Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5429/11.6YYPRT-B.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO
ABUSO DE DIREITO
FIANÇA DO ARRENDATÁRIO
RENOVAÇÕES
Nº do Documento: RP201506155429/11.6YYPRT-B.P2
Data do Acordão: 06/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não existe dupla conforme quando o Tribunal da 1ª Instância, em consequência da declaração de nulidade da Sentença, vem a decidir em conformidade com o preconizado pelo Tribunal de Recurso na sua decisão anulatória.
II - Apesar da revogação do art. 655º do CC pelo NRAU, o preceituado no seu nº 2 continua a aplicar-se aos contratos de arrendamento anteriormente outorgados, em função do que dispõe o art. 59º, nº 1, do NRAU, em conjugação com o disposto no art. 12º do CC, não tendo esta norma caráter supletivo, mas imperativo.
III - São pressupostos de aplicação do instituto de proibição de venire contra factum proprium os seguintes: 1 - situação objetiva de confiança; conduta de alguém que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; 2 - investimento na confiança (a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada) e irreversibilidade desse investimento (o dano que provocaria a conduta violadora da fides não é removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória - se esta solução satisfatória pode ser alcançada mediante um direito de indemnização, ou mediante o recurso aos preceitos sobre a gestão de negócios ou sobre o enriquecimento sem causa, não tem que intervir a proibição da conduta contrária à fides - o recurso a esta proibição é sempre um último recurso); 3 - boa-fé da contraparte que confiou e que esta tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 5429/11.6YYPRT-B.P2
Apelação 479/15
TRP – 5ª Secção

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I RELATÓRIO

1 -
B… deduziu a presente Oposição à Ação Executiva nº 5429/11.6YYPRT, em que é exequente C…, pedindo a extinção da execução contra si ou, pelo menos, a redução da quantia exequenda.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que no contrato de arrendamento em causa se obrigou como fiador perante a Exequente, assumindo a responsabilidade solidária pelo cumprimento das obrigações da Sociedade Executada, renunciando ao benefício da excussão prévia; a cláusula 12ª do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos não se mostra válida, na medida em que a partir do decurso do prazo de 5 anos se torna indeterminável a obrigação do Opoente; não houve qualquer convenção posterior que tivesse vindo balizar os limites da fiança prestada; desta forma o Opoente não tem a obrigação de pagar os valores vencidos a partir de 1 de Junho de 2009. Mais alegou que parte dos montantes peticionados pela Exequente não se mostram devidos, concretamente os por si discriminados no artigo 28º da Oposição (penalização de 50% do valor das rendas relativas aos meses de julho de 2009 a janeiro de 2011, inclusive, e apenas a partir da interpelação é que o arrendatário entra em mora, pelo que não tendo sido interpelada a arrendatária não há mora da mesma; os juros pedidos são indevidos, sendo apenas devidos os supletivos legais; e a não entrega do locado pela Executada, após a resolução contratual, faz a mesma incorrer em responsabilidade extracontratual, não abrangida pelo âmbito da fiança.
2 -
A Exequente contestou, tendo alegado, em resumo, que o Opoente e demais Executados pessoas singulares prestaram fiança a favor da Exequente, tendo querido obrigar-se não apenas pelo período inicial mas também por todas as renovações, incluindo aquelas que viessem a ocorrer após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação; e que mais acordaram as partes na manutenção da fiança prestada após a resolução do contrato e até efetiva entrega do locado, tendo esta condição sido pressuposto essencial da celebração do contrato. Alegou, ainda, que a posição sustentada pelo Opoente consubstancia abuso de direito, além de que o artº 655º do CPC não é aplicável no presente caso, por ter sido revogado; no que se refere às rendas, apenas as vencidas a partir de Fevereiro de 2011 estão a ser peticionadas em dobro. Terminou pedindo a improcedência da oposição.
3 -
O processo foi saneado e, considerando que a questão era exclusivamente de direito e que os autos continham todos os elementos necessários, passou o Tribunal a conhecer do pedido.
4 -
Na parte dispositiva da Sentença então proferida consta:
“Pelo exposto, considero provada e procedente a oposição deduzida e julgo extinta a execução quanto ao opoente.
Custas pelo exequente.
Registe e notifique.”
5 -
Desta Decisão veio apelar a Exequente, que formulou, nas suas Alegações, as seguintes CONCLUSÕES, que são transcritas:
“1. A douta sentença sob recurso, enferma de erro grave na apreciação da prova e na decisão de direito;
2. O estado dos autos, finda a fase dos articulados não continha os elementos probatórios suficientes para apreciação do pedido e subsequente conhecimento imediato do mérito da causa, não sendo por isso aplicável ao caso vertente a disposição normativa ínsita no artigo 508-A nº 1 al. b) do CPC;
3. A douta sentença recorrida não levou em linha de conta a alegação fáctica da Recorrente no sentido de que constituiu condição essencial de celebração do contrato objecto destes autos a obrigação assumida pelas partes no sentido da prestação de fiança abranger, não apenas o período inicial, mas também todas as renovações, incluindo aquelas que viessem a ocorrer após o decurso de 5 anos sobre a primeira renovação – matéria controvertida alegada em 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 29, da contestação;
4. Também não levou em conta a douta sentença recorrida a alegação fáctica da Recorrente no sentido de que as partes se obrigaram na manutenção da fiança prestada após a resolução do contrato e até efectiva entrega do locado – matéria controvertida alegada em 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20 e 29, da contestação;
5. A prova desta concreta factualidade seria decisiva para a concreta apreciação da questão jurídica do abuso de direito suscitada pela Recorrente;
6. Importaria, em termos probatórios, saber se o Recorrido ao prestar a fiança se quis obrigar por todas as renovações contratuais após a primeira prorrogação de 5 anos, e se essa foi condição essencial e decisiva de celebração do contrato de arrendamento expressamente aceite pelas partes, seja no momento da negociação do clausulado contratual, seja no momento da outorga do respectivo contrato;
7. E, bem assim, se caso essa condição não tivesse sido aceite pelos fiadores, a Recorrente não teria celebrado o presente contrato de arrendamento - matéria de facto alegada em 12 e 13 da contestação;
8. A provar-se, a alegação destes factos pela Recorrente, teria de proceder a excepção de abuso de direito por si invocada;
9. Lavrou, por isso, a douta sentença recorrida em erro manifesto na apreciação da prova, ao condicionar ostensivamente o exercício do contraditório por banda da Recorrente no que toca ao não conhecimento dos factos controvertidos em 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 29 da contestação, e que impunham a instrução e discussão da causa em sede de audiência de julgamento, por encerrar a questão concreta do abuso de direito;
10. E, esta questão de direito, só após produção de prova poderia ser apreciada, o que a sentença em crise, manifestamente, olvidou e omitiu;
11. Violou, por isso, a douta sentença recorrida o disposto no artigo 510 nº 1 al. a) e nº 2 do CPC e bem assim o disposto nos artigos 511º, 512º, 513º e 515º todos do CPC, na justa medida em que o estado dos autos não permitia em face dos elementos probatórios existentes o conhecimento imediato do pedido;
12. Como dispõe o artigo 511º do CPC deveria o M. Juiz a quo fixar a matéria de facto assente e, bem assim aquela controvertida que deveria ser levada à base instrutória, notificando após as partes para apresentarem os seus meios de prova nos termos do artigo 512º do mesmo diploma;
13. Caso fosse entendimento do M. Juiz a quo que, a factualidade alegada pela Recorrente em sede de contestação atinente à questão do abuso de direito, se mostrava insuficiente ou imprecisa, deveria, nos termos do disposto no artigo 508º nº 3 do C.P.C. convidar a parte a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização dessa matéria de facto alegada, ou, em alternativa, em sede de audiência preliminar, nos termos do disposto no artigo 508º-A nº 1 alínea c) do C.P.C. endereçar, esse mesmo convite à parte, visando o suprimento dessas insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto;
14. Estatui o artigo 513 do CPC que a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova;
15. Como é o caso, por referência a esta acção daqueles que são alegados nos nºs 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 29 da contestação e que encerram a questão do invocado abuso de direito por parte do Recorrido;
16. A douta sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento sobre a matéria de facto, por falta de análise crítica das provas em clara contravenção com o disposto no artigo 653º nº 3 e 659º nº 2, ambos do C.P.C;
17. Contra o entendimento da douta sentença recorrida, quiseram as partes outorgantes ao celebrar o contrato em causa nestes autos, afastar as normas de natureza supletiva vertidas no artigo 655º nº 1 e 2 do C. C. na redação em vigor à data da sua celebração, nada obstando, ao afastamento daquelas disposições legais, por força do princípio da liberdade contratual plasmado no artigo 405º nº 1 do C.C;
18. O princípio da liberdade contratual, enquanto princípio estruturante do nosso ordenamento juridico-civilístico, explicita o caracter supletivo que reveste a generalidade das normas reguladoras das questões básicas relativas ao modo, tempo e lugar do cumprimento, como é o caso das estatuídas no artigo 655º do C.C, as quais, pela sua natureza supletiva, podem ser afastadas por vontade das partes, como no caso vertente, o foram;
19. As disposições contidas no artigo 655º do C.C. são supletivas, nada obstando a que se estabeleçam no contrato regras diferentes das legais e que o fiador se obrigue em termos mais ou menos onerosos, podendo, assim, o mesmo obrigar-se relativamente a períodos de renovação, para além dos cinco anos;
20. O artigo 655º do C.C, em vigor à data da celebração do contrato em causa nestes autos, não é, no presente, aplicável ao caso subjudice, isto porque, a referida disposição normativa foi revogada pelo artigo 2º nº 1 da Lei 6/2006, de 27de Fevereiro (NRAU).
21. Em matéria de aplicação da lei no tempo, estatui o artigo 59º nº 1 da citada lei que, esta se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor e, bem assim, às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, como é o caso daquelas que se mostram tituladas no presente contrato de arrendamento.
22. A douta sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 668 nº 1 al. b) e d), por ausência de fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão recorrida e, bem assim, pela omissão de pronúncia sobre as questões de direito suscitadas pela Recorrente, o que impõe a sua revogação e remessa dos autos para julgamento, visando a instrução e produção de prova e subsequente subsunção do direito aplicável à prova que resultar do julgamento.
23. A douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 490º, 508º nº 3, 508º-A nº 1 alínea c), 510º nº 1 alínea a), 511º, 512º e 513º, todos do C.P.C. e artigo 334º do C. C.”
6 -
Terminou pedindo que seja revogada a Sentença recorrida, com remessa dos autos para julgamento, visando a instrução e produção de prova e, subsunção do direito aplicável à prova que resultar do julgamento.
7 –
Foi proferido Acórdão no qual se lê na sua parte dispositiva:
Por tudo o que exposto fica, acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação, em revogar a Sentença recorrida e em determinar o prosseguimento da ação para averiguação do concreto ponto de Facto referido e decidir, a final, em conformidade com o acima exposto.
Custas pela parte vencida a final.
8 –
O Embargante recorreu para o STJ, que decidiu não ser admissível o recurso por esta Relação não ter posto termo ao processo.
9 –
Após produção de prova documental, foi proferida nova Sentença em que, no seguimento daquele Acórdão, consta o seguinte da parte dispositiva:
Pelo exposto, considero parcialmente provada a oposição deduzida, julgando extinta a execução quanto ao montante de € 39.634,24 referido no requerimento executivo e prosseguindo nos termos e para satisfação das quantias supra expostas na página 13 desta sentença, acrescidos de juros à taxa supletiva legal.
11 –
O Embargante apelou desta Sentença, tendo formulado as CONCLUSÕES que seguem transcritas e no que a esta fase processual respeita: –
A. O presente recurso circunscreve-se à apreciação da validade da fiança prestada pelo recorrente B….
B. Nos termos do vertido na Cláusula 12.ª do contrato de arredamento celebrado, o recorrente prestou fiança nos seguintes termos:
“os terceiros outorgantes assumem solidariamente na qualidade de fiadores o cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações, renunciando expressamente ao benefício da excussão, fiança essa que se manterá, não obstante as alterações de rendas e mesmo após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação”.
C. Como é consabido, a fiança constitui uma garantia pessoal das obrigações e consiste no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor.
D. As principais características desta figura são a acessoriedade e a subsidiariedade.
E. Acessoriedade que se traduz, nomeadamente, na impossibilidade da mesma exceder a dívida principal, ou ser contraída em condições mais onerosas (ficando sujeita à redução caso tal venha a suceder), bem como no facto de a extinção da obrigação principal acarretar a extinção da fiança prestada.
F. Para além desta regra base, a extinção da fiança é objecto de várias regras especiais, entre elas, a que se encontrava prevista no art.º 655.º do Cód. Civil, ainda em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento em análise.
G. Estabelecia tal preceito que:
“1 – A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato.
2 – Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.”
H. Não obstante a revogação do enunciado normativo legal pelo n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, não podemos deixar de concluir que o mesmo tem aplicação ao caso concreto.
I. Tendo a fiança sido constituída em 01/06/2002, e por força do estatuído no n.º 1 do art.º 59.º daquele diploma legal, em conjugação com o disposto no art.º 12.º do Cód. Civil, tal normativo continuará a ter aplicação às situações arrendatícias existentes à data da entrada em vigor daquela lei, uma vez que a mesma só dispõe para futuro (princípio basilar no que respeita à aplicação de leis no tempo).
J. Doutro modo, frustravam-se as legítimas expectativas dos contraentes, existentes no momento da celebração do contrato e da constituição da fiança.
K. Assim, e de acordo com o preceito enunciado, presume-se que a fiança prestada pelas obrigações do locatário é limitada ao período inicial do contrato de arrendamento.
L. Por outro lado, será válida a convenção das partes no sentido da fiança abranger o período das renovações do contrato mas, se nenhum limite às renovações for imposto, a fiança extingue-se quando tiverem decorrido cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.
M. Na verdade, a não fixação do número de períodos de renovação do contrato que a fiança abrange, seja qual for a fórmula mais ou menos vaga que se use, significa que a obrigação do fiador se torna, se não ilimitada, pelo menos incerta e indeterminável.
N. Não pode aceitar-se nas obrigações de renovação periódica uma fiança sem termo final previamente fixado pela simples razão de que tal circunstância torna o conteúdo da obrigação do fiador indeterminável e a lei comina com a respectiva nulidade os negócios cujo objecto seja indeterminável.
O. Daí que as partes possam convencionar que a fiança abranja as sucessivas renovações do contrato mas, para que a fiança seja válida e possa abranger os períodos iniciados depois de decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação, terá que ser ab initio determinado o número de renovações que a fiança abrange, ou então, terão as partes que celebrar, entretanto, nova convenção.
P. Assim, a Cláusula 12.ª do contrato de arrendamento objecto dos presentes autos não se mostra válida, na medida em que, a partir do decurso do prazo de cinco anos após a primeira renovação do contrato (isto é, a partir de 01/06/2008), torna indeterminável a obrigação do recorrente, no que se refere à sua duração e grandeza.
Q. Por outro lado, inexiste no caso sub judice qualquer convenção posterior que balize os limites da fiança prestada.
R. Pelo que, encontrando-se peticionado nos presentes autos valores vencidos a partir de 01/06/2009, não recai sobre o recorrente B… qualquer obrigação de garantir o seu pagamento.
S. A douta sentença recorrido viola, pois, e salvo o máximo respeito, o disposto nos art.os 12.º e 655.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada, e substituída por outra que absolva o ora Recorrente do pedido formulado.
12 –
A Exequente contra-alegou e veio, alegando ser a título subsidiário, para a hipótese de procedência do recurso do Apelante, ampliar o âmbito do recurso.
Concluiu, quanto a esta questão que a Sentença recorrida não levou em linha de conta a factualidade carreada para os autos nos n.ºs 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 29 da contestação, que integrariam abuso de direito e o estado dos autos não continha elementos probatórios suficientes para o conhecimento desta exceção … e que só após produção de prova poderia ser apreciada.
13 –
O Apelante respondeu, alegando que não é admissível a pretendida ampliação, nem ocorre qualquer nulidade, pois que a questão do abuso de direito já foi apreciada pela 1ª Instância e por este Tribunal da Relação, pelo que não ocorre qualquer omissão, além de ter havido conformidade das duas decisões.
II FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO
Da Sentença constam como adquiridos para estes autos os seguintes FACTOS:
A) O opoente e a exequente celebraram um contrato de arrendamento para comércio nos termos e com o conteúdo constante de fls. 77 a 85 da execução apensa.
B) Em 26 de Janeiro de 2011 foi realizada notificação judicial avulsa da executada D…, S.A., e em 29 de Janeiro de 2011 dos opoentes, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 8 a 16 dos autos de execução apensa.
C) Em 13 de maio de 2011 foi instaurada no 1º Juízo, 3ª Secção, (d)este Tribunal, execução para entrega de coisa certa, nos termos constantes de fls. 380 a 383, tendo a(o) Executada(o) sido citada(o) em 23 de maio de 2011.
D) Em 4 de dezembro de 2012 foi lavrada transação no processo referido em C), judicialmente homologada, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 386 a 389, onde se acordou, além do mais, que o locado foi entregue à exequente naquela mesma data.

Daqui resulta que há que ter como assente com relevo para este acórdão, explicitando o que consta daquela Decisão e dos próprios autos:

a) Por contrato escrito e celebrado em 31/05/2002, a Apelante C… deu de arrendamento à Executada “D…, S.A.”, o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e fachada poente rebocada, com duas divisões, sito na …, n.º .., da freguesia …, concelho do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 26943, e inscrito na respetiva matriz predial urbana no artigo 557º;
b) O arrendado destinou-se a casa de chá, pastelaria e geladaria;
c) Tendo sido celebrado pelo prazo de um ano, com início no dia 01/06/2002, e renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo;
d) A renda anual fixada para o primeiro ano de vigência do contrato foi a de € 19.769,20 (dezanove mil, setecentos e sessenta e nove euros e vinte cêntimos), a pagar em quintos mensais de Euro 3.953,84 (três mil, novecentos e cinquenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos), o primeiro dos quais referente a Janeiro/2003;
e) Ficou, ainda, estipulado que o valor da renda anual, no caso de renovação do aludido contrato, seria a que resultasse da aplicação do coeficiente de atualização estipulado por Portaria Governamental atinente às rendas fixadas para comércio e indústria, devendo ser paga em duodécimos, e vencendo-se no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior ao que dissesse respeito;
f) Ainda mediante o referido contrato e sua cl. 12ª, o Apelado B…, que teve intervenção por si e como administrador da locatária, obrigou-se, assim como os demais fiadores, perante a Apelante C…, assumindo a responsabilidade solidária pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de arrendamento quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações, renunciando expressamente ao benefício de excussão, fiança essa que se manterá, não obstante as alterações de rendas e mesmo após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação; a fiança prestada durará enquanto a segunda outorgante (a locadora) não restituir o prédio arrendado, livre e desembaraçado de pessoas e coisas, em perfeitas condições de conservação, e passível de pronta ocupação e uso, após vistoria e aceitação pela primeira outorgante.
g) Por notificação judicial avulsa operada em 26/01/2011, a Apelante – na qualidade de locadora – procedeu à comunicação da resolução do referido contrato de arrendamento, tendo por base a falta do pagamento das rendas devidas por período superior a três meses;
h) E, subsequentemente, instaurou uma execução com vista ao ressarcimento das seguintes quantias, num total de € 139.210,06 (cento e trinta e nove mil, duzentos e dez euros e seis cêntimos):
_ € 39.634,24 – penalização de 50% do valor das rendas vencidas entre 01/06/2009 e 01/09/2010, e relativas aos meses compreendidos entre Julho/2009 e Outubro/2010, a título de indemnização por mora;
_ € 48.292,80 – rendas vencidas e não pagas entre 01/10/2010 e 01/07/2011, e relativas aos meses de Novembro/2010, Dezembro/2010, Janeiro/2011, Fevereiro/2011, Março/2011, Abril/2011, Maio/2011, Junho/2011, Julho/2011 e Agosto/2011.
_ € 48.292,80 – penalização de 50% do valor das rendas vencidas e não pagas entre 01/10/2010 e 01/07/2011, relativas aos meses de Novembro/2010, Dezembro/2010, Janeiro/2011, Fevereiro/2011, Março/2011, Abril/2011, Maio/2011, Junho/2011, Julho/2011 e Agosto/2011, e a título de indemnização por mora;
_ € 2.382,85 – juros de mora, calculados sobre o capital de € 60.451,36 peticionado na notificação judicial avulsa dada à execução; e
_ € 607,37 – juros de mora computados sobre todas as rendas vencidas e não pagas até à data da entrada em Juízo do requerimento inicial.
i) Em 13 de maio de 2011 foi instaurada no 1º Juízo, 3ª Secção, (d)este Tribunal, execução para entrega de coisa certa, nos termos constantes de fls. 380 a 383, tendo a(o) Executada(o) sido citada(o) em 23 de maio de 2011.
j) Em 4 de dezembro de 2012 foi lavrada transação no processo referido em C), judicialmente homologada, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 386 a 389, onde se acordou, além do mais, que o locado foi entregue à exequente naquela mesma data.

1 - INTRODUÇÃO
Antes de mais há que relembrar que "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito" - artigo 664º do CPC. Quanto à determinação das normas legais a aplicar na decisão, a atividade do juiz não sofre qualquer limitação[1].

Convém esclarecer que entendemos que não ocorre aqui a figura da dupla conforme. Na verdade, esta corresponde a uma situação em que o Tribunal de Recurso confirma a Decisão da 1ª Instância e não a situação de o Tribunal de 1ª Instância, por obediência ao de Recurso, em consequência de revogação da Sentença para ampliação da matéria de facto, sem a necessária liberdade interpretativa e de aplicação do direito, tenha enveredado para a solução jurídica preconizada por esse mesmo Tribunal de Recurso.
Assim, entendemos ser admissível a ampliação do objeto do recurso pretendido pela Apelada, tendo em atenção, além do mais, o disposto no artigo 636º, 2, do NCPC (artigo 684º-A, 2, do CPC) e admissível este mesmo recurso de apelação.

Temos, antes de mais, de qualificar os contratos invocados pela Apelante.
E a qualificação é uma operação que parte do facto e que a ele regressa para efeito de o regulamentar, de determinar a sua disciplina jurídica; consiste em referenciar um caso concreto a um conceito jurídico reconhecido por uma autoridade normativa para lhe aplicar o seu regime[2].
A qualificação está estritamente associada à classificação, mas não se confundem, sendo aquela prévia a esta[3].
Para determinação do regime jurídico aplicável aos contratos em causa há, pois, que saber a que tipo pertencem, que proceder à sua classificação[4].
A noção de contrato não nos é dada, diretamente, pela nossa lei. Aceito, contudo, como noção de contrato a seguinte: é um acordo vinculativo de duas (ou mais) declarações de vontade contrapostas, mas conciliáveis entre si, com vista a resultado jurídico unitário de interesses diversos[5].
2 - QUALIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO
Ora, dos factos adquiridos e do disposto nos artigos 1022º e 1023º do CC há que considerar que estamos perante um contrato de arrendamento urbano para fins comerciais e um contrato de fiança, como se esclarecerá infra.
3. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS RENDAS
Nesse contrato mais amplo, pois que acaba por integrar 2 (arrendamento e fiança) intervieram três grupos de pessoas: a Apelada, como senhoria; a Executada D… como rendeira; e os Executados pessoas singulares, incluindo a ora Apelante, como fiadores da rendeira.
No decurso da sua vigência, a rendeira deixou de pagar as rendas, tendo a senhoria procedido à resolução do contrato.
Assim, há que considerar que esse contrato já se extinguira, independentemente da restituição do locado à Apelante.
Assim, aos obrigados ao pagamento das rendas incumbia, atentas as regras do ónus de prova, alegar e provar que as mesmas estavam pagas ou que não eram devidas. E, optando por esta última via, incumbia-lhes alegar e provar que o locado já fora entregue – ver artigo 342º, 2, do CC.
Daqui resulta, como veremos, que só após a entrega do locado se extingue a obrigação de pagamento do montante equivalente ao da renda e dos fiadores, que ainda se mantenham obrigados. São factos extintivos daquela obrigação de pagamento, que terão de ser alegados pelo locatário e fiador – artigo 342º, 2, do CC. Ao senhorio incumbe a alegação da ocupação.
3. RESPONSABILIDADE DO FIADOR
O protótipo das garantias pessoais é a fiança[6].
Nesta há um segundo património (o do fiador), que, cumulativamente com o património do devedor, responde pelo pagamento da dívida, passando o credor a ter garantia geral sobre esses dois patrimónios[7].
Dispõe o artigo 627º, 1, do CC: "O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor."
A fiança tem duas características: a acessoriedade e a subsidiariedade - artigos 627º, 2, e 638º do CC, mas esta pode ser afastada, pois que não é um requisito essencial da fiança[8].
A obrigação do devedor é principal e a do fiador é acessória daquela, fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada[9].
Desta característica resulta que a obrigação do fiador não pode exceder o montante da obrigação principal e não pode ser contraída em condições mais onerosas[10] - artigo 631º, 1, do CC.
De tal característica faz a lei resultar, ainda, a necessidade de a declaração de vontade do fiador ter de revestir a forma exigida para a obrigação principal[11] - artigo 628º, 1, do CC[12]. Este princípio é aplicável às obrigações mercantis, onde a fiança está desformalizada[13].
A subsidiariedade, que é referida na lei através do benefício da excussão, pode ser afastada, mas não existe nas obrigações mercantis[14] - artigos 638º do CC e 101º do C. Comercial (nestas vigora o princípio da solidariedade - "todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo afiançado").
Relativamente à natureza jurídica da fiança, passaremos a esclarecer a nossa posição sobre a mesma.
O artigo 457º do CC consagra o carácter excecional dos negócios unilaterais, quando dispõe: "A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei". Isto é, vigora um princípio de especialidade, que não confere valor às situações sem previsão legal[15].
Logo, não pode a fiança ser constituída por negócio jurídico unilateral, por falta de tal previsão.
Assim, para a sua existência é necessário um encontro de vontades, é necessário um contrato[16], que existe no caso em apreço.
Contudo, entendemos que a declaração do credor não necessita de ser expressa, bastando a declaração tácita de aceitação[17].
Há que ter presente que as razões que estão subjacentes ao disposto artigo 628º, 1, do CC (obrigatoriedade de expressa declaração da vontade de prestar fiança), por ser a fiança e o aval atos aventureiros e perigosos, que são as da lei procurar rodear das maiores cautelas uma tal declaração, pretendendo evitar atitudes passivas ou inadvertidas, precipitações e falta de apreciação das consequências de tal ato, que se não verifica, não são necessárias e não se justificam em relação ao credor[18].
Dispunha o artigo 655º do CC:
“1. A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato.
2. Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.”
Esta norma foi revogada pelo artigo 2º, 1, da Lei n.º 6/2006, de 27-2, que entrou em vigor a 28-6-2006, por força do disposto no seu artigo 65º, 2.
Por outro lado, dispõe o artigo 59º da citada Lei n.º 6/2006:
“1 – O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
2 - ...
3 – As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando sejam em sentido oposto ao da norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa norma a aplicável.”
No acórdão anteriormente proferido nestes autos, assim como nos demais quatro processos de oposição à mesma execução decididos por esta Relação, ficou escrito:
Como os 5 anos sobre o início da primeira renovação teriam lugar a 1-6-2008, constatamos que já não estava em vigor, havia cerca de 2 anos, aquela norma do artigo 655º do CC e que, por força do disposto no citado artigo 59º, 1, e no próprio artigo 12º, 2 (parte final) do CC já não era aplicável ao contrato de fiança em apreço. Só o seria se tal prazo já tivesse decorrido à data da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27-2, atento o disposto no artigo 12º, 1, do CC, que determina que a lei só se aplica para o futuro e, quando lhe é atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos. Afastado está, pois, a aplicação ao caso dos autos do disposto naquele artigo 655º do CC.

E é necessário não esquecer que a disposição do artigo 655º do CC era uma concretização para a locação do constante no artigo 648º, e), do CC, este ainda em vigor, mas que perdeu a razão de ser para o regime do contrato de arrendamento urbano do NRAU.
Dos cinco processos, em três ocorreu já a revogação dos acs. desta Relação, com confirmação das Sentenças da 1ª Instância e os outros dois, em que está este incluído, aguardam decisão por este mesmo coletivo.
E, além do mais, podemos ler no Ac. do STJ, de 6-3-2014, em www.dgsi.pt, proferido no Apenso C:
A primeira observação que deve ser feita, com interesse para a matéria em litígio, é que, apesar da revogação do art. 655º do CC pelo NRAU, o preceituado no nº 2 continua a aplicar-se aos contratos de arrendamento anteriormente outorgados, em função do que dispõe o art. 59º, nº 1, do NRAU, em conjugação com o disposto no art. 12º do CC.
Esta é, aliás, a solução também defendida por Januário Gomes, em “Fiança do arrendatário face ao NRAU”, em Estudos em Honra do Prof. Oliveira Ascensão, vol. II, págs. 976, 979 e 988, onde refere que, “apesar de formalmente revogado, o regime do art. 655º continuará a ter aplicação às situações constituídas na sua vigência”, uma vez que “a apreciação do risco fidejussório deve ser aferida em função do momento genético da constituição da fiança” (pág. 980).
Sendo a fiança constituída ao abrigo de um regime legal que regulava o âmbito da responsabilidade, se acaso se vier a concluir que aquele preceito legal se sobrepunha à referida cláusula, restringindo aquela responsabilidade, tal prevalência deve ainda ser considerada, malgrado a sua posterior revogação.
Por conseguinte, para delimitar o âmbito da responsabilidade dos oponentes fiadores não podemos atender apenas à aludida cláusula, antes devemos conjugá-la com o que, na data da outorga do contrato, dispunha o art. 655º, nº 2, do CC, acerca da amplitude da fiança.
Procede, assim, nesta parte, a alegação dos fiadores recorrentes.”
E continua aquele Ac. do STJ, de que foi Relator o Conselheiro ABRANTES GERALDES:
Mas qual o regime que emergia do revogado art. 655º, nº 2, do CC?
Trata-se de uma questão cuja resposta não é evidente, como bem o revela a descrição da polémica que em seu redor se gerou e que vem descrita e ilustrada no referido estudo de Januário Gomes.
Tal polémica era transversal na doutrina e na jurisprudência, suscitada pela redação do preceito que levantava objetivas dúvidas de interpretação.
Defendiam uns a sua natureza puramente supletiva, de tal modo que seria legítimo às partes estabelecer um regime inteiramente autónomo sem limites temporais definidos quanto à amplitude da fiança.
Outros, ao invés, advogavam que, apesar de ser legítimo convencionar a vinculação do fiador para além do período de 5 anos posterior à 1ª renovação do contrato, tal vinculação deveria submeter-se ao condicionamento previsto em tal preceito. Neste contexto, a perduração da fiança para além do período de 5 anos depois da 1ª renovação do contrato exigiria ou a indicação precisa na declaração inicial do “número de renovações” (ou, ao menos, a indicação do “período contratual” abarcado) ou a outorga de “nova convenção” de fiança.
Na encruzilhada de decisões, argumentos e opiniões é esta a solução que nos parece mais ajustada, por melhor corresponder ao texto legal, ao historial do preceito e à sua razão de ser, apontando para a necessidade de se fixar o número de renovações contratuais a que o fiador se vinculava, sob pena de a fiança se extinguir decorrido o prazo de 5 anos a contar a 1ª renovação.
Tal solução colhia e ainda colhe maior aceitação a nível jurisprudencial, revelada mais recentemente no Ac. do STJ, de 12-11-09 (www.dgsi.pt), no qual se assumiu a sobreposição do regime limitador do nº 2 do art. 655º do CC a uma declaração em que o fiador se responsabilizara “pelas obrigações da arrendatária durante o prazo do presente contrato e suas prorrogações”, solução que já fora enunciada anteriormente nos Acs. do STJ, de 23-4-90 (BMJ, 396º/388) e de 12-10-06, na Revista 1783/06, Sum. Ac., www.stj.pt.
Constatando-se que a matéria do arrendamento (e da fiança do arrendatário) era essencialmente abordada no âmbito dos recursos de apelação, também era e é nesse mesmo sentido a jurisprudência maioritária das Relações, como bem o revelam os Acs. da Rel. de Lisboa, de 20-1-11, de 12-7-07 (este relatado pelo agora Cons. Salazar Casanova), de 20-1-05 e de 7-12-05, e os Acs. da Rel. do Porto, de 19-2-02, e de 3-4-06, e todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Ademais, era esta também a tese defendida por Januário Gomes, na cit. obra, págs. 979 e segs., com larga argumentação e ilustração doutrinal e jurisprudencial.
Na verdade, a possibilidade de fundar na declaração inicial de fiança a responsabilidade do fiador para além de tal período apenas ganha sentido, sem contradizer o preceito, se nessa declaração se previsse o número de renovações tidas em vista ou se existisse uma nova declaração de fiança que traduzisse a reafirmação da responsabilidade do fiador, depois de feita a avaliação do risco emergente da prestação da garantia a favor do arrendatário.
Já se disse que a resposta a tal questão não era uniforme, nem na jurisprudência, nem na doutrina, tendo optado pela solução inversa o Ac. da Rel. de Lisboa, de 19-12-06 e os Acs. da Rel. do Porto, 30-3-09 e de 26-4-05 (todos em www.dgsi.pt).
Tese que foi secundada por Gravato de Morais segundo o qual o art. 655º, nº 2, do CC, tinha carácter inteiramente supletivo, sendo possível a ampliação do prazo da fiança a partir de uma declaração, como a dos autos, em que expressamente se admitiu que a responsabilidade exceda o período máximo previsto por aquele preceito (em “Fiador do Locatário”, na Scientia Iuridica, nº 309º, págs. 97 e segs.).
Cremos, porém, que, pondo o acento tónico na sua natureza inteiramente supletiva, gerar-se-ia uma contradição intrínseca na interpretação do preceito ao admitir-se que uma declaração de fiança sem aquelas especificações pudesse vincular o fiador para além do limite temporal de risco previsto. Então, de que serviria fazer depender a persistência da fiança da existência de uma convenção que “limitasse o número” de períodos de renovação ou da outorga de uma “nova convenção”?
Além disso, contra o defendido por Gravato de Morais, não cremos que o preceito legitime que logo na declaração inicial as partes prevejam a extensão temporal a fiança sem aquela limitação, nem sequer que uma declaração inicial com esse teor possa equivaler a uma “nova convenção” de fiança.
Repercutindo a posição adotada no caso concreto:
De acordo com o teor do clausulado, a fiança cobriria as obrigações emergentes do contrato de arrendamento, quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações e manter-se-ia mesmo após o decurso do prazo de 5 anos sobre a primeira renovação.
Esta declaração não se apresentava tão vaga como uma outra que, por exemplo, se tivesse limitado a prescrever a responsabilidade do fiador “pelas obrigações da arrendatária durante o prazo do presente contrato e suas prorrogações” (como no Ac. do STJ, de 12-11-09), “a responsabilidade do fiador enquanto perdurasse o contrato” ou “a responsabilidade do fiador nos mesmos termos do arrendatário”.
Todavia, continua a falhar nos pressupostos normativos correspondentes à expressa previsão de um determinado número de renovações ou de um período de duração. E, por outro lado, também não pode corresponder a uma “nova convenção”, isto é, a um novo compromisso assumido pelos fiadores no sentido da persistência da garantia para além do período que o legislador considerou ajustado, na falta daquela fixação objetiva de um termo para a fiança.
Enfim, tal declaração não satisfazia as exigências legais constantes do art. 655º, nº 2, do CC, destinadas a evitar a sua extinção no final do 5º ano posterior ao início da 1ª renovação, em 1-6-03, devendo por isso considerar-se extinta a partir de 1-6-08[19].
Ora, entendemos esta argumentação como rebatendo, com fundamentação convincente, a nossa anterior e a esta, por tal motivo, aderimos.
Efetivamente, houve uma declaração de vontade por parte dos fiadores, que teve lugar à data da vigência daquele artigo 655º e que é face a ele que se deve apreciar as consequências da mesma declaração.
Se ela não vinculava os fiadores para além de 1-6-2008 quando a obrigação nasceu, esta sem qualquer nova declaração de vontade, que não ocorreu, não pode prolongar-se para além de tal data. Não estamos perante uma alteração interpretativa, mas uma alteração que agrava a posição jurídica dos fiadores, já que a declaração que proferiram não era de molde a fazer nascer a sua obrigação para além de 1-6-2008, não tinha essa virtualidade.
Por outro lado, a norma em apreço é de caráter imperativo e não supletivo como pretende a Exequente, visando a proteção do interesse geral da indefinição do período de tempo pelo qual seria prestada a fiança.
4. O ABUSO DE DIREITO
A Recorrente alegou e concluiu que o processo ainda não estava em condições de ser decidido, pois que alegara factos, que a seu ver integrariam a previsão do artigo 334º do CC (abuso de direito) e cuja ocorrência importava averiguar e decidir através da respetiva instrução e julgamento.
Os factos referidos pela Recorrente são os por si alegados nos artigos 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20 e 29 da sua Contestação.
Eis o que consta alegado nesses artigos da Contestação:
“7. No que à questão da oposição importa, o Oponente e demais co-executados, pessoas singulares, prestaram fiança a favor da primeira Executada D…, obrigando-se, nessa qualidade, perante a Exequente, nos termos da cláusula 12ª do citado contrato.
9. Ora, o Oponente e demais co-executados, pessoas singulares, ao outorgar o sobredito contrato de arrendamento como fiadores e, nos exatos termos acima descritos, quiseram obrigar-se, não apenas, pelo seu período inicial.
10. Mas, antes e, ao invés, sem prejuízo de eventuais alterações de renda, por todas as suas renovações, incluindo aquelas que viessem a ocorrer após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação.
11. Mais acordaram, Exequente, Oponente e restantes co-executados, pessoas singulares, a manutenção da fiança prestada, mesmo após a resolução do contrato de arrendamento e até efetiva entrega do locado, nos termos e condições exaradas na cláusula 12ª nº 2 do mesmo.
12. De resto, estas condições de outorga da fiança expressas no contrato de arrendamento, foram decisivas, determinantes e essenciais à sua celebração por banda da exequente.
13. Sem a sua aposição no clausulado contratual, não o celebraria.
14. Facto conhecido e aceite por todos os executados, pessoas singulares, seja no momento prévio da celebração do dito contrato, seja aquando da sua outorga.
15. Pois que, à época, eram todos eles administradores e legais representantes da Executada D…, devedora principal nos autos, de que os presentes são apenso.
16. Assim, todas as condições de prestação de fiança foram previamente negociadas entre a exequente e todos os Executados, pessoas singulares, e depois vertidas no respetivo texto contratual. 17. Em síntese, foi condição imposta pela Exequente e aceite por todos os Executados para a outorga do contrato, que a fiança prestada perduraria, além do período inicial.
18. Por todas as suas renovações, mesmo após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação.
20. Quiseram, por isso, as partes outorgantes, e essa foi a vontade ao outorgar o citado contrato, afastar as normas de natureza supletiva vertidas no artigo 665º, nº 1 e 2, do C. C., em vigor à data da respetiva celebração.
29. Na justa medida e que, a Oponente e demais co-executados negociaram com a exequente todo o clausulado contratual e acordaram, como condição determinante da celebração do respetivo contrato, a manutenção da fiança até à entrega do locado.”

Para saber do acerto desta posição há que fazer uma breve incursão sobre a questão do abuso de direito, que se encontra consagrado no mencionado artigo 334º do CC.
O abuso do direito retrata uma atuação contrária ao sistema, na sua globalidade[20].
O abuso no exercício do direito torna-se chocante porque conduz a uma utilização do direito que não foi querida pelo legislador; a coletividade segrega, para evitar tal desiderato, normas que se presume que todos conhecem, as quais funcionam como balizas das consciências individuais de tal forma que cada sujeito de direito possa ter consciência dos limites dentro dos quais as prerrogativas jurídicas se podem exercer[21].
Não estando o Tribunal limitado pelas invocações jurídicas das partes - ver artigo 664º do CPC -, pode o juiz aplicar este instituto, mesmo que não tenha sido expressamente invocado (conhecimento oficioso), desde que os competentes factos tenham sido invocados e demonstrados, além de as consequências que se retirem do abuso deverem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal[22].
A conceção legal de abuso de direito é a objetiva. Não é preciso ter consciência de exceder os limites, basta excedê-los[23].
Mas, este excesso tem de ser manifesto; tem de haver manifesto abuso[24].
Assim, sempre que no exercício do direito haja manifesto excesso dos limites impostos, seja pela boa fé, seja pelos bons costumes, seja pelo fim económico ou social próprio desse direito, e o facto venha ao conhecimento do tribunal, deve este considerar ilegítimo, mas não ilícito, o ato praticado, com as consequências adequadas a cada tipo de situação[25].
A boa-fé aqui referida é, como resulta do exposto, a objetiva, que se concretiza em regras de atuação[26]; é a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos e, designadamente na celebração e execução dos negócios jurídicos[27]. Ela reporta-se à correção e lealdade[28]. A este propósito deverá ser tido em consideração o disposto nos artigos 227º e 762º do CC, que se referem à exigência da atuação de boa-fé nos preliminares e formação do contrato, no cumprimento da obrigação e exercício do direito.
Por bons costumes haverá que entender o conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico acolhidas pelo Direito, em cada momento histórico; essas regras não estão codificadas, mas provocam consenso em concreto, pelo menos em casos-limite. Nos casos de concretização dos bons costumes encontramos um grupo que se prende com princípios cogentes da ordem jurídica e outro que se liga à moral social[29].
Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na colectividade[30].
Por outro lado, a função económica e social do direito prende-se com a sua configuração real, a apurar através da interpretação; se um direito é atribuído com certo perfil, já não haverá direito quando o titular desrespeite tal norma constitutiva[31].
Como tipos de atos abusivos encontramos referidos: o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício, sendo certo que a exceptio doli foi regredindo, tendo-se imposto os outros tipos[32].
No venire contra factum proprium a conduta social castigada pelos civilistas traduz-se de um modo geral na pretensão de alguém extinguir certa relação subjetiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer crer à parte contrária, por atos ou palavras, que não exerceria tal direito[33].
Ocorre quando alguém, por ação, dá azo a uma situação de confiança, sem que, dogmaticamente seja possível recorrer à teoria dos negócios; não se trata tanto de conseguir uma proteção, antes prevalece a necessidade de definir os termos e o âmbito de uma tutela razoável; aí, o apelo à boa fé e aos meandros da tutela da confiança constituirá uma solução excelente[34].
O ponto sensível do modelo do venire reside na deteção de facto suscetível de gerar uma situação de confiança legítima[35].
Há que ter presente que são pressupostos de aplicação do instituto de proibição de venire contra factum proprium os seguintes: 1 - situação objetiva de confiança; conduta de alguém que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; 2 - investimento na confiança (a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada) e irreversibilidade desse investimento (o dano que provocaria a conduta violadora da fides não é removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória - se esta solução satisfatória pode ser alcançada mediante um direito de indemnização, ou mediante o recurso aos preceitos sobre a gestão de negócios ou sobre o enriquecimento sem causa, não tem que intervir a proibição da conduta contrária à fides - o recurso a esta proibição é sempre um último recurso); 3 - boa-fé da contraparte que confiou e que esta tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico[36].
Relativamente à questão da inalegabilidade do vício formal é, ainda, referida por alguma Doutrina a necessidade da existência de boa-fé subjetiva por parte de quem se opõe à sua declaração – desconhecimento, quando da celebração do contrato, da necessidade da forma, e que a destruição do negócio produza efeitos “insuportáveis” para a parte contra a qual é invocado o vício[37].
Do exposto resulta, com evidente clareza, que nenhum dos Factos acima transcritos e alegados pela Apelante tem a virtualidade de integrar qualquer situação de abuso de direito, nomeadamente a invocação da limitação temporal da fiança ou nulidade da respetiva cláusula. Além do mais, onde está o criar de confiança de que a haver nulidade esta não seria invocada?
Assim, são irrelevantes esses factos para o enquadramento jurídico pretendido pela Apelante.
Nem esta pretendeu, através da sua posição manifestada nos autos e antes deste recurso, a anulação do contrato de fiança por erro sobre o objeto do negócio ou sobre os motivos (ver artigos 251º e 252º do CC), sendo certo que em recurso só podem ser apreciadas questões já debatidas nos autos, pelo que nenhum interesse têm os factos em referência para a decisão desta questão.
Além de que não ocorre a pretendida nulidade da Sentença, pois que na mesma foi apreciada esta questão (veja-se fls. 407 e 408 dos autos; fls. 11 e 12 da Sentença).
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica, acordamos em julgar procedente a Apelação, em julgar improcedente a pretensão subsidiária da Apelada, em julgar extinta a execução instaurada contra o Apelante.
Porto, 2015-06-15
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
__________
[1] - JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª ed., Lisboa, 2001, p. 189; e AC. DO S. T. J., DE 20-1-2000, CJSTJ, VIII, I, p. 47.
[2] JACQUES GHESTIN, CHRISTOPHE JAMIN e MARC BILLIAU, Traité de Droit Civil, Les Effets du Contrat, 2ª ed., L.G.D.J., Paris, 1994, p. 64; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, p. 160-161.
[3] JACQUES GHESTIN, CHRISTOPHE JAMIN e MARC BILLIAU, ob. cit., p. 65; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ob. cit., p. 161-164.
[4] Ver, quanto a esta questão o AC. DO S. T. J., de 24-10-1995, BMJ 450º, pp. 472-473.
[5] JOÃO CALVÃO DA SILVA, Concessão Comercial e Direito de Concorrência, em Estudos Jurídicos, Almedina, Coimbra, 2001, p. 196.
[6] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, Garantias de Pagamento, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 82.
[7] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 82.
[8] AC. DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 21-3-2013, www.dgsi.pt.
[9] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 83; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, II vol., 7ª ed. (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2001, p. 479.
[10] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 481.
[11] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 482.
[12] Ver a crítica feita a esta solução legal de MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 434 e 435.
[13] MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ob. cit., p. 435, nota 185.
[14] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 85.
[15] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., pp. 85 e 86.
[16] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 90, e MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ob. cit., pp. 388.
[17] MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ob. cit., p.
[18] Ver PAULO MOTA PINTO, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra, 1995, p. 496.
[19] Ver, neste sentido, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Leis do Arrendamento Anotadas, Almedina, Coimbra, 2014, p. 205.
[20] ANTÓNIO DE MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, T. I, Almedina, Coimbra, 1999, p. 197. Este Autor, já no T. IV da Parte Geral, desse Tratado, Almedina, Coimbra, 2005, p. 369, escreve: “O abuso do direito reside na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjetivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integram.”
[21] STÉPHANE DARMAISIN, Le Contrat Moral, L. G. D. J., Paris, 2000, p. 180
[22] ANTÓNIO DE MENEZES CORDEIRO, Tratado . . . e Tomo IV cits., p. 373, além da vasta Jurisprudência aí citada e, ainda, o AC. DO STJ, DE 25-11-1999, CJSTJ, Ano VII, T. III, p. 124; HEINRICH HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, p. 283.
[23] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 298; HEINRICH HÖRSTER, ob. cit., p. 282; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 73-74; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 545; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado …e IV T. cit., p. 373.
[24] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. I cits., p. 298-299; AC. DO STJ, DE 21-3-2001, CJST, Ano IX, T. I, p. 308.
[25] ANTUNES VARELA, R. L. J., Ano 127º, pp. 235-236.
[26] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e T. I cits., pp. 180 e 182, e Da Boa Fé no Direito Civil, reimpressão, 1997, p. 662.
[27] ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1989, p. 78.
[28] FERNANDO AUGUSTO CUNHA DE SÁ, Abuso do Direito, C.E.F.D.G.C.I., Lisboa, 1973, p. 172.
[29] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e T.I cits., pp. 193 e 439, e Da Boa Fé ..., cit., 1223.
[30] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. I cits., p. 299.
[31] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e T. I cits., p. 194. Ver HEINRICH HÖRSTER, ob. cit., p. 283.
[32] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e T. I cits., pp. 198-213.
[33] ANTUNES VARELA, R. L. J. citada, p. 236; ver, ainda, AC. DO STJ., DE 27-4-1999, CJSTJ, Ano VII, T. II, p. 62.
[34] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e T. I cits., p. 202, além dos vários arestos aí citados; ver, ainda, o AC. DO STJ, DE 11-3-1999, CJSTJ, Ano VII, T. I, p. 154.
[35] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e IV T. cits., p. 294.
[36] BAPTISTA MACHADO, R. L. J., Ano 118º, p. 171-172; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado e T. referidos, p. 186, e Jurisprudência por este aí citada; AC. DO S. T. J., DE 25-5-1999, CJSTJ., Ano VII, T. II, p. 117-118; AC. DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 20-3-2001, já citado.
[37] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado …, T. IV, cits., p. 305.
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SUMÁRIO –
I – Não existe dupla conforme quando o Tribunal da 1ª Instância, em consequência da declaração de nulidade da Sentença, vem a decidir em conformidade com o preconizado pelo Tribunal de Recurso na sua decisão anulatória.
II - Apesar da revogação do art. 655º do CC pelo NRAU, o preceituado no seu nº 2 continua a aplicar-se aos contratos de arrendamento anteriormente outorgados, em função do que dispõe o art. 59º, nº 1, do NRAU, em conjugação com o disposto no art. 12º do CC, não tendo esta norma caráter supletivo, mas imperativo.
III - São pressupostos de aplicação do instituto de proibição de venire contra factum proprium os seguintes: 1 - situação objetiva de confiança; conduta de alguém que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; 2 - investimento na confiança (a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada) e irreversibilidade desse investimento (o dano que provocaria a conduta violadora da fides não é removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória - se esta solução satisfatória pode ser alcançada mediante um direito de indemnização, ou mediante o recurso aos preceitos sobre a gestão de negócios ou sobre o enriquecimento sem causa, não tem que intervir a proibição da conduta contrária à fides - o recurso a esta proibição é sempre um último recurso); 3 - boa-fé da contraparte que confiou e que esta tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.

Soares de Oliveira