Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1597/16.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
Nº do Documento: RP201712141597/16.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 117, FLS 210-217)
Área Temática: .
Sumário: I - O simples facto de as contas não terem sido apresentadas sob a forma de escrituração prevista por lei, ou seja a conta-corrente, tendo sido apresentadas sob a forma de escrituração contabilística, não é motivo para a rejeição das mesmas.
II - Em tal hipótese, deve antes o Juiz verificar se é possível avaliar o saldo final da gestão e se entender necessário, colhendo as informações que tiver por convenientes, ou mesmo encarregando pessoa idónea para emitir parecer sobre o modo como as contas foram apresentadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1597/16.9T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (815)
Adjuntos: Des. José Manuel Araújo Barros
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B..., residente na Rua ..., nº., .º esquerdo, ....-..., Lisboa, veio propor Acção de Prestação de Contas com processo especial contra C..., residente na Rua ..., nº..., 2º Direito, ..., ....-..., Vila Nova de Gaia, alegando em síntese, o seguinte:
A Autora é a única herdeira dos seus pais D... e E..., ambos já falecidos, conforme prova documental que junta aos autos.
Os seus pais eram os únicos titulares de duas contas de depósitos , uma à ordem e outra a prazo, do F..., S.A., que identifica devidamente.
O Réu é primo da Autora e tinha autorização dos seus pais para movimentar e gerir as identificadas contas, situação que era do seu conhecimento.
O pai da Autor e ainda antes do seu falecimento, informou a Autora que ele e a sua mãe tinham um depósito a prazo, na identificada conta do F..., de € 50.000,00.
À data do óbito de seu pai, em 31.08.2010, a referida conta apresentava um saldo de € 78,02 e a conta a prazo de € 50.000,00, conforme declaração do respectivo Banco.
Após o falecimento de sua mãe, ocorrido em 04.06.2015, a Autora pretendeu instaurar o processo de Imposto de Selo junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, solicitando para o efeito ao F..., o saldo das referidas contas, tendo sido informada que o mesmo era de € 2,97.
Estranhando o teor de tal informação solicitou à referida instituição informação sobre o saldo das referidas contas à data do óbito de seu pai e extractos posteriores ao mesmo, tendo-lhe sido remetidas a declaração e o extracto que junta agora ao processo e a autorização de débito apresentada pelo Réu no F..., em 14.09.2010, duas semanas depois da morte do pai da autora, pela qual o mesmo transferiu os € 50.000,00 da conta a prazo para a conta à ordem e desta para a conta de que é titular junto do G....
Mais referiu que após a morte do pai da Autora, continuaram a ser depositadas na referida conta do F..., a reforma e a pensão de viuvez da mãe da autora, de € 147,82 e € 389,04, em 2011, e que em 2015, eram de € 166,38 e € 409,34.
Quando a sua mãe faleceu, encontrava-se internada há já alguns anos no H..., sendo a respectiva mensalidade, que rondava os € 500,00, debitada na referida conta à ordem do F....
Após a sua morte, a Autora solicitou ao Réu informação sobre as contas da mãe, tendo-lhe o mesmo referido que nada havia a relatar, não a informando da forma como como tinha gasto as quantias, que eram, inicialmente, dos seus pais, e após o óbito do seu pai, suas e da sua mãe.
Assim sendo e tendo em conta o que decorre do disposto no artigo 573º do Código Civil, termina a requerer que acção seja recebida e seja citado o Réu para contestar, querendo, ou apresentar contas da sua gestão das supra referidas contas de depósitos do F..., a partir de 15.09.2008, sendo condenado no pagamento à Autora do saldo que se vier a apurar, acrescido de juros à taxa legal, a contar da citação, até integral pagamento, seguindo-se os ulteriores termos do artigo 942º e seguintes do Código de Processo Civil.
Citado o Réu, veio o mesmo contestar nos seguintes termos:
Aceita parte da matéria de facto alegada pela Autora na petição inicial.
Mais alegou que ao contrário da Autora que nunca cuidou nem visitou os pais nos seus dois últimos anos de vida, sempre teve uma relação afectuosa com os seus Tios, tratando-os quase como se fossem seus Pais.
Apesar de lhe terem concedido todos os poderes que dispunham como titulares das suas contas bancárias, os pais da Autora sempre controlaram as mesmas, intervindo o Réu apenas em situações urgentes ou de impossibilidade dos mesmos.
Mais refere que foi ele quem providenciou pelo pagamento do funeral do Tio.
Afirma ainda que duas semanas após tal falecimento, a Mãe da Autora decidiu doar o dinheiro de que dispunha nas referidas contas à família que de forma desinteressada a vinha ajudando, a família do Réu, para o que foi criada uma nova conta no G... com a titularidade conjunta do Réu a da Tia, para a qual foram transferidos € 40.000,00 em 30.12.2010.
E foi com esse dinheiro que o Réu foi pagando todas as despesas da Tia no H... bem assim como as despesas do apoio domiciliário prestado à mesma pelo I....
Diz também que até ao fim da sua vida providenciou para que nada faltasse à Tia.
Assim sendo, conclui pela sua não obrigação de prestar contas à Autora. Já que esteve a administrar bens próprios e não já bens alheios que lhe foram doados pela sua Tia.
Conclui requerendo a improcedência da acção.
Os autos prosseguiram os seus termos, sendo proferido despacho no qual e nos termos do disposto no art.º942º, nº3 do CPC, se decidiu existir obrigação de prestar contas por parte do Réu.
Mais se notificou o Réu para o previsto no nº5 do mesmo normativo.
O Réu veio cumprir tal obrigação, prestando as respectivas contas.
A Autora veio juntar articulado onde contesta as contas prestadas.
Foi proferido despacho no qual se entendeu que as contas prestadas pelo Réu não cumpriam as exigências legais (por não estarem apresentadas em forma de conta corrente com a indicação específica da proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo), foi convidado o mesmo a corrigir em conformidade os pontos indicados.
Veio então o Réu apresentar novo articulado com o qual pretende corrigir as falhas apontadas.
Voltou a responder a Autora dizendo não aceitar a prestação de contas apresentada e impugnando os respectivos saldos.
Prosseguiram os autos tendo sido proferido despacho no qual se decidiu dispensar a realização de audiência prévia.
Emitiu-se então despacho com o seguinte teor:
“Com a referência 368766386 decidiu-se que nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 942º, do Código de Processo Civil, existe obrigação de prestar contas por parte do réu.
Ao réu já foi dado o exercício da prerrogativa a que alude o n.º 2 do artigo 944º, do Código de Processo Civil.
Por despacho com a referência 378799669, determinou-se que nos termos do n.º 3 do artigo 942º, do Código de Processo Civil, verificando-se que a questão não pode ser sumariamente decidida, os presentes autos passam a seguir a forma de processo comum.
Nos termos do previsto no artigo 593º, do Código de Processo Civil, nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
A saber:
-Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
-Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
-Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes.
É o caso destes autos.
Prevê o artigo 547º, do Código de Processo Civil, que o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Nestes autos, por ser adequado e dado que as questões suscitadas foram já sujeitas a contraditório, tendo em conta a posição das partes, dispenso a audiência prévia.
Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 593º, do Código de Processo Civil, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, o juiz profere:
a)Despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;A saber:
-Conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
-Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
b)Despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
c)O despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º; A saber:
Proferido despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
d)Despacho destinado a programar os actos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respectivas datas.
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Neste momento, à míngua de outro, fixa-se à acção o valor atribuído pelo autor na Petição Inicial que, todavia terá acerto, a final, nos termos do n.º 4 do artigo 298º, do Código de Processo Civil.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que de todo o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias. E são legítimas.
QUESTÕES PRÉVIAS
Às contas apresentadas invoca a autora a falta de apresentação em forma de conta corrente.
Apreciando.
«“As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas bem como o respectivo saldo”, artigo 1016 n.º 1 do CPC. “A inobservância desta disposição, quando não corrigida no prazo que for marcado oficiosamente ou mediante reclamação do autor, pode determinar a rejeição das contas, seguindo-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior”, n.º 2 do artigo 1016 do CPC.»1
Nestes autos foi, ao réu, facultada a possibilidade a que alude o n.º 2 do artigo 944º, do Código de Processo Civil. Sendo que este processo se destina a apreciar as contas apresentadas pelo réu no âmbito da gestão que fez do património dos pais da autora, pretendendo-se, a final que a o Tribunal determine o saldo existente (se o houver).
«O artigo em causa estabelece que as contas devem ser apresentadas em forma de conta-corrente (artigo 1016 n.º 1 do CPC2), estatuindo o seu n.º 2 que a inobservância desta disposição, pode determinar a rejeição das contas. O termo “conta-corrente” significa “escrituração do crédito e do débito de uma pessoa ou entidade”, Grande Dicionário de Língua Portuguesa, P. 231. Uma Prestação de Contas sob a forma de Conta-Corrente é uma forma simples de escrituração de transacções, em rubricas de (deve e haver), (débitos e créditos), que releva a situação patrimonial de uma conta em cada momento, ou num determinado período de tempo, através do saldo resultante das entradas/receitas/créditos e das saídas/despesas/débitos.
Este tipo de escrituração deve ser efectuado num só documento do tipo:
MOVIMENTOS
Data---- Designação----- Débito----- Crédito----- Saldo/Situação
Apresentar as contas sob a forma de conta-corrente é uma das formas de contabilidade, é uma das artes de escriturar as contas.
No Acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.1976, in Col. Jur., 1976, 2° - 461, escreveu-se: “... Quando se diz — as contas devem ser apresentadas em forma de conta corrente — quer-se aludir a uma forma gráfica de contabilidade, a um determinado método de dar a conhecer as operações de crédito e débito entre duas pessoas. A espécie gráfica conta-corrente decompõe-se em três elementos fundamentais: receitas, despesas e saldo. As contas apresentam a expressão ou a forma gráfica de conta corrente, quando em colunas separadas se inscrevem as verbas de receitas, as verbas de despesa e o saldo resultante do confronto de umas e de outras. As verbas de receita inserem-se em coluna que tem a rubrica Haver, as verbas de despesa em coluna encimada pela palavra Deve.”
A apresentação das contas sob a forma de conta corrente visa a representação do movimento patrimonial e monetário, a exposição sintética de todos os dados e movimentos monetários da actividade de uma determinada entidade […]»
Ora, atentando no que vem de se dizer que tem perfeita acuidade relativamente ao actual 944º, do Código de Processo Civil, e ao caso concreto destes autos, o réu não apresenta as contas nem forma de corrente, nem de escrituração contabilística.
O Tribunal não tem como depreender, das contas apresentadas pelo réu, relativamente aos movimentos o quando, o quê, o preço, custo ou benefício e o saldo resultante parcelar e a final total.
Portanto, a questão prévia suscitada pelo autor só pode ser procedente.
Assim, nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 944º, do Código de Processo Civil, rejeito as contas apresentadas pelo réu.
Notifique.
Nos termos do previsto na parte final do n.º 2 do artigo 944º, do Código de Processo Civil, para os termos do n.º 1 notifique a autora.”.
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Inconformado com o teor deste despacho do mesmo veio recorrer o Réu, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Autora contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e por isso se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo réu/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
I.O presente recurso vem interposto do douto Despacho Saneador datado de 30.05.2017, remetido por meio de ofício datado de 01.06.2017, que julgou rejeitar as contas apresentadas pelo Réu.
II. Com efeito, o douto Despacho Saneador julgou que "...o réu não apresentou as contas nem forma de corrente, nem de escrituração contabilística. O Tribunal não tem como depreender, das contas apresentadas pelo réu, relativamente aos movimentos o quando, o quê, o preço, custo ou beneficio e o saldo resultante parcelar e o final total."
III. O Réu considera que o Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia Juiz 2 fez uma incorrecta interpretação do artigo 944° do CPC.
IV. O Réu entende que as contas apresentadas por si respeitam na íntegra o preceituado no artigo 944° CPC não existindo qualquer justificação para a sua rejeição.
V.O Despacho Saneador cita o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28.05.2007, como forma de justificar o que é uma prestação de contas e a forma de as prestar.
