Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
139/21.8PRVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20230419139/21.8PRVNG.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo em conta o valor dos bens que a punição do crime de condução sem habilitação legal procura proteger, pois que não estamos no âmbito das bagatelas penais, campo privilegiado para admoestação, não será de aplicar no caso vertente tal pena, por esta não satisfazer as exigências de prevenção especial e de prevenção geral.
II - O facto de o arguido possuir carta de condução à data desta condenação retira à aplicação da admoestação qualquer tipo de adequação, sentido de oportunidade e de utilidade em termos de prevenção especial.
III – As exigências de prevenção geral são, neste caso, prementes, pois os crimes rodoviários devem ser exemplarmente punidos (aqui no sentido de garantirem, pela aplicação da pena, a reafirmação das expetativas comunitárias na validade das normas penais rodoviárias), principalmente num país, como é o nosso, com elevados números de sinistralidade nas estradas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 139/21.9PFVNG.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia foi decidido:
«1. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e n.º 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, na pena de cento e vinte dias de multa à razão diária de seis euros,
2. Substituo a pena de multa referida em 1, por admoestação, nos termos do disposto no artigo 60.º do Código Penal.
3. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, já reduzida por força da confissão.»
*
Inconformado com esta decisão, o M.P. interpôs recurso.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da motivação (transcrição):

“1. O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e n.º 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, na pena de cento e vinte dias de multa à razão diária de seis euros, sendo porém, tal pena, substituída por admoestação, nos termos do disposto no art.º 60.º do Código Penal.
2. As necessidades de prevenção geral quanto a este tipo de crime são muito elevadas e é muito frequente na nossa sociedade a prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, o que, face à sinistralidade rodoviária do país, numerosa e com graves consequências pessoais e materiais, para a qual este crime contribui significativamente.
3. E no que diz respeito às necessidades de prevenção especial andou bem o Tribunal a quo quando aplicou a pena de multa, nos precisos termos em que o fez, quando aplicou ao arguido uma pena de multa de 120 dias de multa, à taxa de € 6,00.
4. Pelo que, face a tais necessidades de prevenção geral, não obstante a prognose favorável em relação ao arguido, fundamentalmente pelo mesmo ser primário, ter confessado e ter, entretanto, obtido carta de condução, não se nos afigura correcta a substituição pela pena de admoestação da pena de multa aplicada.
5. A pena de admoestação não se mostra adequada e suficiente para a realização das finalidades da punição, porquanto, o ilícito cometido pelo arguido não é de escassa ou diminuta gravidade e o tipo de crime em causa, atentas as elevadíssimas necessidades de prevenção geral, não se compadecem com uma censura verbal, ainda que solene do Tribunal, como pena por tal conduta.
6. Por errada interpretação, foi violado o art.º 60.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que deve ser, portanto, aplicada ao arguido a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, no valor global de 720,00.
7. Na mesma esteira dos Acórdãos supra referidos, a pena de admoestação não se nos afigura suficiente e bastante para a censura que merece a conduta do arguido, ao nível de prevenção geral e mesmo especial.
8. Deve, pois, nesta parte, ser revogada a sentença, aplicando-se ao arguido a pena de multa determinada pelo Tribunal a quo na decisão em crise e não sendo aplicada ao mesmo a pena de admoestação.
9. A pena de multa aplicada nos autos e indevidamente substituída por uma admoestação representará uma censura suficiente e adequada aos factos cometidos pelo arguido e, simultaneamente garantirá da vigência e validade da norma violada.
10. Em face de tudo o exposto, o arguido deve ser condenado na pena de a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no valor global de €720,00.
11. Ao optar pela aplicação da pena de admoestação em substituição da pena de multa, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 60.º do Código Penal.”
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O arguido respondeu ao recurso, considerando não assistir qualquer razão ao recorrente e pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde aderiu à resposta do arguido junto do Tribunal recorrido, pugnando, assim, pela improcedência do recurso.
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Notificado deste parecer, o recorrente respondeu.

II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso situa-se na substituição da medida concreta da pena fixada em 120 dias de multa à taxa diária de seis euros, pela admoestação que reputa desadequada atentas as exigências de prevenção.

Apreciando.
Os factos que o Tribunal a quo teve em conta para determinar as penas aplicadas são os seguintes:
«Factos provados
Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:
A) Da acusação:

1. No dia 17 de março de 2021, pelas 15h30m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-OZ, na Rua ..., em Vila Nova de Gaia, sem ser titular de carta de condução, ou documento que a tal o habilitasse.
2. O arguido agiu como descrito com o intuito, concretizado, de conduzir o referido veículo automóvel na via pública, cujas características conhecia, apesar de saber que não se encontrava legalmente habilitado para tal.
3. O arguido atuou sempre de vontade livre e consciente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
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B) Mais se provou
4. O arguido já é titular de carta de condução.
5. Trabalha auferindo mensalmente a quantia de 705€.
6. Reside com os pais em casa arrendada por 306€, contribuindo o arguido com a quantia de 150€.
7. Paga mensalmente a quantia d 125€ relativa a empréstimo contraído para aquisição de veículo.
8. Tem o 9.º ano de escolaridade.
9. Do seu certificado de registo criminal consta a seguinte condenação: por sentença transitada em julgado em 2021/09/30, o arguido foi condenado pela prática, em 2021/08/02, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5€. A pena foi declarada extinta pelo cumprimento.
***
B. Factos não provados
Não existem.»
*
Determinação concreta da pena.

B. Determinação da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal II, pág. 229), a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstracta da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efectivamente, deve ser cumprida.
Vejamos, em concreto, estas diversas etapas, para o crime praticado.
***
Do crime de condução de veículo sem habilitação legal
O crime de condução sem carta de condução (de motociclo ou automóvel) é punível com pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias” (art. 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro).
Face à alternatividade entre pena de prisão e pena de multa cumpre, antes de mais, determinar qual a que melhor cumpre as exigências de prevenção do presente caso.
De acordo com o disposto no art. 40º do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a “proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Estes fins – habitualmente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização – traduzem, respetivamente, o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efetuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do arguido tendo em vista a sua ressocialização.
E se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º do Código Penal).
*
No caso presente, as exigências de prevenção geral são significativas, atendendo à frequência com que é cometido o crime de condução sem habilitação legal. Não obstante, estas já se encontram consideradas na moldura penal abstrata.
Quanto às necessidades de prevenção especial, temos de ter em conta que o arguido agiu com dolo direto, a modalidade mais grave do dolo mas não tinha qualquer condenação registada à data da prática dos factos, confessou de forma integral e sem reservas os factos e já é possuidor de carta de condução, razão pela qual se opta por uma pena de multa.
No caso em apreço, para além dos aspetos já aludidos aquando da escolha da sanção, importa ponderar os seguintes:
● Atuou com dolo direto (facto desfavorável);
● - Em termos de ilicitude, entendemos que esta é mediana atendendo a que corresponde ao normal modo de cometimento do crime;
● Não tem antecedentes criminais (facto favorável ao arguido);
● Tem uma condenação registada, mas que por ser posterior à data da prática dos factos sub judice, não constitui verdadeiro antecedente criminal
● -Inexiste lesão noutros bens jurídicos
● Confessou de modo integral os factos imputados (facto favorável ao arguido);
● O arguido encontra-se social, laboral e familiarmente inserido (facto favorável ao arguido);
● Já é possuidor de carta de condução (facto favorável).
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No caso sub judice, tendo em consideração, todos estes fatores, julga-se adequado e equitativo concluir que o arguido merece uma censura penal concreta de 120 dias de multa.
Estabelecido que está o quantum da pena principal, importa agora determinar o respetivo quantitativo diário, para o que se deve atender ao preceituado no n.º 2 do art. 47º do Código Penal, fixando-o dentro dos limites legais, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Não oferecendo a lei critérios a considerar para determinar a situação económica e financeira ou os encargos do condenado, deve o tribunal guiar-se por critérios de razoabilidade e de exigibilidade. Assim, entende o tribunal como adequado fixar em 6 euros o quantitativo diário da multa.
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Da admoestação
Sob a epígrafe Admoestação dispõe o artigo 60.º do Código Penal:
1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.
4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.
*
No presente caso, não é aplicada pena superior a 240 dias, não existiu lesão noutros bens jurídicos, o arguido já é possuidor de carta de condução e nos três anos anteriores ao facto não sofreu qualquer condenação, a admoestação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
*
Pelo exposto, substituímos a pena de multa por admoestação.»

Decidindo.
Inexiste qualquer vício de conhecimento oficioso.
Medida da pena e natureza.
Na determinação da medida concreta da pena impõe-se ao julgador que tenha presente o disposto em três normas fundamentais nesta matéria, os arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPenal.
Dispõe o primeiro dos indicados preceitos, com a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, que:
«1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.»

Tendo presente estas finalidades, deve o julgador de seguida, na operação de escolha da pena, ter em atenção a regra ínsita no art. 70.º do CPenal, segundo o qual:
«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Por fim, especifica o terceiro dos indicados preceitos (art. 71.º do CPenal) que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»

Nas palavras sempre atuais de Figueiredo Dias[2], «A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.»

Para além destas indicações é preciso não perder de vista que «A necessidade, proporcionalidade e adequação são princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.»[3]

A medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição –, embora sem ultrapassar a medida da culpa – que funciona como limite máximo da medida da sanção, sob pena de ser posta em causa a dignidade da pessoa do delinquente –, devendo a concretização da pena, a fixar entre tais limites mínimo e máximo, corresponder ao necessário e suficiente para a reintegração do agente, aí sendo realizado o juízo de ponderação das exigências de prevenção especial.

São estes parâmetros de concretização da pena que é aplicada ao arguido condenado que devem estar explicitados na sentença, permitindo aos destinatários da mesma acompanhar o percurso decisório do julgador na 1.ª Instância.

Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «Em matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[4]

No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[5] que:
«I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»

Esta jurisprudência reflete a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.

O M.P. a quo não contesta a pena de multa e seu quantitativo diário concretamente fixados, mas apenas a sua substituição pela pena de admoestação.

A admoestação é uma pena de substituição de uma pena concreta de multa.

A admoestação consiste numa advertência oral feita pelo tribunal ao condenado sobre o mal do crime. Ela tem lugar após o trânsito da sentença condenatória (artigo 497º do CPP
A admoestação pode substituir a pena concreta de multa não superior a 240 dias.
Atenta a natureza dos bens jurídicos em causa e as necessidades preventivas gerais, não deve proceder-se a substituição da pena de multa por admoestação nos crimes rodoviários, seja por condução de veículo automóvel sem habilitação legal (acórdão do TRG, de 20.4.2009 processo 967/08.0GAEPS.G1, e acórdão do TRG, de 11.1.2010, processo 941/09.0GBBMRG1), seja por condução sob efeito de álcool (acórdão do TRP, de 29.1.2014, in CJ, 1, 210, e acórdão do TRE, de 29.5.2012, processo 917/10.4GDPTM.E1).
O critério de aplicação da admoestação é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção de socialização ou a prevenção geral, que constituem "as finalidades da punição” ver a anotação ao artigo 40º, e FIGUEIREDO DIAS, 1993: 387, mas contra CAVALEIRO FERREIRA, 1989: 190, considerando decisivo o ponto de vista a "grande diminuição culpa verificável no caso concreto").
A pena de admoestação consiste numa solene e adequada censura oral feita em audiência pelo tribunal ao arguido (artigo 60º, n.º 4 do Código Penal).

A pena de admoestação encontra-se prevista no artigo 60º do Código Penal com a seguinte redação:
Artigo 60.º

Admoestação
“1 – Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 – A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3 – Em regra a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.
4 – A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.”
Como se referiu no Ac. da Rel. de Coimbra de 11-5-2005, proc.º n.º 945/05, rel. Oliveira Mendes, claramente tributário da lição de Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do cit., pág. 387, §605):
“A pena de admoestação, a mais leve do nosso ordenamento jurídico, só pode ser cominada se o tribunal se convencer, através da emissão de um juízo de prognose favorável, que o delinquente alcançará por tal via a sua (re)socialização e que a sua aplicação não porá em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico, sem esquecer que a mesma só deve ser cominada para censura de factos de escassa gravidade, gravidade que deve ser aferida em função do bem ou do interesse jurídico tutelado e o grau e a intensidade da violação ou lesão nele produzida.»
No mesmo sentido Ac. R.G. de 11.01.10, proc. 941.09.0GBBMR, relator Cruz Bucho.
O mesmo relator escreve “Como muito recentemente tivemos oportunidade de salientar no acórdão desta Relação de Guimarães, de 28-9-2009 (proc.º n.º 34/09.OGTVCT.G1, rel. Cruz Bucho in www.dgsi.pt):
«A questão da aplicação da admoestação aos crimes de condução ilegal não é nova e tem sido até objecto de diversos acórdãos desta Relação (cfr. v.g. os Acs de 16-3-2009, proc.º n.º 419/08.9GTVC.G1, rel. Carlos Barreira, e de 20-4-2009, proc.º n.º 967/08GAEPS.G1, rel. Filipe Melo, ambos disponíveis in www.dgsi.pt) proferidos sobre processo oriundos do Tribunal Judicial de Esposende.»
«De forma que julgamos unânime se vem entendendo nesta e noutras Relações (cfr. v.g. o Acs da Rel do Porto de 25-9-2002, proc.º n.º 0141492, rel. Teixeira Pinto, in www.dgsi.pt e de Lisboa de 13-5-2004, proc.º n.º 7927/03-9ª, rel. Francisco Neves in www.pgdlisboa.pt) que no crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03.01, salvo em situações excepcionais, verificadas razões ponderosas, não se justifica a substituição da multa pela admoestação por o referido crime constituir uma grave violação das regras de trânsito, sendo de prática frequente, a tornar muito prementes as necessidades de prevenção geral.»
Posição que subscrevemos.
Será que o caso dos autos configura uma situação excecional ou, o que é o mesmo, in casu verificam-se razões ponderosas que justificam a substituição da multa pela admoestação?
São os seguintes os pressupostos (a verificar no momento da decisão) de que a lei (art° 60° do Código Penal) faz depender a possibilidade (e obrigatoriedade) da aplicação ao arguido da pena de admoestação.
- um pressuposto formal) a saber, que a pena concreta aplicada seja de multa não superior a 120 dias;
- que haja reparação do dano:
- que decorrente de um favorável juízo de prognose, com a admoestação seja razoável concluir pela realização bastante das finalidades punitivas.
- inexistência, em princípio, de anterior condenação em qual pena.
Dúvidas não há que o pressuposto formal da medida da pena de multa se verifica e também não se questiona que o arguido seja primário.
E no caso em apreço não há lugar a reparação por não haver lesado direto.
Contudo, ao contrário do decidido, e tendo em conta o valor dos bens que a norma procura proteger, pois que não estamos no âmbito das bagatelas penais, campo privilegiado para admoestação, somos a afirmar pela não verificação de outro pressuposto, a necessidade da realização das finalidades punitivas.
E o arguido de 33 anos, não situado no limiar da imputabilidade penal, nem já sujeito ao regime especial para jovens, não obstante não possuir antecedentes criminais foi condenado pela prática do mesmo tipo de crime por condução sem carta ocorrido após a prática destes factos, situação de concurso real.
O facto de já possuir a carta de condução à data desta condenação retira, a nosso ver, qualquer tipo de adequação, oportunidade e de utilidade em termos de prevenção especial à aplicação da admoestação. Por sua vez, as exigências de prevenção geral são prementes.
Os crimes rodoviários devem ser exemplarmente punidos (aqui no sentido de garantirem, pela aplicação da pena, da reafirmação das expectativas comunitárias na validade das normas penais rodoviárias), principalmente num país, como é o nosso, com os tristes números de sinistralidade nas estradas.
E conforme decidido Ac. Rel. Porto de 25.09.2002 in www.dgsi.pt “Condenado o arguido pelo crime de condução de veículo sem habilitação, da previsão do artigo 3 n.2 do Decreto-Lei n.2/98, de 3 de Janeiro, em pena de multa, não se justifica a substituição desta pela admoestação pois o crime referido constitui uma grave violação das regras de trânsito, sendo de prática frequente, e prementes as exigências de prevenção geral e especial.”
Tudo para se concluir não ser aqui caso de aplicação da pena de admoestação, porque inexistem circunstâncias especiais que o justifiquem, antes se devendo ficar pela de multa aplicada, que de resto, per se, se mostra justa e adequada.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida nos termos sobreditos, na parte em que a mesma substituiu a pena de multa pela de admoestação, no mais se mantendo o nela decidido.

Sumário
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Porto, 19 de abril de 2023
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[3] Acórdão do STJ de 22-11-2017, Proc. n.º 731/15.0JABRG.G1.S1 - 3.ª secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.