade previsto nos art.ºs 1.º, n.º 3 do Código Penal e 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, para impor à recorrente a suspensão da medida de internamento pelo período de 1 (um) ano.
Daí que a suspensão da execução do internamento tenha, em regra, a duração máxima correspondente à da medida de segurança de internamento, devendo findar quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, no quadro da revisão periódica da situação do agente (art.s 92º e 93º, nºs 1 e 2, do Código Penal, por remissão do nº6, al.a), do art.98º) [10].
Convocados para a leitura das Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça 1993, logo se percebe pela referência de Figueiredo Dias que a eliminação do prazo da suspensão do internamento foi deliberada, acolhendo o legislador de 1995 as dúvidas expressas pelo Autor [11] sobre conveniência politico criminal de se encontrarem fixados na lei os limites temporais para essa suspensão.
A razão da eliminação deve-se à circunstância do tribunal de julgamento dever proceder à revisão de dois em dois anos da situação do inimputável até que seja alcançado o limite máximo da medida de segurança ou cesse a perigosidade do agente (art.98º, nº6, al.a), conjugado com o art.93º, nº2) [12].
Por conseguinte, não havendo qualquer lacuna a preencher, assiste razão à recorrente, impondo-se a redução do periodo da suspensão do internamento para o limite máximo da duração deste, o qual, como sobredito, no caso concreto é de seis meses.
***
3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente:
a) reduzir para seis meses o período da suspensão da execução da medida de internamento, ainda que este se mantenha em três meses, por força da proibição da reformatio in pejus (art.409º, nº1, do Código Processo Penal);
b) mantendo, no mais, integralmente a decisão recorrida.
Sem custas (art.513º, nº1, a contrario, conjugado com o art.376º, nº3, ambos do Código Processo Penal).
Notifique.

Acórdão elaborado pelo primeiro signatário em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelo Excelentíssimo Juíz Adjunto.

Porto, 9.12.2021
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro
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[1] Diploma a que se referem os normativos legais adiante citados sem indicação da respetiva origem.
[2] Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
O STJ apenas pode sindicar a existência de eventuais nulidades, insanáveis, ou por omissão ou excesso de pronúncia, ou de produção de prova, ou meios de obtenção de prova, proibidos por lei (art. 410.º, do CPP) – cfr. STJ 2016-11-23 (PIRES DA GRAÇA) in www.dgsi.pt.
[3] Saliente-se também que na aplicação das medidas de segurança de internamento ao lado da finalidade principal de prevenção especial, releva ainda de forma autónoma uma finalidade de prevenção geral positiva, como refere Figueiredo Dias.
Porém, já Maria João Antunes entende que esta última finalidade não tem qualquer intervenção neste campo e o período de duração mínima da medida de segurança se justifica através de uma presunção legal de duração de perigosidade - cfr. Maria João Antunes, Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica, 2002, pág. 481.
[4] Cfr. STJ 16.10.2013 (Maia Costa) www.dgsi.pt, cuja doutrina vemos acompanhada por Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, 2017, Almedina, pg.118: “Se não se tratar de crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum, puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, não há o estabelecimento de qualquer limite mínimo de duração”.
No mesmo sentido, ressalvando os casos previstos no nº2, do art.91º, baseados na exigência mínima de prevenção geral de integração, encontramos Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime. Aequitas- Editorial Notícias, 1993, pg.475-6.
Também na jurisprudência o ac S.T.J. 12-04-2000 CJ, t.2, 172; RP 18.09.2002, CJ, t.4, 205, concluindo que: "Se o facto praticado pelo arguido não corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, não há que fixar o limite mínimo, findando o internamento quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem (art.92º, nº1, in fine)".
No mesmo sentido concluiu o ac STJ 12.01.2017 (Isabel Pais Martins) www.dgsi.pt: "A lei não estabelece limite mínimo de duração da medida de segurança de internamento a não ser na situação prevista no n.º 2 do art. 91.º do Código Penal".
Diferente a posição sufragada por Albuquerque, Paulo Pinto de. Comentário do Código Penal. 2ª edição. Universidade Católica Editora,anotação ao art. , pg., 2010, pg.329, e J.M. Castela Rio e M. Miguez Garcia. Código Penal - Parte Geral e especial. Almedina, 2014, anotação ao art.91º , pg.417, defendendo que em relação a estes crimes o tribunal deve fixar o limite minimo tendo por referência o limite minimo da moldura penal, por se tratar da tutela tida como estritamente indispensavel das necessidades de prevenção geral.