VI. A comparação entre a representação gráfica do Acórdão citado e a conta corrente apresentada pelo Réu não demonstra muitas diferenças entre as duas.
VII. A Conta Corrente apresentada tem as seguintes rubricas: código, data, transacção, descrição, levantamento, depósito e saldo.
VIII. O Réu junta com a sua prestação de contas 183 documentos que estão devidamente catalogados e com correspondência na conta corrente.
IX. De igual modo, o Réu explica no seu articulado questões pontuais que possam existir na conta corrente.
X. No caso presente, o Despacho Saneador emitido não teve em consideração os critérios de ponderação e razoabilidade, impondo ao Réu uma rejeição das contas com a consequente notificação da Autora para as apresentar sem o Réu as poder contestar.
XI. O Réu passou a ser equiparado a uma parte que não colaborou com a justiça, que não apresentou as contas e sofre agora a cominação legal de não poder contestar as eventualmente apresentadas pela Autora.
XII. O Tribunal da Relação do Porto tem mantido a orientação jurisprudencial anteriormente citada como é exemplo o Acórdão proferido em 12 de Abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt, que refere: "A jurisprudência na interpretação deste preceito tem sublinhado a necessidade do Juiz proceder a ponderação dos interesses em presença, com vista à justa composição do litígio, uma vez que a inobservância da forma contabilística não determina directa e necessariamente a rejeição das contas."
XIII. A prestação de contas apresentada pelo Réu observou a forma de conta corrente e a forma utilizada não impede de todo apurar o deve e haver, bem como o saldo global, no sentido de determinar o que uma parte deve à outra.
XIV. O documento que o Réu juntou reveste a forma de conta corrente, pois no mesmo mostra-se descrito em colunas o "deve" e "haver" que termina com o "saldo", para além de se mostrarem enunciadas a causa das despesas."
XV. Assim deve ser julgada procedente a apelação e revogada a decisão recorrida e nessa conformidade, julgar as contas apresentadas na forma legal, prosseguindo os autos a subsequente.
Termos em que o recurso deve merecer provimento. Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
*
Já a autora/apelada conclui as suas contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
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Perante o antes exposto resulta claro que é a seguinte a questão colocada no âmbito deste recurso:
Saber se a prestação de contas apresentada pela Réu cumprem as exigências previstas no nº1 do art.º944º do CPC.
Para apreciar e decidir tal questão importa ter em conta os seguintes factos que resultam dos autos:
O Réu apresentou as contas conforme consta de fls.43 e 44, consignando em colunas separadas o seguinte:
Movimentos:
Despesas com funerais
I...
Bombeiros
H...
Curso Universitário
Dinheiro entregue Tia 300 x 58 meses
Despesas com saúde/medicamentos
Despesas Moderadoras
Deslocações
Diversos
Chamadas telefónicas
Montantes:
50.000,00
3.978,68
7.177,15
75,00
5.644,23
12.500,00
17.400,00
784,78
32,95
2.000,00
138,90
500,00
Saldo:
50.000,00
46.021,32
38.884,17
38.769,17
33.124,94
20.624,94
3.224,94
2.440,16
2.407,21
407,21
268,31
-231,69
Para comprovar tal apresentação juntaram os documentos constantes de fls.45 a 115.
Por virtude da oposição da Autora e na sequência da notificação decorrente do despacho de fls.142, vieram complementar tal alegação com o articulado de fs.144 e seguintes, a prestação de contas de fls.148 a 150 e com a extensa documentação de fls.151 a 293.
Em face da oposição da Autora de fls.295 v e seguintes foi então proferia a decisão recorrida cujo conteúdo já foi dado por inteiramente reproduzido no ponto I. deste acórdão.
Ora do mesmo o que decorre é que a Sr.ª Juiz “a quo” decidiu rejeitar as contas apresentadas, ao abrigo do disposto no art.º944º, nº2 do CPC, por considerar que as mesmas não foram apresentadas nem em forma de conta corrente, nem de escrituração contabilística.
É precisamente contra tal entendimento que o Réu agora se insurge neste seu recurso.
E com razão como já de seguida veremos.
Todos aceitam que o processo de prestação de contas se relaciona com a obrigação a que alguém esteja sujeito de prestar a outra pessoa contas dos seus actos.
Deste modo, “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se” (cf. art.941º do CPC).
Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis: “pode formular-se este princípio geral: quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses” (cf. Processos Especiais, vol. I, pág. 303).
Sabe-se igualmente que na nossa ordem adjectiva está prevista uma distinção entre o processo de prestação espontânea de contas (art.º 946º do CPC) do processo de prestação provocada de contas (art.º 942º do CPC).
Assim, a prestação provocada de contas verifica-se quando aquele que pretende exigir a prestação de contas vem demandar aquele que segundo ele, tem obrigação de as prestar.
Nestes casos, como ocorre nos autos, o processo segue a tramitação prevista no art.º942º, 943º e 944º, todos do CPC.
Da leitura mais atenta de tais normas e mais concretamente do disposto no nº1 do art.º944º do CPC, com as necessárias adaptações ao caso concreto, o que resulta é o seguinte:
“As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo.
A inobservância desta disposição, quando não corrigida no prazo que for marcado oficiosamente ou mediante reclamação do autor, pode determinar a rejeição das contas, seguindo-se o disposto no nº1 e nº2 do artigo anterior.”
Determina o art.º 943º, nºs 1 e 2 do CPC:
“1.Quando o réu não apresente as contas dentro do prazo devido, pode o autor apresentá-las, sob a forma de conta corrente, nos 30 dias subsequentes à notificação da falta de apresentação, ou requerer prorrogação do prazo para as apresentar.
2.O autor não é admitido a contestar as contas apresentadas, que são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo réu.”
Como bem se afirma no acórdão desta Relação de 12.04.2010, processo 1057/09.4TBVFR-A.P1, em www.dgsi.pt, que temos vindo a seguir de perto, “a redacção dos preceitos e a estrutura de todo o processo de prestação de contas não sofreu alterações significativas em relação ao Código de Processo Civil de 1939, pelo que a respeito da interpretação do art.º 1016º/1 CPC mostram-se válidos e actuais os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis, no seu estudo “Processos Especiais – vol. I, pág. 315.”.
Assim sendo e agora atento o disposto no art.º944º, nº1, as contas devem ser apresentadas:
-na forma de conta corrente;
-especificando-se a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, indicando o saldo.
Ora, quando se refere que as contas devem ser apresentadas em forma de conta corrente “quer-se aludir a uma forma gráfica de contabilidade, a um determinado método de dar a conhecer as operações de crédito e débito entre duas pessoas. A espécie gráfica conta corrente decompõe-se em três elementos fundamentais: receitas, despesas, saldo. As contas apresentam a expressão ou a forma gráfica de conta corrente, quando em colunas separadas se inscrevem as verbas de receita, as verbas de despesa e o saldo resultante do confronto dumas e doutras.
As verbas de receita inserem-se em coluna que tem a rubrica “Haver”; as verbas de despesa em coluna encimada pela palavra “Deve”.” (Alberto dos Reis, obra citada, pág. 315).
Por outro lado, a lei determina que se deve especificar a proveniência das receitas e a causa das despesas, ou seja, a quem apresenta as contas “incumbe descriminar e individualizar as diferentes fontes de receita e as diferentes causas de despesa” (obra citada, pág. 315).
Perante a apresentação das contas podem figurar-se duas hipóteses:
-o papel ou escrito é um simulacro ou mistificação; ou
-o papel ou escrito tem a forma e figura de conta corrente, mas não obedece ao estilo da conta corrente.
Na primeira hipótese o documento não tem a natureza de conta corrente, o que equivale à falta de apresentação e determina a aplicação do regime previsto no art.º 1015º CPC, devolvendo ao réu a faculdade de apresentar as contas.
No segundo caso, estamos perante um vício de forma, que pode ser suprido, mediante convite ao aperfeiçoamento e só na falta de rectificação, pode o tribunal determinar a rejeição das contas.
Ou seja, só perante a apreciação do caso concreto, é que o Juiz pode e deve apreciar e avaliar, se a omissão das formalidades na apresentação das contas, impõe a sua rejeição.
Sabe-se igualmente que a jurisprudência na interpretação deste preceito tem sublinhado a necessidade do Juiz proceder a ponderação dos interesses em presença, com vista à justa composição do litígio, uma vez que a inobservância da forma contabilística não determina directa e necessariamente a rejeição das contas.
Seguindo este entendimento, impõe-se referir o consignado no acórdão desta Relação do Porto de 28.05.2007, no processo 075249, em www.dgsi.pt, designadamente quando ali se afirma o seguinte:
“A lei não impõe como consequência inevitável e inexorável a rejeição das contas. A não apresentação das contas sob a forma de conta-corrente pode determinar a sua rejeição mas não determina obrigatoriamente essa rejeição.
O preceito legal afirma literalmente “pode determinar” e não “determina”.
A redacção deste normativo não impõe que sempre que as contas não sejam apresentadas sob a forma de conta-corrente o Juiz tenha obrigatoriamente de as rejeitar. Pode ter de o fazer mas não é obrigado a fazê-lo.
Como se disse supra o presente processo visa fundamentalmente determinar o quantitativo que uma parte deve à outra, ou dito de outro modo determinar o saldo existente nas contas.
E a apresentação das contas segundo a técnica contabilística de escrituração na forma de conta-corrente pretende facilitar a análise dos dados que são levados ao processo.”.
No entanto e como também se refere na mesma decisão, ainda que as contas não tenham sido apresentadas segundo a forma que a lei aconselha (a forma de conta-corrente) isso não impõe obrigatoriamente que o Juiz as rejeite, quando é possível determinar-se e avaliar-se o saldo final da gestão do Autor.
Nesse sentido vai também o acórdão deste Relação de 31.01.2008, no processo 00041051, em www.dgsi.pt, quando afirma: “ainda que não apresentadas sob a forma de conta corrente, as contas deverão ser apreciadas segundo o prudente arbítrio do julgador, apreciação jurisdicional necessariamente “não arbitrária”, efectuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e de oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo (a justa composição do litígio com respeito pelos direitos e garantias processuais das partes).”.
Ou seja, mesmo quando não sejam apresentadas sob a forma preferida pelo legislador, o Tribunal não pode rejeitar imediatamente as contas apresentadas, antes se impondo a sua meticulosa apreciação e, se for caso disso a realização de diligências instrutórias adequadas ao apuramento das contas e à melhor apreciação técnica das mesmas, se necessário mediante a nomeação de perito idóneo competente para o efeito.
Voltando à situação concreta, não deixa de ser verdade que o Réu apresentou as contas segundo uma técnica imperfeita, não usando a forma de escrituração que a lei aconselha (o processo de escrituração designado por conta-corrente).
No entanto, também aqui a Sr.ª Juiz “a quo”, apesar de o Réu não ter apresentado as contas sob a forma de escrituração que a lei aconselha (por conta-corrente), devia ter apreciado as mesmas ainda que, assim entendendo, pudesse vir a obter informações tidas por convenientes ou incumbindo pessoa idónea para emitir parecer sobre as contas apresentadas (neste sentido cf. Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. I, pág.322).
Mais, as contas apresentadas ainda que não sob a forma adequada (por conta-corrente) deveriam ser apreciadas segundo o prudente arbítrio do julgador.
Em suma e concluindo como no supra citado acórdão de 28.05.2007, pelo mero facto do Réu não ter apresentado as contas sob a forma de escrituração aconselhada por lei, ou seja a conta-corrente, tendo-as apresentado sob um aforma de escrituração contabilística, não permitia à Sr.ª Juiz “a quo” a rejeição das contas apresentadas, devendo antes pronunciar-se sobre as mesmas.
Deste modo, procedem pois os argumentos recursivos aqui trazidos pelo réu/apelante, justificando-se por isso a revogação da decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e, em consequência revoga-se a decisão recorrida determinando que a mesma seja substituída por outra que aprecie as contas apresentadas, se necessário com recurso à realização das diligências de prova previstas no nº5 do art.º945º do CPC.
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Custas do presente recurso pela parte vencida a final (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 14 de Dezembro de 2017
Carlos Portela (815)
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço