Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
31/17.1TELSB-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
CONTROLO JUDICIAL
CONTA BANCÁRIA
MEIO DE RECOLHA DE PROVA
Nº do Documento: RP2017062131/17.1TELSB-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º721, FLS.221-227)
Área Temática: .
Sumário: I – O controlo judicial de conta bancária (que pode incluir o controlo de contas e movimentos bancários e ordem de abstenção de movimentos bancários determinados) constitui um regime especial de recolha de prova, entre outros, quanto ao crime de branqueamento de capitais (artº 4º 4 da Lei 5/2002 de 11/2 e artº 17º da Lei 25/2008 de 5/6).
II – Tais medidas não são medidas de coacção ou de garantia patrimonial, mas meios de recolha de prova.
III – Tais meios não estão limitados por qualquer prazo de caducidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº31/17.1TELSB-A.P1

Acórdão, deliberado em conferência, na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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I. B… veio interpor recurso das decisões proferidas no processo de inquérito nº31/17.1TELSB pelo Tribunal Central de Instrução Criminal que confirmou a suspensão provisória decretada pelo DCIAP e determinou a medida de controlo de todas as operações a débito sobre a conta bancária do Banco D… com o IBAN PT ………………….. de que são titulares B… e C…, a vigorar até 20-02-2017, e que indeferiu o pedido de desbloqueamento da conta bancária.
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I.1. Decisões recorridas (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).
I.1.1. Primeira decisão.
Da medida de suspensão provisória de operações bancárias a débito.
Compulsados os autos verifica-se que, face aos indícios de movimentos de branqueamento sobre a identificada conta bancária, nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção antecedente, o detentor da acção penal determinou a suspensão provisória das operações de movimentos a débito sobre a conta bancária do Banco D… com o IBAN PT ………………….. de que são titulares B… e C….
O titular da acção penal, veio promover que seja confirmada tal medida de suspensão provisória, e decretada a medida de controlo, por um mês, de todas as operações a débito sobre tal conta, com os fundamentos constantes da douta promoção antecedente que infra se transcreve:
«Por via das regras de prevenção do branqueamento de capitais foi, INICIALMENTE identificada, em 13.01.2017 (sexta-feira) uma operação bancária de transferência suspeita â realizar a débito da conta n° (…), da Agência de …, do Banco E… titulada pela sociedade F…, LDA, de que é sócio e gerente G… e a crédito da conta bancária com o n.° (…) da agência de Santa Maria da Feira, do Banco E…, titulada pela sociedade H… SA, de que é administradora única I….
Dos elementos colhidos nos autos, designadamente das informações prestadas e documentos juntos pela entidade sujeita, do relatório da UIF e das pesquisas efectuadas apurou-se: '
1. A tentativa de abertura de conta no Banco E…, Agência de …, em nome de F… LDA, por I…, alegando que os documentos seriam depois assinados pelos sócios gerentes, pessoas que foram identificadas, pela mesma, como doentes e que não se podiam deslocar a Agencia;
2. Como foi rejeitada tal abertura de conta, a deslocação à Agência dos sócios gerentes da F… LDA, G… e mulher, onde vieram, no dia 6 de Janeiro de 2017, a contratualizar a abertura de conta em nome daquela sociedade;
3.O primeiro movimento de conta teve lugar no mesmo dia e correspondeu ao depósito de 21 cheques da Autoridade Tributária e Aduaneira, emitidos à ordem da F… LDA, no valor total de 56.665,16€;
4. Uma vez que o E… verificou a existência de penhoras das quotas da sociedade bloqueou tal quantia na conta;
5.No mesmo dia 6 de Janeiro de 2017 a Administradora única da H…, SA, I… procedeu, na mesma Agência do E…, à abertura de conta em nome da Sociedade H…, SA, com o nº(…) sendo, o primeiro movimento, o crédito de 500,00€;
6. No dia 10 de Janeiro de 2017, G… telefonou para Agência e ordenou a transferência da quantia de 56.665,16€ para a conta da H…, SA;
7. I… é a namorada do filho de G…;
8. G… não apresentou qualquer justificação económica, oral ou escrita, para a transferência que solicitou;
9.A F… encontra-se inactiva e apresenta dívidas fiscais;
10. G… tem dívidas fiscais que já atingiram o montante de 27.777.524,17€.
11.A H… SA apresenta actividade;
12. Os cheques da Autoridade Tributária dizem respeito à devolução de excessos que tiveram origem na anulação de liquidações de IVA e Juros compensatórios, por sentença proferida, em 27.09.2016, pelo TAF de Aveiro;
13. G…, por decisão, de Janeiro de 2016, do Tribunal do Comércio de Aveiro, foi declarado insolvente;
14. G…, a mulher J… e a F… LDA são intervenientes nos seguintes inquéritos e comunicações relativas a Prevenção de Branqueamento:
-NUIPC 181/13.3JAAVR - Branqueamento – G…;
-NUIPC 69/13.8TELSB - Corrupção – G…;
-NUIPC 689/11.5TABJA - Corrupção passiva para acto lícito – G…;
-NUIPC 535/1 1.0T3AVR - Corrupção ativa – G…;
-NUIPC 2.680/10.0TDLSB - Corrupção ativa – J…;
-NUIPC 362/08.1JAAVR - Corrupção ativa – G… e F… Lda;
-NUIPC 39/08.8JAAVR - Fraude fiscal – G…, J… e F… Lda;
-NUIPC 201106.81DPRT - Fraude fiscal- G….
Os factos acima enunciados, sumariamente descritos e indiciariamente apurados nos autos, são reveladores da existência de esquema orquestrado entre G… e I… para que G…, invertendo o título da posse de tal quantia, se aproprie, a título individual, da mesma que é pertença da F… LDA, (que foi devolvida pela Autoridade Tributária), através da transferência de tal quantia para uma conta da H… SA, de que a namorada do filho é Administradora e que poderia, assim, movimentar e conseguir fazer chegar à esfera patrimonial daquele.
Tais indícios resultam do facto de ambas as contas terem sido abertas no mesmo dia, na mesma Agência, sendo certo que I… teve intervenção na abertura de ambas.
É, também, de estranhar que a H… SA, empresa antiga que se encontra activa, tenha procedido a uma nova abertura de conta, no mesmo dia da F…, LDA.
Estranha-se, também, que a F…, LDA., empresa inactiva, tenha dívidas para com a H… SA que justifiquem a transferência a crédito para a conta desta e, ainda, que junto do H… não tenha apresentada qualquer documento ou qualquer razão que justifique essa transferência.
Optei por deixar executar a operação de transferência e pela medida suspensão dos movimentos a débito na conta H… SA, com o objectivo preciso de perceber o destino que iria ser dado à quantia transferida, nomeadamente verificar se G… se viria a apropriar, de facto, de tal quantia.
Considero haver, assim , indícios de estarmos perante a prática de um crime de Abuso de Confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº1 e 4, b) do CP e um crime de Branqueamento, p. e p. pelo artigo 368º-A do CP.
Estes são os motivos pelos quais, o Ministério Público, nos termos dos art °s 17 º,nºs 2 e 3 e 63° da Lei n.° 25/08, de 5 de Junho, e 4°, n°4 da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, considerando indiciada a utilização do sistema financeiro nacional para a comissão do crime de Branqueamento de Capitais, p. e p. pelo art ° 368°-A do Código Penal, determinou INICIALMENTE, EM 17.01.2017, a suspensão temporária das operações de movimentos a debito sobre a conta bancária n.° ……......... do Banco E….
NO ENTANTO, quando me preparava para submeter a controlo judicial tal medida, recebi por e-mail, no mesmo dia 17.01.2107,' uma informação do Banco E… a dar conta que G…, sócio gerente da F…, LDA, já não pretendia a execução daquela transferência, MAS AFINAL pretendia a transferência, através das operações de movimento a débito de 56.661,00 € na conta bancaria n° ……………., da F… LDA da Agência de … e a crédito da mesma quantia, na conta do Banco D…, com o IBAN PT …………………, de que são titulares B… e C…, sem ter apresentado mais uma vez, qualquer razão económica para a mesma.
Solicitou, ainda, o imediato encerramento da conta, o que, também, foi pedido por I…, como Administradora da H… SA, invocando os dois— insatisfação pelos serviços prestados.
Por sua vez, I…, como Administradora da H… SA, solicitou, antes do encerramento da conta desta, a transferência do saldo — 495,84€ - para outra conta da H…, SA
Esta actuação, por parte de G… é muito reveladora dos indícios, que já tinha tomado como sérios, de que este se está a comportar em relação a tal quantia como pertença sua e sobretudo do desespero em se apoderar da mesma desta vez com a participação nessa tarefa de B… que se apurou ser Advogada.
O encerramento da conta da H…, no Banco E…, também, é revelador de que a mesma só foi aberta com o intuito de facilitar que G… se apoderasse de tal quantia, para o que contava com a participação de I….
Por outro lado, a mudança de beneficiário da transferência, também, é revelador de que não havia qualquer dívida da F…, LDA para com a H…, SA que justificasse a transferência.
Face a esta mudança por parte de G… dei sem efeito, no dia 17 de Janeiro de 2017, o meu despacho anterior.
No dia 17 de Janeiro de 2017, o Banco E… exerceu, NOVAMENTE, o seu dever de abstenção de execução da nova transferência solicitada e efectuou NOVA COMUNICAÇÃO ao abrigo do art° 17° da Lei n.° 25/08, de 5 de Junho.
Uma vez que os indícios da prática dos factos que integram a prática de crimes de Abuso de Confiança e de Branqueamento saíram ainda mais reforçados por esta mudança de atitude por parte do suspeito, determinei, no dia de hoje, dia 19 de Janeiro de 2017, que nos termos dos art.°s 17°, n.°s 2 e 3, e 63° da Lei n.° 25/08, de 5 de Junho e 4o, n°4 da Lei 372002, de 11 de Janeiro: / o BANCO E… execute a transferência de 56.661,00€, creditando-se tal quantia conta bancária do Banco D…, com o IBAN PT …………………, de que si titulares B… e C…
-APÓS ESSE CRÉDITO, o BANCO D… proceda à suspensão temporária das operações de movimento a débito sobre a conta bancária com o IBAN PT …………….., de que são titulares B… e C….
Pelo exposto, ao abrigo dos artigos 17°, n.°s 1 a 3, da Lei n.° 25/08, de 5 de Junho e 4º, n.° 4, da Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro, PROMOVO se confirme a suspensão provisória dos movimentos a débito da conta bancária do BANCO D…, com o IBAN PT ………………., de que são titulares B… e C… e se determine o controlo, por um mês, de todas as operações a débito sobre a mesma conta.
Mais promovo se comunique a essa entidade bancária — BANCO D… - via fax, a decisão proferida.».
A medida aqui em referência configura natureza cautelar, cuja imposição resulta, aliás, das próprias Directivas da EU, relativas à prevenção do branqueamento de capitais (actuais Directivas 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Directiva 2006/70/CE, da Comissão).
O pressuposto de aplicação desta medida assenta na possibilidade de formulação de um juízo indiciário de que as operações detectadas (realizadas ou em curso), sejam particularmente susceptíveis de estarem relacionadas com a prática de crime de branqueamento, conforme disposto no art.0 15°, n° 1,16°, n° 1 e 17° da já indicada Lei 25/2008, de 05/06.
Assim, por via da citada Lei 25/2008, pretendeu o legislador adoptar medidas preventivas de combate aos referidos fenómenos - branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, o que fez por ter entendido que os instrumentos e mecanismos já disponíveis, designadamente os disciplinados pelo Código de Processo Penal, revelavam, desde logo, insuficiência e desadequação para a prossecução de tais fins preventivos, donde se poderá concluir que, setratam, na verdade, instrumentos diversos e dependentes de pressupostos igualmente diferentes.
No nosso humilde entendimento, julgamos que o legislador compreendeu que o fenómeno do branqueamento de capitais deve ser visto como um processo e não como um acto isolado, uma vez que se visa ocultar ou dar nova justificação para um conjunto de fundos de indiciada origem ilícita, finalidade que apenas é alcançada por um somatório de operações/ manobras de colocação, de circulação e de integração, que, a final, pode permitir quebrar a ligação dos fundos com a sua real origem ilícita - vide "El delito de blanqueo de capitales", de Carlos Aranguez Sanchez, Editora Marcial Pons, ano 2000, página 45.
Ademais, das considerações prévias da Directiva 2005/60/CE, que a Lei 25/2008 se propôs transportar para a Ordem Jurídica interna, resultava já clara intenção preventiva, de onde se pode destacar:
"(...) (1) (.. ,) Para além de uma abordagem baseada no direito penal; os esforços em matéria de prevenção desenvolvidos ao nível do sistema financeiro podem produzir resultados. (46) O objectivo da presente Directiva (…)a prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de Branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (...)"
Ou seja, a medida preventiva disciplinada pelo art.° 17° do Lei 25/2008, de 05/06, não faz apelo aos pressupostos de que dependem os meios de obtenção de prova disciplinados pelo art.° 181° do CPP, relativamente a apreensões.
O mesmo será dizer que, limitar a fundamentação da medida preventiva com a verificação de indícios sérios, no momento inicial ou mesmo embrionário de uma investigação, poderia inviabilizar, por si só, grande parte da possibilidade de prevenção de práticas de branqueamento e de utilização do sistema financeiro para esse fim, quando a medida aqui em referência se propõe viabilizar a investigação relativamente à prática ou comportamento que se diagnostica na forma de suspeita.
Neste tocante, somos do entendimento de que a medida de suspensão de operações bancárias a débito, depende apenas da existência de suspeitas da prática de acto criminoso -de catálogo, e deve ser entendida como um meio especial cautelar, reservado, designadamente à criminalidade económico-financeira capaz de inviabilizar a disseminação dos fundos detectados (de proveniência duvidosa) no sistema financeiro, devendo, posteriormente e de imediato prosseguir a investigação sobre a ilicitude da transacção bancária fundada na existência de um crime precedente.
Porém, a especificidade da medida de suspensão de operações bancárias a débito, não dispensa o apelo a princípios gerais da necessidade da aplicação de tal medida e da sua criteriosa proporcionalidade e busca da verdade material, critérios, aliás, orientadores de qualquer outra intervenção investigatória ou judicial, pelo que, defendemos que tal interpretação não belisca os princípios constitucionais de adequação e proporcionalidade e não comprime infundadamente Direitos, Liberdades e Garantias, protegidos pela Lei fundamental.
Reunidos que estejam os pressupostos fundamentais, o recurso a uma medida desta natureza, pretende, desde logo, defender os superiores interesses da investigação criminal em crimes desta natureza, que, no nosso entender, justificam o sacrifício imposto ao visado pela medida, pois que fica sujeito a uma mora na disponibilização de determinada quantia.
Ao sobredito acresce que, ao amparo do disposto nos art°s 15°, n° 2 e 40°, ambos da Lei 25/2008, de 05/06, essa apreciação é feita, em primeiro lugar, pelas entidades obrigadas a um dever de vigilância, entre as quais as entidades do sector financeiro e seus reguladores.
Relativamente ao crime de branqueamento, designadamente quanto à sua autonomia, a mesma resulta de o crime ser previsto, pelo art.° 368°-A do Código Penal, relativamente a bens provenientes da
prática de "factos ilícitos típicos", não se pressupondo, desde logo, a existência de uma condenação anterior ou sequer simultânea com a actividade de branqueamento, mas sim a verificação independentemente de um juízo de culpa, de um "facto ilícito típico", proporciona a produção de uma vantagem, a qual se pretende converter, transferir ou ocultar.
Tal autonomia do crime de branqueamento de capitais é imposta, desde logo, pelo art° 9º, n° 5 da Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, concluída em Varsóvia a 16-05-2005, ratificada por Portugal, conforme Resolução da AR n° 82/2009, de 27 de Agosto, e Decreto do Presidente da República n° 78/2009, de 27/08, vigente relativamente a Portugal desde 01-08-2010.
No referido art° 9º, n° 5 da Convenção, declaradamente se estatui que deverá ser garantida a possibilidade de condenação por branqueamento, independentemente de condenação anterior ou simultânea pela prática de infracção subjacente.
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Nesse tocante, todas as operações bancárias que recaíam sobre os fundos cuja origem mereça a referida apreciação de risco devem ser consideradas suspeitas de constituírem manobras de branqueamento de capitais.
Aqui chegados, cumpre consignar que o TCIC, tem vindo a louvar-se no douto aresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - 5a Secção, datado de 10-01¬2012, P° 169/10.6TELSB-A.L1, o qual nos ensina que a medida aqui em causa, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe obrigatoriamente a existência de fortes indícios da prática do crime de "catálogo" e de quem é ou são os seus agentes, isto porque o recurso à imposição de tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime de "catálogo", como a seguir se transcreve: (…)
Assim, deferindo-se ao doutamente promovido pelo titular da acção penal, ao abrigo das disposições conjugadas do art0 4o, n° 4, da Lei 5/2002 de 11/01 e do art0 17°, n.sl a 3 da Lei 25/2008, de 05/06. confirmo a suspensão provisória decretada pelo DCIAP e determino a medida de controlo de todas as operações a débito sobre a conta bancária do Banco D… com o IBAN PT ……………, de que são titulares B… e C… a vigorar até 20-02-2017
I.1.2. Segunda decisão.
Fls. 403 a 404, com referência a fls. 386 e 387 e 400 a 402 - Veio B1… / B2…, requerer nos autos, que a conta bancária com o IBAN PT ……………., de que é titular, seja desbloqueada, nos termos e com os fundamentos constantes do seu requerimento, que aqui se dá por reproduzido.
Estabelecido o contraditório, veio o detentor da acção penal promover o indeferimento do requerido e consequente manutenção e prorrogação da medida de suspensão de operações a débito vigente, nos termos constantes da douta promoção antecedente que infra se transcreve:
«B…, titular da conta bancária com o IBAN PT ……………… do Banco D… que foi creditada com a quantia de 56.661,006, por transferência da conta do banco E…, titulada pela F…, Lda., cujos movimentos a débito se encontram suspensos, assim como se encontra sujeita a medida de controlo de todas as operações a débito sobre a conta, por um mês, por ordem judicial proferida nos autos a fls. 370 e ss, vem requerer nos autos que a conta seja desbloqueada de imediato, alegando ter tido conhecimento através da sua entidade bancária que a sua conta bancária com o IBANPT …………… se encontra bloqueada por ordem do processo supra referenciado, uma vez que a privação à conta bancária a tem impedido de efectuar pagamento e adquirir bens essenciais, causando um transtorno familiar que a lei deve acautelar.
Mais refere B…, no seu requerimento de fls. 386, que recebeu um pagamento de honorários da sociedade F… NIPC … … …, por assessoria jurídica prestada no âmbito do processo de execução fiscal número 3760200701003313, onde a sociedade recebeu o montante global de 56.665,08€ (cinquenta e seis mil e seiscentos e sessenta e cinco euros e oiro cêntimos) divididos em vinte e um cheques, para pagamento de reembolso apurado, com a extinção do processo executivo.
Face a este requerimento, notificou-se a mesma, via fax, para juntar aos autos factura relativa a esses mesmos honorários, tendo a mesma juntado, na data de ontem, a fls. 402, uma factura datada de ontem, dia 30.01.2017, ou seja com a mesma data do requerimento, no valor de 47.000,006 acrescidos de 23% de IVA no montante total de 57.810,00€, esclarecendo que o crédito de que a sua conta foi beneficiária ainda não a vai ressarcir totalmente.
Apurou-se, ainda, que a sociedade K…, LDA que, também, foi alvo de comunicação em sede de Prevenção de Branqueamento é uma sociedade detida pela H… SA que tem como Administradora a namorada do filho de G…, I…, sociedade que seria a beneficiária da primeira ordem de transferência, já descrita nos autos, ordenada por G… e que logo veio a ser dada, pelo mesmo, sem efeito, assim que se apercebeu, junto do banco, da existência de dificuldades na sua execução (cf. fls. 318 e 319).
Conforme se pode constatar da análise dos extractos bancários da conta da sociedade K… LDA no Banco E…, B… ordenou a transferência/a crédito de quatro montantes, num total de 8820,88€, para a conta da K…, LDA, no mês de Novembro de 2016, transferências estas cuja justificação económica ainda não apurámos.
A junção, aos autos, da factura datada do dia de ontem não infirmou os indícios prática dos crimes de Abuso de Confiança, p. e p. pelo art° 205°, n° 1 e 4 b) do CP e Branqueamento, p. e p. pelo art.° 368°-A do CP. necessário, no entanto, em sede de investigação, analisar todos estes fluxos financeiros e relações entre as sociedades e indivíduos já identificados.
Em face do exposto, promovo que seja indeferido o requerido por B… (…)”
Cumpre decidir:
Não obstante o alegado pela requerente, mantêm-se, à presente data, os pressupostos de facto e de direito que levaram à decretação das medidas de bloqueio e de controlo vigentes, pelo que, nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção que antecede, à qual nos arrimamos e aqui damos por reproduzida, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual, indefere-se o requerido, mantendo-se, por ora, a medida de suspensão de operações bancárias vigente, nos precisos termos em que se encontra decretada.
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I.2. Recurso (conclusões que se transcrevem parcialmente).
A) A origem do montante transferido para a conta bancária da Recorrente está por demais demonstrado nos autos e nada possui de ilícito e o destino era e é o património da recorrente, não de terceiro, nem tal está indiciado.
B) Se as quantias existentes nas contas objecto de medidas de sustação são de origem lícita, tais medidas não podem subsistir, até depois de alcançado o seu único propósito legalmente admissível: finalidade probatória, no sentido de apurar da natureza das quantias.
C) A medida apelidada de "sustação de movimentos a débito de contas bancárias" foi aplicada com base no disposto no art. 17.° nºs 1 a 3 da Lei 25/2008 de 5/6 e artº 4.° nº4 da Lei 5/2002, de 11/01, mas há muito que se extravasou o dever de cooperação e prevenção que pende sobre os bancos.
D) A pendência de inquéritos por tipo legais à medida: branqueamento, fraude fiscal, corrupção activa, corrupção passiva, é argumento falacioso, já que em todos estão já ultrapassados os prazos máximos de duração.
E) A pendência desses inquéritos só tem como objectivo servir de fundamentação a esta e outras medidas, justificando-as com base na aparência de algo que não existe, mesmo que para isso se invoque processos findos.
F) A sociedade F…, Lda. recebeu 21 cheques da Autoridade Tributária e Aduaneira, que foram depositados na conta bancária da F…, Lda., sediada no Banco E… este que é o único proprietário e detentor de tais quantias.
G) O depósito bancário, sendo um depósito irregular e tendo por objecto coisa fungível, dinheiro, é um contrato real, do qual resulta a transferência da propriedade da coisa para o depositário (o banco).
H) A F…, Lda. não mais é proprietária, possuidora, ou sequer detentora de tais quantias, muito menos o Sr. G….
I) O crime de abuso de confiança representa uma violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção.
J) Inexiste, pois, e é inconcebível conceptualizar, sequer, a verificação de um crime de abuso de confiança.
K) Quando muito poderíamos estar perante um crime de insolvência dolosa, frustração de créditos, mas nunca, abuso de confiança, mas, nesse caso não haverá crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo disposto no artigo 368°-A do CP.
N) A medida de "sustação" mais não é do que uma velada caução económica ou arresto preventivo (arts. 227º e 228º do C.P.P.).
O) Não se limitando à verba de 55.661,00 Euros, antes sim determinando a suspensão temporária das operações de movimentos a débito sobre a conta bancária da recorrente, a medida revela-se manifestamente desproporcionada e desnecessária.
P) O despacho recorrido violou as normas dos artigos 17.° n.os 1 a 3 da Lei 25/2008 de 5/6,4.° nº4 da Lei 5/2002, de 11/01, 205° e 368º•A do C.P, 108.° do D.L. 422/89,103.° do RGIT, 191.°, 192°, 193° e 204°, todos do C.P.P. e 18.° da C.R.P; concluindo, solicitando que deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a imediata cessação das medidas de sustação de movimentos a débito ordenadas sobre a conta bancária de que é titular a recorrente, de forma a ingressarem de novo na sua disponibilidade, pondo-se termo ao avultado, injustificado e ilegítimo prejuízo que têm vindo a sofrer.
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I.3. Resposta do MºPº ao recurso (motivações que se transcrevem parcialmente).
Dos factos indiciados nos autos e supra descritos, são reveladores da existência de esquema orquestrado entre G… e I… para que G…, invertendo o título da posse de tal quantia, se aproprie, a título individual, da mesma que é pertença da F… LDA, (que foi devolvida pela Autoridade Tributária), através da transferência de tal quantia para uma conta da H… SA, de que a namorada do filho é Administradora e que poderia, assim, movimentar e conseguir fazer chegar à esfera patrimonial daquele.
Tais indícios resultam do facto de ambas as contas terem sido abertas no mesmo dia, na mesma Agência, sendo certo que I… teve intervenção na abertura de ambas.
É elucidativo da existência de condutas combinadas entre ambos, que a H… SA, empresa antiga que se encontra ativa, tenha procedido a uma nova abertura de conta, no mesmo dia da F…, LDA.
É também totalmente inverosímil que a F…, LDA., empresa inactiva, tenha dívidas para com a H… SA que justifiquem a transferência a crédito para a conta desta e, ainda, que junto do E…, não tenha apresentada qualquer documento ou qualquer razão que justifique essa transferência.
Porém, quando o MºPº se preparava para submeter a controlo judicial a medida de suspensão de movimentos a débito relativamente à conta da sociedade H…, o Banco E…, por e-mail, no mesmo dia 17/01/.2017, informou que G…, sócio gerente da F…, LDA, já não pretendia a execução daquela transferência para a H…, mas sim pretendia a transferência, através da operação de movimento a débito de 56.661,00€ na conta bancária n° ……….., da F… LDA, da Agência de Santa Maria da Feira e a crédito da mesma quantia, na conta do Banco D…, com o IBAN PT ……………….., de que são titulares B… e C…, sem ter apresentado, mais uma vez, qualquer razão económica para a mesma.
E como o seu objetivo de se apropriar e branquear o referido valor, estaria alcançado, solicitou, ainda, o imediato encerramento da conta, o que, também, foi pedido por I…, como Administradora da H… SA, invocando ambos a insatisfação pelos serviços prestados.
Por sua vez, I…, como Administradora da H… SA, solicitou, antes do encerramento da conta desta, a transferência do saldo - 495,84€ - para outra conta da H…, SA.
Esta atuação, por parte de G… é muito reveladora dos indícios, que já tinha tomado como sérios, de que este se está a comportar em relação a tal quantia como pertença sua e sobretudo do desespero em se apoderar da mesma, desta vez com a participação nessa tarefa da agora recorrente B….
O encerramento da conta da H…, no Banco E…, também, é revelador de que a mesma só foi aberta com o intuito de facilitar que G… se apoderasse de tal quantia, para o que contava com a participação de I….
Por outro lado, a mudança de beneficiário da transferência, também, é revelador de que não havia qualquer dívida da F…, LDA para com a B…, SA que justificasse a transferência.
Por outro lado, não há qualquer indício de que a factura que a recorrente juntou tenha subjacentes quaisquer serviços jurídicos, nem a mesma os identifica, sendo um documento junto apenas para formalmente procurar justificar a transferência de um valor que não pertence nem à recorrente, nem a G…, mas sim à sociedade F…, Ldª, e subtraído a esta pelo seu gerente com a ajuda da recorrente.
São, assim, e em nosso entender, evidentes e fortes os indícios da prática de crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo art° 205°, nºs 1 e 4, b) do CP e um crime de branqueamento, p. e p. pelo artº 368°-A do CP.
Verificam-se os pressupostos que ditaram a aplicação, ao abrigo das disposições conjugadas nos arts° 17°, nºs. 1 e 2 da Lei 25/2008, de 05/06 e art° 4°, nºs. 1 a 4, da Lei 5/2002, de 11/01, da suspensão de movimentos a débito e de controlo de todas a operações a débito sobre a conta bancária do Banco D… com o IBAN PT ……………………… do Banco D…, de que são titulares B….
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I.4. Parecer do Ministério Público na Relação.
Acompanhou a motivação da resposta em 1ª instância.
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II. Objecto do recurso e sua apreciação.
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
A recorrente apresenta as seguintes divergências em relação às decisões recorridas:
1ª origem da quantia “apreendida” é o reembolso pela Autoridade Tributária de liquidações e IVA e juro compensatórios, sendo lícita a sua proveniência;
2ª o prazo do inquérito encontra-se esgotado;
3ª não existe qualquer crime subjacente, nomeadamente abuso de confiança, ao imputado branqueamento que justificou a aplicação das medidas;
4ª a medida de sustação representa uma velada caução económica ou arresto preventivo e não obedece aos requisitos legais;
5ª as medidas são manifestamente desproporcionais e desnecessárias.
Nos termos do artigo 4º, nº4, da Lei nº5/2002, de 11 de Janeiro, no âmbito das medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, que estabeleceu um regime especial de recolha de prova em relação, entre outros (cfr. artigo 1º, nº1, alínea h)), ao crime de branqueamento de capitais, encontra-se previsto o controlo judicial de conta bancária que pode incluir a obrigação (dirigida à instituição de crédito) de suspensão de movimentos especificados com fundamento na prevenção da prática de crime de branqueamento de capitais (em relação à confirmação o seu regime encontra-se consagrado no artigo 17º da Lei nº25/2008, de 05 de Junho).
A primeira medida, de controlo de contas e movimentos, constitui uma genuína medida de recolha de prova em tempo quase real, de forma ininterrupta e durante um período temporal pré-definido, e assenta numa prospectiva de obtenção de informações relevantes para a investigação. A segunda, ordem de abstenção de execução de movimentos, radica num juízo de necessidade de prevenção da prática de crime de branqueamento (neste sentido, José Damião da Cunha, Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, Universidade Católica Editora. 2017, págs.77 a 85).
O referido crime de branqueamento consiste na conversão, transferência, auxílio ou facilitação de operação de conversão ou transferência de vantagens provenientes da prática dos factos ilícitos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e/ou substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, órgãos ou tecidos humanos, espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influências, corrupção e demais infracções referidas no artigo 1º, nº1, da Lei nº36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos (artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal). Estes crimes precedentes ou subjacentes traduzem os comportamentos ilícitos geradoras das vantagens cujo branqueamento se incrimina. Com efeito, o crime de branqueamento visa tutelar o interesse do aparelho judiciário na detecção e perda de vantagens de certos crimes (Pedro Caeiro, Separata de Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág.1086).
As referidas medidas, não obstante a sua consagração particularizada em respeito pela natureza, também ela particular, do crime em causa (que exige, para além dos mecanismos de prevenção impostos às entidades bancárias, a utilização de meios de obtenção de prova em tempo real) obedecem ao critério geral da existência de fundadas suspeitas da prática do crime (no caso, do crime precedente), juízo que se terá de estender ao branqueamento da vantagem dele resultante.
A primeira medida (controlo de contas e movimentos bancários) não comporta em si qualquer dificuldade de compreensão no âmbito das suas finalidades enquanto genuíno meio de obtenção de provas. A segunda (ordem de abstenção de movimentos bancários determinados), ditada pela preocupações de prevenção da prática de crime de branqueamento de capitais, apresenta uma natureza cautelar reforçada que se não autonomiza face à sua principal finalidade de meio de obtenção de prova (neste sentido o referido Ac. do TRL, de 10.01.2012, consultável no site www.dgsi.pt). Igual raciocínio se pode extrair da natureza de outros meios de obtenção de prova, como a apreensão de objectos que estejam destinados a servir a prática de um crime (cfr. artigo 178º, nº1, do Código de Processo Penal), caso em que a medida executada, meio de obtenção de prova, também apresenta uma característica cautelar.
Concluindo, as medidas em causa não têm, sequer aproximadamente, natureza de medidas de coacção ou de garantia patrimonial. Por esse motivo, também improcede o outro argumento invocado que nos parece residir numa espécie de caducidade por excesso dos prazos legais do inquérito.
Consabidamente a duração do inquérito está sujeita aos prazos indicados no artigo 276º do Código de Processo Penal mas a sua violação não produz qualquer efeito para além das medidas de aceleração processual (cfr. artigo 109º do Código de Processo Penal). Os métodos de obtenção de prova (autorizados) e a prova obtida pelos mesmos não estão limitados por qualquer prazo de caducidade.
Assim se aprecia a questão colocada pela recorrente no que concerne à natureza das medidas em causa, improcedendo os seus argumentos neste segmento.
Os factos indiciados (que a recorrente não questiona, nem mesmo a desconsiderada alegada existência de um negócio jurídico que legitimaria a transferência bancária na sua conta de depósito) são categoricamente indiciadores (juízo que ultrapassa a exigida existência de fundadas suspeitas) da existência de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal.
A ATT emitiu em nome da sociedade F…, Ldª, na sequência de uma decisão judicial de restituição de quantias resultantes da anulação de liquidações, cheques que totalizam a quantia de €56.665,16.
A sociedade encontra-se inactiva e G…, seu sócio e gerente, foi declarado insolvente em 2016.
A namorada do filho de G…, I…, tentou, sem sucesso, abrir uma conta de depósito no E… em nome da sociedade F…, Ldª, sem a presença dos sócios gerentes (o referido G… e mulher).
Os referidos sócios abriram um conta de depósito titulada pela sociedade em 06.01.2017 no E…, tendo-se deslocado pessoalmente, e depositaram nessa conta os cheques emitidos pela ATT.
No dia 06.01.2017 a referida I… procedeu a abertura de uma conta de depósito na mesma agência do E… titulada pela sociedade H…, S.A., na qualidade de administradora única.
No dia 10.01.2017, G…, telefonicamente, deu ordem de transferência, sem qualquer justificação económica, da quantia de €56.665,16 para a conta da H…, S.A.
O MºPº determinou a suspensão temporária das operações de movimentos a débito sobre a conta bancária da H…, S.A..
Em 17.01.2017 G… comunicou ao E… que já não pretendia efectuar a transferência ordenada e ordenou a transferência do valor de €56.661,00 para a conta de depósito da recorrente, sem apresentação de qualquer razão económica.
Na mesma data, G… e I…, invocando insatisfação pelos serviços prestados, solicitaram o encerramento das constas de depósito no E… das sociedades que representavam.
Para justificar o referido depósito a recorrente juntou factura datada de 30/01/2017 relativa a remuneração de serviços de acessória jurídica prestada à sociedade F…, Ldª.
G…, na qualidade de representante do credor da quantia (lícita) recebida, que lhe não pertencia mas administrava, geria, estava na sua disponibilidade física, apropriou-se da mesma (fez dela coisa sua) através da movimentação, por transferência no circuito bancário (sem prejuízo, uma vez que não constitui objecto deste recurso, da ponderação judicial, cuja competência exclusiva pertence à primeira instância, da consumação do crime ou apuramento do seu estádio de tentativa).
Apreciando conjuntamente as questões colocadas pela recorrente (com excepção da desproporcionalidade da medida), a origem primária do crédito ora depositado na sua conta bancária é, naturalmente, lícita (qualificadamente lícita uma vez que resulta do cumprimento de uma obrigação judicialmente apreciada e fixada). Tal crédito adquire natureza de vantagem ilícita quando o representante do seu titular se decide apropriar do mesmo e utilizar o sistema de circulação bancária para evitar a sua perseguição criminal (aquela que lhe adviria, nomeadamente, se procedesse ao levantamento, em numerário, da quantia em causa).
Existem, pelo menos, fundadas suspeitas da prática do crime precedente, motivo pelo qual improcede o recurso nessa parte.
Por fim, a ordem de abstenção de movimentos bancários determinados, enquanto medida restritiva de direitos fundamentais (artigo 18º da Constituição de República Portuguesa), obedece a critérios de idoneidade (terá de ser apta para alcançar o fim visado), necessidade (implica um juízo de ponderação da capacidade lesiva da medida) e proporcionalidade (a medida terá de ser materialmente adequada à sua finalidade em face dos danos que produz). O juiz de instrução ponderou expressamente tais variáveis e não logramos detectar a desrazoabilidade da medida uma vez que existe um elevado grau de suspeita dos indícios recolhidos e um reduzido grau do dano causado já que mesma não impede a recorrente de prosseguir a sua actividade profissional e de fazer circular os rendimentos auferidos a esse título por qualquer outra conta de depósito de que seja titular (constituída ou a constituir).
Improcede, também, o ultimo argumento esgrimido pela recorrente.
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III. Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirmam-se as decisões recorridas.
Custas a cargo da recorrente, fixando em 5 UCS a taxa de justiça (artigo 8º, nº9, do e Tabela III anexa do RCP).
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Porto, 21 de Junho de 2017
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro