Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1723/19.6T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
Nº do Documento: RP202110281723/19.6T8PRD.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Pedindo o requerente que seja fixado o prazo de 30 dias para que o requerido marque a escritura pública da compra e venda prometida e decidindo o tribunal condenar este a «celebrar o contrato definitivo de compra e venda do prédio (…), fixando-se o prazo de 30 dias», tal decisão consubstancia uma condenação extra vel ultra petitum, que é fundamento de nulidade da sentença nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1723/19.6 T8PRD.P1
Comarca de Porto Este
Juízo Local Cível de Paredes (J2)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 03 de Julho de 2019, MASSA INSOLVENTE DE B…, representada pelo Administrador da Insolvência nomeado, intentou esta acção especial de fixação judicial de prazo contra C…, alegando, em síntese, o seguinte:
Em 23 de maio de 2014, entre a B…, D… e E…, como promitentes-vendedores, e o aqui réu C…, como promitente-comprador, foi celebrado contrato-promessa pelo qual aqueles prometeram vender a este, que, por seu turno, prometeu comprar o prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, destinado a habitação, piscina e logradouro, sito no …, freguesia … e concelho de Paredes, descrito na Conservatória dos Registos Predial de Paredes sob o número 498 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 752.º, pelo preço correspondente ao montante em dívida do crédito hipotecário existente à data no F…, acrescido do pagamento da quantia de € 35.000,00.
O contrato teve dois aditamentos e as partes obrigaram-se a celebrar o contrato prometido por escritura pública a outorgar num prazo de 60 dias a contar da assinatura do contrato-promessa, cabendo ao promitente-comprador, aqui réu, comunicar aos promitentes vendedores a data, hora e local da mesma com antecedência mínima de 30 dia.
Considerando o teor do último aditamento, a escritura deveria realizar-se em Maio de 2015, o que até hoje não aconteceu, apesar de todas as solicitações e diligências levadas a cabo pelos promitentes-vendedores.
Quer a B…, quer D… foram declarados insolventes e nos respectivos processos de insolvência a liquidação do património não pode ser finalizada enquanto esse prédio não for vendido.
Sendo a marcação da escritura da responsabilidade do réu, não sendo esta marcada, não podem os promitentes-vendedores imputar-lhe o incumprimento contratual definitivo, pese embora os prazos fixados pelas partes para celebração da mesma se encontrem há muito ultrapassados.
Concluiu pedindo que seja «fixado o prazo de 30 dias para que a Ré proceda ao agendamento da escritura pública»[1].
Citado, o réu veio apresentar contestação em que admite como verdadeiros os factos alegados sob os artigos 1.º a 9.º da p.i. (a celebração do contrato-promessa e o essencial do seu clausulado), mas alega que não lhe cabe qualquer responsabilidade pelo atraso na celebração da escritura do contrato prometido.
Isto porque, às já «difíceis e morosas negociações que teria sempre que levar a bom termo junto do credor hipotecário, o Banco G…», vieram juntar-se as insolvências dos promitentes-vendedores B… e D…, com «a inerente necessidade de percorrer toda a tramitação processual dos correspondentes processos, também ela morosa e complexa».
Mantém o interesse na celebração do contrato prometido, mas viu-se, involuntariamente, envolvido em intermináveis burocracias e dificuldades de negociação, quer com as Massas Insolventes, quer com o credor hipotecário, quer ainda com possíveis entidades financiadoras da operação, pelo que o prazo de 30 dias para a marcação da escritura que a Autora ora pretende seja fixado ao Réu é totalmente desfasado da realidade.
Termina dizendo que «deve improceder o pedido de fixação do prazo de 30 dias para a marcação da escritura indicado como adequado pela Autora, fixando-se o mesmo em não menos de 6 (seis) meses, com as legais consequências».
Em 14.01.2020, realizou-se audiência prévia, em que se tentou a conciliação das partes, chegando-se a um entendimento: o de considerar razoável o prazo, proposto pelo Ilustre mandatário do réu, de 100 (cem) dias para se proceder à marcação da escritura pública do contrato definitivo de compra e venda.
No entanto, entendeu-se que era necessário obter a concordância dos credores reconhecidos e esse princípio de acordo acabou por não se concretizar.
Em 24.03.2020, foi proferido despacho em que se entendeu que, estando o imóvel que é objecto do contrato-promessa em compropriedade «da requerente autora, da massa insolvente de D… e ainda de E…», todos os comproprietários «têm interesse directo em demandar, nos termos previstos no artigo 30.º, n.º 1 do CPC, requerendo todos eles a fixação judicial do prazo».
Na sequência desse despacho, veio a autora requerer a intervenção principal de “MASSA INSOLVENTE DE D…” e de E….
Por despacho de 29.0.2020, foi admitido o chamamento e, citados os chamados, vieram estes dizer que fazem seu o articulado da autora, a ele aderindo.
Realizaram-se as diligências probatórias consideradas necessárias e pertinentes, após o que, com data de 17.01.2021, foi proferida sentença[2] com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a presente acção instaurada e, por consequência, condeno o réu C…, a celebrar o contrato definitivo de compra e venda do prédio urbano sito no …, freguesia …, Concelho de Paredes, inscrito na matriz sob o número 752 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número 498, nas condições expressas nos contratos promessas de compra e venda celebrado em 23 de Abril de 2014 e subsequentes aditamentos, fixando-se o prazo de 30 dias.»
Custas a cargo do Réu, conforme o disposto no artigo 527º., nº. 1 do Código do Processo Civil.».
Inconformado, o réu interpôs recurso da sentença com os fundamentos explanados na respectiva alegação e formulou as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
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Apenas o interveniente principal E… contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como decorre das conclusões transcritas, além da questão da nulidade da sentença, o recorrente põe em causa a aplicabilidade ao caso do processo de fixação judicial de prazo. Isto porque, resultando do contrato-promessa celebrado a assunção do encargo que recai sobre o prédio, ficou obrigado a pagar a parte correspondente do preço directamente ao credor hipotecário, o “F…”. Porém, com a declaração de insolvência de dois dos promitentes-vendedores, ficou impedido de proceder a esse pagamento, pelo que estaríamos «perante uma condição que veda ou impede a imediata exigibilidade da prestação» (cfr. conclusões XV a XXI).
Em bom rigor, pelo contrato-promessa, o aqui réu obrigou-se a celebrar o contrato prometido e é a fixação de prazo para marcação da escritura da compra e venda prometida que se visa nesta acção.
A acção especial prevista nos artigos 1026.º e 1027.º do CPC tem, justamente, essa finalidade (apreciar e decidir da necessidade de fixar um prazo e a razoabilidade do prazo a fixar) e não quaisquer outras.
Aliás, na contestação apresentada, o réu não pôs em causa a necessidade de fixar um prazo, como pretende a autora; apenas contestou a razoabilidade do prazo de 30 dias, pugnando pela fixação de um prazo de seis meses.
Só agora, em sede de recurso, o réu/recorrente veio suscitar a questão da exigibilidade da prestação, o que coloca o problema dos limites do objecto do recurso, sabido que este, via de regra, só pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem ser confrontado com questões colocadas ex novo, excepto quando se trata de questões de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.
Com efeito, em processo civil, o objecto dos recursos é determinado pela regra tantum devolutum quantum iudicatum, nos recursos julga-se a decisão viciada nos limites do objecto desta, o mesmo é dizer que a matéria de que trata o recurso deve coincidir com a matéria da decisão recorrida.
Nas palavras de A.S. Abrantes Geraldes[3] (ob. cit., 31), «Na fase de recurso, as partes e o Tribunal Superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do Tribunal Superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso, como a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existem nos autos elementos de facto suficientes».
Na doutrina e na jurisprudência, são correntes asserções como [os recursos] são «meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas» e «o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido», justamente, para transmitir essa ideia fundamental de que «sem prejuízo da autonomia do objecto recursório, a matéria de que ele trata coincida com a matéria da decisão recorrida»[4].
Por isso, a única questões a apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida está afectada de nulidade por desrespeito dos seus limites.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Na primeira instância foram selecionados como relevantes para a decisão os seguintes factos[5]:
1) B… foi declarada insolvente em 18.11.2015, por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 3718/15.0T8STS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juiz 3 do Tribunal de Comércio de Santo Tirso.
2) A Massa insolvente de B… e os demais intervenientes principais, nomeadamente, a Massa insolvente D…, NIF ………, residente na Rua … …, ….-… Porto, e E…, NIF ………, residente na Rua …, …, ….-… Porto são os comproprietários do prédio urbano sito no …, freguesia …, Concelho de Paredes, inscrito na matriz sob o número 752 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número 498.
3) O comproprietário D… foi declarado insolvente, em 12.12.2014, por sentença proferida no processo n.º 2755/14.6T8VNG, a correr termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
4) Em 23 de Maio de 2014, foi celebrado entre a B…, o D…, o Autor E… e o Réu o contrato promessa de compra e venda mediante o qual os supracitados comproprietários prometeram vender e o aqui Réu se obrigou a comprar o prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão, destinado a habitação, piscina e logradouro, sito no …, freguesia … e concelho de Paredes, descrito na Conservatória dos Registos Predial de Paredes sob o número (498) quatrocentos e noventa e oito – …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 752.º, livre de quaisquer ónus ou encargos e responsabilidades, e demais condições dele constantes.
5) Esse contrato foi aditado por duas vezes, uma primeira vez em 15 de julho de 2014 e uma segunda vez em 15 de novembro de 2014.
6) Pelo contrato promessa celebrado e já junto, as partes comprometiam-se a vender/comprar o imóvel de que a Autora, D… e E… são comproprietários, pelo preço do montante em dívida sobre o crédito hipotecário existente à data no “F…”, acrescido do pagamento de € 35.000,00.
7) De acordo com o contrato promessa, nomeadamente na cláusula quinta, a escritura do contrato definitivo seria marcada pelo promitente-comprador num prazo de 60 dias a contar da assinatura do contrato promessa, sendo que o promitente-comprador aqui Réu teria de comunicar aos promitentes vendedores a data, hora e local da mesma com antecedência mínima de 30 dias.
8) Pelo que, devido ao último aditamento, a escritura deveria ter sido realizada em Maio de 2015, o que até hoje não aconteceu.
9) E isto, pese embora, os diversos contactos estabelecidos pelos promitentes vendedores e respectivas massas insolventes para que o Réu efectuasse a marcação da escritura.
10) Na actualidade, o Réu não paga as prestações do empréstimo bancário, nem as despesas da casa, nomeadamente com o seguro.
11) O Réu encontra-se a habitar na casa pelo menos desde 2014, quando lhe foi dada a tradição na data da outorga do contrato promessa, em cumprimento do convencionado em sede do contrato-promessa melhor identificado nos autos e que aqui se dá por reproduzido.
12) As massas insolventes têm tido grandes prejuízos porque não podem ter a liquidação do património finalizada enquanto este prédio não for vendido.
13) As negociações efectuadas pelo Réu com o credor hipotecário, o “Banco G…, S. A. - …” foram difíceis e morosas.
14) O Réu realizou naquele prédio benfeitorias necessárias, no interior e exterior da casa, nomeadamente, no telhado, chão, cozinha e canalizações, levantou os muros caídos e construiu um jardim, em montantes, não concretamente apurados.
15) Apesar da capacidade de financiamento do Réu, em face das circunstâncias económicas presentes, ser diversa da que existia à data da celebração daquele contrato ainda mantém o interesse no respectivo cumprimento.
16) Os prazos fixados pelas partes para a celebração da promessa de compra e venda já se encontram há muito ultrapassados.
17) O Réu efectuou um agendamento para a celebração do contrato definitivo e a outra marcação foi efectuada pelo procurador dos autores, sem que qualquer uma delas se tivesse concretizado.

2. Fundamentos de direito
2.1 Nulidade da sentença
A lei estabelece os parâmetros a que devem obedecer os actos processuais e o não cumprimento das exigências legais acarreta consequências diversas em função da natureza do acto decisório.
É sabido que existe um regime específico para as sentenças, previsto nos artigos 607.º, 608.º e 609.º do Código de Processo Civil[6] e um regime para os demais actos processuais, previsto nos artigos 195.º e segs. do mesmo compêndio normativo.
A inobservância de algum ou alguns desses parâmetros pode originar a nulidade da sentença, estabelecendo o n.º 1 do artigo 615.º um elenco de causas de nulidade e o n.º 4 do mesmo artigo o regime da sua arguição[7].
Assim, a nulidade da sentença é cominada se e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º).
Suscitada em recurso a nulidade da sentença, cabe ao juiz do tribunal a quo, imediatamente antes de ordenar a sua subida, pronunciar-se sobre a nulidade arguida, nos termos previstos nos artigos 617.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, do CPC.
Assim fez a Sra. Juiz, consignando que «Em face do invocado pelo Ilustre Mandatário do requerido entende este Tribunal que a decisão proferida não violou o disposto no artigo 609º. do CPC relativamente aos limites da condenação, atento o disposto nos artigos 1026º. e 1027º. ambos do CPC».
Ressalvado o devido respeito por tal posição, temos para nós que é manifesto que a sentença recorrida não só foi para além do pedido como condenou em objecto diverso do pedido.
Por força do princípio do dispositivo que vigora em processo civil, cabe às partes definir o objecto do litígio, alegando os factos que integram a causa de pedir (ou que sirvam de fundamento à dedução de eventuais excepções) e formulando o correspondente pedido.
Recorde-se que o pedido formulado é o de que seja «fixado o prazo de 30 dias para que o Réu proceda ao agendamento da escritura pública» e que a sentença condena o réu «a celebrar o contrato definitivo de compra e venda do prédio urbano sito no …, freguesia …, Concelho de Paredes (…) nas condições expressas nos contratos promessas de compra e venda celebrado em 23 de Abril de 2014 e subsequentes aditamentos».
Como está bem de ver, esta é uma decisão própria de uma acção de condenação ou acção de cumprimento[8], que pressupõe o incumprimento da promessa[9]. Não é essa a situação que aqui se verifica, como reconhece a autora (que, expressamente, alega na petição inicial que os promitentes-vendedores não podem imputar ao réu/promitente-comprador o incumprimento contratual definitivo), que por isso enveredou pela instauração desta acção de fixação judicial de prazo.
Por outro lado, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para que o requerido celebre o prometido contrato de compra e venda do imóvel, a sentença foi além do pedido, que se ficava pela fixação de prazo (30 dias), não para a celebração do contrato, mas para o agendamento da escritura pública que formalizará a compra e venda.
Tem, pois, inteira razão o recorrente na arguição de nulidade da sentença.
Apesar de existir uma tendência na jurisprudência no sentido de uma atenuação da rigidez da regra estabelecida no n.º 1 do artigo 609.º do CPC[10], é inequívoco que a decisão recorrida consubstancia uma condenação extra vel ultra petitum, que é fundamento de nulidade da sentença nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC.

2.2 Efeitos da nulidade da sentença
O artigo 665.º, n.º 1, do CPC estabelece a regra da substituição do tribunal recorrido, é dizer, julgando procedente a arguição de nulidade da sentença, a Relação não deve limitar-se a reenviar o processo ao tribunal a quo, antes deve prosseguir apreciando as demais questões que constituem objecto da apelação.
Como assinala o Sr. Conselheiro A.S. Abrantes Geraldes (ob. cit., 335), o citado preceito legal abarca «as nulidades da sentença que se manifestam essencialmente através da falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito, verificação de oposição entre os fundamentos de facto ou de direito e a decisão, omissão de pronúncia ou condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».
Só assim não será se a Relação não dispuser de todos os elementos necessários para conhecer do mérito do recurso, concretamente, se for necessário produzir prova sobre factos que integram a causa de pedir, eventualidade que ocorrerá, sobretudo, quando não se realizou audiência final porque o tribunal conheceu do mérito da causa logo no despacho saneador.
Os factos apurados são suficientes para decidir se há necessidade de fixar o prazo, como pretende a requerente, e, na afirmativa, qual o prazo razoável, tema sobre o qual as partes tiveram ampla oportunidade de se pronunciar.
Na sentença recorrida, depois de se invocar e transcrever o teor do artigo 777.º do Código Civil, discorreu-se assim:
«Do estipulado no supracitado normativo legal podemos concluir que o prazo é o período de tempo que finaliza com a ocorrência de um evento futuro e certo de que dependem os efeitos de um acto ou facto jurídico, resultando do normativo acima transcrito na sua acepção ampla de termo tal como usado nos artigos 278º. e 279º. ambos do CCivil.
Em regra, o prazo é fixado pelas próprias partes no contrato, no entanto, pode ocorrer a falta de entendimento das partes; ficar a sua fixação ao critério do credor ou no sentido inverso confiar a sua fixação ao devedor, em qualquer uma das reportadas situações pode ser pedido ao tribunal que proceda a essa determinação.
A propósito do disposto no nº. 2 do artigo 777º. do CCivil importa citar parte dos fundamentos expostos no Acórdão do TRPorto, de 30.01.2014, proc. 5/14.4YRPRT que dispõe: “…o contrato-promessa é precisamente um dos exemplos de escola do campo de aplicação do nº.2 do artigo 777º. do Código Civil. E o presente contrato encaixa como uma luva nessa exigência, (…) O artigo 777º. do CCivil e os seus vários números aplicam-se em todas as situações, repete-se, em que as partes não estipularam um prazo e não existe norma legal que imponha um prazo específico para a situação, como sucede com o contrato-promessa cujo regime jurídico não possui uma norma com esse conteúdo.
Estamos perante a falta de estipulação pelas partes quando não resulta do consenso estabelecido por estas em que dia ou até que dia exacto do calendário o cumprimento deve ter lugar…”. O que ocorrerá sempre e quando haja uma omissão de qualquer estipulação sobre o prazo do cumprimento ou as referências efectuadas quanto a este sejam insuficientes para conduzir a um prazo certo que, por isso, carece de determinação.
Ora, dos factos provados importa salientar que o inicialmente estipulado na cláusula Quinta foi pelo menos prorrogada, por duas vezes, em 4 e 6 meses, motivada por problemas em contrair empréstimo junto das entidades bancárias.
E, mais tendo resultado que o réu agendou uma marcação para a realização da escritura que não se veio a concretizar.
Sendo, também, certo que o réu não perdeu interesse na celebração do contrato definitivo.
Importando, nesta apreciação e integração legal considerar a hipótese da fixação do prazo ter ficado confiada ao devedor, no entendimento de que deve ficar ao critério do devedor a escolha do momento do cumprimento em atenção às circunstâncias e no exercício de um poder judicialmente controlável.
Tendo resultado inteiramente justificado pela autora e chamados que a fixação do prazo para a celebração da escritura definitiva constitui uma obrigação do réu como decorre dos termos dos contratos promessa celebrados entre as partes. E visando o processo especial de fixação judicial de prazo o preenchimento de uma cláusula acessória omissa, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e, por isso, determinar o início da mora.
Sendo exigível à parte requerente a necessidade de justificar o pedido da fixação e não já de fazer prova dos seus fundamentos uma vez que a presente acção especial não está destinada a verificar a existência, validade e eficácia da relação jurídica invocada: apenas se a mesma foi suficientemente apresentada e necessita que o tribunal lhe fixe um prazo, não necessitando o requerente de fazer a demonstração da exigibilidade da obrigação.
A finalidade deste processo é tão somente julgar a adequação do prazo ao direito ou dever, supondo a existência deste, não havendo lugar para indagar sobre questões de natureza contenciosa e de fundo, a existência, validade, eficácia, incumprimento ou a extinção da relação jurídica invocada.
O pedido formulado é o da fixação do prazo e a causa de pedir a inexistência do mesmo em obrigações que assumam as características enunciadas no artigo 777º., nº. 2 e 3 do CCivil, inexistindo acordo entre devedor e credor quanto ao momento de vencimento da obrigação.
Isto posto, tendo as partes estipulado na cláusula 5 que: “a escritura do contrato aqui prometido será marcada em data e hora a designar pelo promitente comprador, no prazo de 60 dias, a contar da assinatura deste contrato”, apesar dos aditamentos temos por verificada uma insuficiência nas condições acordadas pelas partes e referentes ao momento do cumprimento maxime de celebração do contrato definitivo.»
Como já se aludiu, na contestação que apresentou, o requerido não questionou a necessidade de fixação do prazo, apenas discute a respectiva amplitude.
Da factualidade provada resulta que o requerido chegou a marcar a escritura do contrato prometido, mas, por razões que se desconhecem, esta não chegou a ser outorgada e parece ter-se chegado a uma situação de impasse. O prazo estipulado na cláusula quinta do contrato-promessa, com os aditamentos nele efectuados, há muito que está ultrapassado, mas os factos apurados não permitem concluir que há incumprimento, sequer mora, imputável ao requerido, promitente/comprador.
Sendo pacífico que se justifica a fixação de prazo, resta ponderar da razoabilidade do prazo que a requerente reputa adequado. Na contestação, o requerido contrapôs que o prazo não poderia ser inferior a seis meses, mas, entretanto, já decorreram, desde então, cerca de dois anos. É certo que a declaração de insolvência de dois dos promitentes-vendedores e a instauração de uma execução (na qual foi penhorado o imóvel em causa) em que é executado o terceiro promitente-vendedor vieram, necessariamente, complicar a obtenção de uma solução, mas não há razões objectivas para que não se ultrapasse, celeremente, o problema. Tanto mais que existem dois processos de insolvência que aguardam essa solução.
A circunstância de, na audiência prévia realizada em 14.01.2020, as partes terem chegado a um entendimento no sentido de considerar razoável o prazo (proposto pelo Ilustre mandatário do requerido) de 100 (cem) dias deve ser vista como um ponto de referência.
Dado que, desde então, decorreram 20 meses, período durante o qual o requerido pôde ultrapassar dificuldades que se lhe tenham deparado, temos como razoável o prazo de 60 dias.

III - Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por C… e, em consequência:
A) anular a decisão recorrida;
B) em substituição da sentença anulada, decide-se julgar a acção procedente e fixar o prazo de 60 (sessenta) dias para que o requerido C… proceda à marcação da escritura do contrato de compra e venda prometido.
Custas do recurso a cargo do recorrente e da recorrida, em partes iguais (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 28.10.2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_____________
[1] É óbvio que se quis dizer “o réu”.
[2] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado em 20.01.2021.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª edição, pág. 31.
[4] Rui Pinto, Manuel do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, pág. 351-352.
[5] Apenas se elimina as referências aos meios de prova, pois não são factos.
[6] Aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por força do disposto no n.º 2 do artigo 663.º do CPC.
[7] Também este regime de nulidades se aplica aos acórdãos proferidos na 2.ª instância (ex vi do artigo 666.º, n.º 1, do CPC).
[8] Que se distingue da execução específica, a qual se caracteriza por produzir imediatamente «os efeitos da declaração negocial de faltoso, ou seja, o credor obtém o que poderemos chamar cumprimento funcional, isto é, o resultado prático do cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem obviamente ao processo executivo» (João Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, páginas 97 e 98).
[9] Diversamente da execução específica que tem como pressuposto a mora de um dos promitentes.
[10] São vários os acórdãos de uniformização de jurisprudência já proferidos pelo STJ relacionados com esta regra.