Contudo, salvo o devido respeito, esta solução viola o princípio da legalidade aplicável aos pressupostos e determinação das medidas de segurança - art.1º, nº2 e 3, do Código Penal e art.29º, nº1, da C.R.P.
[5] Havendo concurso de crimes, a duração máxima do internamento não é determinada de acordo com a punição do concurso, mas pelo limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime mais grave (do concurso) cometido pelo inimputável – cfr. S.T.J. de 28-10-1998, BMJ 480º/99 e STJ 8.07.2003, CJ, t.2, 236, STJ 16.10.2013 (Maia Costa) e Ac STJ 7.02.2018 (Raul Borges) ambos disponiveis in www.dgsi.pt.
Como afirma António Miguel Veiga, in “Concurso” de crimes por inimputáveis em virtude de anomalia psíquica: “cúmulo”... JULGAR - N.º 23 – 2014, pg.260, “ o tribunal terá sempre de ficcionar que em causa está apenas a prática de um facto ilícito típico pelo inimputável (pela natureza das coisas, o correspondente ao crime mais grave), ainda que (rectius, sempre que) haja a demonstração judicial de haver ele praticado, no mesmo “pedaço de vida”, diversos factos tipicamente relevantes”.
Também o S.T.J. 12-04-2000 CJ, t.2, 172, cuja doutrina vemos rebatida por Nuno Brandão, in Limites de Duração da Medida de Segurança de Internamento, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2000, 4, 613.
[6] No caso concreto, a fixação na sentença do limite máximo em três meses de internamento, impede a sua correção em prejuízo da arguida recorrente, por força da proibição de reformatio in pejus prevista no art.409º, nº1, do Código Processo Penal.
[7] Neste sentido Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime. Aequitas- Editorial Notícias, 1993, pg.475, §749. Também na jurisprudência o Ac STJ 7.02.2018 (Raul Borges) www.dgsi.pt.
Da afirmação de que caberá ao tribunal definir o limite máximo de internamento cabido ao caso não pode extrair-se, de todo em todo, a ideia de que a sentença judicial deve fixar a concreta duração do internamento – cfr. António Miguel Veiga, in “Concurso” de crimes por inimputáveis em virtude de anomalia psíquica: “cúmulo”... JULGAR - N.º 23 – 2014, pg.254.
[8] Na verdade, como escreve Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág.167, é possível “uma perigosidade criminal não relevante para efeito de “sanção”. Isto acontece pela interposição de critérios valorativos suplementares – juízos de necessidade e de proporcionalidade - , desenhados pelo legislador, que ao serem aplicados in casu se descobre encerrarem uma ponderação de bens ou de sacrifícios favorável ao arguido. Chamámos s estes elementos “correctores” ou “limites normativos” da perigosidade”.
[9] – cfr. S.T.J. 31-10-95 BMJ 450/145. O mesmo princípio da proporcionalidade a que alude o art.40º, nº3, do C. Penal e também plasmado no Ac. do S.T.J. de 20-1-98 CJ, t.1, 165, onde se escreveu que a medida de segurança não deve ser aplicada a inimputáveis perigosos em casos insignificantes, dado a sua relação com a gravidade do facto e a perigosidade social que deriva de possíveis actividade futuras do agente.
Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências jurídicas do crime - Editorial Notícias, pág. 451, refere tratar-se e só de “saber se a medida de segurança - no coeficiente que representa de negação ou restrição de direitos fundamentais da pessoa a quem é aplicada - se revela desproporcionada à gravidade do ilícito-típico cometido. O que praticamente vem a analisar-se na exigência de que não seja aplicada uma medida de segurança se o ilícito-típico cometido apresentar (do ponto de vista quer do tipo objectivo, quer do tipo subjectivo de ilícito) diminuta gravidade ou se revelar mesmo de natureza bagatelar".
[10] Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, 2017, Almedina, pg.124.
[11] Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime. Aequitas- Editorial Notícias, 1993, pg.521-2.
[12] Assim, explicam de forma clara Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal. 2ª edição. Universidade Católica Editora,anotação ao art.98, pg., 2010, pg.340, e J.M. Castela Rio e M. Miguez Garcia. Código Penal - Parte Geral e especial. Almedina, 2014, anotação ao art.98º , pg.425.