Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0210197
Nº Convencional: JTRP00032125
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: BURLA
FALSIFICAÇÃO
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: RP200204240210197
Data do Acordão: 04/24/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CR MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 280/01
Data Dec. Recorrida: 10/25/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO. ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE / CRIM C/PATRIMÓNIO / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART30 N1 ART203 N1 ART217 N1 ART256 N1.
Sumário: O crime de falsificação concorre com o de burla, em concurso real ou efectivo, não obstante a falsificação ter sido meio ou instrumento para a realização da burla.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
No processo comum colectivo do -º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de....., por acórdão de 01.10.25, foi no que para a apreciação do presente recurso interessa, condenada a arguida Catarina..... pela prática em autoria material e concurso real, de um crime de furto e de quatro crimes de burla, respectivamente p. e p. pelos Artºs 203º nº 1 e 217º nº 1 do Código Penal, nas penas de 60 (sessenta) dias de multa, pelo primeiro crime, e de 120 (cento e vinte) dias de multa, por cada um dos crimes de burla, ambas à taxa diária de 500$00 (quinhentos escudos), e em cúmulo jurídico, na pena única de 270 (duzentos e setenta dias) de multa, àquela taxa.
Inconformado o Ministério Público interpôs recurso, concluindo na sua motivação:
“1 - O art. 30º nº 1 do Código Penal consagra a distinção entre a unidade e pluralidade de infracções atendendo ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente ou no número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime;
2 - Há concurso real de crimes quando são efectivamente violados vários preceitos legais, sendo negados valores jurídico-criminais autónomos e distintos;
3 - Os crimes de burla e falsificação de documentos encontram-se sistematicamente inseridos em partes distintas do Código Penal e, considerando a sua natureza bem como os elementos constitutivos, conclui-se que cada um protege valores e bens jurídicos distintos;
4 - Enquanto no crime de burla se protege o património em geral, no crime de falsificação de documento acautela-se a segurança e confiança do tráfico jurídico, em especial do tráfico jurídico probatório no que concerne à prova documental;
5 - Sendo distintos os bens jurídicos tutelados e não se encontrando as normas numa relação de consunção, de especialidade ou de subsidiariedade nem se tratando de facto posterior não punível, apenas pode concluir-se que o agente que comete o agente que falsifica um documento e o usa, de forma astuciosa para enganar o burlado e desde que verificados todos os elementos constitutivos de ambos os tipos legais, comete, efectivamente, em concurso real, um crime de burla e um crime de falsificação de documentos;
6 - Para além disso, no acórdão recorrido não se atendeu à jurisprudência fixada pelo Ac. do STJ de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992, publicado no DR I série de 9 de Abril de 1992 e mais recentemente ao Assento nº 8/2000, publicado no DR 1 série A de 23 de Maio de 2000, onde se considera que se a conduta do agente for susceptível de integrar nos tipos legais de burla p, e p. pelo art. 217º nº 1 do Código Penal e de falsificação de documentos p. e p. pelo art. 256º nº 1 al. a) do mesmo diploma legal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes;
7 - Pelo que o acórdão recorrido violou o preceituado nos arts. 9º nº 3 do Código Civil, 30º nº 1, 217º nº 1 e 256º nº 1 al. a) e nº 3, todos do Código Penal”.
Não foi apresentada resposta.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, apôs o seu visto.
Colhido os vistos, cumpre decidir, após a realização da audiência, levada a cabo com a observância do formalismo legal como da acta consta.
FUNDAMENTAÇÃO
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
“1 – A empresa “I....., S.A.”, adiante designada simplesmente por “I....”, assegurava, à data da prática dos factos, a gestão corrente e a contabilidade das sociedades “Pr....., S.A.” e “Pd....., S.A.”, adiante designadas por “Prédios Pr....” e “Pd....”, respectivamente.
2 - Para tanto possuía nas suas instalações, sitas na Rua....., na....., ....., guardados numa gaveta, não fechada à chave, de uma das secretárias do escritório, pelo menos quatro impressos de cheques relativos a duas contas bancárias, uma de cada uma das empresas acima referidas.
3 - A firma “PO....., Ldª” assegurava a realização de todos os serviços de limpeza das instalações da “I.....”.
4 - Para desempenhar estas funções, a “I.....” tinha ao seu serviço, além de outros, a arguida Catarina......
5 - Assim, no mês de Maio de 1997, em dia não concretamente apurado, mas que se situou entre os dias 1 e 14, a arguida aproveitando-se das facilidades de acesso à gaveta onde os cheques se encontravam, advindas da sua actividade profissional, retirou e fez seus os impressos de cheque com os nºs 010101, da conta nº 121212, da Agência da....., do Banco A....., de que é titular a “Pr.....” e 00100, 00010 e 00001, todos da conta nº 111311, da Agência dos....., ....., do Banco B....., de que é titular a “Pd.....”.
6 - Na posse destes cheques, a arguida, no dia 14 de Maio de 1997, preencheu o do Banco A..... – nº 010101 – na sua totalidade, isto é, escreveu nele a importância de Esc. 95.000$00, tanto em numerário como por extenso, e desenhou a assinatura do administrador da “Pr.....”, João....., no local respectivo. De seguida apresentou-o a pagamento aos balcões do Banco C....., logrando receber a quantia em causa, que gastou em proveito próprio, a qual foi descontada à ofendida “Pr.....” em 19 de Maio de 1997, por compensação (fls. 7).
7 - No dia 26 de Junho de 1997, a arguida preencheu na sua totalidade o cheque nº 00010, escrevendo-lhe a quantia de Esc. 120.000$00, tanto por algarismos como por extenso, e com o seu próprio punho desenhou nele a assinatura do administrador da “Pd.....”, António....., no lugar a ele destinado. De seguida apresentou-o a pagamento ao balcão do Banco A......, logrando receber a quantia em causa, que gastou em proveito próprio, a qual foi descontada à ofendida “Pd.....”, em 1 de Julho de 1997, por compensação (fls. 11).
8 - Em dia não concretamente apurado, mas que se situa entre 1 e 8 de Julho de 1997, a arguida preencheu na sua totalidade o cheque nº 00100, escrevendo-lhe a quantia de Esc. 40.000$00, tanto por algarismos como por extenso, e com o seu próprio punho desenhou nele a assinatura do administrador da “Pd.....”, António....., no lugar a ele destinado. De seguida apresentou-o a pagamento ao balcão do Banco D....., logrando receber a quantia em causa, que gastou em proveito próprio, a qual foi descontada à ofendida “Pd.....” em 8 de Julho de 1997, por compensação (fls. 11).
9 - No dia 16 de Julho de 1997, a arguida preencheu na sua totalidade o cheque nº 00001, escrevendo-lhe a quantia de Esc. 130.000$00, tanto por algarismos como por extenso, e com o seu próprio punho desenhou nele a assinatura do administrador da “Pd.....”, António....., no lugar a ele destinado. De posse deste cheque assim preenchido, a arguida dirigiu-se aos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, do Porto, onde o entregou para pagamento de duas facturas referentes a um contador que estava registado em seu nome. Uma dessas contas era referente ao consumo de água do mês de Fevereiro 1997, no valor de Esc. 42.943$00, e a outra referente ao consumo de água do mês de Dezembro de 1996, no valor de Esc. 37.403$00, recebendo dos Serviços referidos uma nota de crédito pela diferença para o montante do cheque, no valor de Esc.: 50.989$99, que servia para pagamento de futuras facturas de consumo de água, e que gastou, assim, também em seu proveito próprio.
10 - Até à presente data a arguida não reparou ou indemnizou total ou parcialmente as ofendidas, encontrando-se estas patrimonialmente lesadas nos correspectivos montantes dos referidos cheques, com excepção do cheque referido em 9, cujo montante não chegou a ser debitado pela entidade bancária.
11 - Aliás, as entidades bancárias sacadas e os SMAS do Porto só aceitaram pagar à arguida as importâncias tituladas pelos cheques porque acreditaram que os cheques eram bons para pagamento, ignorando o engodo em que involuntariamente caíram.
12 - A arguida agiu deliberadamente, com intenção conseguida de integrar no seu património os impressos dos cheques referido.
13 - Actuou também com o intuito conseguido de obter para si um enriquecimento ilegítimo de cada vez que usou os cheques em causa e conseguiu que as instituições a quem os apresentou lhe pagassem os respectivos valores cartulares.
14 - Actuou ainda com o intento acrescido de causar prejuízo patrimonial às ofendidas, sabendo que ao preencher os cheques da forma que o fez fazia constar de cada um deles um facto juridicamente relevante e com notória valência normativa cartular.
15 - Agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que estas suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
16 – A arguida era de modesta económica e social e tinha problemas económicos.”
Factos não provados
“1 – Que a ofendida Pd..... tivesse tido qualquer prejuízo com a emissão do cheque referido em 9, já que, quem ficou desapossada da quantia por ele titulada foram os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do Porto”.
Motivação da decisão de facto:
“A prova dos factos resultou do depoimento sério, isento e convincente das testemunhas de acusação ouvidas, que eram comuns aos pedidos de indemnização civil, mas em especial do da Drª Augusta....., que sendo a economista das demandantes civis, revelou integral conhecimento da forma como foi detectada a situação e das diligências feitas para se apurar o autor do furo dos cheques e dos comportamentos posteriores.
Essa testemunha e Fernando..... dos S.M.A.S. foram decisivas para a não prova do prejuízo das ofendidas relativamente ao último cheque, e o de Margarida..... foi relevante, conjugado com o facto de a arguida ter pagamentos aos S.M.A.S. em atraso, para o apuramento das circunstâncias de vida, à data, da arguida.
Foram também valorados os documentos juntos aos autos de fls. 7 a 15.”
*
O presente recurso é restrito ao direito, sem prejuízo do disposto no Artº 410º nºs 2 e 3 CPP (Artºs 428º nº 1 e 2 CPP), cujo conhecimento é oficioso [Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 95.10.19, DR, I Série, de 28 de Dezembro], vícios esses que desde já se dirá não se verificarem.
As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso (Artºs 403º e 412º nº 1 CPP).
Da sua análise resulta que o recorrente entende que os factos apurados integram também a prática pela arguida de quatro crimes de falsificação de documentos, agravados pela natureza do documento falsificado, em concurso real com os crimes de burla e furto pelos quais foi condenada.
*
Ora por assente temos ter a arguida cometido um crime de furto e quatro crimes de burla, p. e p., respectivamente, pelos Artºs 203º nº 1 e 217º nº 1 do Código Penal
Terá também com a sua conduta cometido os aludidos quatro crimes de falsificação ?
Nos termos do Artº 30º nº 1 CP o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Atende-se assim ao número de tipos legais de crime que são efectivamente preenchidos pela conduta do agente ou ao número de vezes que essa conduta preenche o mesmo tipo legal de crime, assim se adoptando a unidade e pluralidade de tipos violados como critério básico de distinção entre a unidade e pluralidade de crimes.
Perfilha-se assim o critério teleológico para distinguir a unidade e pluralidade de infracções, atendendo ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente, ou ao número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime..
Há que atender não aos fins procurados pelo agente que praticou as infracções, mas sim aos fins visados pela incriminação das normas violadas.
Contudo esse comando sofre duas ordens de restrições: os casos de concurso aparente de infracções e de crime continuado:
E no que concerne aos primeiros refere Maia Gonçalves [Código Penal Português, 13ª ed., pág. 154]:
“ Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez. Apontam-se diversas regras, das quais as mais indiscutidas são as da especialidade e da consunção, para delimitar estes casos.”
Assim quanto à regra da especialidade, um dos tipos aplicáveis (lex specialis) incorpora os elementos essenciais de um outro tipo aplicável (lex generalis), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente. Deste modo e dentro do princípio que a lei especial derroga a lei geral, só deve aplicar-se o tipo especial.
Relativamente à regra da consunção, o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de um outro tipo legal (menos grave), devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto.
Como escreve Eduardo Correia [Direito Criminal, Vol. II, pág. 205] “uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra “ ne bis in idem”, se tenha de concluir que “lex consumens derogat legi consumtae”. O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se poderá afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados [Pode no entanto acontecer o caso inverso da consunção impura, em que, como refere Eduardo Correia (obra citada, pág. 207), a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como circunstância qualificativa agravante – verificando-se todavia que a pena para ela cominada é inferior à do tipo fundamental.
Ora, em hipóteses tais, se não pode falar-se de especialidade, também não pode dizer-se verificada uma relação de consunção pura]”.
Ora no caso em apreço, dúvidas não restam de que a conduta da arguida integra a prática, em momentos distintos, dos crimes por que foi condenada e também do crime de falsificação.
Atentemos nas suas definições:
Comete o crime de furto, “ quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia ...” (Artº 203º nº 1 CP).
O crime de falsificação, é cometido por “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo...” (Artº 256º nº 1 CP).
E o de burla, por “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial...” (Artº 217º n º 1 CP).
Por sua vez os bens jurídicos protegidos são:
- no crime de furto: o direito de gozo, fruição e guarda sobre coisas móveis.
- no crime de falsificação: a verdade intrínseca do documento enquanto tal.
- no crime de burla: o património do sujeito passivo globalmente considerado.
Ora na posse de todos estes elementos há que verificar se a razão está com o douto acórdão quando refere que “entre a falsificação dos cheques e a burla se verifica um caso de concurso aparente de consunção impura, por a falsificação dos cheques ser apenas o meio ou o instrumento para a realização das burlas” ou, se pelo contrário, é o recorrente quem tem razão quando defende a existência de concurso real de infracções.
Pois bem, salvo o devido respeito por opinião contrária, parece-nos que não podem existir dúvidas que a razão está com o recorrente.
Assim temos desde logo que os crimes de falsificação e de burla visam, como vimos, proteger interesses jurídicos distintos, enquadrando-se o primeiro no Título IV- Dos crimes contra a vida em sociedade e o segundo no Título II- Dos crimes contra o património.
Por isso, confrontando os elementos constitutivos destes dois crimes cometidos pela conduta da arguida, não se verificam entre eles nem relação de consunção nem de especialidade, sendo igualmente diferentes os interesses jurídicos violados
E o facto de um crime ser meio de cometimento do outro não lhe retira autonomia.
Daí que, verificando-se os respectivos elementos típicos do crime de falsificação do Artº 256º CP, entendamos que tal crime deve autonomizar-se, pois o respectivo interesse protegido mostra-se violado, e como tal estamos perante uma situação de concurso real e não aparente
Finalmente, ainda neste sentido do ponto de vista jurisprudencial pode ver-se o AcSTJ 92.02.19 [BMJ 414, pág. 73] que veio resolver divergências existentes na jurisprudência a propósito de tal matéria, fixando-a no seguinte sentido. “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artº 228º nº 1, alínea a), e do artigo 313º nº 1, respectivamente, do Código Penal verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”.
Tal posição jurisprudencial é igualmente de continuar a manter-se já que o Assento 8/2000 de 00.05.04 [DR I Série-A, nº 119, de 23 de Maio de 2000], veio fixar jurisprudência nos seguintes termos “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256ºº, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, respectivamente do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”.
Resumindo e concluindo, pelo critério do Artº 30º nº 1 CP, o crime de falsificação concorre com o crime de burla e, como tal existe concurso real ou efectivo entre os aludidos crimes.
Chegados aqui há que determinar a medida concreta da pena a aplicar à arguida relativamente a tais crimes.
Ao crime de falsificação em causa – Artº 256º nºs 1, a) e c) e 3 CP, corresponde a medida abstracta de prisão de 6 meses a 5 anos ou a multa de 60 a 600 dias
O Artº 70º CP fornece o critério geral que deve presidir à escolha das penas.
Assim, de acordo com a referida disposição legal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (Artº 40º nº 1 CP)
Como escreve, a propósito, Maria Fernanda Palma [Casos e Materiais de Direito Penal, pág. 32] “A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva).
A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.
E no que concerne à reintegração social a que alude o referido Artº 40º CP, diz ainda a referida autora que tal “significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena.
E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral”.
Assim sendo, diremos que à escolha da pena apenas presidem razões ou exigências de prevenção.
Por isso afastada está a relevância da culpa na escolha da pena.
Ora no caso dos autos à semelhança da opção já feita nesse sentido no tribunal recorrido, justifica-se a preferência pela pena de multa porquanto a mesma promove a recuperação da delinquente e reprova suficientemente a sua conduta.
A graduação em concreto do número de dias da pena de multa obedece, exclusivamente, aos critérios estabelecidos no nº 1 do Artº 71º CP (concretizados no nº 2 do mesmo artigo) sem esquecer que, de acordo com o Artº 40º nº 2 CP, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Em Figueiredo Dias [Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229], colhe-se a propósito deste tema que “a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efectivamente, numa incondicional proibição de excesso; a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa: de uma ou de outra forma, é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucionais, inadmissível”.
Significa isto que na determinação da medida concreta da pena de multa, a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial) intervêm apenas na fixação do número de dias de multa.
Ora no caso dos autos, tendo em conta:
a) O médio grau de ilicitude dos factos.
b) A arguida agiu com dolo directo;
c) A ausência de antecedentes criminais;
d) Que as exigências de prevenção geral são relevantes face á frequência com que se verificam este tipo de crimes;
e) A modesta condição económica e social da arguida.
Entende-se adequada, justa e equilibrada a aplicação à arguida da pena de 80 dias de multa relativamente a cada um dos quatro crimes de falsificação.
A fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa obedece ao disposto no Artº 47º nº 2 CP – cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1 Euro e 498,80 Euros - e em que releva exclusivamente a situação económico-financeira e os encargos pessoais do condenado.
Na 1º instância foi fixado relativamente aos crimes por que aí foi condenada, o quantitativo diário de 500$00 (dois euros e quarenta e nove cêntimos), montante que não mereceu qualquer impugnação. Por isso será igualmente esse o montante a fixar no que concerne aos crimes agora em causa.
Assim sendo a arguida vai condenada pela prática de cada um dos quatro crimes de falsificação de documento, na pena de multa de 199,20 Euros (cento e noventa e nove euros e vinte cêntimos).
Cumulando juridicamente as referidas penas com as penas que lhe foram aplicadas relativamente aos crimes de furto e burla, e considerando em conjunto a sua personalidade e os factos, vai a arguida condenada na pena única de 400 dias de multa à taxa diária de 2,49 Euros.
DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação, em dar provimento ao recurso e, consequentemente, alteram a decisão recorrida, nos seguintes termos:
- Condenam a arguida Catarina....., pela prática em autoria material de quatro crimes de falsificação de documento p. e p. pelo Artº 256º nºs 1 a) e c) e 3, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 2,49 Euros (dois euros e quarenta e nove cêntimos), e em cúmulo jurídico, com a pena de 60 (sessenta) dias de multa que lhe foi aplicada pela prática do crime de furto e p. e p. pelo Artº 203º nº 1 e com a pena 120 dias (cento e vinte) de multa, que igualmente lhe foi aplicada por cada um dos quatro crimes de burla p. e p. no Artº 217º nº 1, todos do Código Penal, condenam-na na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de 2,49 Euros (dois euros e quarenta e nove cêntimos).
- No mais confirmam o acórdão recorrido.
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP)
Porto, 24 de Abril de 2002
Joaquim Manuel Esteves Marques
António Manuel Clemente Lima
José Maria Tomé Branco