Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
85/19.6T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DE ESPAÇO LOCADO E PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
USUFRUTUÁRIO REIVINDICANTE
Nº do Documento: RP2021121585/19.6T8OBR.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é só o direito de propriedade que pode ser objecto da acção de reivindicação pois outros direitos reais que compreendam no seu conteúdo a posse da coisa por oposição aos direitos reais de garantia podem também ser reivindicados.- (Vide o artigo 1315º do C. Civil).
Seguindo a acção de reivindicação e a acção de despejo a mesma forma de processo, o processo comum, o erro na forma do processo não constitui nulidade de todo o processo, importando apenas a correcção dos seus termos ao que for adequado
A existência do Procedimento Especial de Despejo em nada interfere com o uso da acção judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento (bem como a entrega do prédio objecto do referido contrato).
II - Nos termos do disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil, não tendo a ré contestado, desde que regularmente citada na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Trata-se de revelia operante que produz efeito probatório (efeito cominatório semipleno).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 85/19.6T8OBR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro - Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
B… e mulher C…, residentes na Rua …, .., …, …, Oliveira do Bairro, portadores dos NIF ……… e ………, respectivamente, vieram intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra D…, Lda, com o NIPC ………, com sede em Estrada Nacional …, …, Oliveira do Bairro, peticionando a condenação desta nos seguintes moldes:
“a) Reconhecer o direito de usufruto dos AA. sobre a fracção C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua … n.º . a n.º ., do …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 3739 e descrito na conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número 1341 da dita freguesia.
b) desocupar a citada fracção, restituindo-a livre e devoluta de pessoas e bens, e no estado de conservação em que se encontrava na data em que se iniciou o arrendamento entretanto cessado;
c) pagar indemnização pelos danos patrimoniais correspondente a todos os meses que ocupou a fracção ilegítima e abusivamente, ou seja, desde Outubro de 2018 e até entrega efectiva das chaves, em valor de, pelo menos 1000,00€ (mil euros) por mês, e a qual se contabiliza, desde 01/10/2018 e até à data de entrada desta acção em 5000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros até integral pagamento.
d) pagar indemnização pelos danos não patrimoniais, no valor de, pelo menos, 3000,00€, sendo 1500,00 para cada um dos AA.”.
Nessa senda, alegaram, em síntese, terem celebrado com a ré um contrato de arrendamento e, em determinada data, procederam à comunicação de oposição de não renovação do contrato, solicitando, por essa via, a desocupação do locado. No entanto, o imóvel não foi restituído pela ré que subsistiu a ocupar o mesmo ilegitimamente.

A ré apresentou articulado denominado de contestação nos autos, cuja apresentação foi julgada extemporânea.

Foram considerados confessados os factos alegados na petição inicial. (cfr. art. 567º, n.º 1 do C.P.C.)

Foram as partes notificadas, nos termos e para os efeitos do artigo 567º, n.º 2 do C.P.C., e deduziram alegações.

Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Pelas razões de facto e de Direito expostas, decide este Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, em consequência do que se decide:
1) Condenar a ré a reconhecer o direito de usufruto dos autores sobre a fracção C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua … n.º . a n.º ., do …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 3739 e descrito na conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número 1341 da dita freguesia.
2) Condenar a ré a desocupar a citada fracção, restituindo-a livre e devoluta de pessoas e bens, e no estado de conservação em que se encontrava na data em que se iniciou o arrendamento entretanto cessado.
3) Condenar a ré a pagar aos autores, a título de indemnização por danos patrimoniais e correspondente a todos os meses que ocupou a fracção ilegítima e abusivamente, ou seja, desde Outubro de 2018 e até entrega efectiva das chaves, da quantia de €1.000,00 por cada mês e que perfaz o montante de €5.000,00 desde 01/10/2018 e até à data de entrada da presente acção, acrescida de juros de mora calculados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
4) Julgar improcedente, por não verificado, o pedido de condenação da ré no pagamento aos autores de indemnização no valor global de €3.000,00, a título de danos não patrimoniais, absolvendo a ré desse pedido.”

A ré, D…, LDA, interpôs recurso, concluindo:
A. Manifesta-se óbvia discordância relativamente ao conteúdo da sentença exarada, razão pela qual se interpõe o competente recurso.
B. Da ponderação da matéria factual e da motivação de Direito explanada na sentença não poderia, em nosso entendimento, ter sido aquela a decisão proferida pelo Tribunal.
C. O direito de propriedade é um direito real máximo, cujo objecto se encontra definido no artigo 1302.º do Código Civil e o seu conteúdo vem apresentado nos termos do artigo 1305.º do mesmo diploma legal.
D. O direito real menor que mais limita o conteúdo do direito de propriedade é, precisamente, o usufruto.
E. A ação de reivindicação caracteriza-se por uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante e pela violação desse direito pelo reivindicado.
F. Este meio processual visa, na sua essência, o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa, assumindo o título constitutivo do direito de propriedade condição sine qua non para que o reivindicante lance mão da ação de reivindicação.
G. Os recorridos assumem a qualidade de usufrutuários da fracção dada de arrendamento à Ré
H. Face aos elementos dos presentes autos, os recorridos, na qualidade de usufrutuários, não detêm a propriedade plena sobre a fração dada de arrendamento à Ré/recorrente, estando-lhes vedado o recurso à acção de reivindicação.
I. O erro na forma de processo importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela Lei.
J. O Procedimento Especial de Despejo seria o meio processual idóneo a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na Lei ou na data fixada por convenção entre as partes, conforme o disposto no n.º1 do artigo 15.º do NRAU da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
K. Atendendo ao objecto e à tramitação própria do Procedimento Especial de Despejo e aos pedidos insertos na petição incial formulada pelos Autores verifica-se que os atos praticados são insusceptíveis de serem aproveitados.
L. O erro na forma de processo constitui nulidade ao abrigo do disposto nos artigos 193.º e 196.º do Código de Processo Civil e, como tal, constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição da Ré da instância, de harmonia com o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º do Código de Processo Civil.
M. A recorrente sempre cumpriu escrupulosamente as obrigações que sobre si impendem enquanto arrendatária dos locados em apreço, nomeadamente as obrigações constantes do artigo 1038.º do Código Civil.
N. As alegadas comunicações enviadas à então arrendatária, aqui recorrente, com vista a impedir a renovação automática do contrato de arrendamento, foram efectuadas pela Ilustre Mandatária dos recorridos, tendo sido invocados poderes de representação que não lhe foram expressamente concedidos para o efeito,
O. Nunca foi apresentada qualquer procuração idónea a comprovar os poderes que, alegadamente, terão sido conferidos pelos recorridos para fazer cessar o contrato de arrendamento.
P. Os actos praticados em nome e em representação dos recorridos não foram ratificados, razão pela qual não se poderia ter considerado a oposição à renovação eficaz perante a ora recorrente.
Q. A comunicação de oposição à renovação não poderia ser eficaz, tanto mais que existia um acordo verbal entre as partes para que o imóvel apenas fosse desocupado em Maio de 2019, conforme veio efectivamente a acontecer, tendo todas as rendas até tal data ficado totalmente pagas.
R. Tal comunicação verbal foi estabelecida directamente entre autores e ré, respectivamente recorridos e recorrente, pelo que seria esse o acordo a vigorar.
S. Verifica-se, assim, um manifesto lapso de comunicação entre os recorridos e a Ilustre Mandatária, dado que as informações são claramente contraditórias com aquelas que haviam sido acordadas entre as partes (então autores e ré), determinando, consequentemente a neutralização das mesmas.
T. Um dos princípios basilares do processo civil centra-se no princípio da livre apreciação da prova, como princípio basilar que postula que o juiz, produzida a prova, deverá decidir de acordo com a sua convicção, formada, naturalmente, no confronto que haja efectuado entre os diversos meios de prova e as conclusões por si obtidas.
U. O Tribunal a quo não ponderou conscienciosamente os elementos probatórios existentes nos autos, nomeadamente os documentos 7 e 9 juntos com a petição inicial,
V. Pois que uma apreciação livre e conscienciosa levaria o Tribunal a decidir de forma diversa daquela que decidiu,
W. Constitui dano indemnizável toda a perda, prejuízo ou desvantagem resultante da ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
X. A existência de um dano afigura-se como conditio sine qua non da responsabilidade civil, consistindo na supressão de uma vantagem que estava tutelada pelo Direito.
Y. A obrigação de indemnização visa abranger todos os danos que estiverem em conexão causal adequada com o facto praticado pelo lesante.
Z. O dever de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existia se não tivesse ocorrido o facto danoso.
AA. Não há, no presente caso, qualquer obrigação de indemnizar.
BB. Ambas as partes (Recorrente e Recorridos) concordaram na permanência da recorrente no imóvel mediante o pagamento da renda acordada, o que sempre se verificou até Maio de 2019, altura em que a recorrente abandonou o imóvel, conforme acordado com os recorridos.
CC. Nem se verifica qualquer dano em decorrência de qualquer actuação da recorrente, tanto mais que cabia aos recorridos fazer prova dos danos alegados, o que não lograram fazer.
DD. Destarte, deve a sentença ora em crise ser revogada e substituída por outra que se adeque aos factos trazidos a juízo devidamente explanados, determinando, a final, absolvição da ré/recorrente da totalidade do pedido,
ASSIM SE DECIDINDO FAR-SE-Á A COSTUMADA JUSTIÇA!

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
- aos recorridos, assumindo a qualidade de usufrutuários da fracção dada de arrendamento à Ré, lhe estava vedado o recurso à acção de reivindicação;
- existe erro na forma de processo que constitui nulidade ao abrigo do disposto nos artigos 193.º e 196.º do Código de Processo Civil e, como tal, excepção dilatória, de conhecimento oficioso;
- os factos trazidos a juízo determinavam absolvição da ré/recorrente da totalidade do pedido.

II – Fundamentação de Facto.
O tribunal recorrido considerou:
Factos provados:
1. Os autores são usufrutuários das fracções A a H do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua … n.º . a n.º ., do … ou …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 3739 e descrito na conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número 1341 daquela freguesia.
2. Tal usufruto foi constituído por escritura pública de “Partilha em Vida" celebrada no Cartório Notarial em Aveiro, a cargo do Notário E…, em 04/05/2015, na qual os autores doaram o prédio urbano identificado em 1º aos seus filhos F… (fracções A, B, C e H) e G… (Fracções D, E, F e G) reservando para si o usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo.
3. Tal prédio adviera à posse e propriedade dos agora usufrutuários, por contrato de compra e venda celebrado no extinto cartório notarial de Oliveira do Bairro em 28/07/1989.
4. Desde a data dessa compra, em 28/07/1989, sempre os autores, estiveram na posse do referido imóvel.
5. Por escritura pública de Constituição de Propriedade Horizontal, a qual foi lavrada no Cartório Notarial de Sever do Vouga, em 19/12/1997, instituíram os autores, na qualidade de proprietários e legítimos possuidores, o prédio no dito regime de propriedade horizontal.
6. Os autores celebraram, em 01/08/2014, com a ré, um contrato de arrendamento urbano, com o prazo certo de um ano, renovável por iguais períodos, cujo objecto foi a fracção C do imóvel sito na Rua …, correspondente ao número de polícia n.º . do …, freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, actualmente inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 3739-C e descrito conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número 1341/C da dita freguesia.
7. Não obstante as várias renovações de contrato entretanto ocorridas (a primeira entre 01/08/2015 e 31/07/2016, a segunda entre 01/08/2016 e 31/07/2017, a terceira entre 01/08/2017 e 31/07/2018), os autores remeteram carta à ré manifestando a oposição à renovação do contrato de arrendamento por igual período, que viria a ocorrer a 01.08.2018.
8. Essa carta foi recebida pela ré a 08.05.2018.
9. O arrendamento do imóvel cessou a 31.07.2018.
10. Não obstante a cessação, em 31/07/2018, os autores permitiram à ré, a pedido desta, que se mantivesse no imóvel até 30/09/2018, data em cessavam os arrendamentos da sociedade H…, Lda., também por oposição à renovação dos contratos de arrendamento relativos às fracções E, F e G do prédio identificado em 1º supra.
11. Tal autorização foi dada pelos autores à ré apenas com a duração daqueles dois meses (Agosto e Setembro de 2018) e atendendo à circunstancia de os representantes legais das duas sociedades (D…, Lda e H…, Lda) serem os mesmos e serem os autores sensíveis à logística que acarretaria mudar as instalações das duas sociedades em momentos diversos, separados temporalmente por dois meses.
12. Cessado o contrato de arrendamento e cessada a especial autorização para utilização do imóvel entre 01/08/2018 e 30/09/2018, passou a ré a ocupar ilegítima e abusivamente a fracção C do imóvel, mantendo ali o exercício da sua actividade e objecto social, contra a vontade dos autores.
13. Os autores foram fazendo várias diligencias, desde 30/09/2018, para que a ré saísse da fracção C do prédio mas até à data de entrada desta acção, a ré recusou-se a abandonar a referida fracção, continuando a ocupar este espaço contra a vontade dos autores.
14. Os autores enviaram à ré em 16/01/2019, através do seu advogado, uma interpelação, através de carta registada com aviso de recepção com o teor constante de doc. nº 9, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. Essa carta foi recebida pela ré e assinado o AR a 22.01.2019.
16. A ré continuou a ocupar o imóvel.
17. Com tal ocupação, contrária à vontade dos autores, a ré impediu que estes pudessem dar de arrendamento a fracção referida em 6., deixando de auferir uma quantia mensal de €1.000,00, correspondente ao valor locatício desse imóvel.
18. Esta situação causou frustração, nervosismo e ansiedade aos autores e fez com que estejam ambos a ser seguidos por médico-psiquiatra e medicados para doença do foro psiquiátrico desde o final de 2018.

III – Fundamentação de direito
Em primeiro lugar argumenta a recorrente que os recorridos, na qualidade de usufrutuários, não detêm a propriedade plena sobre a fracção dada de arrendamento à ré/recorrente, estando-lhes vedado o recurso à acção de reivindicação. Que o Procedimento Especial de Despejo seria o meio processual idóneo a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na Lei ou na data fixada por convenção entre as partes, conforme o disposto no n.º1 do artigo 15.º do NRAU da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro. Que, atendendo ao objecto e à tramitação própria do Procedimento Especial de Despejo e aos pedidos insertos na petição inicial formulada pelos autores, verifica-se que os actos praticados são insusceptíveis de serem aproveitados.
Consideremos.
Devemos começar por referir que a acção de reivindicação constitui uma acção declarativa de condenação sujeita a um regime especial previsto nos artigos 1311º e seguintes do Código Civil.
É uma acção petitória, a que, adjectivamente, não corresponde qualquer forma de processo especial, ficando, assim, na forma comum.
São dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n º 1, se preenche o esquema da acção de reivindicação (quanto à primeira finalidade, tem-se entendido que, se o reivindicante se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, deve este pedido considerar-se implícito naquele e que nada impede que, ao abrigo das regras válidas no domínio do direito processual civil, o autor da reivindicação junte aos dois pedidos referidos no artigo 1311º um pedido de indemnização, - Vide Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jur., anos 115º, pág. 272, nota 2, e 116º, pág. 16, nota 2 .
Mas não é só o direito de propriedade que pode ser objecto da acção de reivindicação pois outros direitos reais que compreendam no seu conteúdo a posse da coisa por oposição aos direitos reais de garantia podem também ser reivindicados.
Com efeito, o artigo 1315º do C. Civil comanda que as disposições sobre a defesa da propriedade são aplicáveis, com as necessárias correcções, à defesa de todo o direito real.
Cabe, por isso, dizer que não tem razão a recorrente ao dizer que os recorridos, na qualidade de usufrutuários, não se podem socorrer da acção de reivindicação.
Como se viu, a acção de reivindicação visa o reconhecimento de um direito real de gozo e a restituição da coisa.
Já a acção de despejo “destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo”.- Vide n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (NRAU).
Refere Rui Pinto em “O Novo Regime Processual do Despejo”, Coimbra Editora, 2.ª ed., págs. 21 e ss. que “...pode dizer-se que a acção de despejo é uma acção que permite ao senhorio obter uma alteração potestativa de uma situação jurídica (...) que extrajudicialmente não conseguiria, ou seja, é uma acção constitutiva (cf. art. 4.º, n.º 2, al. c) CPC (...).”
Porém tal como acção de reivindicação, a acção de despejo, segue a forma de processo comum declarativo, destinando-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação.
A forma de processo é o modo específico como o legislador definiu o modelo e os termos dos actos a praticar e os trâmites a observar pelas partes e pelo tribunal com vista à aquisição adequada dos elementos de facto e de direito que permitem decidir uma determinada pretensão, podendo assim definir-se como a configuração da estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio.
No processo declarativo, prevê-se a forma do processo comum, que é única (artigo 548.º do Código de Processo Civil) e existem formas de processo especial, que são diversas (artigo 549.º do Código de Processo Civil).
O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, enquanto o processo comum se aplica a todos os casos a que não corresponda processo especial (artigo 546.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Elege-se, deste modo, o princípio da especialidade das formas processuais pelo que para saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, deve começar-se por determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial.
O erro na forma de processo é um vício que se encontra definido e regulado na secção das nulidades processuais. Enquanto nulidade possui um regime próprio consagrado no artigo 193.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
Trata-se de um vício, em regra, sanável através da prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada, sanação essa que só será inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os actos já praticados.
Nesta medida, não determinando a nulidade de todo o processo (artigo 577.º, alínea b) do Código de Processo Civil, também não é uma excepção dilatória.
Em suma, seguindo a acção de reivindicação e a acção de despejo a mesma forma de processo, o processo comum, o erro na forma do processo não constitui nulidade de todo o processo, importando apenas a correcção dos seus termos ao que for adequado.- Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 30-09-2014, proc. nº 1748/13.5TBPDL.L1-1, em www.dgsi.pt.
Assim, não se verifica no caso a apontada nulidade de todo o processado.
Menciona a recorrente o Procedimento Especial de Despejo.
Este procedimento foi criado pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, consistindo num mecanismo extrajudicial cuja tramitação é assegurada pelo Balcão Nacional do Arrendamento e que, de acordo com o n.º 1 do artigo 15.º do citado diploma, “…se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Concretiza o nº 2 deste normativo:
Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:
a) Em caso de revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil;
b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo;
c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil;
d) Em caso de denúncia por comunicação pelo senhorio, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na alínea c) do artigo 1101.º ou no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil ou da comunicação a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 33.º da presente lei;
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;
f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1098.º do Código Civil e dos artigos 34.º e 53.º da presente lei, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário”.
O procedimento especial de despejo destina-se, pois, a efectivar a cessação do arrendamento já operada, seja por revogação, caducidade ou denúncia, seja por resolução, nos casos em que esta possa concretizar-se sem intervenção judicial. Na prática corresponde a um procedimento de natureza executiva, ao qual servem de base os documentos que, segundo a lei anteriormente em vigor, eram considerados títulos executivos.
Mas a existência deste expediente especial em nada interfere com o uso da acção judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento (bem como a entrega do prédio objecto do referido contrato), a qual segue a forma de processo comum declarativo tal e qual a acção de reivindicação, ou seja, a forma de processo utilizada nos presentes autos.
Mais alega a recorrente que as alegadas comunicações enviadas à então arrendatária, aqui recorrente, com vista a impedir a renovação automática do contrato de arrendamento, foram efectuadas pela mandatária dos recorridos, tendo sido invocados poderes de representação que não lhe foram expressamente concedidos para o efeito. Que a comunicação de oposição à renovação não poderia ser eficaz, tanto mais que existia um acordo verbal entre as partes para que o imóvel apenas fosse desocupado em Maio de 2019, conforme veio efectivamente a acontecer, tendo todas as rendas até tal data ficado totalmente pagas. Que o Tribunal a quo não ponderou conscienciosamente os elementos probatórios existentes nos autos, nomeadamente os documentos 7 e 9 juntos com a petição inicial. Que não há, no presente caso, qualquer obrigação de indemnizar.
Analisemos.
Como se menciona na sentença “o Tribunal valorou, sobremaneira, a admissão dos factos pela ré, dado que esta não deduziu oportunamente contestação, razão pela qual, os factos alegados pelos autos foram admitidos como confessados.”
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil não tendo a ré contestado, desde que regularmente citada na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Portanto, os factos que a recorrente vem debater foram alegados na petição inicial e consideram-se confessados.
Trata-se de revelia operante que produz efeito probatório, isto é, consideram-se confessados todos os factos articulados pelo autor, de modo que este não precisa de apresentar mais prova. Denomina-se de efeito cominatório semipleno. “Cominatório por ser uma consequência negativa e semipleno porque fica a meio caminho daquilo que podia ser o pior efeito de todos, a condenação (efeito cominatório pleno). Apesar de serem considerados provados, os factos ainda vão passar pela aplicação do direito, o que quer dizer que poderão não ser suficientes para a condenação. Feito isto, não pode depois o réu vir posteriormente negar os factos sobre os quais se manteve em silêncio. Operando o efeito da revelia, segue-se o processo abreviado do artigo 567º, nº 2 e 3, o que quer dizer que se vão saltar duas fases processuais até ao julgamento: o saneamento e a instrução, entrando-se directamente na fase da decisão. O advogado do autor primeiro e depois o do réu são notificados para em dez dias, alegarem por escrito. Seguidamente o juiz profere a sentença.”- Vide Direito Processual Civil Declarativo Professora na França Gouveia, Faculdade de Direito – Universidade Nova de Lisboa Ano letivo 2017/2018 4º ano - 1º semestre, pág. 17, in https://ae.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2019/10/Direito-Processual-Civil-Declarativo-Anonimo-mariana-franc%CC%A7a.pdf.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 15 de Dezembro de 2021
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Rodrigues Pires

Sumário
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(A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.)