Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
305/15.6GAVLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CRIME DE HOMICIDIO NEGLIGENTE
CRIME EM ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DO DANO MORTE
Nº do Documento: RP20221026305/15.6GAVLC.P1
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: - Não pode ser imputada a um peão que atravessa a via pela passadeira a passo apressado qualquer culpa quanto ao seu atropelamento.
- No caso vertente, mostra-se adequado fixar a indemnização pelo dano da morte em 70.000 euros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 305/15.6GAVLC.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Vale do Cambra

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
(…)
Para análise destas questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença recorrida (transcrição):
«II – Fundamentação de facto
1. Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
Da acusação pública
1. No dia 5 de dezembro de 2015, cerca das 18:20 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-PP-.., de marca Fiat, modelo ..., pela Avenida ..., em ..., Vale de Cambra, o que fazia no sentido descendente daquela via.
2. No local, a faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito no mesmo sentido, tem 7,10 metros de largura, com inclinação de 3%, sendo o respetivo pavimento betuminoso.
3. Não chovia nem havia nevoeiro e o piso encontrava-se seco e limpo.
4. O arguido conduzia a uma velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50,00 km/h,
5. O que determinou que, quando se encontrava já a sair da rotunda... e a entrar na Avenida ..., não tenha imobilizado o veículo que conduzia a tempo de evitar o embate no corpo da vítima AA, que se encontrava naquele momento a atravessar a via, o que fazia pela passadeira.
6. Na verdade, devido à forma desatenta a que seguia viagem e a velocidade que imprimia no veículo, não prestando inteira atenção ao que se passava na faixa de rodagem, nomeadamente se ali circulavam pessoas, não foi o arguido capaz de imobilizar a sua viatura, sem antes embater no ofendido.
7. Como consequência do embate descrito, a vítima sofreu lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas, torácicas e do membro inferior direito, associados com choque hipovolêmico, o que foi causa direta e necessária da sua morte.
8. O arguido sabia que ao conduzir desatento e a uma velocidade não permitida pela lei e que não adequou concretamente às características da via, nomeadamente pelo facto de se aproximar de uma passadeira, sendo previsível o surgimento de peões, tal conduta seria apta a produzir o resultado verificado e, não obstante, conduziu da forma supra descrita.
9. Sabia que a sua descrita conduta era censurada e proibida por lei.
Da acusação particular
10. No dia 5 de dezembro de 2015, cerca das 18:20 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-PP-.., na Av. ..., da freguesia ..., concelho de Vale de Cambra, no sentido descendente desta, tendo entrado e contornado parcialmente a rotunda..., após o que mudou de direção à direita, entrando na Avenida ....
11. Nesse local, o troço é constituído por duas faixas de rodagem, separadas por um passeio/separador central, cada uma delas com duas vias de trânsito para cada sentido (sem marcas delimitadoras de vias), com traçado retilíneo e inclinação descendente de 3% (três por cento), considerando o sentido de marcha do veículo ..-PP-...
12. Sendo a largura da faixa de rodagem, no sentido descendente, de 7,10 metros, com pavimento de asfalto betuminoso, que, nas referidas circunstâncias de tempo, se encontrava em bom estado de conservação, seco e limpo.
13. A faixa de rodagem no sentido descendente encontrava-se delimitada, de ambos os lados, por guias (marcas M19).
14. A velocidade máxima permitida naquele local é de 50 km/h (cinquenta quilómetros por hora), sendo a via ladeada de habitações e tratando-se de uma via situada dentro de uma localidade.
15. Na rotunda que antecede a Av. ... encontrava-se colocado o sinal vertical de obrigação “D4”, indicando aos condutores a entrada numa rotunda;
16. E à entrada na Av. ..., atento o sentido de marcha do veículo ..-PP-.., encontravam-se apostas na via, em tinta branca bem visível, marcas transversais “M11”, que consistem em barras longitudinais paralelas ao eixo da via, alternadas por intervalos regulares, indicativas do local por onde devem os peões efetuar o atravessamento da faixa de rodagem, faixas essas que estavam apostas nas duas vias de trânsito para cada sentido.
17. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, não chovia nem estava nevoeiro, encontrando-se o piso seco e limpo.
18. No momento do acidente, a via estava dotada de iluminação pública que possibilitava boa visibilidade ao arguido.
19. Era possível ao arguido avistar a totalidade da passagem assinalada na faixa de rodagem para travessia de peões a uma distância de, pelo menos, 30 (trinta) metros.
20. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, AA atravessou a via de trânsito ascendente da dita Av. ..., da esquerda para a direita, atento o sentido do veículo ..-PP-.., o que fez pela referida passadeira e até chegar ao passeio/separador central.
21. Uma vez neste passeio central, aproximou-se da via de trânsito descendente da dita Av. ... e iniciou o seu atravessamento, na mesma passadeira.
22. No momento em que AA efetuava tal travessia na mesma passadeira e já tinha percorrido uma distância de não concretamente apurada mas de mais de metade da faixa de rodagem, desde o passeio central, o arguido, em virtude da velocidade e desatenção com que seguia, não travou nem imobilizou o veículo que tripulava no espaço livre e visível à sua frente em tempo e modo de evitar o embate, vindo a bater com a lateral frontal esquerda do veículo (parte inferior do para-choques deste) no membro inferior direito do AA.
23. Em consequência direta e necessária desse embate, AA foi projetado na diagonal pelo ar por, numa distância superior a 20 metros, ficando imobilizado na via de trânsito descendente, na posição de decúbito ventral, com a cabeça encostada ao passeio central e os pés em plena via, direcionados para o eixo da mesma.
24. Devido à violência do embate e da sua subsequente projeção e queda, AA sofreu lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas, torácicas e do membro inferior direito, designadamente: nos ossos da cabeça (abóbada), fratura ao nível da região temporal esquerda com 3 centímetros de diâmetro; outra na região parietal à direita com traços lineares com 7 centímetros por 8 centímetros de comprimento com infiltração sanguínea dos tecidos moles adjacentes e topos ósseos; nos ossos da cabeça (base), fraturas lineares ao nível do andar anterior médio e posterior, com infiltração sanguínea dos tecidos moles adjacentes e topos ósseos; na cabeça, meninges, hemorragia subdural e subaracnoídea em toda a superfície do encéfalo, mais acentuada na região occipital bilateralmente; no tórax, paredes, fraturas com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes e topos ósseos dos 1.º até 3.º arcos costais na linha média anterior e dos 1.ºaté 10.º posteriores à direita; no tórax, clavícula, cartilagens e costelas direitas, fraturas com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes e topos ósseos dos 1.º até 6.º arcos costais na linha média anterior à esquerda; tórax, pericárdio e cavidade pericárdica, laceração traumática e do pericárdio com infiltração sanguínea dos tecidos moles adjacentes com 8 centímetros de comprimento; membros, membro inferior direito, fratura exposta ao nível do terço inferior da perna.
25. As lesões descritas no ponto anterior, associadas a choque hipovolêmico, foram a causa direta e necessária da morte de AA.
26. Após o embate, o veículo ..-PP-.., conduzido pelo arguido, ficou imobilizado junto do limite direito da via de trânsito descendente, a uma distância de cerca de 50 metros da passagem para peões localizada na via de trânsito descendente da dita Av. ... pela qual o referido AA efetuava o atravessamento.
27. No pavimento não existiam marcas de travagem nem outras marcas de pneumáticos.
28. Em virtude do embate, o veículo conduzido pelo arguido ficou com a ótica esquerda, capô e para-brisas danificados.
29. O arguido atuou de forma livre e consciente, conhecendo as regras de cuidado a que estava obrigado para a condução de veículos automóveis, bem sabendo que circulava numa via ladeada de habitações e que, naquele local, devia reduzir especialmente a velocidade a que seguia e dedicar a sua atenção ao trânsito e aos peões, por se aproximar de uma passagem para peões, o que o arguido não fez, apesar de saber que poderiam surgir peões a quem tinha o dever de ceder passagem, e que, ao agir desse modo, punha em perigo os eventuais utilizadores da mesma, não conseguindo imobilizar o veículo em segurança sem atingir os demais utentes da via, o que efetivamente veio a suceder.
30. Em virtude de conduzir a velocidade excessiva para o local e de não ter reduzido em face da aproximação da dita passagem para travessia de peões, o arguido atuou com imprudência, de forma leviana, desatenta e descuidada, não travando, nem imobilizando o veículo que conduzia de forma a evitar o embate, não tendo atuado como devia e podia, omitindo os deveres de atenção que, enquanto condutor, lhe era imposto e de que era capaz, prevendo que, ao atuar desse modo, poderia provocar, como provocou, um acidente e a morte dos peões que efetuassem a travessia daquela passagem para peões e que por si fossem atingidos como aconteceu com o AA, mas sem que se tivesse conformado com esse resultado.
31. Esta forma de agir do arguido fê-lo embater com a sua viatura no peão AA que atravessava a via na passadeira.
32. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Exclusivamente do pedido de indemnização civil
33. AA faleceu no mesmo dia do descrito acidente (05.12.2015).
34. Nascido em .../.../1967, à data do acidente e do seu óbito tinha 48 anos de idade.
35. Faleceu no estado de solteiro, sem deixar descendentes,
36. Tendo deixado a suceder-lhe a sua mãe BB,
37. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., a demandada assumiu a responsabilidade pelos danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ..-PP-...
38. Mercê do acima descrito acidente, AA sofreu as já descritas lesões traumáticas, associadas com choque hipovolêmico, em virtude do que veio a falecer.
39. À data do acidente, AA era um homem forte, robusto, trabalhador, bem constituído e jovial, com apego à vida.
40. Trabalhava há longos anos na firma N..., S.A., onde exercia as funções de embalador, por virtude do que auferia de um vencimento base mensal de 507,50 € (quinhentos e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescido de um subsídio de trabalho noturno mensal de cerca de 21,00 € (vinte e um euros), e ainda de um subsidio de refeição pago em cartão de cerca de 105,00 € (cento e cinco euros) mensais.
41. Era respeitado por todos, tendo um feitio alegre, gozando de grande estima e carinho por parte de todos aqueles que o rodeavam e que com ele conviviam.
42. Vivia com a sua mãe BB, viúva, de quem era muito amigo.
43. E com quem vivia em plena harmonia e tinha um ótimo relacionamento, sendo o enlevo, a companhia e o amparo desta.
44. Mantinha também um próximo e saudável relacionamento com a sua irmã CC e com a sua sobrinha DD e, bem assim, com a restante família, a quem votava enorme dedicação e afeto e com quem se dava bem e dos quais era muito amigo.
45. Cultivava amizade com os colegas de trabalho e gostava dos seus amigos, com quem convivia assiduamente.
46. Da sua morte resultou um profundo vazio em todos quantos o conheciam.
47. O AA foi violentamente embatido, na sequência do que foi projetado cerca mais de 20 metros.
48. Sobreviveu algum tempo após o acidente supra descrito, mas inconsciente.
49. A demandante amava o seu filho, e nutria por ele grande carinho.
50. O AA, desde que nasceu e até ao seu decesso, sempre viveu com a sua mãe, dando-se muito bem.
51. Vivia em perfeita harmonia com a demandante e com a sua irmã e sobrinha, tendo também residido com estas em alguns momentos em que estas residiram em casa da mãe e avó, a aqui demandante.
52. Quando recebeu a notícia da morte do seu filho, a demandante sofreu uma profunda dor e um rude golpe.
53. Ao tomar conhecimento das circunstâncias em que este faleceu, ficou dilacerada.
54. Sente-se angustiada sempre que lhe vem à memória o seu filho.
55. As épocas festivas, como os Natais entretanto passados, são para a demandante de recordação dolorosa.
56. Como o foram e serão sempre todas as demais épocas festivas e os aniversários do nascimento e morte do infeliz AA.
57. Sofreu um profundo desgosto com a perda do filho, que não aceita, chorando e vivendo em sofrimento constante o sucedido.
58. Perda essa que a acompanhará para toda a vida.
59. O súbito e prematuro óbito do seu filho deixou-a ainda privada da fonte de carinho que aquele representava e da sua companhia diária e permanente, posto que viviam sob o mesmo teto, existindo entre eles grande proximidade, cumplicidade, afetividade, amor, amizade e ternura.
60. Quando a demandante contava já com 71 anos de idade.
61. A demandante apenas dispõe da sua pensão de viuvez, no montante mensal de 353,93 € (trezentos e cinquenta e três euros e noventa e três cêntimos).
62. No funeral do AA, a demandante despendeu a quantia de 1.922,59 € (mil novecentos e vinte e dois euros e cinquenta e nove cêntimos).
63. Gastou ainda a quantia de 151,00 € (cento e cinquenta e um euros) em flores.
64. E na compra de uma camisa, uma gravata e um par de sapatos para vestir o corpo, a quantia global de 165,00 € (cento e sessenta e cinco euros).
65. À data do sinistro dos autos a E... havia transferido para a Demandada, até ao limite de 100.000.000,00 €, a sua responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros em virtude da circulação terrestre de todos os veículos da sua frota automóvel, nos termos previstos no contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
66. À data do sinistro dos autos, o veículo da marca Fiat, modelo ..., com a matrícula ..-PP-.., pertencia à frota automóvel da E..., segurada da Demandada.
Mais se provou que:
67. Nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, AA atravessou a faixa de rodagem em passo apressado sem se certificar de que poderia fazê-lo em segurança.
68. No decurso da audiência de discussão e julgamento, o arguido dirigiu um pedido de desculpa aos familiares da vítima mortal e revelou sincero sofrimento pelo seu decesso.
69. O arguido não tem antecedentes criminais.
70. O arguido exerce, por conta de outrem, atividade profissional na área da construção civil, auferindo salário no valor mensal de 3.000,00 €.
71. O arguido vive com a sua companheira e o filho menor de ambos, com quase dois anos de idade.
72. A companheira do arguido exerce a atividade profissional de assistente de escritório, auferindo salário no valor mensal de 2.000,00 €.
73. Vivem em casa própria.
74. São proprietários de duas habitações adquiridas pelos valores de 248.000,00 € e 168.000,00 €. Amortizam empréstimos bancários contraídos para a sua aquisição com prestações mensais de 950,00 € e de 1.400,00 €.
75. O arguido habitualmente utiliza viatura cedida pela sua entidade patronal.
76. As habilitações literárias do arguido correspondem a um curso profissional na área da construção civil.

(…)
Verificamos, assim, que o facto provado 19. está desconforme, por defeito, à prova produzida, devendo consignar-se antes a seguinte redacção:
«19. Era possível ao arguido avistar a passagem para travessia de peões assinalada na via de trânsito descendente da Avenida ... e o respectivo separador central a uma distância de cerca de 50 metros e avistar em toda a sua extensão e largura, a totalidade da passagem para travessia de peões assinalada nas duas vias de trânsito (descendente e ascendente) e o separador central a uma distância de cerca de 40 metros».

O mesmo não acontece com a afirmação de que «com a morte deste seu filho, a demandante passou a ter maiores dificuldades económicas», posto que, apesar de não ser por referência à contribuição alegada, o facto está demonstrado através dos depoimentos mencionados, que não foram contrariados por outra prova, devendo este segmento ser retirado dos factos não provados, acrescentando-se assim ao ponto de facto provado 61. esta matéria, passando aquele a ter a seguinte redacção:
«61. A demandante apenas dispõe da sua pensão de viuvez, no montante mensal de 353,93 € (trezentos e cinquenta e três euros e noventa e três cêntimos) e com a morte deste seu filho passou a ter maiores dificuldades económicas»
(…)
Por fim, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, pugna a recorrente pela eliminação do consignado na parte final do ponto 67 dos factos provados (nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, AA atravessou a faixa de rodagem em passo apressado sem se certificar de que poderia fazê-lo em segurança) e do ponto 5 dos factos não provados (o descrito acidente ocorreu por culpa exclusiva do arguido, condutor do veículo ligeiro de passageiros que nele foi interveniente), considerando que encerram em si expressões conclusivas que reflectem a resposta à solução de direito plausível do thema decidendum.
E entendemos que lhe assiste razão. A expressão sem se certificar de que poderia fazê-lo em segurança é conclusiva de que uma determinada conduta foi levada a cabo sem que fossem tomados os necessários cuidados para evitar um resultado danoso. Não explica, contudo, que cuidados são esses.
A circunstância de o falecido AA seguir em passo apressado não pode ser considerada em si mesma a falta de cuidado que permite aquela conclusão, porquanto o atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível (art. 101.º, n.º 2, do CEstrada), sendo certo que o peão dos nossos autos fez o atravessamento da via pela passadeira, como impõe o n.º 3 do indicado preceito (factos provados 20 a 22).
A verdade é que o Tribunal a quo não incluiu na matéria de facto provada qualquer comportamento do peão que permitisse atribuir algum significado à expressão sem se certificar de que poderia fazê-lo em segurança, que, de todo o modo, nesse caso seria meramente decorativa.
Tal expressão, para além de conclusiva, não é inócua, pois induz à concorrência de culpas na ocorrência do acidente, sendo esta uma pura questão de direito que importa analisar com base na factualidade assente.
Deve, por isso, ser eliminada da redacção do ponto 67 dos factos provados a expressão sem se certificar de que poderia fazê-lo em segurança.
O mesmo se diga da redacção do ponto 5 dos factos não provados, posto que a conclusão de que a culpa foi ou não exclusiva do condutor pertence, também ela ao universo do thema decidendum, sintetizando uma das questões jurídicas que importa definir em sede de julgamento de direito, mas não de facto.
Impõe-se neste caso a eliminação total do ponto 5 dos factos não provados.
*
Erro de julgamento em sede de matéria de direito
Neste segmento do recurso, a recorrente começa por questionar a solução jurídica a que chegou o Tribunal a quo quando concluiu pela concorrência de culpas dos intervenientes na ocorrência do acidente.
Sobre esta questão foi consignado o seguinte na decisão recorrida:
«III – Fundamentação de Direito
1. Enquadramento jurídico-penal
Vem o arguido acusado da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal.
Nos termos deste artigo, e no que no caso dos autos releva, [q]uem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. (n.º 1)
Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos. (n.º 2)
A estrutura do tipo criminal em análise pode linearmente sintetizar-se pela forma seguinte:
- O respetivo sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se, pois, de um crime comum;
- A conduta típica consiste em, através do emprego de qualquer meio ou mecanismo, suprimir a vida de outrem;
- É necessário que a morte (desvalor de resultado) seja objetivamente imputável (seguindo um critério teleológico-normativo) à conduta violadora do cuidado devido.
Com efeito, para que determinada conduta possa ser subsumida à materialidade objetiva do referido tipo incriminador é necessário que o agente tenha, por ação ou por omissão, realizado o resultado proibido por lei: a supressão da vida de outrem.
Neste sentido e uma vez que o evento ocasionado se distingue, em termos fenomenológicos, da conduta que lhe dá causa, pode dizer-se que o crime de homicídio negligente é, do ponto de vista da atuação do agente sobre o bem jurídico protegido, um crime material ou de resultado.
Tratando-se de responsabilidade negligente, o comportamento do agente haverá de configurar a violação de um dever objetivo de cuidado – cfr. artigo 15.º do Código Penal, sendo este o elemento normativo nuclear em torno do qual se estrutura o ilícito típico em presença.
O artigo 15.º do Código Penal estipula que age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstâncias está obrigado e de que é capaz: 1) representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas atuar sem se conformar com essa realização, ou 2) não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto. Este preceito distingue as duas formas de negligência admitidas pela lei penal: negligência consciente e inconsciente.
No que se refere à primeira forma, extremamente próxima da figura do dolo eventual, o agente admite, prevê como possível a realização do resultado típico, mas confia, podendo e devendo não confiar, em que o mesmo se não realiza, não se conforma, pois, com a realização desse resultado.
Na negligência inconsciente, não há sequer representação por parte do agente da possibilidade de realização do facto, sendo certo que nestes casos, como refere MAIA GONÇALVES (Código Penal Anotado, 1995, pág. 234), (...) a lei para evitar a realização dos resultados típicos antijurídicos, proíbe a prática das condutas idóneas para os produzirem, querendo que eles sejam representados pelo agente, ou permite tais condutas, mas rodeadas dos necessários cuidados, para que os resultados se não produzam. Quando estes cuidados são acatados, o risco esbate-se; na omissão dos mesmos cuidados se radica o fundamento da punição de negligência inconsciente.
Em ambas as modalidades se exige a capacidade do agente para proceder com os cuidados que, segundo as circunstâncias, estariam indiciados.
FIGUEIREDO DIAS (in Pressupostos de Punição Jornadas de Direito Criminal, pág. 71) refere, a este propósito, que [h]á hoje uma grande unanimidade de pontos de vista (...) em que não está aqui em causa o indiscernível poder de agir de outra maneira na situação, e portanto uma tentativa de resposta à questão do concreto livre-arbítrio; mas também em que não será lícito ficar-se por uma resposta meramente objetiva, que fosse buscar para padrão a capacidade normal ou do homem médio. Está aqui verdadeiramente em causa um critério subjetivo e concreto, ou individualizante, que deve partir do que seria razoavelmente de esperar de um homem com as qualidades do agente. Se for de esperar dele que respondesse às exigências do cuidado objetivamente imposto e devido mas só nessas condições – é que, em concreto, se deverá afirmar o conteúdo da culpa próprio da negligência e fundamentar, assim a respetiva punição.
Como já referimos, a negligência é a omissão de um dever de cuidado, adequado a evitar a realização de um tipo legal de crime, que se traduz num dever de previsão daquela realização, e que o agente, segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais podia ter cumprido. Toda a negligência supõe um dever de representação que se estende ao resultado. O fundamento da punição da negligência reside no facto de o agente não ter querido, em face do conhecimento de que certos resultados são puníveis, preparar-se para – sempre que uma conduta que projeta seja adequada para os produzir – representar esses resultados ou para os representar justamente (cfr. EDUARDO CORREIA – Direito Criminal, 1993, vol. 1, p. 433).
Ora, o dever de cuidado é, em termos dogmáticos, o ideal de um cânone de comportamento que a sociedade julga como o mais adequado à proteção de bens jurídico-penais” – FARIA COSTA, O Perigo em Direito Penal, Coimbra Editora, p. 478. E os crimes negligentes inscrevem-se, justamente, em razão da imprecisão do conceito, na categoria dos chamados tipos abertos.
O dever objetivo de cuidado ou diligência, que não tem uma origem necessariamente formal, bastando a sua idoneidade, em abstrato, para, em face das concretas circunstâncias do caso, evitar o resultado proibido, pode reconduzir-se aos usos e normas jurídicas associadas ao exercício de um certo ofício ou atividade, às normas ou regulamentos que visam prevenir perigos – como justamente sucede com as disposições do Código da Estrada. Pode ainda reconduzir-se aos usos e à experiência comum com vista à adoção de determinadas cautelas e cuidados a fim de evitar a produção do resultado (cfr. EDUARDO CORREIA, Direito Criminal I, 1971, pg.425 e ss.).
Seja qual for, pois, a fonte de que emane, são dois os planos em que, conforme vem sendo consensualmente entendido, se estrutura o dever objetivo de cuidado: postula por um lado, um cuidado interno, um dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico tutelado e de valorar corretamente esse perigo, o seu processo causal e as suas consequências, sendo certo que esse perigo só surge quando se ultrapassam os limites do risco permitido; por outro lado, manifesta-se num cuidado externo, ou seja, num dever de adotar uma conduta adequada a evitar esse perigo, quer omitindo ações perigosas, quer atuando prudentemente em situações que, pese embora perigosas, são toleradas pela ordem jurídica (risco permitido), quer munindo-se, aquando da adoção de uma conduta de risco, dos conhecimentos que permitam empreender essa conduta com segurança – vd. JESCHECK, Tratado de Derecho Penal, p. 525.
Com efeito, a doutrina tem distinguido entre o cuidado externo, objetivamente devido, e o cuidado interno, subjetivamente possível, ou seja, entre um dever objetivo de cuidado e outro subjetivo. E tal construção foi irrefutavelmente acolhida pelo nosso legislador quando no já citado artigo 15.º do Código Penal se reporta às circunstâncias e à capacidade do agente. Aí pretende trazer-se à colação as ideias de previsibilidade, capacidade e evitabilidade, fulcrais na compreensão e análise da categoria da negligência, como forma de culpa, enquanto defeito de atitude interna, objeto de censura penal.
E, uma vez que o conceito de cuidado a que se refere o dever em causa é ele próprio objetivo, o padrão aferidor da diligência exigível deve procurar-se, através de um juízo ex ante, no cuidado que é requerido na vida de relação social relativamente ao comportamento em causa. O que supõe a formulação de um juízo normativo, resultante da comparação entre a conduta que devia ter adotado um homem razoável e prudente, inserido no âmbito de atividade, munido dos conhecimentos específicos do agente e colocado na sua posição, e a conduta que este efetivamente observou.
Este juízo normativo é integrado por dois elementos: um elemento intelectual, segundo o qual é necessária a consideração de todas as consequências da ação que, num juízo razoável (objetivo), eram de verificação previsível (previsibilidade objetiva), e um outro, valorativo, segundo o qual só será contrária ao direito a conduta que vai além da medida socialmente adequada (risco permitido) – cfr. MUÑOZ CONDE, Teoria General del Delito, 1984, pp. 68 e 71 e ss.
Mas, sublinhe-se que se exige, no corpo do artigo, a violação de um dever de cuidado ou diligência de acordo com as circunstâncias do caso. Assim sendo, entendemos que para esclarecer a questão da imputabilidade do resultado à conduta do arguido temos, neste momento, de trazer à colação a doutrina da imputação objetiva do resultado a uma conduta.
No homicídio por negligência, para que o resultado em que materializa o ilícito típico possa fundamentar a responsabilidade não basta a sua existência fáctica, sendo indispensável que possa imputar-se objetivamente à conduta e subjetivamente ao agente; ou seja, a responsabilidade só se verifica quando existe nexo de causalidade entre a conduta e o evento ocorridocfr. Acórdão do STJ, de 5.11.1997, C. J., ano V, tomo III, pág. 227. Ou seja, a morte terá que ser objetivamente imputada à conduta ou omissão do agente, com o que se coloca a questão da existência do tal dever objetivo de cuidado, da sua medida e da relação causal que tem de existir entre a violação e o resultado produzido.
A doutrina da imputação objetiva do resultado a uma conduta veio, como se sabe, estabelecer restrições à teoria da causalidade adequada (e aos resultados excessivamente amplos, de ligação de um resultado a uma conduta, a que conduz), prescrevendo que o resultado só é objetivamente imputável à conduta quando ela produz um risco proibido de ocorrência do resultado e o processo que vem a causar este resultado representa o desenvolvimento daquele risco proibido.
Ora, um dos princípios de exclusão da imputação que aquela doutrina introduziu como limitação à teoria da causalidade adequada é o princípio do comportamento lícito alternativo.
Assim, de acordo com este princípio, a imputação do resultado morte à conduta do agente exclui-se se se constata que, quando este viola determinada norma de cuidado, mesmo obedecendo a essa norma, o resultado se viria a produzir.
Em suma, e seguindo de perto o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.12.2002 (proferido no âmbito do processo P0110629, disponível in www.dgsi.pt), para que uma conduta omissiva configure um homicídio negligente é preciso:
a) Que ocorra como resultado a morte de uma pessoa;
b) Que esse resultado seja consequência da violação pelo agente de um dever de cuidado, omissão dos deveres de diligência a que era obrigado;
c) Que o agente tenha previsto como possível a realização do resultado, mas tenha omitido o comportamento salvador sem se conformar com o evento letal; ou então nem sequer tenha previsto, como podia e devia, como consequência do seu omittere o evento letal;
d) Que a omissão da ação do agente seja adequada a evitar o resultado;
e) Que sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.
Ora, no âmbito da circulação rodoviária (onde este tipo legal encontra vasto campo de aplicação), não só se deverá partir como ponto de referência do condutor medianamente cauteloso, tendo em conta inclusivamente o tipo de transporte em causa, como terão que se ter presente os particulares conhecimentos do agente (como de resto refere Jescheck 469, se o agente sabe que se encontra na proximidade de um cruzamento particularmente perigoso, isso será certamente de ponderar ao avaliar o carácter reconhecível do perigo e a medida da cautela exigível). – Comentário Conimbricense, tomo I, pág. 109, 261 e 264. Mas não só. No domínio da circulação rodoviária, a avaliação do dever objetivo de cuidado deve reconduzir-se às normas ou regulamentos que visam prevenir perigos – precisamente, as disposições do Código da Estrada.
Ao nível do dever objetivo de cuidado, verifica-se que a circulação rodoviária é, em si mesma, perigosa para determinados bens jurídicos. Porém, é permitida, atenta a sua utilidade social, pelo que se impõem especiais precauções e o escrupuloso cumprimento das normas da condução rodoviária pelos condutores, de forma a evitar a concretização do perigo.
Nos termos do artigo 11.º, n.º 2 do Código da Estrada, na redação em vigor à data da prática dos factos, dada pela Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro, [o]s condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece ainda que [o] condutor de um veículo não pode pôr em perigo os utilizadores vulneráveis, sendo estes, de acordo com a definição da alínea q) do artigo 1.º do mesmo diploma legal, peões e velocípedes, em particular, crianças, idosos, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência.
E de acordo com o n.º 4, [q]uem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.
Nos termos do artigo 24.º, n.º 1 também do Código da Estrada, na redação em vigor à data da prática dos factos, dada pela Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro, [o] condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
E de acordo com o n.º 3, [q]uem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
Por seu turno, o artigo 25.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, prescreve que, [s]em prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:
a) À aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e ou velocípedes;
(…)
c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;
d) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida.
(…)
E de acordo com o n.º 3, [q]uem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
De acordo com o artigo 27.º, n.º 1 do Código da Estrada, o limite de velocidade instantânea à circulação de automóveis ligeiros de passageiros sem reboque, dentro das localidades, é de 50 km/hora.
E de acordo com o n.º 2, [q]uem exceder os limites máximos de velocidade é sancionado com diferentes coimas.
Nos termos do artigo 103.º do Código da Estrada, [a] o aproximar-se de uma passagem de peões ou velocípedes assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões ou os velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem (n.º 1).
Ao aproximar-se de uma passagem de peões ou velocípedes, junto da qual a circulação de veículos não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar para deixar passar os peões ou velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem (n.º 2).
Ao mudar de direção, o condutor, mesmo não existindo passagem assinalada para a travessia de peões ou velocípedes, deve reduzir a sua velocidade e, se necessário, parar a fim de deixar passar os peões ou velocípedes que estejam a atravessar a faixa de rodagem da via em que vai entrar (n.º 3).
Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600 (n.º 4).
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea g) do Código da Estrada, no exercício da condução, a não cedência de passagem aos peões pelo condutor que mudou de direção dentro das localidades, bem como o desrespeito pelo trânsito dos mesmos nas passagens para o efeito assinaladas, constitui uma contraordenação grave.
Ora, no caso dos autos, é certo o resultado morte de AA, peão que realizava a travessia da via por onde circulava a viatura automóvel tripulada pelo arguido.
E certo é também que resultou provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-PP-.., na Av. ..., da freguesia ..., concelho de Vale de Cambra, no sentido descendente desta, tendo entrado e contornado parcialmente a rotunda..., após o que mudou de direção à direita, entrando na Avenida ....
Nesse local – um troço constituído por duas faixas de rodagem, separadas por um passeio/separador central, cada uma delas com duas vias de trânsito para cada sentido (sem marcas delimitadoras de vias), com traçado retilíneo e inclinação descendente de 3% (três por cento), considerando o sentido de marcha do veículo ..-PP-.., sendo a largura da faixa de rodagem, no sentido descendente, de 7,10 metros, com pavimento de asfalto betuminoso, que, nas referidas circunstâncias de tempo, se encontrava em bom estado de conservação, seco e limpo – a velocidade máxima permitida é de 50 km/h (cinquenta quilómetros por hora), sendo a via ladeada de habitações e tratando-se de uma via situada dentro de uma localidade.
Na rotunda que antecede a Av. ... encontrava-se colocado o sinal vertical de obrigação “D4”, indicando aos condutores a entrada numa rotunda e à entrada na Av. ..., atento o sentido de marcha do veículo ..-PP-.., encontravam-se apostas na via, em tinta branca bem visível, marcas transversais “M11”, que consistem em barras longitudinais paralelas ao eixo da via, alternadas por intervalos regulares, indicativas do local por onde devem os peões efetuar o atravessamento da faixa de rodagem, faixas essas que estavam apostas nas duas vias de trânsito para cada sentido.
Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, não chovia nem estava nevoeiro, encontrando-se o piso seco e limpo e a via estava dotada de iluminação pública que possibilitava boa visibilidade ao arguido, sendo possível ao arguido avistar a totalidade da passagem assinalada na faixa de rodagem para travessia de peões a uma distância de, pelo menos, 30 (trinta) metros.
Nessas circunstâncias, AA atravessou a via de trânsito ascendente da dita Av. ..., da esquerda para a direita, atento o sentido do veículo ..-PP-.., o que fez pela referida passadeira e até chegar ao passeio/separador central. Uma vez neste passeio central, aproximou-se da via de trânsito descendente da dita Av. ... e iniciou o seu atravessamento, na mesma passadeira.
No momento em que AA efetuava tal travessia na mesma passadeira e já tinha percorrido uma distância de não concretamente apurada mas de mais de metade da faixa de rodagem, desde o passeio central, o arguido, em virtude da velocidade e desatenção com que seguia, não travou nem imobilizou o veículo que tripulava no espaço livre e visível à sua frente em tempo e modo de evitar o embate, vindo a bater com a lateral frontal esquerda do veículo (parte inferior do para-choques deste) no membro inferior direito do AA.
Em consequência direta e necessária desse embate, e da sua subsequente projeção e queda, conforme descrito nos factos provados, AA sofreu lesões traumáticas também aí melhor descritas, as quais, associadas a choque hipovolêmico, foram a causa direta e necessária da morte de AA.
O arguido atuou de forma livre e consciente, conhecendo as regras de cuidado a que estava obrigado para a condução de veículos automóveis, bem sabendo que circulava numa via ladeada de habitações e que, naquele local, devia reduzir especialmente a velocidade a que seguia e dedicar a sua atenção ao trânsito e aos peões, por se aproximar de uma passagem para peões, o que o arguido não fez, apesar de saber que poderiam surgir peões a quem tinha o dever de ceder passagem, e que, ao agir desse modo, punha em perigo os eventuais utilizadores da mesma, não conseguindo imobilizar o veículo em segurança sem atingir os demais utentes da via, o que efetivamente veio a suceder. Em virtude de conduzir a velocidade excessiva para o local e de não ter reduzido em face da aproximação da dita passagem para travessia de peões, o arguido atuou com imprudência, de forma leviana, desatenta e descuidada, não travando, nem imobilizando o veículo que conduzia de forma a evitar o embate, não tendo atuado como devia e podia, omitindo os deveres de atenção que, enquanto condutor, lhe era imposto e de que era capaz, prevendo que, ao atuar desse modo, poderia provocar, como provocou, um acidente e a morte dos peões que efetuassem a travessia daquela passagem para peões e que por si fossem atingidos como aconteceu com o AA, mas sem que se tivesse conformado com esse resultado. Esta forma de agir do arguido fê-lo embater com a sua viatura no peão AA que atravessava a via na passadeira. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Em face da factualidade acabada de descrever, que resultou provada, dúvidas não há de que o arguido violou o disposto em normas estradais, concretamente nas citadas disposições do Código da Estrada, concretamente, não conduziu com a atenção necessária ao desenvolvimento com segurança da atividade de condução, de molde a não pôr em perigo, desde logo, os peões (artigo 11.º do Código da Estrada), não regulou a velocidade aos limites legais para o local e, bem assim, às características da via, ou seja, à circulação numa rotunda e à aproximação a uma travessia para peões (artigos 24.º, 25 e 27.º do Código da Estrada) e não deixou passar o peão que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem [artigo 103.º e 145.º, n.º 1, alínea g), ambos do Código da Estrada].
E é absolutamente inegável que tal configura uma violação de um dever objetivo de cuidado, sendo certo que, dadas as qualidades e capacidades do arguido, havia a possibilidade de o mesmo ter cumprido o dever objetivo de cuidado a que estava obrigado. Com efeito, devia o arguido ter adequado a velocidade a que conduzia a viatura em causa, não só ao limite de velocidade no local, mas também às concretas condições da via, concretamente, da rotunda pela qual circulou e, bem assim, pela existência de uma passadeira para a travessia de peões por onde circulava a vítima mortal AA quando foi embatido pela viatura conduzida pelo arguido.
A condução em excesso de velocidade existe não só quando o condutor ultrapassa os limites legais, mas também quando, perante um determinado evento, característico da via ou do veículo, ou outra circunstância relevante para a circulação em segurança, que seja previsível para um condutor com a capacidade de diligência de um cidadão médio, devido à velocidade que anima o veículo, este não logra concretizar determinada manobra que pretendia realizar ou deter a marcha do mesmo no espaço livre e visível à sua frente.
Aos condutores apenas se exige que a velocidade de marcha lhes permita parar no espaço livre e visível à sua frente, isto é, em relação a um obstáculo visível ou que, razoavelmente, fosse de prever que viesse a surgir (cfr. acórdãos da TRC de 09.11.1977, BMJ 274, p. 316; de 11.03.1980, BMJ 299, p. 417 e acórdão do STJ de 2.11.1979, BMJ 291, p. 494).
Posto isto, importa agora apurar se esta omissão da ação do arguido era adequada a evitar a morte de AA. Ou seja: se o arguido não tivesse violado aquele dever objetivo de cuidado, a morte de AA não aconteceria? Haverá um nexo causal entre a morte e a violação do dever de cuidado protagonizada pelo arguido?
Estamos em crer que sim. Com efeito, se o arguido tivesse conduzido com a prudência esperada, teria adequado a velocidade a que conduzia a viatura em causa, teria então avistado o peão e, consequentemente, teria imobilizado a viatura antes da passadeira por onde o peão efetuava a travessia, assim se evitando a morte da vítima.
O arguido conhecia o local onde ocorreu o acidente. Não foi, portanto, surpreendido pela presença da travessia para peões, sendo que o traçado da via que antecede a zona de embate e a visibilidade que se conseguia obter bem antes da zona de colisão, permitia que um condutor médio e devidamente atento avistasse o peão a atravessar a passadeira. O resultado era, portanto, previsível e evitável não só para uma pessoa prudente, dotado de capacidades do “homem médio”, como podia ter sido evitado pelas capacidades pessoais do arguido.
Resultou, no entanto, igualmente provado que o peão AA atravessou a faixa de rodagem em passo apressado e sem se certificar de que poderia fazê-lo em segurança.
De acordo com o disposto no artigo 101.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, [o]s peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.
Quem infringir este normativo incorre na prática da contraordenação prevista no n.º 5 do mesmo artigo.
Do exposto, resulta, portanto, que ambos – arguido e vítima – incorreram na violação de regras estradais. Ambos violaram, portanto, o dever de cuidado a que cada um estava obrigado. Ou seja, também a vítima assumiu uma conduta leviana e descuidada.
Como dissemos já, a condução consiste numa atividade, por natureza, perigosa, constituindo o protótipo do risco permitido.
O princípio da confiança permite aos intervenientes no tráfego rodoviário a não obrigação de contarem com a imprudência alheia, porquanto o dever de previsão exigível ao condutor de um veículo automóvel não o obriga a contar com a atividade negligente de outrem, por ser de supor que os outros também cumprem as regras de trânsito e os deveres gerais de prudência.
Na situação dos nossos autos, a vítima violou o dever de se certificar que podia atravessar a faixa de rodagem sem perigo de acidente, tendo em conta a distância que o separava da viatura tripulada pelo arguido e a velocidade a que esta seguia.
Somos de entendimento de que o comportamento defeituoso assumido na estrada não é motivo para que o agente infrator deixe de poder invocar o princípio da confiança nos demais intervenientes do tráfego jurídico. Assim, não obstante a violação pela vítima de uma regra estradal, ainda assim poderia continuar a contar que o arguido conduzisse a velocidade não superior a 50 km/hora e, dessa forma, imobilizasse o veículo cedendo passagem ao peão que já atravessava a faixa de rodagem.
A violação de uma norma estradal com a correlativa inobservância do dever de cuidado pela vítima não dá lugar, no Direito Penal, há compensação de culpas, como no Direito Civil. A atitude da vítima não desvirtua a negligência do agente, impondo-se uma valoração e graduação das mesmas e dos correspondentes graus de gravidade (MARIA JOANA OLIVEIRA – A imputação objectiva na perspectiva do homicídio negligente, Coimbra Editora, p. 156).
Estamos diante um caso de causalidades cumulativas em que a conduta de cada um dos intervenientes não é por si só suficiente para alcançar o resultado típico morte. Com efeito, se o arguido não violasse o dever de conduzir com atenção e adequar a velocidade a que circulava com a viatura que conduzia, circulando a velocidade moderada que lhe permitisse travar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, quando a vítima iniciou a travessia da passadeira, o acidente, com o resultado típico morte, não teria acontecido, porque a adequação da velocidade permitiria parar antes do embate, evitando o resultado morte.
Da mesma forma, se a vítima tivesse atravessado a faixa de rodagem só depois de se certificar de que, tendo em conta a distância que o separava da viatura tripulada pelo arguido e a velocidade a que esta seguia, o podia fazer sem perigo de acidente, o resultado morte poderia ter sido evitado.
Ambos tiveram a sua quota de responsabilidade na eclosão do acidente, sendo certo que, em nosso entendimento, a culpa do arguido excede largamente a culpa da vítima, na medida em que era o arguido que tinha o dever de ceder passagem, conforme se depreende do preceituado no já citado artigo 103.º, n.º 2 do Código da Estrada [cfr. ainda o n.º 4 do mesmo artigo e o artigo 145.º, n.º 1, alínea g), do mesmo diploma legal].
O comportamento do arguido em conformidade com a observância das normas estradais a que estava obrigado evitaria o acidente, com a produção do resultado morte. Com efeito, não fora o comportamento do arguido, o acidente, com as consequências a ele inerentes, não teria ocorrido.
Atuou, assim, o arguido negligentemente e essa sua conduta negligente produziu o resultado morte.
Importa ainda acrescentar que a negligência com que o arguido atuou não foi, quanto a nós, de uma intensidade tal que a faça enquadrar no género da negligência grosseira, ou seja, que combine uma ação particularmente perigosa e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adotada. A nosso ver, a descrita conduta do arguido, atenta a velocidade que foi possível apurar – superior a 50 km/h – não pode classificar-se como uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido atroz perante o comando jurídico-penal, razão pela qual a não classificamos como uma negligência grosseira.
Considerando o exposto, dúvidas não restam que se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de homicídio negligente do artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal pelo qual o arguido se mostra acusado.
Assim sendo, e porque não se vislumbram causas de exclusão da ilicitude e da culpa, impõe-se a condenação do arguido em conformidade.»

As alterações introduzidas à matéria de facto na sequência da impugnação da recorrente determinam que realizemos algumas observações.
Antes do mais, concorda-se com a análise realizada, que não importa repisar, quanto à responsabilidade do condutor do ..-PP-...
Alinharemos apenas dois pontos que agravam a sua responsabilidade.
Em primeiro lugar, temos por demonstrado que a visibilidade do condutor era superior à assinalada na análise antecedente (sendo possível ao arguido avistar a totalidade da passagem assinalada na faixa de rodagem para travessia de peões a uma distância de, pelo menos, 30 (trinta) metros), posto que ficou demonstrado que (ponto de facto provado 19. após alterações introduzidas) era possível ao arguido avistar a passagem para travessia de peões assinalada na via de trânsito descendente da Avenida ... e o respectivo separador central a uma distância de cerca de 50 metros e avistar em toda a sua extensão e largura, a totalidade da passagem para travessia de peões assinalada nas duas vias de trânsito (descendente e ascendente) e o separador central a uma distância de cerca de 40 metros.
Em segundo lugar, deve realçar-se, o que não decorre da apreciação de direito levada a cabo pelo Tribunal a quo, que o atropelamento se deu quando o peão tinha atravessado, sempre pela passadeira, a via de trânsito no sentido ascendente, o separador central e tinha iniciado a travessia da via no sentido descendente, aquele em que seguia o condutor do ..-PP-.., tendo completado mais de metade da mesma, isto é, mais de 3,55 metros, posto que essa faixa descendente tem uma largura de 7,10 metros e é composta por duas vias de circulação nesse sentido descendente.
O peão foi projectado a uma distância superior a 20 metros e o veículo conduzido pelo arguido imobilizou-se junto ao limite direito da via por onde seguia a uma distância de 50 metros da passagem para peões pela qual a vítima AA efectuava a travessia da via no sentido descendente, não existindo no pavimento marcas de travagem nem outras marcas de pneumáticos.
Ora, sendo o ..-PP-.. um veículo de marca Fiat, modelo ..., cuja dimensão, como de qualquer utilitário, não ultrapassa os 2 metros de largura, não havia razão, para além do excesso de velocidade e do total alheamento do que ocorria na via por onde transitava, para que o seu condutor – já que não imobilizou o veículo antes da passadeira –, não evitasse o embate, desviando a viatura para a via de circulação mais à esquerda, que já se mostrava livre e desimpedida, pois o peão havia já efetuado a travessia de mais de metade da totalidade da faixa de rodagem no sentido descendente.
A falta de rastos de travagem, o local do embate (na passadeira e concluída mais de metade da via descente) e o dos danos na viatura, na zona frontal/lateral esquerda, revelam bem a distracção em que seguia o condutor, que embateu no peão sem esboçar qualquer movimento de desvio da viatura, quando tal conduta era possível para evitar o atropelamento.
A responsabilidade do condutor do ..-PP-.. é, pois, muito grave, resultando da violação leviana de várias regras de cuidado no âmbito da circulação rodoviária enunciadas na decisão recorrida.
E como bem salienta a recorrente «depois de ter iniciado o atravessamento da via, o AA tinha a sua liberdade de circulação superiormente protegida pelo preceituado no artigo 103º, nº 2 do C. Estrada, que determina que ao aproximar-se de uma passagem para peões, junto da qual a circulação de veículos não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar para deixar passar os peões que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.»

Por outro lado, não resulta da matéria de facto apurada qualquer falta de cuidado que possa ser imputada ao peão, pois o mesmo não só atravessou a via pela passadeira, como o fez com passo apressado, tendo ultrapassado a via de trânsito ascendente, o separador central e mais de metade da via descendente, circunstâncias que induzem a que tomou as precauções necessárias, não lhe sendo exigível que conte com o total alheamento dos condutores dos veículos que circulam na via. De outro modo teremos de afirmar que sempre que ocorre um atropelamento numa passadeira há culpa concorrente do peão que se devia abster de a atravessar, assim, evitando o embate.
Nem o art. 101.º do CEstrada nem qualquer outra norma impõem ao peão que espere pela paragem dos veículos que circulam na via antes de iniciarem a travessia das passadeiras.
Conclui-se, pois, tal como reclamado pela recorrente, pela culpa exclusiva do condutor do ..-PP-.. na ocorrência do sinistro.

Por último, questiona a recorrente o valor fixado quanto aos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais, pugnando, tal como peticionado, pela atribuição de € 70.000 a título de indemnização pela perda do direito à vida, de € 7500 pelo dano moral sofrido pela vítima AA e de € 30.000 a título de danos não patrimoniais sofridos pela própria.
Na sentença recorrida esses montantes indemnizatórios foram fixados, respectivamente, em € 50.000, € 4000 e € 15.000, aos quais foi ainda aplicada uma redução de 20% por força da concorrência de culpa ali decidida.
(…)
Ressalvando-se da análise antecedente a redução em 20% dos montantes fixados por via da concorrência de culpas, que na presente decisão será revogada, não ocorre, nem foi levantada, qualquer particular censura à configuração do direito à indemnização em sede de danos não patrimoniais, estando em discussão exclusivamente a justeza dos montantes arbitrados.
Nesta análise, teremos em conta a prática jurisprudencial ao nível do Supremo Tribunal de Justiça aplicável às circunstância do caso, entre os anos de 2016 e 2021, em especial os últimos[1].
Como muito bem se afirma no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2021[2], «[n]ão obstante a idêntica dignidade de toda e qualquer vida humana, uma vida não tem apenas um valor de natureza, mas sobretudo um valor social. Pelo que as circunstâncias pessoais de cada vítima não são (nem podem ser) irrelevantes para a atribuição da compensação pelo dano da morte (da lesão do direito à vida – sendo que tal indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista), sob pena de, em nome de um conceptualismo extremo, se olvidarem as realidades da vida e a ordem natural das coisas.»

No caso concreto, para além dos factos já relevados pelo Tribunal a quo, deve salientar-se em particular a forte ligação do falecido à recorrente, sua mãe, pessoa de 70 anos de idade e que toda a vida viveu com o filho, que contava 48 anos de idade à data do decesso.
Esta ligação era muito forte e deixou a recorrente particularmente abalada e solitária, vendo-se privada da companhia do filho com quem privava há 48 anos numa fase bastante avançada da sua vida, tendo em conta os indicadores de esperança média de vida.
O falecido, por seu turno, era um adulto que ainda tinha a expectativa de ter pela frente mais de 25 anos de vida, era saudável, trabalhava, vivendo bastante centrado no apoio que dava à sua mãe.
Por outro lado, com as alterações introduzidas à matéria de facto, acompanhadas da análise supra-exposta, sai realçada a gravidade dos factos praticados pelo condutor do ..-PP-.. e o grau de culpabilidade deste agente.
Não vemos, pois, razões para que o montante indemnizatório a fixar em sede de dano morte se afasta tanto do valores adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça e que actualmente se situa entre os € 80.000 e os € 100.000[3].
Mostra-se, pois, adequado fixar a indemnização pelo dano morte em € 70.000, conforme peticionado.
Tendo presente as considerações já enunciadas, quer na decisão recorrida, quer na presente, e os valores comummente arbitrados pelo Supremo Tribunal de Justiça mostra-se igualmente adequado fixar a título de indemnização por danos não patrimoniais da vítima AA e por danos não patrimoniais próprios da recorrente as quantias peticionadas, respectivamente, de € 7500 e de € 30.000.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2019, relatado por Pinto de Almeida no âmbito da Revista n.º 1580/16.4T8AVR.S1 - 6.ª Secção, de 21-03-2019, relatado por Maria da Graça Trigo no âmbito da Revista n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 - 2.ª Secção, de 06-12-2018, relatado por Helder Almeida no âmbito da Revista n.º 1685/15.9T8CBR.C1.S1 - 7.ª Secção e de 14-11-2017, relatado por Maria de Fátima Gomes no âmbito da Revista n.º 3316/13.2TJVNF.G1.S1 - 1.ª Secção.[4]
(…)
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder total provimento ao recurso interposto pela demandante civil BB e, em consequência:
a) Alterar a matéria de facto provada e não provada nos precisos termos supramencionados;
b) - Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB contra a demandada A..., S.A., Sucursal em Portugal e, em consequência:
b.1.) - Condenar a demandada a pagar à demandante a título de indemnização pelo dano morte a quantia de € 70.000 (setenta mil euros);
b.2.) - Condenar a demandada a pagar à demandante a título de indemnização pelos danos não patrimoniais de AA a quantia de € 7500 (sete mil e quinhentos euros);
b.3.) - Condenar a demandada a pagar à demandante a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios daquela a quantia de € 30.000 (trinta mil euros);
b.4.) - Condenar a demandada a pagar à demandante a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 2238,59 (dois mil duzentos e trinta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos);
b.5.) - Condenar a demandada nas custas da parte cível;
c) - Manter no mais a decisão proferida.
Sem tributação no âmbito do recurso.

Porto, 26 de Outubro de 2022
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
________________
[1] Compilação temática acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Jurisprudência temática/Dano morte (2016-2021).
[2] Relatado por Fernando Baptista no âmbito da Revista n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1 - 2.ª Secção.
[3] Cf. o acórdão indicado na nota 5. Seguindo orientação idêntica, vejam-se os acórdãos do STJ de 03-03-2021, relatado por Maria do Rosário Morgado no âmbito da Revista n.º 3710/18.2T8FAR.E1.S1 - 7.ª Secção; de 25-02-2021, relatado por Rosa Tching no âmbito da Revista n.º 4086/18.3T8FAR.E1.S1 - 2.ª Secção, de 11-02-2021, relatado por Abrantes Geraldes no âmbito da Revista n.º 625/18.8T8AGH.L1.S1 - 2.ª Secção, de 04-06-2020, relatado por Tomé Gomes no âmbito da Revista n.º 2732/17.5T8VCT.G1.S1 - 2.ª Secção e de 07-05-2020, relatado por Olindo Geraldes no âmbito da Revista n.º 952/06.7TBMTA.L1.S1 - 7.ª Secção, entre muitos outros mencionados na apontada compilação temática.
[4] Com sumários consultáveis in www.stj.pt (Jurisprudência/Jurisprudência temática/Dano morte (2016-2021).