Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
207/12.8YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL
ILEGITIMIDADE
CONTESTAÇÃO EXTEMPORÂNEA
PROVA
Nº do Documento: RP20121105207/12.8YIPRT
Data do Acordão: 11/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 29º DA LAV
Sumário: I - A decisão arbitral que julgou extemporânea a contestação ou ilegítima uma parte só pode ser impugnada judicialmente pelo vencido com o recurso que interpuser da decisão final.
II - Tais questões podem ainda ser suscitadas no recurso interposto da decisão final pela parte contrária enquanto pressupostos capazes de poderem vir a conduzir à improcedência desse recurso.
III - A apresentação de defesa que venha a ser considerada extemporânea não impede o juiz árbitro de oficiosamente proceder à produção de provas propostas por essa parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo nº 207/12.8YRPRT
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1ª Apelação:

(.) Apelante
- B…, residente na Rua … nº …, em …, …, em Santa Maria da Feira;
(.) Apelada
- C…, Companhia de Seguros SA, com sede na Rua … nº .., em Lisboa.
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2ª Apelação:

(.) Apelante
- C..., Companhia de Seguros SA, com sede na Rua ... nº .., em Lisboa;
(.) Apelado
- B..., residente na Rua ... nº ..., em ..., ..., em Santa Maria da Feira.
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SUMÁRIO:
I – Em processo de arbitragem, segmentos decisórios como aquele que julga extemporânea a contestação do demandado ou que o demandante é parte legítima, apenas podem ser impugnados pelo vencido nesses segmentos se ele interpuser recurso da decisão (final) que se pronuncia em definitivo sobre o objecto do litígio, e por adesão a esse recurso (artigos 29º, nº 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto [LAV], e 691º, nº 3, do Código de Processo Civil)
II – A parte neles vencida, e que os queira impugnar, pode ainda, no contexto recursório da decisão final que haja sido interposto pela parte contrária (nesta vencida), pedir a sua reapreciação, enquanto pressupostos capazes de poderem vir a fazer preterir a viabilidade daquele recurso (artigo 684º-A, nº 1, do CPC);
III – Estabelecendo o regulamento de arbitragem a notificação como acto de chamamento do demandado para se defender, e aceitando este como genuíno, para esse efeito, o aviso postal registado que lhe foi enviado, é-lhe subtraída a possibilidade de, depois, vir reclamar a seu favor, para lá do prazo peremptório, ainda período de dilação (artigos 16º, alínea b), da LAV, 198º, nºs 1 e 4, 202º, 252º-A e 254º, nºs 1 e 3, do CPC);
IV – Conquanto a ilegitimidade de alguma das partes constitua excepção dilatória, impõe-se ao tribunal o seu conhecimento oficioso (artigos 288º, nº 1, alínea d), 494º, alínea e), e 495º, início, do CPC); contudo, apenas quando os elementos constantes dos autos permitam evidenciar a sua subsistência (artigos 510º, nº 1, alínea a), final, e 660º, nº 1, do CPC);
V – Em processo arbitral a falta da apresentação da defesa pelo requerido não acarreta, em princípio, outra consequência que não seja a de a parte faltosa não poder exprimir a sua posição sobre o litígio; e não obsta a que o juiz árbitro, fazendo uso das suas faculdades oficiosas, possa proceder à produção de provas que essa parte aí lhe haja proposto ou sugerido (artigo 265º, nº 3, do CPC);
VI – A decisão arbitral carece de ser fundamentada, em particular na óptica de facto (artigo 23º, nº 3, da LAV); padecendo de nulidade se o não estiver (artigos 27º, nºs 1, alínea d), e 3, e 29º, nº 1, da LAV)
VII – A densidade dessa fundamentação só será salvaguardada se minimamente for perceptível, por um lado, o escrutínio probatório acerca de cada um dos factos controversos relevantes para a boa decisão da causa (artigo 653º, nº 2, do CPC), por outro, quais deles são os que exactamente constituem a base para o enquadramento normativo do direi-to material aplicável (artigo 659º, nºs 2, início, e 3, do CPC);
VIII – Ainda que o tribunal da Relação anule uma sentença arbitral, é-lhe permitido substituir-se à primeira instância e conhecer do objecto do recurso (artigo 715º, nº 1, do CPC); porém, apenas se o processo comportar todos os elementos que sejam necessários a um consciencioso conhecimento;
IX – Estando em causa a carência da matéria de facto e (além do mais) a avaliação de prova pessoal, cujo depoimento não foi gravado, não se divisa possível proceder a essa substituição (artigo 712º, nº 1, alínea a), final, do CPC); e nem sequer por via de uma renovação de meios de prova (artigo 712º, nº 3, do CPC), cuja feitura apenas se prevê em apoio à alteração da decisão de facto da primeira instância, em quadro recursório com esse objecto e de viabilidade precedentemente reconhecida (artigo 712º, nºs 1 e 2, do CPC);
X – Na hipótese referida em IX –, por já se achar extinto o poder jurisdicional do juiz árbitro (artigo 25º da LAV), deve o tribunal da Relação limitar-se a decretar a anulação da decisão.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

1. O procedimento da arbitragem.

1.1. B… remeteu reclamação [1] para intervenção do serviço de mediação e arbitragem, do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, no litígio que o opõe a C…, Companhia de Seguros SA. Alegou que, no dia 21 de Agosto de 2011, quando seguia ao volante do seu automóvel, de matrícula ..-IE-.., foi embatido por um outro, conduzido por D…, seguro na companhia reclamada; e que o embate só aconteceu por exclusiva responsabilidade desta condutora. Decorrentemente suportou prejuízos; concluindo a pedir que a seguradora seja condenada a pagar-lhe, entre perdas materiais e morais, um total de 68.863,43 €; para lá ainda de uma quantia diária vincenda, por privação de uso do veículo; e também de juros vincendos.
Juntou documentos; arrolou testemunhas; pediu que fosse recolhido o seu depoimento; e, caso necessário, ainda a inspecção ao local do acidente.

1.2. O processo seguiu para julgamento arbitral.

Por registo postal de 27 de Dezembro de 2011, a seguradora foi notificada “para, no prazo de 10 dias, contestar, bem como apresentar todos os elementos de prova que reputem convenientes” (v fls. 134).

1.3. Por peça apresentada no dia 13 de Janeiro de 2012,[2] a seguradora contestou; argumentou que os factos que apura evidenciam uma divisão equitativa de responsabilidades dos condutores pela eclosão do sinistro; e terminou a dizer que a reclamação há-de julgar-se em função da prova produzida.
Indicou testemunhas; e juntou documentos.

1.4. O reclamante respondeu;[3] e para arguir a extemporaneidade da contestação; terminando a pedir o seu desentranhamento e o seguimento do pro-cesso como se ela não existisse, “com a decisão segundo o direito constituído (artigo 12º, nº 1, do RSMAS), sem prejuízo do disposto no artigo 14º do RAC do Cimpas”.

A essa resposta, respondeu a reclamada;[4] invocando beneficiar de 5 dias de dilação na contagem do prazo para contestar (artigo 252º-A, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil); bem como, e de todo o modo, sempre o juiz árbitro dispor de todos os elementos no processo para bem julgar. Ademais, ainda aproveitou para invocar ilegitimidade do reclamante, por não ser ele, mas a sociedade E…, Ld.ª a proprietária do veículo que conduzia.

Voltou a responder o reclamante;[5] mantendo a tese da intempestividade da contestação; afirmando a incongruência da excepção de ilegitimidade deduzida; pedindo a censura da reclamada como litigante de má-fé; e, por fim, a título subsidiário, suscitando o incidente da intervenção principal provocada da identificada sociedade.

A reclamada pronunciou-se ainda;[6] para dizer nada opôr à pedida intervenção; mas rejeitar a censura por litigância de má-fé.

1.5. Foi designado dia para a audiência de julgamento.

No início dela o reclamante juntou peça para exercício do direito ao contraditório, relativamente às excepções substantivas deduzidas pela demandada na sua contestação”;[7] findando por dizer deverem ser “julgadas improcedentes”; e aproveitando, ainda, para requerer a junção de mais documentos.

Entretanto, intui-se que foram ouvidas testemunhas; e que foi suspensa a audiência.[8] Aproveitando o reclamante, nesse intermédio, para, em novo requerimento,[9] solicitar outras diligências probatórias.

Houveram novas pronúncias da reclamada; sobre a peça apresentada em audiência,[10] e sobre a outra subsequente, ambas do reclamante.[11]

Respondendo-lhe, outra vez, este.[12]

1.6. O juiz árbitro produziu a decisão arbitral (v fls. 320 a 326).[13]
E nela decidiu-se: (1) ordenar o desentranhamento da contestação por extemporânea; (2) não existirem excepção ou questões prévias a obstar ao conhecimento de mérito; e (3), com fundamento numa “repartição igualitária da culpa do acidente de ambos os condutores”, em julgar “a reclamação parcialmente provada, por procedente, condenando-se a reclamada a pagar ao reclamante, … a quantia de 11.338,00 € (onze mil trezentos e trinta e oito euros)”.

A decisão foi notificada às partes.[14]

2. As (2) instâncias recursórias.

2.1. O reclamante inconformou-se; e interpôs recurso.
2.1.1. Alegou; e findou com as conclusões se transcrevem.

i. O presente recurso tem por fundamento principal, a impugnação da decisão arbitral, nos termos do disposto no art.º 676.º, n.º 1, do CPC ex vi art.º 20.º, n.º 2, do RAC do Cimpas, visando a alteração da decisão ou a sua anulação (art.º 685.º-A, n.º 1, do CPC), que inclui a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (art.º 685.º-B, do CPC, com os fundamentos previstos no n.º 1, do art.º 712.º, do CPC), tendo por desiderato a regra da substituição ao tribunal recorrido, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 715.º, do CPC;
CONSEQUÊNCIA DERIVADA DA EXTEMPORANEIDADE DA CONTESTAÇÃO
ii. Nos presentes autos, foi concedido provimento à excepção de extemporaneidade da apresentação contestação da Demandada/Recorrida, por não ter sido respeitado o aludido prazo e ordenado o desentranhamento de tal articulado;
iii. Embora não seja estabelecida a cominação de confissão dos factos articulados pelo Demandante, o art.º 9.º, n.º 5, do Regulamento de Arbitragem e Custas do Cimpas (RAC) estatui que “Na falta de contestação, o Juiz Árbitro decidirá com base nos elementos constantes do processo”;
iv. A intenção do legislador, na previsão do n.º 5, do art.º 9.º, do RAC consistiu em que o Juiz Árbitro esteja vinculado a decidir imediatamente, tendo apenas por base os elementos constantes do processo nessa fase processual, os quais circunscrevem-se ao alegado na petição inicial e os documentos ou outros elementos probatórios juntos ou suscitados pelo Demandante;
v. Sendo inadmissível ao Juiz Árbitro decidir com base em qualquer “posição”, “alegação”, “comunicação” ou prova apresentada pela parte demandada, como sucedeu in casu;
vi. Tendo a decisão de extemporaneidade sido proferida na própria decisão arbitral (sentença final), a consideração nesta de todos os actos subsequentes à contestação oredenada desentranhar, designadamente a produção de prova arrolada pela Demandada na sua contestação, absolutamente proibida face ao aludido preceito (art.º 9.º, n.º 5, do RAC), ter-se-á de ter por nula por influir de forma directa no exame e decisão da causa (art.º 201.º, do CPC);
vii. Admitir o contrário, conduziria ao esvaziar de sentido e objecto a citada norma, a saber, apesar de estatuir que “o Juiz decide com base nos elementos constantes do processo” (no momento da fase processual a que se refere – a falta de contestação), os “elementos constantes do processo” seriam os que o Juiz Árbitro entendesse, defraudando as legítimas expectativas do Demandante e as consequências processuais expressamente pretendidas pelo legislador;
viii. Ao não determinar a anulação de todos os actos processuais subsequentes com influência directa no exame e decisão da causa e ao prosseguir com a decisão, valorando o alegado pela Demandada e a própria prova por esta junta e arrolada, o Sr. Juiz Árbitro a quo violou de forma expressa o disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC e o disposto no art.º 201.º, n.os 1 e 2, do CPC;
ix. O Sr. Juiz Árbitro, apesar de ter julgado extemporâneo o articulado de contestação e o ordenado desentranhar, proferiu decisão, não apenas com base nos elementos constantes no processo à data da fase processual de falta de contestação, atendendo não apenas ao alegado pela Demandada/Recorrida nesse articulado, mas inclusivamente valorando a prova junta e arrolada na contestação da Demandada, como se porventura essa contestação continuasse válida e tempestiva;
x. Pelo que deve ser julgada nula e sem qualquer efeito a decisão arbitral em todos os segmentos em que considerou, para a fixação dos factos e para a fundamentação de facto e de direito, os actos processuais subsequentes à fase processual correspondente à falta de contestação da Recorrida, designadamente toda a decisão arbitral subsequente ao parágrafo 6.º da página 3 por violação do disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC e do disposto no art.º 201.º, n.os 1 e 2, do CPC;
REGRA DA SUBSTITUIÇÃO AO TRIBUNAL RECORRIDO
xi. “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o Tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação” (art.º 715.º, do CPC), pelo que o Venerando Tribunal da Relação pode substituir-se ao “Tribunal” a quo e, em conformidade com o disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC, decidir “com base nos elementos constantes do processo”;
xii. Sendo a contestação extemporânea e ordenado o seu desentranhamento, os “elementos constantes do processo” são apenas os factos alegados pelo Demandante (ora Recorrente) e os documentos por si juntos na petição inicial, sobre os quais (apesar de na sua generalidade não terem sido objecto de qualquer impugnação pela parte contrária), o Tribunal poder fazer incidir a sua apreciação crítica;
xiii. Já relativamente aos factos que, pela sua natureza, não tenha sido junta prova documental específica pelo Demandante e que não sejam factos notórios, poderá a decisão fundar-se na análise crítica pelo Tribunal do facto alegado, recorrendo a presunções judiciais, conjugando com outros documentos e elementos juntos aos autos;
xiv. Todavia, a decisão fundada apenas nos “elementos constantes do processo” (art.º 9.º, n.º 5, do RAC) não pode ser prejudicial ao Demandante por, em virtude da falta de contestação da Demandada, não haver lugar a audiência de julgamento e à produção da prova por si requerida — tal seria inconstitucional, por violação do direito ao acesso a uma decisão justa e a uma tutela jurisdicional efectiva (art.º 20.º, da Constituição da República) — ou seja, por falta de contestação da parte contrária, não pode assistir ao Demandante menos direitos do que se porventura essa contestação tivesse sido apresentada tempestivamente;
O SINISTRO
xv. Os elementos existentes no processo relativamente ao sinistro são os factos referidos pelo Demandante na petição inicial e os documentos n.º 1 (auto de participação de Acidente da PSP – documento oficial, composto por auto, croquis, medições, declarações dos condutores e oito fotografias incluídas no NPP 394509/2011) e ainda os doc. 2 a 24;
xvi. Relativamente a esta matéria, quer a decisão de facto, quer a respectiva subsunção jurídica operada pelo Sr. Árbitro a quo enfermam de absoluta omissão de motivação e fundamentação, sendo contraditórias com matéria de facto que de seguida valoram e estão em manifesta oposição com os elementos documentais juntos aos autos, os únicos que deveriam ter sido relevados e os quais são idóneos à modificabilidade da decisão de facto, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 1, al. a) e b), do CPC;
xvii. Quanto à motivação, dispõe o art.º 653.º, n.º 2, do CPC que “a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”, não bastando, contudo, uma referência genérica para efeitos de fundamentação da decisão (Ac. STJ, 06-12-2011, proc. 1675/06.2), nos termos efectivados pelo o Sr. Juiz Árbitro a quo:
a. Ao omitir a fundamentação com exigência imposta pela lei nos termos supra enunciados, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 515.º e 653.º, n.º 2, do CPC;
b. Atenta a consequência determinada no art.º 9.º, n.º 5, do RAC, para o Sr. Juiz Árbitro decidir com base nas “declarações dos intervenientes” teria que circunscrever-se às declarações prestadas e assinadas pelo punho de cada um dos intervenientes e juntas aos autos enquanto parte integrante do Auto de participação da PSP (documento 1, junto com a petição) e não a quaisquer outras;
xviii. Sendo igualmente patente a contradição da matéria de facto, por um lado, e a manifesta oposição de tal matéria em relação aos documentos juntos no processo na petição inicial, únicos que poderiam relevados pelo Sr. Juiz Árbitro;
xix. Em expressa violação do disposto nos citados preceitos 515.º e 653.º, n.º 2, do CPC, que permite ao Venerando Tribunal da Relação modificar a decisão de facto, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC;
A CONDUTA ESTRADAL DO RECORRENTE
xx. Das declarações de ambos os condutores, que integram o auto de participação da PSP e que constitui um documento oficial junto aos autos (doc. 1 junto com petição), resulta que as declarações do Recorrente foram tomadas imediatamente no local do sinistro, as declarações da condutora do veículo seguro na Recorrida foram “recolhidas a posteriori”, ou seja, tendo tido oportunidade e tempo para reflectir sobre o modo como o embate ocorreu, sem a genuinidade própria do momento, mas igualmente ponderando o que no mesmo auto de declarações poderia escrever:
Do teor de tais declarações, não resulta nenhum dos factos “assentes” na decisão recorrida na censura que ali é realizada à conduta do Recorrente, designadamente às enunciadas no ponto 58) do corpo das Alegações, sendo inaplicável a subsunção jurídica que a este propósito é efectivada na decisão recorrida;
xxi. Relativamente aos artigos 35.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1, do Código da Estrada, a subsunção jurídica efectivada pelo Sr. Juiz Árbitro a quo enferma de vários vícios, a saber:
xxi.1. Sendo o local em causa um entroncamento, era lícita ao Recorrente realizar a manobra de mudança de direcção à sua esquerda;
xxi.2. Dos elementos constantes dos autos, isto é, das declarações de ambos os condutores e da própria posição do veículo do Recorrente, em que a sua traseira ficou junto à linha divisória da via, é notório o cumprimento por parte do mesmo, da aproximação do eixo da faixa de rodagem, tendo precisamente por essa razão ficado na posição perpendicular, ou seja, em pleno e estrito cumprimento do disposto no art.º 44.º, n.º 1, do C.E;
xxi.3. Relativamente ao disposto no art.º 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, o mesmo deve ser interpretado no sentido de ser imposto aos condutores a realização das manobras “de forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”, desde que esse trânsito se faça em cumprimento das regras do Código da Estrada, não podendo ser oposto ao Recorrente a responsabilidade pelo perigo criado decorrente da infracção, pela outra condutora, de uma norma que a proíbe absolutamente de ultrapassar nos cruzamentos, em cujo local era admissível ao Recorrente realizar a referida manobra;
xxi.4. Sendo impossível, quer segundo as regras da experiência, quer segundo as próprias leis da física, que um veículo estando a ser ultrapassado, ao “invadir inopinadamente” a hemi-faixa esquerda, seja “imediatamente colidido” pelo veículo que o estaria a ultrapassar no específico sítio do veículo em que o embate se efectivou;
xxi.5. Num cenário dessa natureza (impossível equiparar ao dos autos), estando a ser ultrapassado, ao pretender realizar a manobra para a esquerda: seria imediatamente embatido na parte frontal esquerda, não conseguindo sequer entrar na totalidade nessa hemi-faixa esquerda; jamais se posicionando na total perpendicular; jamais conseguindo colocar a sua parte frontal na berma da hemi-faixa esquerda; Jamais sendo embatido na parte lateral esquerda traseira, a partir do meio do veículo para a sua traseira (como sucedeu in casu); e, por outro lado, os danos no veículo que estaria a ultrapassar seriam na parte lateral direita frontal e jamais (apenas) na totalidade frontal do veículo (que ficou totalmente destruído);
xxi.6. O veículo que estaria a ser ultrapassado nunca conseguiria fazer a manobra de rotação à esquerda na sua integralidade (como sucedeu in casu), na perpendicular e não estaria na sua totalidade na hemi-faixa esquerda, já com a parte frontal na berma dessa hemi-faixa esquerda;
xxi.7. Segundo o princípio científico de física, a velocidade média corresponde à equação entre o espaço e o tempo (Vm = E/T);
xxi.8. Considerando a afirmação da própria condutora (junto ao auto da PSP) já se encontrava a ultrapassar (!) quando viu (!) o Demandante a accionar o “pisca” para a esquerda, altura em que, segundo a mesma escreveu, o IE (veículo do recorrente) começou a efectuar a manobra de mudança de direcção, e na medida em que o IE tem um comprimento total de 4,635m (doc. junto aos autos), superior em 1,335m à largura da hemi-faixa de rodagem (3,30 metros) correspondendo a parte sinistrada a sensivelmente metade do veículo (2 metros);
xxi.9. Para que a condutora do DU embatesse no IE (do demandante), no local em que embateu, ou seja, estando o IE na hemi-faixa esquerda na perpendicular em relação à marcha do DU, seria necessário que o Demandante fizesse circular o ... IE, em manobra de mudança de direcção à esquerda, a uma velocidade no mínimo correspondente ao resultado do produto da velocidade a que o DU circulava (Vm) pela equação do espaço médio percorrido por este (E) sobre a distância (D) “percorrida” pelo IE, ou seja
Vm * (E/D) = 50 Km * (4,16m/2,3m) = 50 Km * (1,808) = 90,40 hr./hora
xxi.10. O ..., conduzido pelo Demandante, teria, por conseguinte, de estar a circular a uma velocidade não inferior a 90,40 km/hora, no momento em que fez a manobra de mudança de direcção à esquerda;
xxi.11. Se assim estivesse a suceder, jamais a condutora do DU a uma velocidade de 50 km/hora lograria “ultrapassar” o IE e este, muito menos, conseguiria, segundo as regras da física, efectuar uma manobra de mudança de direcção a essa velocidade;
xxi.12. Sendo a decisão arbitral, quer quanto aos termos de facto, quer a subsunção jurídica efectivada pelo Sr. Juiz Árbitro a quo, completamente avessa aos elementos documentais juntos aos autos, designadamente das fotografias, do local relativo do embate em cada um dos veículos e dos danos produzidos;
xxii. Termos em que, por violação do disposto nos artigos 351.º, do Código Civil (por completamente oposto às regras da física e da experiência) e do art.º 653.º, n.º 2, do CPC, deve tal decisão de facto e de direito ser anulada, modificando o Venerando Tribunal da Relação para a factualidade alegada, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC;
xxiii. Relativamente ao artigo 60.º, n.º 2, al. b), do Código da Estrada, a sinalização da manobra foi declarada como efectivada pelo Recorrente, nas próprias declarações da condutora do veículo DU, segurado na Recorrida;
a. Estando o Sr. Juiz Árbitro vinculado a decidir “com base nos elementos existentes no processo” (art.º 9.º, n.º 5, do RAC), era-lhe absolutamente vedado dar como não provado um facto que, não apenas foi alegado pelo Recorrente, como constante das declarações de ambos os condutores intervenientes perante o agente da PSP e que faz parte integrante do auto de participação junto aos autos, documento esse oficial, não impugnado;
b. Devendo tal decisão (quer de facto, quer de direito), ser anulada e modificada a matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 1, al. b), do CPC, não podendo ser imputada ao Recorrente qualquer violação da regra estradal do art.º 60.º, n.º 2, al. b), do Código da Estrada;
A CONDUTA DA CONDUTORA DO VEÍCULO SEGURADO NA RECORRIDA
xxiv. Relativamente à conduta estradal da condutora do veículo segurado na Recorrida, o segmento decisório do Sr. Juiz Árbitro a quo, é totalmente contraditório nos seus fundamentos e na sua conclusão, designadamente porque não existe no ordenamento jurídico português nenhum “sinal vertical de autorização de ultrapassagem”, ficando prejudicada a respectiva conclusão de “mitigação de responsabilidade”;
a. O sinal vertical C20 significa apenas e tão só “fim da proibição de ultrapassar” e não “autorização de ultrapassagem”, sendo conceitos legais bem distintos;
b. O sinal em causa encontra-se aposto após a aludida ponte sobre a linha férrea, na decorrência de um sinal de proibição de ultrapassagem existente antes da aludida ponte (em ambos os sentidos de marcha), conforme fotos do local juntas aos autos, sendo patente que essa sinalização em causa existe unicamente por força da aludida ponte, pela sua reduzida visibilidade, não permitindo ao julgador outra conclusão ou presunção diversa;
c. «O sinal C20c significa apenas o fim da causa motivadora da sinalética C14a e não que seja permitido ultrapassar, cuja admissibilidade depende da verificação conjugada da inexistência de nenhuma das circunstâncias de ultrapassagem proibida do art.º 41.º, do Código da Estrada, do estado da via, da intensidade do tráfego e da regra geral do art.º 35.º, para que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito» (Costa, António Alves / Silva, Catarina Pereira, Código da Estrada – Manual, Lisboa: Ed.Alves Costa, 2008 – 130.ª ed., p. 143);
d. A aludida sinalização corresponde exclusivamente à proibição (início e fim) de ultrapassagem na ponte em causa, não concedendo qualquer “autorização de ultrapassagem”, designadamente não podendo opor-se nem sobrepor-se à disposição estradal imperativa do art.º 41.º, n.º 1, al. c) que proíbe de forma absoluta a ultrapassagem antes e depois dos cruzamentos e entroncamentos;
e. Nessa parte, por manifesta violação do princípio da legalidade (art.º 1.º, n.º 1, do Código Civil), sendo a decisão absolutamente contrária ao direito constituído, no qual não se encontra prevista qualquer sinalização vertical de “autorização de ultrapassagem”, nem outrossim em qualquer normativo do Código da Estrada, deve tal segmento decisório ser julgado nulo e contrário ao Direito;
xxv. Por outro lado, não existem elementos que permitam ao Sr. Juiz Árbitro a quo presumir pela “autorização de ultrapassagem” em local expressamente proibido pelo art.º 41.º, n.º 1, al. c), do Código da Estrada, relativamente à “linha longitudinal descontínua” que invoca, na medida em que tal linha inicia-se e termina, respectivamente, antes e depois do entroncamento (cfr. doc. 3 e 4 junto com a petição);
a. Uma conduta legalmente qualificada de proibida (ultrapassagem nos entroncamentos – art.º 41.º, n.º 1, al. c), do Código da Estrada), é ilícita, só não o sendo nos casos expressamente excepcionados pela própria lei, a saber, nas circunstâncias enunciadas nos n.os 3 e 4, do art.º 41.º, do Código da Estrada, que in casu, são inaplicáveis;
b. Acresce inexistir qualquer imposição legal para aposição da sinalização de perigo, designadamente a do sinal A24, sendo notório que, na esmagadora maioria dos entroncamentos das estradas portuguesas, inexiste qualquer sinalização nesse sentido e o tracejado da estrada apresenta-se, nesses locais, por regra, descontínuo para admitir a realização das manobras de mudança de direcção. Alvitrar o contrário, seria admitir que as proibições absolutas e relativas expressamente consignadas no Código da Estrada ficariam “revogadas” tacitamente na ausência dessa sinalização, o que seria contraditório com a intenção do legislador na estatuição dessas proibições (art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil);
DA VELOCIDADE DO VEÍCULO SEGURADO NA RECORRIDA
xxvi. Apesar de invocada pelo Demandante/Recorrente na sua petição inicial, a decisão recorrida é totalmente omissa relativamente à velocidade imprimida pela condutora do veículo segurado na Recorrida, o que gera nulidade da decisão, quer pela falta de apreciação, quer pela absoluta falta de fundamentação sobre tal matéria, por violação expressa do disposto nos art.os 515.º e 653.º, n.º 2, do CPC ex vi art.º 23.º, n.º 2, do RAC do Cimpas, uma vez que tal matéria, pela sua natureza, reveste uma particular importância na definição da responsabilidade pela eclosão do sinistro;
xxvii. A velocidade instantânea dificilmente é passível de prova testemunhal, devendo resultar de uma apreciação crítica, ponderada e segundo as regras da experiência, de acordo com o “homem médio”, a partir de elementos que constem do processo, designadamente, os rastos de travagem, os vestígios deixados pelo embate, os concretos danos provocados em cada veículo;
xxviii. Esses elementos constam dos autos, consubstanciados em documentos, designadamente o auto de participação da PSP, no qual constam as medições, os vestígios e inclusivamente fotografias, quer do local, quer dos danos provocados nos veículos, sendo que esses danos são igualmente observáveis pelos doc. 5 a 24 juntos com a petição (e do relatório peritagem só junto pela Recorrida na contestação, ordenada desentranhar, mas cujo relevo impõe seja novamente junto aos autos, ao abrigo do art.º 712.º, n.º 1, al. c) do CPC), dos quais resulta de forma inequívoca:
a. O estado de destruição total da estrutura do veículo do Recorrente que, aliás, implicou por parte da peritagem a conclusão pela perda total do veículo;
b. O estado de destruição total de toda a parte lateral esquerda, do veículo do Demandante, desde uma parte da porta frontal lateral esquerda, quer de toda a porta lateral traseira esquerda, pneu e jante, que estão completamente empurrados para o interior da viatura;
c. O estado de destruição total da parte frontal do veículo segurado na Demandada, com o capot completamente recolhido, com o motor destruído e amassado;
d. As dimensões e peso de cada veículo — sabendo que o veículo seguro na Demandada, um VW ..., ser um veículo com um peso muito inferior, mais baixo e menos robusto — facto, aliás, notório;
e. O facto de, conforme consta das fotografias n.º 14 e 16, juntas com a petição, existir o vestígio de arrastamento de pneu em corte lateral que ficou marcado na estrada;
f. O facto de o embate ter provocado a abertura de todos os airbags do ... (janela, cortina, bancos), com excepção dos frontais (conforme Relatório de Peritagem Final);
xxix. A violência do embate (observável pelas fotos não impugnadas) e a extensão e a gravidade dos danos, quer os provocados no veículo do Demandante, quer os provocados no veículo seguro na Demandada, são substancialmente incompatíveis com uma velocidade dentro do limite máximo legal admissível no local e assinalado no auto da PSP, como sendo de 50 Km/hora, só o sendo para uma velocidade, no mínimo, correspondente ou próxima da do dobro do citado limite máximo, sobre cuja factualidade, a decisão recorrida é totalmente omissa;
DA RESPONSABILIDADE PELA ECLOSÃO DO SINISTRO
xxx. Ao abrigo do disposto no art.º 712.º, do CPC, deve concluir-se pela responsabilidade exclusiva da condutora do veículo segurado na Recorrida:
a. O Demandante/Recorrente cumpriu escrupulosamente todas as regras que lhe estavam impostas, incluindo a dos art.os 21.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1 (em relação à manobra de mudança de direcção), não podendo ser responsabilizado por, ao realizar uma manobra que lhe era lícita, nesse momento a condutora do DU estar a realizar uma manobra proibida;
b. A condutora do veículo segurado na Ré violou as normas dos artigos 11.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, 35.º, n.º 1, 38.º e 41.º, n.º 1, al. c), todos do Código da Estrada;
c. Ainda que por mera hipótese académica, fosse entendido haver concorrência de culpa na produção do sinistro, a gravidade da conduta e as várias normas violadas pela condutora do veículo segurado na Ré imporiam, necessariamente, uma repartição bem diversa da “igualitária”, admitindo-se apenas hipoteticamente que necessariamente sempre, no mínimo, 90% para a condutora do veículo segurado na Ré — o que, todavia, não se concede, tendo neste segmento decisório, o Sr. Juiz Árbitro a quo, violado a regra do disposto no art.º 570.º, do Código Civil;
d. Pelo que deve ser anulada a decisão arbitral na parte em que imputa ao Recorrente culpa na produção do sinistro, nos termos e proporção em que o efectiva;
DANOS MATERIAIS NO VEÍCULO DO RECORRENTE
xxxi. O segmento decisório no qual o Sr. Juiz Árbitro conclui que “no que diz respeito ao valor venal do veículo, que o Reclamante impugnou, não foi, em audiência, feita qualquer prova em contrário, que invalidasse o valor supra referido” (página 7 da decisão, parágrafo 1.º), deve ser anulado, por violação do disposto nos artigos 9.º, n.º 5, do RAC do Cimpas, dos artigos 515.º e 653.º, n.º 2, do CPC, dos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, e 566.º e 569.º, todos do Código Civil e ainda o disposto no art.º 41.º, n.os 3 e 4, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto;
xxxii. Relativamente à aferição do valor venal do veículo do Recorrente, importa considerar os seguintes factos, plasmados nos respectivos documentos:
a. A comunicação, pela Recorrida, da “perda total” e o valor de € 25.000,00 «de acordo com as tabelas do Eurotax» – doc. 31 junto com a petição;
b. O valor das tabelas do Eurotax não corresponde ao critério legalmente estatuído no art.º 41.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, nos termos do qual, “o valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente” (n.º 3), estabelecendo o n.º seguinte que “o valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro, calculado nos termos do número anterior (…), de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a indemnização”;
c. As tabelas Eurotax destinam-se a indicar elementos em benefício dos seus clientes – as companhias de Seguros — e não constituem qualquer critério objectivo para subsunção no critério legal imposto pelos dispositivos citados (cfr. Ac. Relação de Lisboa, de 12-10-2010, proc. 2465/04);
d. O valor de € 25.000,00 indicado pela Recorrida, fundou-se na versão base do modelo ... (cfr. doc. 31), quando o veículo do Recorrente é um modelo designado comercialmente “Seven Xtreme”, com equipamentos extras, que à data da sua aquisição, tinham o valor acrescido de € 2.000 (dois mil euros)cfr. doc. 42 e 43, juntos com a petição;
e. Além disso, o veículo era de cor prata/platina, isto é, com pintura metalizada, no valor acrescido de € 300,00 (trezentos euros) — cfr. doc. 43 junto com a petição;
f. O Recorrente juntou dois documentos (44 e 45), demonstrativos que o valor de mercado para o consumidor final (que é o único relevante), para um veículo de idênticas características, à data do sinistro, era de cerca € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) e não de € 25.000,00 — documentos não considerados nem apreciados criticamente pelo Sr. Juiz Árbitro a quo;
g. Acresce que ainda que lhe foram aplicadas películas de escurecimento de todos os vidros laterais e da porta traseira, as quais, devidamente homologadas e após inspecção extraordinárias, foram averbadas no Documento Único Automóvel (doc. 48, 49, e 52 da petição), tendo suportado o valor das películas aplicadas, de € 500,61 (doc. 46 e 47 da petição), o valor da inspecção obrigatória, de € 98,38 (doc. 50 da petição) e o valor do averbamento (obrigatório) ao DUA de € 150,00 (doc. 51 da petição);
h. A desconsideração destes danos, consubstanciaria um enriquecimento sem causa a favor da Recorrida, já que o valor do salvado, sem as aludidas películas de escurecimento seria necessariamente inferior e, por conseguinte, seria menor a indemnização correspondente à diferença entre o valor venal do veículo e o valor do salvado;
i. A decisão recorrida, ao ignorar este dano, permite em benefício da Recorrida um enriquecimento sem causa, que expressamente se invoca, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.os 473.º, 474.º e 483.º a contrario, todos do Código Civil;
xxxiii. Termos em que, considerando todos os documentos juntos pelo Recorrente e que não foram apreciados pelo Sr. Juiz Árbitro, deve ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 1, do CPC ser fixado o valor venal do veículo, atento o estado em que se encontrava antes do sinistro e de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a indemnização, correspondendo ao valor de substituição, em € 28.748,99, a cuja quantia deve ser deduzido o valor do salvado (€ 4.000,00), de acordo com a avaliação efectuada pela Recorrida, que o Recorrente não impugnou, totalizando € 24.748,99, o dano material de substituição do veículo do Recorrente;
DANO DE PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
xxxiv. Na sua petição, o Demandante (ora Recorrente) peticionou a indemnização pelo dano de privação de uso de veículo, expressamente nestes termos e conceito legal (cfr. pontos 58 a 77 da petição, cujo teor se considera reproduzido), porém o Sr. Juiz Árbitro a quo, na decisão arbitral, usa um conceito jurídico completamente diverso, isto é, o de “imobilização do veículo”, prosseguindo em enunciar que “não estamos numa situação de imobilização, mas de perda total, uma vez que a reparação é excessivamente onerosa”, pelo que deve a decisão arbitral ser anulada, por ter apreciado objecto distinto do peticionado;
xxxv. A apreciação jurídica constante da decisão recorrida:
a. Viola expressamente o regime estatuído no art.º 42.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (que regula precisamente a situação de perda total);
b. Viola o disposto nos artigos 342.º, n.º 2, 483.º, 562.º e 564.º, do Código Civil;
c. Viola o disposto no art.º 18.º, n.º 3, do RAC do Cimpas; d. Reiterando-se que o Sr. Juiz Árbitro a quo também não considerou os documentos juntos pelo Demandante/Recorrente, designadamente o doc.58 junto com a petição inicial, em violação do disposto nos artigos 9.º, n.º 5, do RAC do Cimpas e dos artigos 515.º e 653.º, n.º 2, do CPC;
xxxvi. O Recorrente não peticionou qualquer indemnização pela imobilização do veículo, mas sim uma indemnização pela privação do gozo de veículo, isto é, das suas utilidades, privação essa que ocorre quer nas situações de imobilização do veículo (quando seja reparável) ou nas situações de perda total (pela privação do gozo das suas utilidades);
xxxvii. A decisão recorrida, partindo de uma inaplicável distinção entre inviabilidade de reparação versus imobilização, reduz a questão ao direito singelo de substituição do veículo, mas impondo ao lesado o ónus da substituição;
a. Não é ao lesado (proprietário, aqui Recorrente) que incumbe realizar a substituição, mas sim ao responsável pela eclosão do evento lesivo (art.os 562.º e 483.º, do CC);
b. A decisão arbitral desvirtua e inverte por completo a regra da responsabilidade obrigacional, impondo ao LESADO o ÓNUS de substituição do seu próprio veículo, o que constituiria uma absoluta e nefasta fraude à lei e ao Direito;
c. Restringindo a decisão recorrida o direito do lesado apenas à indemnização pelo valor venal do veículo, violando o regime estatuído no art.º 564.º, n.º 1, do Código Civil, designadamente o disposto na segunda parte do normativo;
d. Acresce, uma imposição de o lesado proceder a essa substituição no prazo de trinta dias ou, alternativamente, o ónus de alegar e provar um facto negativo, isto é, de alegar e provar a impossibilidade material de proceder a essa substituição, em violação da regra de repartição do ónus da prova (art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil);
e. O decidido pelo Sr. Juiz Árbitro não encontra fundamento em nenhum normativo do Direito Constituído, violando o disposto no art.º 18.º, n.º 3, do RAC, que lhe impõe um julgamento de acordo com o direito constituído;
xxxviii. Nos termos do disposto no art.º 42.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, “no caso de perda total do veículo imobilizado (…), a obrigação mencionada no número anterior [direito a veículo de substituição] cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização”, dispondo ainda o n.º 12 do mesmo preceito, “o disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição”;
a. A privação do uso do veículo deve ser indemnizada, no mínimo, pelo valor correspondente ao aluguer de um veículo de idênticas características, o qual, segundo a empresa de aluguer de automóveis indicada pela C... como sendo uma com quem se relaciona, a saber, a F..., é de € 234,75 (duzentos e trinta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) por dia – cfr.doc. 58 (tarifa para particulares, Classe R);
b. Até à presente data, a Recorrida não entregou ao Recorrente qualquer veículo de substituição, nem colocou à disposição do Demandante o pagamento da indemnização correspondente, apesar do Demandante ter interpelado extrajudicialmente a Recorrida, ao abrigo do art.º 805.º, do Código Civil, para esta proceder ao pagamento do valor que confessou reconhecer, aquela ainda não o efectivou — a Recorrida não o fez nem no prazo da interpelação, nem no prazo do art.º 43.º, do Dec.-Lei n.º 291/2007 e continua a não fazê-lo até à data;
c. Termos em que, não tendo a Recorrida nem atribuído veículo de substituição, nem procedido ao pagamento da indemnização que reconheceu ser devida, pelo menos nesse mínimo, subsiste o dano de privação de uso de veículo até que essa indemnização seja paga (disponibilizada);
d. Incumbe à Recorrida cumprir o disposto no art.º 43.º, do Dec.-Lei 291/2007 — não o tendo feito até à data, sibi imputet, não podendo o seu incumprimento beneficiá-la duplamente (ou seja, não disponibilizar a indemnização e podendo utilizar o respectivo capital e, mesmo assim, não sendo responsabilizada pelo dano que continua a causar, em violação da falta de disponibilização da indemnização que permita ao Recorrente aplicar na aquisição de um veículo);
xxxix. A indemnização fixada pelo Sr. Juiz Árbitro a quo, não cumpre os critérios estatuídos na legislação em vigor (art.º 42.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 291/2007), integrados pela doutrina e jurisprudência dominante, sendo inclusivamente inferior ao aceite expressamente pela Recorrida (confissão do devedor exarada por escrito), violando também o disposto nos art.os 352.º a 355.º, do Código Civil;
OUTROS DANOS MATERIAIS
xl. A decisão arbitral só faz referência ao dano dos exames médicos, quando a Recorrida reconheceu todos os outros danos reclamados, no valor total de € 65,75, pelo que nessa parte, a decisão recorrida, além de manifesto lapso de escrita quanto ao valor fixado, viola o disposto nos artigos 352.º a 355.º, do Código Civil;
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
xli. A decisão recorrida não considerou nem apreciou qualquer documento junto aos autos relativamente aos danos não patrimoniais, fundamentando-se exclusivamente numa “não prova em audiência”, devendo ser anulada, por violação do disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC do Cimpas e ainda do disposto nos artigos e dos artigos 515.º e 653.º, n.º 2, do CPC;
xlii. Além disso, a decisão recorrida enferma de uma manifesta contradição, assinalando em primeiro lugar que a prova foi produzida e depois concluindo pela não prova, mediante a invocação de um argumento de “interesse” de um depoimento que, ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC, nem sequer podia ser considerado, mas também não apontando nenhum elemento ou facto que permita abalar a credibilidade, honorabilidade, honestidade, veracidade, fidedignidade, exactidão, certeza ou crédito da prova produzida, devendo tal fundamentação ser julgada inadmissível;
xliii. Relativamente a tais danos, os mesmos constam dos elementos juntos aos autos, os quais não foram valorados pelo Sr. Juiz Árbitro a quo, conforme consta no corpo das alegações sob os n.os 146) a 148), sabendo que os valores peticionados tiveram por base a necessária tutela do Direito e os critérios enunciados no art.º 494.º, do Código Civil ex vi art.º 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do mesmo Código, pelo que deve tal segmento da decisão arbitral ser anulado e, procedendo-se ao cumprimento do disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC e do art.º 712.º, do CPC, fixados provados os factos que sustentam os danos não patrimoniais reclamados;
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DA RECORRIDA
xliv. Apesar de expressamente arguida a litigância de má-fé da Recorrida, a decisão arbitral é absolutamente omissa nessa matéria e sendo certo que tenha sido ordenado o desentranhamento da contestação dos autos, não pode ser ignorado que a Demandada/Recorrida praticou outros actos no processo, que pela sua natureza e conteúdo, não podem ser ignorados e que o Sr. Juiz Árbitro não podia deixar de conhecer, por expressamente ter sido suscitado o respectivo incidente processual;
xlv. Termos em que, deve tal omissão ser suprida, mediante decisão do Venerando Tribunal da Relação, relativamente ao incidente processual de litigância de má-fé suscitado pelo Recorrente relativamente ao comportamento processual de litigância de má fá da Demandada (distinto do pedido de indemnização fundado em má fé na fase administrativa do processo);
JUROS
xlvi. A decisão arbitral, no segmento em que enunciou que “quanto aos juros reclamados, não se tratando de quantias líquidas, não se divisa que sejam exigíveis juros peticionados”, deve ser anulada, por violação do disposto no art.º 805.º, n.os 1 e 3, do Código Civil e do disposto no art.º 38.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, já que todas as quantias reclamadas são líquidas e não dependem de qualquer liquidação, nem dizem respeito a danos futuros;
xlvii. Tendo o Recorrente interpelado a Recorrida para proceder ao pagamento, por meio de carta registada com aviso de recepção, são devidos juros à taxa legal sobre a quantia reconhecida pela Recorrida desde a data de 30-09-2011 ou, sendo entendido que a proposta apresentada pela Recorrida não cumpre o disposto no art.º 38.º, do Dec.-Lei n.º 291/2007, devem tais juros ser fixados ao dobro da taxa legal, nos termos do citado dispositivo, a contar da citação (notificação), sobre a quantia que for fixada além do valor proposto;
DISPOSITIVO DA DECISÃO ARBITRAL
xlviii. No dispositivo da decisão arbitral, são enunciados os artigos 499.º e 503.º, n.º 1, do CC, que são inaplicáveis ao caso sub judice;
PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS
xlix. Na hipótese (académica) de improcedência da apelação, na parte em que se sustenta a consequência derivada do disposto no art.º 9.º, n.º 5, do RAC, em caso de entendimento da admissibilidade da produção de outra prova, requer-se a renovação dos meios de prova, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 3, do CPC;
l. E, ainda subsidiariamente, na hipótese (académica) de improcedência da demais apelação, requer-se a anulação da decisão arbitral, fundada nos termos previstos na LAV, ao abrigo do disposto no n.º 3, do art.º 27.º, da LAV, concretamente ao abrigo das alíneas d) e e), do n.º 1, do mesmo preceito, ex vi art.º 20.º, n.º 1, do RAC, com os mesmos fundamentos supra enunciados;
li. Sabendo ainda que, em tal caso, não tendo a “audiência de julgamento” sido encerrada, por falta de alegações sobre a matéria de facto (art.º 15.º, n.º 3, do RAC), sempre estaria o Sr. Juiz Árbitro obrigado ao poder-dever (vinculado) de produzir a prova requerida pelo Recorrente e que nem sequer foi objecto de despacho.

Em suma; (1) a decisão arbitral deve ser anulada e (2) em cumprimento do disposto no artigo 712º, nº 1, e 715º, do Código de Processo Civil, ser proferida decisão que fixe a matéria de facto, nos termos indicados e em cumprimento do disposto no artigo 9º, nº 5, do Regulamento de Arbitragem e Custas do Cimpas, e ser proferida decisão de mérito com base nos elementos constantes do processo na fase processual correspondente ao termo do prazo para a apresentação da contestação da recorrida, que foi julgada extemporânea e ordenada desentranhar do processo.

2.1.2. A reclamada contra-alegou; sugeriu que a matéria da configuração do prazo para a apresentação de contestação fosse esclarecida e definida uma linha orientadora a seguir em casos semelhantes; focou o assunto da ilegitimidade do demandante por ser outro o proprietário do automóvel acidentado; e terminou, no mais, a concluir que o recurso não merece provimento.

2.2. A reclamada também recorreu.
2.2.1. E findou a alegação com as conclusões se transcrevem.

i. O veículo automóvel de matricula ..-IE-.., à data do acidente e da pendência da reclamação, era propriedade da E..., Ldª;
ii. A titularidade do registo automóvel faz presumir que o titular inscrito é efectivamente o proprietário do automóvel;
iii. Tal presunção não foi ilidida;
iv. Pelo que o recorrido é parte ilegítima para peticionar a condenação da recorrente no pagamento das quantias referentes à perda total do IE e respectivos danos de privação de uso por não ser titular do direito respectivo;
v. Nos termos do disposto na alínea e) do artigo 494º e do artigo 495º, ambos do Código de Processo Civil, a excepção dilatória a ilegitimidade de uma das partes é de conhecimento oficioso;
vi. Nesta conformidade, e sempre com o respeito que as instâncias merecem, requer a V. Ex.ªs se dignem conhecer da invocada excepção dilatória de ilegitimidade, com as legais consequências;
vii. A recorrente foi citada para contestar os autos que corriam termos na delegação do Porto do Cimpas, no dia 29 de Dezembro de 2011, na sua sede sita na Rua ..., nº .., em Lisboa;
viii. Nos termos do Regulamento da Arbitragem e das Custas, o prazo para a apresentação da contestação começou a correr no dia 30 de Dezembro;
ix. Ao prazo para apresentação da contestação, de 10 dias, acresce uma dilação de 5 dias, por a recorrente ter sido citada fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção, no caso do tribunal arbitral Cimpas;
x. Nos termos conjugados dos artigos 9º nº 1 e 23º do RAC, que remete para a Lei da Arbitragem Voluntária e, subsidiariamente, para as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral;
xi. Ora, dispõe a alínea b) do artigo 16º da Lei de Arbitragem Voluntária que “o demandado será citado para se defender”;
xii. Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 252°-A do Código de Processo Civil (por remissão do artigo 23°, nº 2 do Regulamento da Arbitragem e das Custas), “ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando o réu tenha sito citado fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção (...)”;
xiii. Desta forma, ao identificado prazo de 10 dias, sempre acrescerá, naturalmente, o prazo de dilação de 5 dias;
xiv. A recorrente apresentou a sua contestação no Cimpas Porto, no dia 13 de Janeiro de 2012, logo, dentro do prazo imposto;
xv. O direito de defesa da recorrente não pode ser negado pela pretendida celeridade do procedimento, pelo que são inteiramente pertinentes e adequadas para a arbitragem as razões que motivaram a fixação de dilação para os processos judiciais;
xvi. Encerrada a fase da mediação, a requerida tem de ser citada para contestar; trata-se de um processo praticamente autónomo, onde se aplicam regras diferentes e inclusive se prevêem regras diferentes a nível de representação, obrigando à constituição de mandatário em função do valor da acção;
xvii. A este título não podemos deixar de frisar o paralelismo da presente situação com o processo de acidentes de trabalho, em que frustrada que seja a fase conciliatória, e por impulso das partes dá-se o início da fase contenciosa, nos termos da qual a entidade responsável, muito embora já tenha tido intervenção directa no processo, é citada para contestar, acrescendo ao seu prazo o competente prazo de dilação, caso assim se justifique;
xviii. Entende a recorrente que ao prazo de contestação acresce a dilação decorrente do funcionamento da aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 252º-A do CPC;
xix. Pelo que se impõe a conclusão que a contestação foi apresentada atempadamente, com as naturais consequências;
xx. Devendo, em consequência, a sentença ser revogada e substituída por outra que admita a contestação junta aos autos, com todas as consequências legais.

Em suma; no provimento do recurso, deve revogar-se a sentença no segmento que ordenou o desentranhamento da contestação apresentada.

2.2.2. O reclamante contra-alegou; e formulou estas conclusões:
QUESTÃO PRÉVIA
INADMISSIBILIDADE DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
i. O recurso interposto pela demandada é inadmissível, por violação da regra da sucumbência (art.º 678.º, n,º 1, do CPC);
a. Embora tenha ficado vencida nas duas questões concretas sobre as quais pretende interpor recurso, as mesmas não têm autonomia própria nem suficiente para afastar aquela regra da sucumbência;
b. As únicas matérias relativamente às quais o legislador admitiu o afastamento da regra da sucumbência, são as discriminadas de forma expressa (não meramente indicativa) nos n.os 2 e 3, do art.º 678.º, do CPC, nenhuma das quais se verifica in casu;
ii. A recorrente suscitou as mesmas questões do presente recurso, a título de questão prévia das suas contra-alegações do recurso interposto pelo demandante (aqui recorrido), mas não usou da faculdade a que se refere o art.º 682.º, n.º 5, do CPC, pois não suscitou tais questões ao abrigo de um recurso subordinado, nem requereu a ampliação do âmbito daquele recurso, a título subsidiário, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que tais matérias não podem ser objecto de consideração pelo tribunal de recurso no âmbito da apreciação que fizer dos termos daquele recurso;

Sem prescindir, subsidiariamente:
DA INVOCADA ILEGITIMIDADE ACTIVA DO RECORRIDO
iii. É formalmente inadmissível a dedução da ilegitimidade activa do recorrido, nos termos em que foi feito e nos termos em que continua a ser suscitado, por decorrência do disposto no art.º 9.º, n.º 3, do RAC do CIMPAS, nos termos do qual, apenas na contestação pode a parte alegar todas as excepções processualmente admissíveis;
iv. Sendo a ilegitimidade uma excepção processual, tem de subordinar-se às regras processuais da forma de processo aplicável;

Sem prejuízo,

v. A recorrente não requereu alteração da decisão sobre a matéria de facto que decidiu que o demandante / recorrido era, à data do sinistro, proprietário do veículo ..-IE-..;
vi. Apesar disso, foi o próprio demandante / recorrido quem, na sua petição inicial, alegou e justificou, com prova documental inequívoca, a cadeia de transmissão e os respectivos fundamentos;
vii. Tendo a demandada, ora recorrente, declarado expressamente na sua contestação que aceitava como verdadeira tal matéria alegada pelo demandante / recorrido;
viii. Acresce que o demandante / recorrido juntou aos autos documento comprovativo da celebração em 14.5.2011 (onze dias após a celebração do contrato de compra e venda do veículo), ou seja, três meses antes do sinistro, de um contrato de seguro de responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo ..-IE-.., em nome exclusivo do recorrido e na qualidade de seu único e exclusivo proprietário;
ix. O recorrido era quem possuía o veículo e era o seu condutor, invocando sempre a qualidade de proprietário desde a primeira comunicação com a recorrente, que igualmente sempre o aceitou, inclusivamente na própria contestação que apresentou;
x. O registo automóvel não é constitutivo, destinando-se apenas a dar publicidade ao acto registado, funcionando (unicamente) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.º 1.º, n.º 1, do Código de Registo Automóvel);
xi. O demandante / recorrido alegou, juntou espontaneamente documento comprovativo e a demandada / recorrente expressamente aceitou como verdadeiro que o recorrido era o efectivo dono e proprietário do veículo;
xii. É falso e sem fundamento legal que a recorrente esteja impedida de liquidar qualquer valor ao recorrido, por não estar este inscrito no registo, situação contrariada pela conduta da própria recorrente, quer durante toda a fase inicial do processo, quer inclusivamente depois de proferida a decisão arbitral;
xiii. A legitimidade é um pressuposto processual, estabelecendo o art.º 26.º, n.º 1, do CPC que “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (…)”,explicitando os n.os 2 e 3 do mesmo preceito que: “2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção (…). 3- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”;
xiv. O recorrido alegou na sua petição inicial, juntou comprovativo e a própria recorrente aceitou como verdadeiro que o recorrido era, à data do sinistro, proprietário do veículo;
xv. Deste modo, jamais pode o recorrido ser declarado parte ilegítima, quer por reconhecimento expresso, quer por actos materiais praticados pela recorrente, tendo esta em seu poder todos os elementos factuais e documentais;

Sem prejuízo,

xvi. Relativamente ao dano de perda total do veículo, como se enunciou, a titularidade constante do registo automóvel é irrelevante e não prevalece sobre o facto de o demandante ser seu proprietário, desde a data que alegou e juntou documento comprovativo; a arguida “ilegitimidade” nunca podia atingir a matéria do dano de privação de uso do veículo, porque este dano sempre foi reclamado pelo demandante / recorrido, enquanto dano próprio, e posteriormente também reconhecido pela demandada / recorrente, ao propor um valor (ainda que, absurdo) de indemnização;

Subsidiariamente,

xvii. A ilegitimidade é uma excepção dilatória suprível, mediante o incidente de intervenção principal provocada, que o recorrido requereu subsidiariamente a relativamente ao qual a recorrente declarou expressamente não se opor;
DA EXTEMPORANEIDADE DA CONTESTAÇÃO E DO ORDENADO DESENTRANHAMENTO
xviii. O acto processual expressa e especialmente previsto no RAC do CIMPAS para o chamamento da demandada / recorrida a exercer o direito de defesa é de notificação;
xix. O acto de notificação é cumprido mediante o envio de uma carta registada sem aviso de recepção, contrariamente ao que sucede com a citação;
xx. O Cimpas procedeu ao cumprimento dos formalismos processuais próprios de uma notificação;
xxi. A demandada / recorrente não arguiu a irregularidade ou nulidade do acto praticado pelo Cimpas, aceitando-o como regular;
xxii. A aplicação de prazos de dilação é circunscrita aos actos de citação, estando excluída dos actos de notificação;
xxiii. É inaplicável, in casu, o disposto no art.º 16.º, al. b), da LAV, em virtude dessa aplicação ter natureza supletiva, “em tudo o mais” que não esteja expressa e especialmente previsto no RAC do Cimpas (art.º 23.º, n.º 1, do citado RAC) e neste estar concretamente regulada a forma de prática do acto;
xxiv. Compreendendo-se a opção do legislador, na medida em que um processo para ser instaurado no Cimpas está sujeito a regras especiais, diversas da prevista na Lei de Arbitragem Voluntária, em particular os requisitos e condições previstas no ponto 1, do Anexo I ex vi art.º 1.º, n.º 2, do RAC do CIMPAS, designadamente impondo que o demandante (aqui recorrido) apresente previamente a sua pretensão à demandada e que esta responda formalmente – o que sucedeu in casu;
xxv. Pelo que o pretenso “direito de defesa” da demandada / recorrente (conclusão xv.) jamais estaria posto em causa por não lhe ser concedido mais do que o prazo de dez dias fixado no art.º 9.º, n.º 3, do RAC do Cimpas, em virtude de anteriormente já ter conhecimento do processo;
xxvi. Sabendo que o próprio Cimpas, já depois de instaurado o processo, notificou a demandada dos termos do peticionado pelo demandante, tendo aquela respondido directamente ao Cimpas e só posteriormente foi cumprido por este o acto de notificação para, querendo, contestar;
xxvii. O preceito citado faz referência expressa e exclusiva a um prazo único de dez dias, sem qualquer menção a acréscimo de prazos de dilação;
xxviii. E, em reforço do prazo estatuído no n.º 1, do art.º 9.º, estabelece no n.º 2, de forma excludente que “a contestação é efectuada no prazo mencionado no número anterior”, ou seja, no prazo de dez dias, sem qualquer outro prazo (acréscimo ou dilações);
xxix. No entanto, ainda que, por mera hipótese académica, fosse entendido que seria possível a aplicação do regime da dilação previsto no art.º 252.º-A, n.º 1, al, b), do Código de Processo Civil, não se verificam in casu os requisitos para a sua aplicação;
xxx. O Cimpas tem a sua sede em Lisboa e a demandada tem a sua sede em Lisboa, para onde foi remetida a notificação;
xxxi. É requisito para aplicação do regime da dilação que o “réu tenha sido citado fora da ÁREA da comarca SEDE do tribunal onde pende a acção (…)” [art.º 252.º-A, n.º 1, al. b), do CPC];
xxxii. A norma não alude a quaisquer “delegações”;
xxxiii. Na notificação que foi remetida pelo Cimpas à demandada / recorrente, para efeitos do disposto no art.º 9.º, n.º 3, do RAC não constava qualquer menção que o processo corria termos na “Delegação do Porto”;
xxxiv. No âmbito do Cimpas, é irrelevante o local onde o requerimento seja entregue ou onde o processo seja tramitado, porque o tribunal arbitral é único, com competência para todo o território, sendo os processos tramitados com número sequencial como único tribunal;
xxxv. O CIMPAS não tem “comarca”;
xxxvi. A sua área de jurisdição é todo o território nacional;
xxxvii. Termos em que nunca seria possível a notificação efectivar-se “fora da área da comarca da sede do Tribunal”, porque essa área é todo o território nacional;
xxxviii. O art.º 23.º, n.º 2, do RCA apenas admite, em caso de omissão, a aplicação subsidiária das “regras e princípios do Código de Processo Civil”, não sendo in casu, aplicável por analogia o disposto no regime dos acidentes de trabalho, por não se verificar o respectivo pressuposto imperativo (art.º 10.º, do Código Civil), em virtude de haver norma expressa sobre a forma da prática dos actos processuais.

Em suma; (1) deve a interposição do recurso ser julgada inadmissível por violação da regra da sucumbência; ou subsidiariamente (2) ser o recurso interposto julgado totalmente improcedente.

2.3. A delimitação do objecto de cada um dos (2) recursos.

2.3.1. É entendimento consolidado o de que são as conclusões elaboradas pelo recorrente que permitem circunscrever o objecto do recurso; isto é, as concretas questões decidendas que, ao tribunal superior, compete reavaliar.

2.3.2. Nestes longos e exaustivos autos (como os anteriores considerandos deixam transparecer) são duas as instâncias de recurso com que urge trabalhar; por isso, sendo vários os assuntos suscitados, faremos aqui o elenco segundo uma ordenação lógica; e de maneira a salvaguardar que avaliado cada um ainda comporte sentido debruçar atenção sobre o sequente.

2.3.3. Vejamos então.[15]

A 1ª questão decidenda que urge escrutinar é a de saber se o (2º) recurso interposto pela reclamada seguradora é, ou não, admissível.

A 2ª questão é a da tempestividade da contestação da reclamada; tema que tem aliada a avaliação das consequências jurídicas da sua extemporaneidade.

A 3ª questão conexiona-se com a ilegitimidade do reclamante.

A 4ª questão radica em saber se ocorre algum fundamento com a virtualidade de conseguir invalidar (anular) a decisão arbitral proferida.

Por fim, a 5ª questão, a de saber se ao tribunal da Relação está aberta a possibilidade de julgar de mérito; seja propriamente debruçando-se sobre o acerto da decisão arbitral; seja substituindo-se a esta mediante uma reavaliação das provas disponíveis e subsequente fixação de outra (ou nova) matéria de facto (e dela extraindo depois as ajustadas inferências jurídicas); seja, por fim, procedendo mesmo à renovação, em tribunal de recurso, dos meios de prova.

II – Fundamentos

1. Enquadramento preliminar.
Convém (preliminarmente) assentar no quadro legal que enforma a hipótese concreta; que é de arbitragem voluntária; e se reconduz, sucessivamente e numa linha que parte do normativo mais específico para aquele que é mais generalizado, aos seguinte diplomas normativos:
. Regulamento da Arbitragem e das Custas, aprovado pela assembleia-geral do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (Cimpas), em 31 de Maio de 2010;
. Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, aprovado na mesma assembleia-geral;[16]
. Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (Lei da Arbitragem Voluntária), com as actualizações emergentes do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março;[17]
. o Código de Processo Civil.

Foi este, em suma, o panorama normativo que envolveu o funcionamento da arbitragem; tendo tido lugar audição das partes, actos de produção de prova (mas sem registo da prova pessoal) e, por fim, o proferimento de decisão.

2. Admissibilidade do recurso interposto pela reclamada.
É em contra-alegação que o reclamante suscita a questão.
Vejamos. À interposição de recurso se referem, em particular, os artigos 20º, nºs 2 e 3 do Regulamento da Arbitragem e das Custas (RAC), e o artigo 29º, nº 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (LAV); emergindo que, no geral, o direito recursório se subordina às disposições do Código de Processo Civil.
O artigo 678º, nº 1, deste código, apenas permite o recurso ordinário se, além do mais, a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre; certo que, em caso de dúvida fundada acerca do valor da sucumbência, bastará que a causa tenha um valor superior ao daquela alçada.
Como a instância recursória só é viável nos mesmos termos em que o é a permitida da sentença judicial de primeira instância (artigo 29º, nº 1, citado) é evidente que também o recurso interposto da sentença arbitral fica sujeito a estas regras de valor e de sucumbência.[18]
Em matéria cível a alçada do tribunal de primeira instância está fixada em 5.000,00 €.[19] Significando o critério da sucumbência ou do decaimento que a parte há-de ter ficado vencida num certo volume; quer dizer, decaído numa dada proporção; sendo esta avaliada tendo em conta a ordem de grandeza fixada pelo tribunal como vínculo a adstringir a parte decadente.[20] Verdadeiramente é o dispositivo sentencial (e só ele) [21] a esclarecer qual a medida do êxito e do correspondente insucesso na causa; a sucumbência, pois.
Ora, a esta luz, e na hipótese dos autos, tendo a seguradora reclamada sido condenada a entregar ao reclamante a quantia de 11.338,00 €, não pode merecer dúvida ser a sua sucumbência superior a metade da referida alçada; não relevando, para este efeito, algum eventual valor que ela aceitasse (extrajudicialmente) pagar; sempre em termos alheios à adstrição sentencial. O vínculo desta tem a medida por ela mesmo fixada; e nada se reconhece com vocação bastante de produzir efeito semelhante a algum tipo de perda do direito a recorrer.

A inadmissibilidade do recurso, por esta via, não opera.
Antes nos parecendo que a questão se pode colocar, mas a um outro nível; este, por alguma forma, ainda tocado pelo reclamante.[22]

Vejamos. Em regra, apenas da decisão que ponha termo ao processo cabe recurso para o tribunal da Relação (artigo 691º, nº 1, do código de processo). Aliás, em matéria de arbitragem, e mesmo no direito pretérito ao do actual regime de recursos, era entendimento corrente o de que só a decisão final (arbitral) [23] era passível de impugnação.[24]
Na hipótese concreta, são dois os segmentos decisórios que a reclamada visa refutar. Um, aquele que julgou extemporânea a apresentação da sua contestação e a mandou desentranhar; outro, aquele que considerou ser o reclamante parte legítima na acção; um e outro, vertidos e reflectidos na decisão (final) arbitral (v fls. 321 [25]). Tratam-se, em qualquer caso, de decisões que escapam ao julgamento (final) definitivo da causa, que não são (ainda) de pronúncia definitiva sobre o objecto do litígio; por conseguinte, de cariz eminentemente interlocutório, se bem que (como dissemos) na hipótese formalmente integradas na decisão final arbitral; embora num seu momento intermédio, precedente do juízo final.
Em regra, as decisões interlocutórias são impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (artigo 691º, nº 3, do código); deixando de ser recorríveis aquelas que não tenham um interesse autónomo se não houver recurso da decisão final (artigo 691º, nº 4, a contrario).
Este recurso da decisão final não pode deixar de ser entendido como aquele que é interposto da decisão definitiva, já referida; portanto, daquela que se pronuncia definitivamente sobre o mérito; pois só assim é perceptível a irrecorribilidade daquelas que lhe sejam instrumentais, se o vencido descurar o recurso que possa interpor dela.

Voltando à hipótese dos autos. A seguradora reclamada não recorre do julgamento (definitivo) de mérito contido na decisão arbitral; limita-se a impugnar os segmentos decisórios (interlocutórios) instrumentais dessa decisão.
Ora, não cremos que o pudesse autonomamente fazer; e ainda que sob o pretexto (meramente formal, que não substancial) de estar a recorrer da sentença, da decisão final. A impugnação das interlocutórias, como dissemos, adere ao recurso da sentença; adesão que é explicada pelo nexo de instrumentalidade. Se o recorrente aceita o dispositivo sentencial, o julgamento de mérito, a pronúncia definitiva sobre o objecto do litígio contida na decisão arbitral, como é manifestamente o caso,[26] não se lhe vê aberta a via recursória estritamente aos despachos interlocutórios, meramente instrumentais, que o juiz árbitro haja proferido.[27]

Deste ponto de vista, o objecto do recurso interposto pela seguradora reclamada não reúne, como tal, condições para poder ser conhecido. Ocorre é que; a situação não tem (na economia dos autos) reflexos de realce.

Avançando um pouco mais. Os dois temas decidendos, eleitos como objecto de recurso, já antes pela mesma reclamada haviam sido sugeridos, desta feita em lugar de contra-alegação no recurso que interpusera o reclamante. E, embora reconhecendo-o, é na contra-alegação do recurso da reclamada que o ali recorrente se vem a pronunciar sobre o assunto, e considerar ineficaz essa arguição.
Vejamos. É verdade que se tratam de dois segmentos decisórios em que a seguradora reclamada (a vencedora final) ficara vencida, num por se lhe mandar desentranhar a contestação, no outro por se considerar o reclamante (o vencido final) parte legítima.
Estabelece o artigo 684º-A, nº 1, do código de processo, a admissibilidade de o tribunal de recurso conhecer de algum fundamento em que a parte vencedora haja decaído, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
A doutrina vem admitindo a possibilidade de extensão dessa faculdade a segmentos decisórios de que se não pôde autonomamente recorrer (habitualmente por referência a decisões interlocutórias instrumentais), dizendo que na hipótese de o vencido na causa recorrer se tem de reconhecer à outra parte a possibilidade de, nas contra-alegações, requerer que o tribunal do recurso também se pronuncie sobre tais segmentos, e na medida em que essa resposta possa servir para impedir que proceda o recurso interposto.[28]
É precisamente o caso dos autos; a seguradora reclamada, no recurso em que é recorrida, pediu pronúncia sobre o assunto da contestação e trouxe à contra-alegação ainda a matéria da (i)legitimidade.[29] E não é por ter omitido expressa menção ao preceito legal (o artigo 684º-A do código) que se lhe pode cercear, naturalmente, o mecanismo de ampliação.

Resta assim dizer que, com este alcance, fica aberto o caminho à pronúncia sobre cada um daqueles (2) assuntos decidendos; precisamente como segmentos de decaimento da reclamada, e de vocação impeditiva (caso sejam acolhidos pelo tribunal superior) ao êxito do recurso da parte (vencida) contrária.

3. A tempestividade da contestação da reclamada.
Em matéria de arbitragem é reconhecido às partes uma particular autonomia na escolha das regras de processo a observar (artigo 15º da LAV);[30] salvaguardados que sejam, naturalmente, princípios fundamentais de índole absolutamente imperativa (artigo 16º da LAV).
Na nossa hipótese, rege o Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros (RSMAS), que no seu artigo 11º manda ressalvar a absoluta igualdade de partes e o princípio do contraditório; e com maior particularidade o RAC, que no seu artigo 9º, nº 1, estabelece a notificação da reclamada para, no prazo de 10 dias, contestar. À contagem de prazos referem-se o artigo 12º, nºs 2 e 3, do RSMAS, e o artigo 21º do RAC. Já especialmente quanto a notificações, acrescenta o artigo 22º, deste último regulamento, que são sempre feitas por escrito, de modo a salvaguardar o seu registo ou suporte duradouro; e, no mais, de acordo com os artigos 228º e seguintes do código de processo.

O juiz arbitral considerou, no caso, extemporânea a contestação da re-clamada; considera esta que não, dado entender que ao prazo peremptório estabelecido ainda lhe acresce um benefício de dilação de mais 5 dias.

Vejamos. A dilação invocada é estabelecida no código de processo em apoio ao prazo desencadeado pelo acto de citação,[31] e constitui um acréscimo a esse prazo, que se justifica por uma razão de salvaguarda da sua integridade. Atentos os mecanismos de citação, e algumas situações de facto ocorrentes, entende-se que o prazo peremptório pode não ser o suficiente para acautelar a defesa efectiva e plena; quer dizer, em tempo útil.[32] É portanto como resguardo, ou amparo, do prazo peremptório,[33] que se percebe a razão de fundo da dilação.
Um dos princípios fundamentais que o artigo 16º da LAV manda observar no processo é, precisamente, o de que o demandado seja citado para se defender. Ora, importa lembrar que a razão de ser essencial que aí se visa garantir radica exactamente na garantia da defesa, no processo leal e equitativo, na exacta operacionalidade da regra contraditória; não se permitindo ao árbitro decidir sem que a parte requerida seja (efectivamente) convidada a pronunciar-se, sem se lhe dar a possibilidade real e efectiva de poder ser ouvida.[34]

Na hipótese, a regra adjectiva aplicável estabelece o prazo (peremptório) de 10 dias; o acto de chamamento do reclamado, o da notificação; e a subordinação deste, genericamente, às regras contidas no código de processo.

É duvidosa e equívoca a intenção do RAC neste particular.

As notificações, de acordo com o código, são em geral realizadas por carta registada (artigo 254º, nº 1, início); presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil subsequente (artigo 254º, nº 3).[35] E isto mostra que, aqui também, se confere algum acréscimo de prazo; desta feita motivado pelo período que se julga ajustado, expectável, ao excurso da carta.
Aparentemente, a regulação adjectiva contida nas normas aplicáveis à hipótese, em particular como emergem dos artigos 9º, nº 1 e 22º, do RAC, parecem evidenciar que foi a comum notificação que se quis estabelecer para permitir realizar o princípio do contraditório; diferentemente do que é o estrito acto da citação. O instituto da dilação aplicado à (comum) notificação, como feita aos mandatários judiciais das partes,[36] é figura que o código de processo desconhece.

Seja como for; certo é que a reclamada aceita (não põe em causa) a genuinidade do acto de notificação que se lhe fez; questionando apenas o modo da contagem do prazo que ele desencadeou. A notificação à reclamada, a coberto do artigo 9º, nº 1, do RAC, e certificada nos autos (v fls. 134), fez-se por registo postal; ao reconhecê-la como ajustada e genuína, deixou aquela de poder reivindicar um qualquer tempo de dilação, para lá do peremptório prazo; apoiando esse concreto acto comunicacional um acréscimo, mas (apenas) dos três dias presuntivos. Dito numa outra forma; ainda que se entenda que haveria de ser a exacta citação (que não a simples notificação) a ter tido lugar, a invalidade daí recorrente sanou-se na exacta da medida da aceitabilidade da forma do acto por banda da reclamada, evidenciando que essa forma nem sequer foi passível de lhe poder prejudicar a defesa (artigos 198º, nºs 1 e 4, e 202º, do código de processo).[37]

E ao modo de contagem de prazo, típico desse acto comunicacional (da notificação), já antes nos referimos.

Dito isto; a notificação fez-se por registo de 27 Dez 2011; o prazo de 10 dias esgotara-se a 9 Jan 2012; a contestação foi entregue a 13 do mês. O juiz arbitral julgou bem; a peça foi extemporânea e teria de ser expurgada.

Agora; coisa diferente, a de conhecer o alcance jurídico dessa extemporaneidade, e consequente expurgação; assunto que deixaremos para adiante onde, segundo pensamos, terá mais ajustado cabimento.

4. A legitimidade do reclamante.
O assunto da legitimidade do reclamante fôra suscitado pela reclamada numa resposta (espécie de tréplica) já subsequente ao momento preclusivo da contestação; não mereceu na decisão arbitral pronúncia fundamentada; e veio a ser retomada na contra-alegação do recurso interposto pelo reclamante.

Vejamos então. Estabelece o artigo 9º, nº 3, do RAC, que apenas na contestação pode a parte alegar todas as excepções processualmente admissíveis, sem prejuízo daquelas que sejam do conhecimento oficioso do juiz árbitro.
A legitimidade processual constitui um pressuposto da instância; e o seu inverso (a sua falta) uma excepção dilatória, que obsta ao conhecimento de mérito (artigos 288º, nº 1, alínea d), 493º, nº 2, início, e 494º, alínea e), do código de processo); o seu conhecimento é oficioso (artigo 495º, início, do código). Esta oficiosidade significa, para o juiz, que se face aos elementos dos autos se lhe evidenciar a existência do vício, dele se exige que o conheça, e fundamentadamente; o que pode acontecer já em sede de sentença (artigos 510º, nº 1, alínea a), e 660º, nº 1, do código de processo).
Como dissemos, no caso, a decisão arbitral foi, nesta matéria, tabelar. E tê-lo-á sido certamente porque, por um lado, não houvera suscitação válida do assunto (que apenas podia acontecer na contestação), mas apenas o seu equacionar em requerimento intermédio, já sem eficácia de válida arguição que carecesse de pronúncia fundada, por outro lado, face ao que os autos mostravam, não pareceria que o reclamante estivesse, de facto, destituído de legitimidade adjectiva. Por isso, que o assunto não merecesse mais do que a geral referência; que teve.

Ainda assim; a merecer da reclamada uma invocação insistente.
Mas sem razão. Vejamos. O litígio em arbitragem centrou-se na discussão sobre a existência de obrigação indemnizatória emergente de responsabilidade civil gerada por acidente de viação, de que o reclamante se afirmou credor e imputando à reclamada a respectiva adstrição. Na tese desta, o reclamante não era o proprietário do automóvel que conduzia, e interveio no acidente; e portanto haver (ao menos) uma secção de danos que não foram por ele suportados (já que só a esfera jurídica do dono se pode ter por eles constrangida). Já o reclamante é impressivo na afirmação da sua dominialidade; o que faz particularmente no seu requerimento inicial (de reclamação), afirmando a compra do automóvel em 5 Mai 2011 (artigo 49º) e juntando mesmo título documental de aquisição (doc fls. 105). Ora, e dito isto. Sendo verdade que noutros instrumentos probatórios o estatuto de dono do automóvel não surge atribuído ao reclamante, mas a uma sociedade comercial, certo é também que nenhum deles comporta eficácia rigorosamente constitutiva desse estatuto. E mais importante que tudo é o facto de o reclamante afirmar e reafirmar que é ele (próprio) o proprietário do automóvel.

Sobre o conceito de legitimidade rege o artigo 26º do Código de Processo Civil; preceito mais do que conhecido, e estudado ao longo de décadas; cuja interpretação se acha há muito sedimentada. Ao que mais importa, o que nele se contém é que na falta de indicação da lei em contrário são titulares do interesse relevante, para o efeito, os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor (nº 3). Quer dizer; afirmando o reclamante, na sua petição, que lhe pertence o veículo e que portanto todos os estragos nele feitos sentir lhe devem (a si como dono) ser ressarcidos, é o que basta para assegurar a sua posição acertada na lide processual; e ainda que aquela dominialidade se não venha (mais tarde) a confirmar. É que importa distinguir; uma coisa é a posição e o estatuto na lide processual; e outra a situação na relação controvertida como exactamente existe e subsiste na ordem jurídica (de direito material). Se, porventura, se viesse apurar a efectiva dominialidade na esfera de outrem, a consequência repercutir-se-ia na decisão de mérito, que então teria de ser (no segmento respectivo) absolutória (do pedido); por aí se reconhecer a sua esfera jurídica não apetrechada com o direito de crédito (indemnizatório) afirmado – mas sem reflexo no seu estatuto estritamente processual de parte (activa) na instância.

Em suma; não merecendo dúvida a legitimidade do reclamante.

5. A integridade (?) da decisão arbitral.

5.1. Deixámos para depois a questão, muito enfatizada pelo reclamante, da consequência jurídica da (agora reconhecida) extemporaneidade da contestação da reclamada. E, de facto, dir-se-ia ser nessa consequência jurídica que o reclamante mais investe para obter sucesso no recurso que interpõe; sendo o seu raciocínio, no essencial, o de que, excluída a peça da reclamada, ao juiz arbitral estaria absolutamente vedado tomar em conta o que quer que fosse nela mencionado, incluindo a produção de qualquer das provas aí requeridas; ficando aquele estritamente limitado ao peticionado de reclamação e a exclusivamente poder ter em consideração as provas pedidas pelo (próprio) reclamante.

Vejamos. Estabelece o artigo 9º, nº 4, do RAC, ser a contestação o lugar próprio para o reclamado indicar os meios de prova; os quais são os mesmos admitidos pela lei de processo civil (artigos 14º, nº 1, do RAC, e 18º, nº 1, da LAV); concretamente instrumentos testemunhais (artigo 14º, nºs 3 e 4, do RAC).
A respeito da falta de contestação, rege o artigo 9º, nº 5, do RAC; que comina a consequência de, nesse caso, o juiz árbitro decidir com base nos elementos constantes do processo.
Ora, que significa esta consequência assim estabelecida?

Do nosso ponto de vista, a descoberta do significado normativo não pode deixar tomar em conta a restante regulação estabelecida; e também a própria índole adjectiva do processo, que (apenas) existe para permitir concretizar a substância do direito (os superiores interesses de direito material).
Nesta óptica, a expurgação de uma contestação não tem de acarretar obrigatoriamente o efeito automático de proibir o juiz de conhecer (de percepcionar) o que nela se contenha. Naturalmente, que a eficácia jurídica que é própria da peça se perde; mas não significa que não possa, porventura, desencadear uma actuação de poderes oficiosos, que ao juiz se facultem, e possam ter sido sugeridos (precisamente) pela peça ineficaz.
O código de processo estabelece, em geral, a incumbência de o juiz poder ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (artigo 265º, nº 3). O artigo 14º, nº 2, do RAC, estabelece que o tribunal arbitral pode, por sua iniciativa, recolher depoimentos das partes (alínea a)), ouvir testemunhas ou terceiros (alínea b)) ou ainda, ademais, obter a entrega de documentos necessários (alínea c)). Quer dizer; intui-se que, à semelhança do (comum) processo civil, se abre uma porta oficiosa ao juiz, motivada pela adequação da diligência de prova ao escrutínio da verdade e à busca da mais justa e correcta decisão para o litígio; entenda-se, conforme ao direito material substantivo constituído (que é aquele que o juiz arbitral também aplica [38]).

Escreve MANUEL PEREIRA BARROCAS, a respeito das consequências da falta de apresentação de defesa pelo demandado, que elas se cingem (em regra) a que a parte faltosa não haja podido exprimir a sua posição sobre o litígio no momento próprio; e que, a não ser que as regras do processo outra consequência prevejam, a não apresentação da defesa em tempo oportuno não impede a prática de actos processuais subsequentes pelo demandado.[39]

Na hipótese concreta, estabelecendo as regras adjectivas que o juiz arbitral decidirá com base nos elementos constantes do processo, não exclui que ele possa fazer operar faculdades oficiosas, à luz do que se lhe evidencie, e ainda que falte, no sentido técnico-jurídico mais rigoroso, a peça de defesa; parecendo-nos que a intenção da lei, naquela norma, será apenas a de clarificar que a inexistência de contestação outra cominação não opera senão aquela mesma, isto é, a de que o juiz julgará com base nos instrumentos de que possa dispor.

Em suma; não se nos afigura exacto o raciocínio do reclamante quando, numa interpretação completamente radical, exclui em absoluto tudo o que podia ser obtido da peça da reclamada (ainda que como mera sugestão, apta a poder desencadear as faculdades oficiosas); não parecendo que estivesse vedado ao juiz arbitral poder ouvir (apesar de tudo) testemunhas sugeridas na peça desentranhada ou, ainda, avaliar probatoriamente documentos a ela anexos.[40]

5.2. Dito isto; o reclamante, ao longo da extensa alegação (e nas sequentes conclusões), reitera pretensão anulatória da decisão arbitral; à qual vai imputando vícios invalidantes; em quadros normativos que exaustivamente cita.

Vejamos então.

A decisão arbitral, que os autos contêm (v fls. 320 a 326), reza assim em conteúdos que, do nosso ponto de vista, são os mais impressivos:

«… tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e as regras da experiência e da normalidade da vida, cumpre-nos, então, decidir.

Quanto ao acidente:
Averiguou-se que o reclamante, pretendendo mudar de direcção para a sua esquerda e divisando um veículo na sua traseira a cerca de cem metros (de acordo com a sua versão), iniciou essa manobra, invadindo a faixa esquerda de rodagem, sendo imediatamente colidido pela condutora da reclamada, estando o veículo do reclamante com a respectiva traseira na linha divisória da via e a frente, obviamente, sobre a berma esquerda, considerando o sentido de marcha do veículo com seguro de responsabilidade civil automóvel na reclamada, titulado pela apólice nº ……., ocupando totalmente a faixa de rodagem, utilizada por esta condutora.

… o reclamante invadiu, inopinadamente, a faixa esquerda, por onde já circulava o veículo da reclamada, em plena manobra de ultrapassagem, provocando de imediato a respectiva colisão.

… na via em que circulava a condutora da reclamada existia uma linha longitudinal descontínua e até um sinal vertical de autorização de ultrapassagem …

Para a prova destes factos foram decisivas as declarações de ambos condutores, que, no essencial, os confirmaram, sendo certo que foram os únicos a presenciar a colisão.
Aliás, não foi produzida qualquer prova que afaste esta situação, pois apenas temos as versões de ambos os condutores.
Importa ainda salientar que a tese do reclamante de que avistara a condutora da reclamada a cerca de cem metros não é minimamente aceitável, pela razão simples de que, estando a essa distância, nunca poderia colidir com o veículo do reclamante, tendo em consideração as distâncias percorridas por ambos os veículos.
Para a prova destes factos foram decisivas as declarações de ambos os intervenientes no acidente, já que ninguém presenciou o acidente.

Quanto aos danos:

… ficou averiguado que o veículo sofreu danos, cuja reparação ultrapassa o seu próprio valor, isto é, estamos no domínio da perda total do veículo, em que o montante da reparação ultrapassa o valor venal do veículo …

Nestas circunstâncias, o reclamante tem direito ao valor venal do veículo, deduzido dos salvados, que ficarão na sua posse, ou seja, 21.000,00 €.

No que diz respeito ao valor venal do veículo, que o reclamante impugnou, não foi, em audiência, feita qualquer prova em contrário, que invalidasse o valor supra referido.
A este propósito, cumpre salientar que a prova produzida em audiência, indicada pelo reclamante, se limitou ao seu próprio depoimento e ao da sua própria mulher.
No que diz respeito à indemnização relativa a exames médicos, …
Neste domínio, mostram-se comprovadas despesas no valor de 176,05 €.
No que respeita a danos não patrimoniais, nomeadamente iminência de morte, contusões e dores, frustração do gozo de férias, má fé da reclamada, nenhuma prova foi produzida em audiência (artigo 342º nº 1 do CC).

A este propósito, recorda-se, uma vez mais, que a prova produzida se limitou ao próprio reclamante e à sua mulher, o que, dada a sua qualidade de interessados, é manifestamente insuficiente para dar como provados aqueles factos.

Não obstante o muito respeito que me merece o reclamante, não tendo sido prestada qualquer prova em audiência relativa aos danos reclamados supra referidos, não podem, obviamente, ser considerados para efeitos da pretendida indemnização.
… »

O assunto problemático é, na nossa óptica, primordialmente de julgamento e de decisão incidente sobre a matéria de facto.

No quadro normativo comum do código de processo,[41] o juiz decide a matéria de facto, declarando quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção (artigo 653º, nº 2). Em correspondência, se a decisão se afigurar deficiente, obscura ou contraditória, ou ainda, se se afigurar carente de ampliação, pode o tribunal da Relação, mesmo oficiosamente, anulá-la (artigo 712º, nº 4); como pode ainda, a requerimento da parte, mandar que o tribunal de primeira instância ajuste a fundamentação de algum facto essencial, antes deficientemente justificado (artigo 712º, nº 5).
Ainda no código de processo, a respeito da elaboração e esquematização da sentença, é estabelecido que em sede de fundamentação deva o juiz começar por discriminar os factos que considera provados (artigo 659º, nº 2, início); tomando em consideração, designadamente, aqueles emergentes do julgamento de facto e, ademais, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpra conhecer (artigo 659º, nº 3). Também aqui, e em correspondência, se não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão, a sentença se considera nula (artigo 668º, nº 1, alínea b), início).

No particular da arbitragem em causa, estabelece o artigo 13º, alínea e), do RSMAS, que a decisão arbitral será escrita e dela constarão os respectivos fundamentos, de facto e de direito; mais acentuando o artigo 18º, nº 2, final, do RAC, que a decisão arbitral deve ser devidamente fundamentada. Semelhantemente, dispõe o artigo 23º, nº 3, da LAV, que esclarece que a decisão final do tribunal arbitral deve ser fundamentada. Em correspondência, estabelece o artigo 27º, nº 1, alínea d), deste último diploma, que a sentença arbitral pode ser anulada, designadamente, se tiver havido violação daquele artigo 23º, nº 3; e o seu subsequente nº 3 que, se dela couber recurso e ele for realmente interposto, é no âmbito desse recurso que a anulabilidade deverá ser apreciada.

Ainda nesta matéria uma referência à dimensão constitucional do dever de fundamentação das decisões dos tribunais. Prevê a Constituição da República que a lei ordinária regulamente o vínculo (artigo 205º, nº 1); mas certo terá de ser um mínimo de densidade, àquem do qual a própria lei fundamental se há-de ter por preterida; e que se deve reflectir, em particular, quando em questão estejam os motivos de facto, por que se opte, para sustentar uma certa decisão.[42]

MANUEL PEREIRA BARROCAS escreve, a respeito da fundamentação da sentença arbitral:[43]
“Por fundamentação deve entender-se o exame do sentido prático da prova e não necessariamente crítico, da prova produzida, a especificação dos factos provados, nomeadamente os admitidos por acordo ou por confissão, as razões que justificam a aplicação da lei aos factos e a conclusão resultante da conjugação dos factos provados com a lei aplicada.
Nisto consiste a fundamentação da sentença.”

E ainda, agora a propósito da sua falta como causa de anulação:[44]
“A fundamentação deve conter os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão em termos que não diferem do regime do CPC (artigo 659º, números 1 a 3) para a sentença judicial, pois, de outro modo, tornar-se-ia difícil a sua apreciação pelo tribunal judicial em caso de recurso ou de acção de anulação.”

Semelhantemente, escreve LUÍS DE LIMA PINHEIRO:[45]

“A decisão considera-se fundamentada quando for justificada de facto e de direito, ainda que sumariamente, sobre cada uma das pretensões que foram apresentadas.”

Traçado o quadro, retornemos à hipótese concreta dos autos.

A decisão arbitral não discrimina, não enuncia, não especifica, os factos julgados, de um lado, provados, do outro, não provados. E é impressiva essa omissão, em particular quando foi vasta e abundante a matéria de facto que o reclamante fez enunciar na sua peça (inicial) de reclamação.
Cremos bem importante ter em conta acerca deste assunto um ditame do código de processo, e que é aquele segundo o qual há que fazer a selecção dos factos controversos, segundo as soluções plausíveis, por serem esses aqueles sobre que incidirá o juízo de prova (artigos 511º, nº 1, e 513º). Se sobre algum que comporte essa virtude (ou relevância) for omitido esse juízo (probatório) ocorre nulidade decisiva, que até oficiosamente pode ser decretada (artigo 712º, nº 4, intermédio). Ora, esta avaliação de plenitude de juízo probatório incidente sobre toda a factualidade com relevo fica decididamente prejudicada se, como é apanágio da decisão arbitral produzida, se disser que, em larga medida (e genericamente), se não provaram factos. E se essa lacuna se nota, desde logo, acerca das circunstâncias de dinâmica do acidente, ela é particularmente sugestiva no assunto dos prejuízos suportados, das perdas reais e efectivas que porventura hajam sido suportadas por decorrência daquele. Veja-se, por exemplo, a respeito dos estragos materiais no automóvel conduzido pelo reclamante, acerca de que se diz (apenas) que sofreu danos cuja reparação ultrapassa o seu próprio valor, para depois daí partir para a conclusão de que o reclamante tem direito ao valor venal do veículo, deduzido dos salvados, que ficarão na sua posse, ou seja, 21.000,00 €. Em suma; afigura-se-nos, no bom rigor, que a decisão arbitral padece de omissões, de lacunas, desde logo, ao nível da sua sustentação de facto e que a comprometem, em termos de integridade de forma, conducentes por isso à sua invalidação, no quadro da disciplina arbitral que é aplicável.

Dir-se-á que, apesar de tudo, a decisão vai perpassando ao longo do seu excurso por alguma matéria de facto, destacando aqui e ali alguns aspectos de maior destaque. Cremos que é uma densificação insuficiente. Para lá da esquematização discutível de ir abordando, em bloco, juízos de facto, motivações e enquadramento normativo, o que mais impressiona é não se afigurar realizado o escrutínio fáctico (concreto) que, sem margem de dúvida, constituía aí o objecto do processo; fazendo-lhe corresponder as avaliações probatórias evidenciadas pelos instrumentos da sua sustentação. Note-se, mesmo ao nível da motivação, a referência abstracta e genérica, por exemplo aos documentos, sendo que nenhum é especificado; e pese embora o acervo contido nos autos; ficando na penumbra o conhecimento acerca do alcance e da virtualidade deles (quais?).

É certa, e sem contestação, a natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral;[46] decorrentemente, natural é que a tendência seja no sentido de que o grau de fundamentação exigido nas decisões arbitrais seja mais atenuado do que é prática corrente nas sentenças judiciais.[47] Ainda assim; haverá um mínimo (ao menos aquele exigível pela densidade constitucional mencionada) àquem do qual nos parece incongruente legitimar a decisão.
Na hipótese concreta, afigura-se-nos que, mesmo entendendo apesar de tudo detectar ténues afloramentos de juízos de facto e de alguma frágil motivação, de maneira a obviar à sua falta absoluta (habitualmente, a que é suposta no vício da alínea b), do artigo 668º, nº 1, do código de processo), sempre se manteria a dúvida acerca de que factos (de todos os vastamente alegados pelo reclamante) haviam sido sujeitos ao crivo da prova (algum foi preterido?), o que sempre importaria a anulação do artigo 712º, nº 4; além de que o deficiente escrutínio e fundamentação de factualidade perfeitamente essencial (como é a do volume dos prejuízos emergentes) sempre importaria também a necessidade do seu suprimento, no quadro do artigo 712º, nº 5, o qual, por inadmissível em sede de arbitragem,[48] a acarretar semelhantemente a anulação da decisão (de facto).

E como qualquer destes vícios está suposto no objecto de recurso, circunscrito pelo reclamante (que aliás termina a pedir que a decisão arbitral seja anulada), e merece enquadramento nos artigos 20º, nºs 1 e 2, do RAC, e 27º, nº 1, alínea d), da LAV, não cremos que outra decisão possa ser a produzida neste recurso de apelação que não a de anular a sentença arbitral que foi proferida.

Neste particular, acolhendo então o pedido do reclamante.

5.3. O reclamante pede, em cumprimento dos artigos 712º, nº 1, e 715º, do código de processo, e 9º, nº 5, do RAC, que o tribunal da Relação fixe a matéria de facto e, consequentemente, julgue o mérito da causa.

E, em tese, pareceria viável a possibilidade dessa substituição.[49]

Ainda assim. Com toda a certeza, à luz do que a decisão arbitral comporta, não estão reunidas condições de avaliar a justeza do seu dispositivo (final); a decisão é (formalmente) inválida, nos termos expendidos; e será sempre a partir dessa invalidade que terá de ser obtida uma inferência jurídica acertada.

A prova pessoal produzida na audiência do tribunal de primeira instância não foi gravada, o que inviabiliza ao tribunal superior poder proceder à sua reapreciação. Mas os autos contêm abundante prova documental; ali junta.

É o artigo 712º do código de processo que trata do assunto de alteração da matéria de facto fixada pela primeira instância. Porém; afigura-se-nos claro que do processo não constam todos os elementos de prova, vocacionados a sustentar a decisão (nº 1, alínea a), início); mais não fosse, afigura-se-nos absolutamente essencial conhecer o depoimento da testemunha, condutora do auto-móvel que embateu no conduzido pelo reclamante, imprescindível à formação de um certo e ajustado juízo acerca do que terá realmente acontecido.[50] Ademais, a prova não foi gravada (nº 1, alínea a), final). Por outro lado, não se vê elemento algum no processo a impor decisão insusceptível de ser abalada (nº 1, alínea b)). E nem ocorre haver documento novo e superveniente, menos ainda de força probatória indestrutível (nº 1, alínea c)). Isto é; não se permite enquadrar uma reavaliação da matéria de facto, com qualquer destes enquadramentos.

E nem decorrentemente em termos de renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância, na previsão do nº 3, do artigo 712º, como o reclamante (ainda) propugna. É que esta norma não se destina a viabilizar o julgamento integral no tribunal superior, como seria o caso se a pretensão fosse acolhida. Como evidencia a respectiva inserção sistemática, a dita renovação enquadra-se em instância recursória sobre matéria de facto e supõe a admissibilidade da alteração da decisão do tribunal inferior, precisamente a coberto dos números (1 e 2) que a precedem; o que, como vimos, não é hipótese dos autos.

Enfim; não tem virtualidade de poder operar a regra da substituição ao tribunal recorrido, como o reclamante também pretende (artigo 715º, nº 1, do código). Embora se estabelecendo que a invalidade da decisão que põe termo ao processo não desonera o tribunal de recurso de conhecer o objecto da apelação, a verdade é que essa substituição tem também de supor que este tribunal disponha dos elementos necessários para esse efeito;[51] com a consequência de, caso assim não seja, não poder deixar de se limitar a anular a decisão. Ora, é este derradeiro o caso concreto; mais não merecendo acentuar que o que neste falhou foi o reflexo da prova (entre mais, a pessoal não gravada) e a sua incidência na discriminação certa e exacta de factos que, com interesse e pertinência, fossem de avaliar.

5.4. O artigo 25º da LAV estabelece que o poder jurisdicional do árbitro finda com a notificação do depósito da decisão que ponha termo ao processo ou, quando tal depósito seja dispensado, com a notificação da decisão às partes. A arguição de nulidade da sentença arbitral faz-se em recurso, caso seja interposto (artigos 27º, nº 3, e 29º, nº 1, da LAV).

No caso, a consequência da anulação seria a repetição do julgamento.
Mas, a extinção do poder jurisdicional inviabiliza-o; ela significa que o juiz arbitral já não vai poder rever, reavaliar, voltar a apreciar, o decidido.[52]

A consequência é portanto (estritamente) a respectiva invalidação.[53]

6. Na apelação que interpôs a seguradora reclamada, acabou o seu objecto por não ser conhecido; na apelação interposta pelo reclamante, a decisão recorrida foi considerada inválida, e anulada. Significando, em ambos os recursos, o decaimento daquela seguradora; e o seu estatuto de vencida.
Donde, e como tal, nos dois recursos, a ter de ser ela a suportar o encargo das custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do código de processo); sendo a taxa de justiça aplicável a fixada na tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais (artigos 6º, nº 2, e 7º, nº 2, deste diploma).

7. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do(s) presente(s) recurso(s):

I – Em processo de arbitragem, segmentos decisórios como aquele que julga extemporânea a contestação do demandado ou que o demandante é parte legítima, apenas podem ser impugnados pelo vencido nesses segmentos se ele interpuser recurso da decisão (final) que se pronuncia em definitivo sobre o objecto do litígio, e por adesão a esse recurso (artigos 29º, nº 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto [LAV], e 691º, nº 3, do Código de Processo Civil);
II – A parte neles vencida, e que os queira impugnar, pode ainda, no contexto recursório da decisão final que haja sido interposto pela parte contrária (nesta vencida), pedir a sua reapreciação, enquanto pressupostos capazes de poderem vir a fazer preterir a viabilidade daquele recurso (artigo 684º-A, nº 1, do CPC);
III – Estabelecendo o regulamento de arbitragem a notificação como acto de chamamento do demandado para se defender, e aceitando este como genuíno, para esse efeito, o aviso postal registado que lhe foi enviado, é-lhe subtraída a possibilidade de, depois, vir reclamar a seu favor, para lá do prazo peremptório, ainda período de dilação (artigos 16º, alínea b), da LAV, 198º, nºs 1 e 4, 202º, 252º-A e 254º, nºs 1 e 3, do CPC);
IV – Conquanto a ilegitimidade de alguma das partes constitua excepção dilatória, impõe-se ao tribunal o seu conhecimento oficioso (artigos 288º, nº 1, alínea d), 494º, alínea e), e 495º, início, do CPC); contudo, apenas quando os elementos constantes dos autos permitam evidenciar a sua subsistência (artigos 510º, nº 1, alínea a), final, e 660º, nº 1, do CPC);
V – Em processo arbitral a falta da apresentação da defesa pelo requerido não acarreta, em princípio, outra consequência que não seja a de a parte faltosa não poder exprimir a sua posição sobre o litígio; e não obsta a que o juiz árbitro, fazendo uso das suas faculdades oficiosas, possa proceder à produção de provas que essa parte aí lhe haja proposto ou sugerido (artigo 265º, nº 3, do CPC);
VI – A decisão arbitral carece de ser fundamentada, em particular na óptica de facto (artigo 23º, nº 3, da LAV); padecendo de nulidade se o não estiver (artigos 27º, nºs 1, alínea d), e 3, e 29º, nº 1, da LAV);
VII – A densidade dessa fundamentação só será salvaguardada se minimamente for perceptível, por um lado, o escrutínio probatório acerca de cada um dos factos controversos relevantes para a boa decisão da causa (artigo 653º, nº 2, do CPC), por outro, quais deles são os que exactamente constituem a base para o enquadramento normativo do direito material aplicável (artigo 659º, nºs 2, início, e 3, do CPC);
VIII – Ainda que o tribunal da Relação anule uma sentença arbitral, é-lhe permitido substituir-se à primeira instância e conhecer do objecto do recurso (artigo 715º, nº 1, do CPC); porém, apenas se o processo comportar todos os elementos que sejam necessários a um consciencioso conhecimento;
IX – Estando em causa a carência da matéria de facto e (além do mais) a avaliação de prova pessoal, cujo depoimento não foi gravado, não se divisa possível proceder a essa substituição (artigo 712º, nº 1, alínea a), final, do CPC); e nem sequer por via de uma renovação de meios de prova (artigo 712º, nº 3, do CPC), cuja feitura apenas se prevê em apoio à alteração da decisão de facto da primeira instância, em quadro recursório com esse objecto e de viabilidade precedentemente reconhecida (artigo 712º, nºs 1 e 2, do CPC);
X – Na hipótese referida em IX –, por já se achar extinto o poder jurisdicional do juiz árbitro (artigo 25º da LAV), deve o tribunal da Relação limitar-se a decretar a anulação da decisão.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:

1.º; Não conhecer do recurso interposto pela reclamada C…, Companhia de Seguros SA;

2.º; Julgar o procedente recurso interposto pelo reclamante B…, na medida em que suscitou a questão da invalidade da decisão arbitral, e, nessa exacta medida, anular a decisão arbitral, proferida no dia 19 de Junho de 2012.

As custas, em ambos os recursos, são encargo da seguradora reclamada (e o valor da taxa de justiça, em qualquer dos casos, o da tabela I-B anexa ao regulamento das custas).

Porto, 5 de Novembro de 2012
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
________________
[1] No dia 15 de Novembro de 2011.
[2] V fls. 137 e 195.
[3] V fls. 198 a 200.
[4] V fls. 206 a 210.
[5] V fls. 217 a 235.
[6] V fls. 243 a 244.
[7] V fls. 252 a 278.
[8] V a acta da audiência (fls. 319 a 320).
[9] V fls. 288 a 291.
[10] V fls. 301 a 304.
[11] V fls. 307 a 311.
[12] V fls. 333 a 334.
[13] A decisão arbitral foi proferida no dia 19 de Junho de 2012 (v fls. 326)
[14] V fls. 327 e 328.
[15] Cingir-nos-emos, apenas, àquelas questões que nos parecem verdadeiramente primordiais; sem prejuízo de, depois, no respectivo desenvolvimento, haverem outras que possam ser abordadas, sejam como instrumentais daquelas, sejam como sua coerente decorrência.
[16] Ambos estes regulamentos estão disponíveis em www.cimpas.pt/regulamento.php.
[17] Atenta a data do início do processo arbitral é esta a lei de arbitragem aplicável (v artigos 4º, nºs 1 e 2, e 6º, da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, que aprovou a nova Lei da Arbitragem Voluntária).
[18] Manuel Pereira Barrocas, “Manual de arbitragem”, 2010, página 505.
[19] V o artigo 24º, nº 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 3 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. A subsequente Lei Orgânica (aprovada pela Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto) manteve o mesmo valor (artigo 31º, nº 1).
[20] O critério da proporção do decaimento é também o utilizado para fixar a medida do encargo das custas (artigo 446º, nº 2, do Código de Processo Civil).
[21] Artigo 659º, nº 2, final, do Código de Processo Civil.
[22] V conclusão ii. da sua contra-alegação.
[23] Entendida esta como “a decisão que se pronuncia definitivamente sobre o objecto do litígio ou que extingue a instância sem conhecer de mérito”; em suma como “decisão definitiva” (Luís de Lima Pinheiro, “Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral” na Revista da Ordem dos Advogados, ano 67, volume III, Dezembro de 2007, disponível em www.oa.pt).
[24] Na jurisprudência, v o Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Setembro de 2011 na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXVI, tomo 4, páginas 73 a 74.
[25] Se quanto à extemporaneidade da contestação a decisão arbitral é expressa, a respeito da legitimidade do reclamante pode a sua afirmação obter-se do trecho onde se diz não existirem excepções que obstem ao conhecimento de mérito.
[26] O que é evidenciado, não só pela omissão, no recurso interposto, do pedido de revogação do julgamento de mérito produzido, como mais impressivamente pela expressa indicação, na contra-alegação produzida, no recurso interposto pelo reclamante, de que esse julgamento se deve manter (v fls. 509).
[27] Como se disse, ainda que formalmente integrados (inseridos) na própria decisão (final) arbitral.
[28] António Abrantes Geraldes, “Recursos em processo civil (novo regime)”, 2ª edição, páginas 102 a 103; ainda, da autoria do relator deste acórdão, “Notas práticas ao regime dos recursos em processo civil”, 2ª edição, página 89.
[29] Aliás, pediu expressamente que o tribunal de recurso conhecesse da invocada excepção dilatória (v fls. 464).
[30] Manuel Pereira Barrocas, obra citada, página 400; e Luís de Lima Pinheiro, “A arbitragem transnacional (a determinação do estatuto da arbitragem)”, 2005, página 143.
[31] V artigo 252º-A do Código de Processo Civil.
[32] José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, “Código de Processo Civil anotado”, 1999, página 439.
[33] V artigo 145º, nº 3, do código de processo.
[34] V Manuel Pereira Barrocas, obra citada, página 387.
[35] Distintamente da citação postal, efectuada com aviso de recepção (artigo 236º), que se considera feita (logo) no dia em que este se mostre assinado (artigo 238º, nº 1, início).
[36] E as notificações às partes que ainda não hajam constituído mandatário fazem-se, de igual modo, nos mesmos termos das que a esse hajam de ser feitas (artigo 255º, nº 1).
[37] Fica assim também prejudicado o paralelismo feito (pela reclamada) com o processo especial emergente de acidente de trabalho, do direito laboral (artigo 128º do Código de Processo do Trabalho); na exacta medida em que, como se diz, aceitando a idoneidade do acto, formalizado por (simples) aviso postal registado, a parte evidencia que esse acto comunicacional, assim composto, é suficientemente vocacionado (o bastante) para salvaguardar as suas efectivas garantias de defesa.
[38] V artigos 22º, início, da LAV, 12º, nº 1, do RSMAS, e 18º, nº 3, início, do RAC.
[39] Obra citada, página 401.
[40] Repetimos; na medida em que pudessem contribuir para a descoberta da realidade dos factos.
[41] Sobre a aplicação dos princípios gerais do processo civil à fundamentação das decisões arbitrais, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2001 na Colectânea de Jurisprudência (STJ), ano IX, tomo 2, página 89.
[42] A respeito deste assunto, vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa anotada”, volume II, 4ª edição, página 527; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa anotada”, tomo III, 2007, páginas 74 a 75.
[43] Obra citada, página 492.
[44] Obra citada, página 515.
[45] “A arbitragem …”, citada, página 153.
[46] V artigos 14º, nº 2, final, do RSMAS, e 23º, nº 2, final, do RAC.
[47] Armindo Ribeiro Mendes e outros, “Lei da arbitragem voluntária anotada”, 2012, página 83.
[48] Como consequência de já estar extinto o poder jurisdicional do juiz arbitral (v Manuel Pereira Barrocas, obra citada, páginas 492 a 494).
[49] A doutrina vem-na admitindo, ao menos, em sede de recurso (v Paula Costa e Silva, “Os meios de impugnação de decisões proferidas em arbitragem voluntária no direito interno português” na Revista da Ordem dos Advogados, nº 56 (1996), página 202).
[50] Não comportando o desentranhamento da contestação (artigo 9º, nº 5, do RAC), como sublinhámos, o efeito de fazer preterir, ou de excluir, a produção deste depoimento que, seja como for, e por ser essencial à descoberta da verdade, teria sempre de ser realizado a coberto das faculdades oficiosas do juiz (artigos 14º, nº 2, alínea b), do RAC, e 265º, nº 3, do código de processo). É esta a nossa segura convicção.
[51] António Abrantes Geraldes, obra citada, página 318.
[52] José Lebre de Freitas, A Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil anotado”, volume 2º, 2001, página 663.
[53] Na nossa óptica, o efeito anulatório faz prejudicar as outras demais questões aventadas no recurso, como é o caso da falta de pronúncia do árbitro sobre alguns dos assuntos que lhe foram suscitados ou, ainda, da avaliação do juízo de censura processual (a má-fé) que o reclamante atribui à reclamada.