Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
724/14.5PBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INDEMNIZAÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RP20160914724/14.5PBVLG.P1
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 689, FLS.245-252)
Área Temática: .
Sumário: No caso de arbitramento oficioso de indemnização, pelo crime de violência domestica, a admissibilidade de recurso quanto àquela rege-se apenas pelo valor da sucumbência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 724/14.5PBVLG da Comarca do Porto, Valongo, Instância local, Secção Criminal, J2

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. No processo supra identificado, foi o arguido B… condenado, parte criminal: pela prática de, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º/1 alínea a) C Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão; um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º/1 C Penal, na pena de 3 meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa, por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova; parte cível: a pagar a C… a compensação, oficiosamente arbitrada, no montante de € 3.000,00.

I. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorre o arguido, pugnando pela redução da pena para 1 ano, ainda assim, naturalmente suspensa, bem como, pela redução do quantum indemnizatório, apresentando o que denomina de conclusões - mas que como tal não podem ser entendidas, mormente na noção comummente aceite de resumo das razões do pedido - que por essa razão aqui se não transcrevem, apenas se enunciando as questões aí incluídas e que são a de saber se, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão é desajustada, por excessiva e onerosa e, se o montante de indemnização fixado não é justo nem equitativo.

I. 3. Na sua resposta, a Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância, defendeu a improcedência do recurso, por se lhe afigurar estar a decisão recorrida, correcta e bem fundamentada, quer em termos de facto, quer de Direito, não merecendo censura.

II. Subidos os autos a esta Relação, a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta, aderindo ao teor da resposta, emitiu parecer no sentido, igualmente, da improcedência do recurso.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

III. Fundamentação.

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, a questão suscitada nos presentes resumem-se, tão só em saber se, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão é desajustada, por excessiva e onerosa e, se o montante de indemnização fixado não é justo nem equitativo.


III. 2. Vejamos.

O recurso mostra-se limitado à apreciação de questões de Direito, pelo que devemos partir da matéria de facto não impugnada, com cujo julgamento o arguido se conformou, pois que apenas questiona os critérios que presidiram à escolha e determinação da medida da pena e do quantum arbitrado a título de indemnização.
Tendo em atenção que, não se detectando os vícios previstos no artigo 410º/2 C P Penal – do conhecimento oficioso, como é sabido e assim, decidiu o STJ através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 7/95 de 19OUT - nem existindo nulidades de conhecimento oficioso, se consideram definitivamente fixados os factos dados como provados.

1. Entre datas não concretamente apuradas, mas que se sabe ocorridas entre o ano de 2005 e o mês de Junho de 2012, arguido e C…, mantiveram um relacionamento amoroso, vivendo como se marido e mulher fossem e tendo dois filhos em conjunto.
2. O arguido não se conformou com o termo desse relacionamento, nem com a postura por parte de C…, no sentido de apenas comunicarem na medida do estritamente necessário à educação daqueles seus dois filhos, razões pelas quais lhe impõe a sua presença contra a sua vontade.
3. Assim, durante os anos de 2014 e de 2015, o arguido tem vindo a surpreendê-la em locais onde sabe que a vai encontrar, nomeadamente nas escolas, piscinas e catequeses frequentadas pelos referidos dois filhos, assim como lhe tem vindo a telefonar insistentemente.
4. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida no mês de Junho de 2014, o arguido telefonou várias vezes a C…, dirigindo-lhe impropérios.
5. Assim como, no decurso de meses, lhe enviou várias mensagens escritas, a partir do seu telemóvel com o n.º ………, de entre as quais:
a. Em 06/09/14, “Dás a cona e chupas a piça a qualquer merda que se disponibilize. Matas a fome a tanta merda a troco de «amizades». Es uma galderia do mais reles que ha; esta a anos luz de puta com classe” (sic);
b. Em 06/09/14, “Larga a piça vaca e vai buscar a menina à escola” (sic);
c. Em 06/09/14, “ (…) Destruis-te a minha vida e a dos meus filhos, por seres besta (…) ” (sic);
d. Em 06/09/14, “Uma puta com classe não da a cona a calhardas de linguagem ordinária e reportorio mediocre! pelintras!” (sic);
e. Em 06/09/14, “Foi no dia cinco deste mês, pelas vinte horas, que te revelas-te quem eras! Uma puta de galderia, que se deita em varias camas! É obra! Uma puta que como hoje fode como uma vaca com varios montadores. Estou a passar dificuldades por seres o que sempre fos-te e que te esta no sangue puta de vaca! Tens que me pagar metade das despezas judiciais, desse celebre dia! Alem de lhe andares a dar a cona, foste tu que o mandaste a casa e abris-te a porta” (sic)
f. Em 10/06/14, “Faz hoje dois anos que já andavas a foder por fora (esta-te no sangue) e a tua mãezinha apareceu na tua casa com a gnr! Gritavas minha vaca que ias viver para os filhos! Na verdade metes-te de imediato em casa o montador davas-lhe a cona e chupavas-lhe a pica e tomava banho na tua piscina! Como vaca que és comecas-te a foder com outro passado algum tempo! A historia repetiu-se novamente este mês, novamente puta! Não consegues parar” (sic);
g. Em 14/06/14, “Respeita e da prioridade aos teus filhos, eles é que merecem tomar banho na «piscina». Ha! A agua nao limpa a dignidade” (sic);
h. Em 18/06/14, “Eu sei que a vaca vai ao boi e esta com pressa. Depois de montada convem ir fechar o portao de casa que esta aberto desde segunda” (sic);
i. “Estas como o peixe na agua! Dinheiro em abundancia para comprar roupas e mais roupas! Olha que podes perder os moveis! Ha! Mas para a semana vais ter de me pagares metade das custas judiciais (finais) do tribunal de valongo! Ai vais vais! Continuas estupida a dar a cona de borla! Olha que ela é finita!” (sic);
j. “Puta, ligo-te mas nao atendes. Nao te da jeito esta na visita intima, compreendo puta” (sic);
k. Em 03/07/14, “Para a semana vamos acertar as contas do tribunal. Aproveita as visitas intimas para cobrares. Nao sejas puta, nada de borla. Vais ver que os montadores nao vao ficar mto satisfeitos, mas tem que ser. Senao tocam a punheta” (sic);
l. Em 05/08/14, “C…, somos e fazemos mais gente que gosta verdadeiramente de nos infelizes! Pensa no que tem sido o caminho da tua vida!” (sic)
m. Em 07/09/14, “Es uma mentirosa compulsiva, és uma infeliz” (sic)
n. “Amanha alguém te vai perguntar: então as férias? tu respondes: muito boas, um sucesso! Puta é luta. O meu montador ensinou os meus filhos a andar de bike! Apenas lhe chupei o caralho e levei na cona! Luta é luta” (sic);
o. “Entras-te em (…) a chupar outra pica. Puta é puta” (sic);
p. Em 26/09/14, “Bem, para ti mudar de pica é uma banalidade” (sic)
q. Em 27/09/14, “Ate parece que adivinho o teu miserável comportamento!” (sic)
r. Em 27/09/14, “Os nossos filhos na sua pureza exibem os feitos «heroicos» que alcançam. Os montadores exibem-se com as fodas que dão na vaca da mãe deles” (sic);
s. Em 27/09/14, “Viva a puta” (sic);
t. Em 27/09/14, “Não tens categoria de puta fina” (sic);
u. Em 27/09/14, “Julgas-te importante, compras roupas diariamente, mas não passas de uma puta reles. Das a cona de lenjeri tigresa a indivíduos a passarem fome de cona” (sic);
v. “Ofereces aos montadores, acrescido de oferta gratuitamente de cona! És mesmo estúpida” (sic);
w. Em 18/10/14, “Amanha não dá, tenho uma vaca que vai entregar as duas crias temporariamente e eu vou tomar conta dele nesse compaço tempo. Vaca é vaca” (sic);
x. Em 18/10/14, “Tenho duas cópias, uma em cada mesinha cabeceira que me dá a conhecer a vaca que aparelhei! Uma do tribunal de Valongo, outra do tribunal de menores. A sentença será dada pelos nossos filhos aquando da leitura pelos mesmos! Não tardará!!!” (sic);
y. Em 20/10/14, “Tenho por vezes impulsos que nos prejudica. Mas tenho pela consciência que tu sabes as verdadeiras razões. Ficai bem” (sic);
z. Em 01/11/14, “Não te atrase para o «trabalho». Apanha o autocarro e não te esqueças de sair na Areosas! Faz hoje três anos que tens tido um percurso irrepreensível” (sic);
6. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida no mês de Setembro de 2014, o arguido introduziu na caixa de correio de C…, fotocópia de notícia de jornal intitulada “tinha faca escondida para matar amante” (sic).
7. Em 04/10/14, cerca das 10:00 horas, nas instalações das Piscinas F…, o arguido abordou C…, puxou-lhe os cabelos e empurrou-a para o interior do seu veículo contra a sua vontade, como consequência directa e necessária do que lhe causou dores.
8. Em 28/10/14, o arguido, usando de uma porta não fechada de um anexo, entrou na residência de C…, onde já não residia e para cujo acesso já não dispunha de chave, uma vez que esta a mesma tinha mudado a respectiva fechadura, para lavar a sua roupa na máquina ali existente.
9. Sabia o arguido que, com os descritos comportamentos, destratava a sua ex-companheira, ciente de não a poder ofender no seu corpo, de não poder atentar contra a sua honra e de não a poder atemorizar.
10. Assim como de não lhe poder impor a sua presença, física ou telefonicamente, querendo perturbá-la na sua vida pessoal e profissional, afectando-lhe a sua paz de espírito, sem razão aparente e a pretexto de qualquer motivo fútil, e determinando-lhe sentimentos de menoscabo, humilhação e desgaste psicológico, contendendo com a sua dignidade pessoal.
11. E que, ao introduzir-se na residência da mesma, onde já não habitava e conhecedor da mudança de fechadura para lhe impedir esse acesso, o fazia sem autorização e contra a vontade daquela
12. Não ignorava serem tais condutas proibidas e punidas por lei.
13. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente.
14. É solteiro; mora sozinho em casa própria, para cuja aquisição contraiu empréstimo bancário, que amortiza mensalmente no montante de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros); trabalha como guarda prisional no EP E…, percebendo vencimento de € 1.150,00 (mil, cento e cinquenta euros) por mês; amortiza um outro empréstimo, contraído para efeitos de crédito pessoal, na quantia mensal de € 50,00 (cinquenta euros); tem dois filhos menores, que residem com a progenitora C…; completou o 12.º ano de escolaridade.
15. No contexto das entrevistas e contactos realizados pelos serviços da DGRS, expressou uma marcada agitação psicomotora, com hipervigilância e ansiedade, que alternava com manifestações de sonolência, adiantando, perante a abordagem desta questão, deter há longo tempo problemas de sono, uma focalização da sua atenção e energia emocional nos problemas associados à ruptura conjugal e familiar e à preservação da dificuldade em aceitar / lidar com as perdas, o que perturba a sua concentração e afecta o seu equilíbrio emocional e comportamental; reconheceu os problemas e suas eventuais repercussões no exercício profissional e da parentalidade, admitiu necessidade de recurso a apoio psiquiátrico / psicológico, tendo comparecido a consulta de psiquiatria no Hospital D…, onde tem agendada nova comparência.
16. Parece vivenciar ainda de forma muito envolvida as circunstâncias que deram origem ao presente processo, cujo desenlace expressa aguardar com expectativa de clarificação e desfecho correspondente à sua representação dos acontecimentos; porém, se em abstracto, equaciona a validade da intervenção penal sobre factos que tipificam crimes de que vem acusado, procura, perante a sua narrativa da história da relação, salientar sobretudo os vectores de vitimização, legitimadores das condutas na interacção conjugal, no que sugere um abaixamento da capacidade crítica a este nível.
17. Apresenta um percurso de vida assinalado pelo crescimento em localidade de cariz rural e uma educação orientada para a convencionalidade social e para a autonomização, com desenvolvimento profissional iniciado em forças militarizadas, prosseguido de integração nos serviços prisionais, como guarda prisional – motorista, não conseguindo, por contingências de vida interpessoal e opção face às responsabilidades parentais, ascender ao objectivo de maior diferenciação / formação superior.
18. Aparenta um contexto afectivo-relacional conturbado desde fases precoces da sua génese, o qual se agudizou ao tempo da separação do par em 2012, reactivado numa reaproximação sucedida em meados de 2014, com evidência de dificuldades em gerir emocionalmente o processo de separação, bem como por divergências perante obrigações de ordem económica respeitantes aos descendentes.
19. É-lhe conhecido o seguinte antecedente criminal:
PCC n.º 248/05.1GBVLG – 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo – Condenação, proferida em 20/10/08 e transitada em julgado em 29/07/09, pela prática, em 19/04/05, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

III. 3. A medida da pena.

III. 3. 1. As razões do arguido.
Neste particular entende o arguido que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão é desajustada, por excessiva e onerosa e, assim se mostrando violados os artigos 40.º e 71.º C Penal.
Importa, antes do mais, esclarecer que, o que desde logo, decisivamente, está em causa é a operação de determinação das medidas concretas de cada uma das penas parcelares – atente-se que o arguido, ele próprio, expressamente refere que, “o presente recurso tem por fundamento erro na determinação da medida concreta da pena, por violação dos números 1 e 2 do artigo 71º C Penal” (única norma que tem por violada, de resto) - e, subsequentemente, da pena única determinada segundo os critérios enunciados no artigo 77º C Penal - pois, que se nenhuma crítica merecer aquela operação – e, não vindo esta, directamente (a não ser por via da procedência das críticas dirigidas àquela) colocada em causa então há que afirmar o acerto do decidido.

III. 3. 2. Os fundamentos da decisão recorrida.

Na decisão recorrida, considerou-se a propósito da determinação da medida da pena que:
“quanto ao crime de violência doméstica, consideramos ser elevadíssima a ilicitude dos factos, atenta a natureza dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora, não menosprezando, do mesmo passo, o modo de execução do crime –premeditado e reiterado –, a seriedade das suas consequências e o acentuado grau de violação dos deveres impostos ao arguido, por ter feito vítima dos seus comportamentos a sua ex-companheira. Reputamos a culpa como elevadíssima, por força do dolo directo que presidiu à conduta em apreço, inexistindo fins ou motivos que justifiquem o cometimento do ilícito, quão mais minimamente atendíveis, susceptíveis de temperar o juízo neste particular. No que tange às necessidades de prevenção geral, evidenciam-se as mesmas como elevadíssimas, atenta a frequência com que crimes como o dos autos são levados a cabo na nossa sociedade, não raras vezes impunemente, e a proporção das respectivas cifras negras; importa, assim, contribuir – com um sinal inequívoco – para a consolidação da incriminação em apreço, por forma a repor a sua credibilidade e motivar a respectiva denúncia. As necessidades de prevenção especial afiguram-se-nos elevadas, militando em seu desabono haver já sido condenado por uma vez pela prática de crime contra as pessoas, a comissão de mais do que um ilícito por referência à mesma ocasião temporal e a sua postura em Juízo, caracterizada pela demissão das responsabilidades por referência aos seus feitos, pela irreverência e pelo desrespeito, a ausência de juízo crítico para com o desvalor dos mesmos e a falta de arrependimento genuíno; em seu favor, e salvo melhor opinião, apenas haverá que considerar a sua aparentemente satisfatória integração profissional.
Quanto ao crime de violação de domicílio, entendemos ser elevado o grau de ilicitude do facto, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, neste conspecto havendo que relevar a violação em absoluto gratuita da residência alheia, espaço por referência ao qual existem fundadas expectativas de privacidade. A culpa é elevada, porquanto identificável com o dolo directo. As necessidades de prevenção geral são medianas, não se tratando de ilícito de comissão frequente, mas denotando-se uma crescente indiferença com que se encaram os direitos de outrem atinentes à esfera da respectiva intimidade. Quanto às necessidades de prevenção especial, permitimo-nos, porquanto inteiramente aplicáveis a propósito destoutro tipo de ilícito, os considerandos acima entretecidos.
Analisada, desde logo, a moldura penal legalmente cominada para o crime de violência doméstica – precisamente o mais sério de entre os ilícitos em apreço –, e depondo inequivocamente no sentido da sua gravidade, atestamos que, sem embargo da preferência pelas penas não privativas da liberdade expressa no art. 70.º do Código Penal, sequer previu o legislador a pena de multa, certamente pela sua insuficiência em face da protecção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na sociedade, finalidades mencionadas no n.º 1 do art. 40.º do mesmo Código. E, com efeito, o comportamento patenteado nos autos é sintomático do mais profundo desrespeito pelos ditames do Direito e pelas regras por que se deve pautar a convivência familiar e comunitária, assumindo contornos de gravidade que não podem ser escamoteados, perante o que não podemos entender, aliás em contra-senso com a própria lei, que a condenação do arguido numa simples pena de multa reunisse as virtualidades necessárias ao nível dos desideratos das penas. Não resta, pois, outra alternativa ao Tribunal, que não a da aplicação de uma pena de prisão. Já a moldura penal no que toca ao crime de violação de domicílio, e conquanto a sua previsão alternativa das penas de multa e de prisão, julgamos impor-se – em ambos os casos – a escolha pela pena de prisão, pecando aqueloutra por manifesta desadequação ao caso vertente, não representando, pois, “uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 119). Na verdade, o caso concreto reclama com clarividência o recurso à pena detentiva, por forma a que o arguido cogite com seriedade acerca do desvalor das suas condutas e interiorize a imperiosidade de prosseguir com a sua vida em obediência aos ditames do Direito, em causa estando comportamentos cuja autoria, em parte, veio a ser reconhecida por aquele, mas sem que lhe vislumbrássemos uma sua associação a males perpetrados na pessoa de outrem, antes se intitulando o mesmo o direito de agir nos moldes que surtiram comprovados no decurso da audiência de julgamento, ousando arrogar-se o estatuto de vítima e usando de acinte e desrespeito para com o Tribunal.
Sopesando todo o circunstancialismo previamente analisado e tendo presente o quanto se deixou dito quanto à medida da culpa e às razões de prevenção geral e especial, temos por justo aplicar ao arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, a pena parcelar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e, pela prática de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo art. 190.º, n.º 1 do Código Penal, a pena parcelar de 3 (três) meses de prisão. De harmonia com as regra que presidem à determinação da moldura penal do concurso, constantes do art. 77.º, n.º 2, conclui-se ser de aplicar ao arguido uma pena concreta que há-de oscilar entre os 2 (dois) e os 4 (quatro) meses e os 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão. Olhando ao conjunto dos factos e à sua personalidade, entendemos ser de o condenar numa pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão”.

III. 3. 3. As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º C Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o artigo 70º C Penal.
Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.
Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2 C Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[1], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”.
Mais à frente[2], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[3] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

III. 3. 4. 3. Ora, considerando a moldura penal abstracta relativamente ao crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º/1 C Penal e tendo em consideração os limites mínimos estabelecidos nos artigos 41.º/1 e 47.º/1 - prisão de 1 mês a 1 ano ou multa de 10 a 240 dias - o tribunal da 1ª instância, pelos motivos que indicou (e que o arguido não coloca aqui em causa) decidiu-se pela aplicação de pena privativa da liberdade, também, em relação a este crime, salientando, de resto, que esta pena era a única cuja aplicação estava prevista para o outro crime - de violência doméstica.

III. 3. 4. 4. Passando à 2.ª operação a efectuar, impunha-se ao tribunal fundamentar, de modo concreto, o quantum das penas, desde logo parcelares, de prisão a aplicar ao arguido.
E fê-lo, tendo em atenção os critérios previstos nos artigos 40º e 71º C Penal.
Assim, há que ter presente, quanto ao crime de violação de domicílio - o elevado grau de ilicitude do facto, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, neste conspecto havendo que relevar a violação em absoluto gratuita da residência alheia, espaço por referência ao qual existem fundadas expectativas de privacidade, a normal – e não, elevada - intensidade da culpa, porquanto identificável com o dolo directo – pois que, apesar da actuação com dolo directo, no caso, tal não se traduz, por isso, numa culpa de elevada intensidade. Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto.
De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos.
Estamos assim, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento de qualquer dos crimes - quer a nível da ilicitude, quer da culpa.
A actuação do arguido evidencia estarmos perante um quadro protótipo e de aparente normalidade na forma como estes crimes, é suposto serem cometidos; as necessidades de prevenção geral são elevadas – atinentes com a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção, a frequência absolutamente inusitada e assustadora com que acontecem este tipo de crimes - que devem, por isso, ser combatidos com a maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade e alarme sociais que causam, dada a temeridade e ousadia evidenciadas na sua prática, tendo, naturalmente, em atenção as particulares circunstâncias do caso; sendo, não, tão prementes as necessidades de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida do recorrente, apear de se notar, no conjunto que tem uma personalidade adequada aos factos que cometeu e avessa ao direito.
A que acresce, a variedade em que se consubstanciam os comportamentos do arguido, frequência e insistência ao longo do tempo por que perdurou a conduta do arguido, 5 meses com os telefonemas e mensagens escritas, a natureza das palavras, humilhantes e vexatórias dirigidas à ex-companheira e mãe dos seus 2 filhos, a agressão através do puxão de cabelos e empurrão para o interior do veículo, a causar dores, tão só, bem como afinal a forma e o contexto em que se deu a entrada no domicílio da ofendida, em que o arguido utilizou uma porta não fechada de um anexo, entrou na residência daquela - onde já não residia e para cujo acesso já não dispunha de chave, uma vez que esta a mesma tinha mudado a respectiva fechadura - para lavar a sua roupa na máquina ali existente.

Assim, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julgam-se adequadas e ajustadas cada uma das penas individuais aplicadas pela 1ª instância, já acima mencionadas.

A pretendida redução das penas parcelares mostra-se desajustada perante as circunstâncias do caso concreto e comprometeria irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.
Temos, por isso, que, as penas parcelares foram fixadas de forma criteriosa e em estrita obediência aos parâmetros legais, designadamente os previstos no artigo 71º C Penal.

III. 3. 4. 5. A pena única.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.
Se bem que o arguido precisa, directa e de forma imediata não tenha reagido contra a pena única e que o fez tão só por via da pretendida redução das penas parcelares, com fundamentos que, como vimos já, não mereceram acolhimento, sempre diremos a este propósito o seguinte.
Estabelece o artigo 77º/1 C Penal que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”.
Ora, neste caso concreto (considerando as penas parcelares em concurso), a pena aplicável (a moldura abstracta do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso - 2 anos e 7 meses de prisão - e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso – 2 anos e 4 meses de prisão, nos termos do artigo 77º/2 C Penal.
Dentro desta moldura, deve ter-se em conta, à luz das exigências gerais de culpa e prevenção, e de acordo com o n.º1 da citada disposição, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Assim, atendendo aos respectivos factos no conjunto (considerando os crimes em concurso cometidos e a gravidade global, bem como conexão entre os crimes, se bem que cometidos todos na mesma ocasião) e à sua personalidade, que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando uma certa tendência para a prática deste tipo de crimes (sendo manifesto que não é capaz de lidar com situações de crise, desânimo ou frustração, nem lidar de forma adequada com a separação da companheira), bem como a tudo o mais que acima referimos, mas agora reportado à gravidade do ilícito global (particularmente a culpa pessoal, as acentuadas exigências de prevenção geral, a gravidade global dos ilícitos, de pouca monta, o contexto em que tudo se passou, as condições de vida, a inserção social e profissional, julga-se ajustada e adequada, a pena unitária de 2 anos e 6 meses de prisão, aplicada pela 1ª instância.
Na perspectiva do direito penal preventivo, essa pena única aplicada pela 1ª instância mostra-se adequada, equilibrada e proporcionada em relação à gravidade dos factos cometidos apreciados globalmente e de forma articulada com a personalidade que evidencia, não obstante a sua idade e, condições de vida, ou por isso mesmo, de resto.
Temos, por isso, que, também aqui, a pena foi determinada criteriosamente em estrita obediência aos parâmetros legais, designadamente os previstos no artigo 77º C Penal.

Improcede, pois, a argumentação do arguido, sendo certo que não foram violados quaisquer princípios ou normas legais atinentes a qualquer das operações, de determinação das penas parcelares ou da pena única.

III. 4. A questão do quantum da indemnização.

III. 4. 1. As razões do arguido.

Neste segmento entende o arguido que o montante de indemnização fixado não é justo nem equitativo, em face da sua precária condição económica.
Insurge-se, nesta capítulo, o recorrente, contra o valor da indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela menor, fixado em € 35.000,00, que considera absolutamente exagerada e desproporcional.
Defende, o recorrente que quanto às consequências resultantes para a menor dos factos em apreço, que apesar de poderem ter surgido consequências em termos psíquicos, o mesmo já não sucedeu em termos físicos, pois que, não ficou a menor com qualquer marca física resultante de um qualquer acto praticado pelo arguido, nem tão pouco foi a mesma desflorada por qualquer forma, em virtude de não ter existido cópula, coito oral ou anal. Ao contrário desse tipo de abusos, que deixam marcas físicas e psíquicas para o resto da vida, os abusos em causa nos presentes autos, atento até o facto de não se terem verificado beijos ou uma qualquer carícia no corpo da menor, poderão apenas ter causado problemas ou dificuldades que serão ultrapassados de forma simples pela menor, no desenrolar do seu desenvolvimento enquanto pessoa, e enquanto mulher, sendo certo que, quando, de futuro, decidir iniciar a sua vida amorosa e/ou sexual, problemas alguns, por certo, persistirão.

III. 4. 2. A este propósito na decisão recorrida, expendeu-se pela forma seguinte: “percorrida a factualidade que logrou a adesão da prova, descortinou-se, desde logo que, como consequência directa e necessária dos comportamentos praticados pelo arguido, C… se deparou com sofrimento, angústia e temor, outra ilação não podendo, na nossa perspectiva, ser retirada, no confronto com as regras da experiência comum e da normalidade social, destas resultando que toda uma perseguição movida pelo arguido a despropósito, com intolerável invasão da sua vida privada, se erige como idónea a provocar os apontados sentimentos. Do mesmo modo, o uso de epítetos como os preconizados pelo arguido não pode, presentes os apontados ditames, deixar de ser considerado como altamente ofensivo da dignidade da pessoa do outro e perturbador, sobretudo nas situações em que, entre arguido e vítima, intercede uma relação como a vertente. Encontrando-se, pois, preenchidos os requisitos supra enunciados e dúvidas inexistindo quanto à operatividade do critério plasmado no art. 496.º, n.º 1 do Código Civil, deste modo estando em causa danos graves, e, em consequência, merecedores de tutela jurisdicional – sopesadas as consequências da conduta protagonizada pelo arguido, ao seu contexto e às condições de vida daquele e de C… – somos a ter por justa e adequada a fixação de uma compensação no valor de € 3.000,00”.

III. 4. 3. Dispõe o n.º 1 do artigo 82.º-A C P Penal, que não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, esclarecendo o respectivo n.º 2 que no caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório e, o n.º 3, que, a quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.
Por seu lado, nos termos do disposto no artigo 21.º/1 e 2 da Lei 112/09 de 16SET, sob a epígrafe de “direito a indemnização e a restituição de bens” à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável, pelo que há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
Donde, em sede de crime de violência doméstica, em caso de condenação e não tendo sido deduzido pedido de indemnização, a lei impõe, “há sempre lugar” o arbitramento de uma quantia à vítima a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção desta o imponham – presumindo-se a existência destas particulares exigências de protecção - só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente.
Estamos assim perante um verdadeiro e inequívoco direito a indemnização, oficiosa e obrigatória, que depende tão só, da prova de danos causados à vítima, da condenação do arguido pelo crime e da não oposição da vítima à reparação.
De resto e assim, sendo, a não fixação de tal indemnização implicará a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º/1 alínea c) C P Penal.

III. 4. 4. Cumpre realçar o seguinte a propósito da admissibilidade/possibilidade de recurso, in casu.
A alçada do tribunal da 1ª instância está fixada no valor de € 5.000,00, cfr. o disposto no artigo 44º/1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26 de Agosto.
É certo que nos movemos dentro do processo penal e que, em matéria penal, não há alçada. Este princípio, no entanto, não prejudica a aplicação das disposições processuais relativas à admissibilidade do recurso, como nos diz o n.º 2 também daquele artigo 44º.
Segundo o artigo 42.º/2 do mesmo diploma legal, os Tribunais da Relação conhecem em recurso das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais de 1.ª instância.
Dispõe o artigo 400º/2 C P Penal que, “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Esta norma, que já passou o crivo do Tribunal Constitucional, no confronto com os artigos 427.º e 432.º C P Penal, cfr. acórdãos 201/94, 508/94, 138/98 e 722/98, segundo Simas Santos in Recursos em Processo Penal, 2006, 48, “não veio ampliar a possibilidade de recurso em matéria cível, mas antes, introduzir uma importante restrição, qual seja a exigência de o valor do pedido ser superior à alçada do tribunal recorrido e a de decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada”.
São assim, dois, os requisitos cumulativos exigidos para a recorribilidade da decisão: que o valor do pedido seja superior ao da alçada do tribunal e que a decisão desfavoreça o recorrente em valor superior a metade da alçada respectiva.
Ora se é certo, que no caso, não se pode aplicar nem o primeiro nem o segundo critério ali definidos: um atinente com o valor do pedido, fazendo funcionar o princípio do dispositivo e o segundo atinente com o valor da sucumbência, não menos certo será que, a situação dos autos, de arbitramento, oficioso, de indemnização, não foi prevista pelo legislador, ao tempo, tendo sido criada posteriormente, donde se terá que fazer uma interpretação actualista da norma, de forma a que - por igualdade de razão - se possa ter a decisão recorrida como susceptível de recurso, de acordo, tão só, com o valor da sucumbência.
E, assim, no caso de condenação no equivalente a € 3.000,00, se ter como verificadas as condições de que depende o recurso no caso concreto.

III. 4. 5. Na fixação desta indemnização segue-se a regra geral contida no artigo 129.º C Penal, que por sua vez, remete para a lei civil a regulação da fixação da indemnização de perdas e danos emergentes de crime – seja para o disposto no artigo 483.º e ss. C Civil.
A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade física ou moral, artigo 70º/1 C Civil, cuja ocorrência dará lugar à responsabilização civil, naturalmente, por actos ilícitos, nº. 2 da mesma norma.
Como princípio geral da responsabilidade civil, dispõe o artigo 483º C Civil, que aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais – a que aqui está em causa - deve-se ter em consideração as normas contidas nos artigos 494º e 496º/3 C Civil.
Não se pode esquecer, na esteira de João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 630, que a indemnização por danos de natureza não patrimonial tem, predominantemente, uma natureza compensatória, sem esquecer, no entanto, a vertente sancionatória.
De harmonia com o estatuído no artigo 496°/1 C Civil, que rege sobre esta categoria de danos, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. E o seu no 3, acrescenta que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo, em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°” – grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso.
O quantum indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, sempre, “segundo critério de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito à indemnização, aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda”, cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I vol., 7ª ed., 601.
“A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”, ibidem, 602.
“A dificuldade de “quantificar” os danos não patrimoniais não pode servir de entrave à fixação de uma indemnização que procurará ser justa, correndo o risco, embora, de ser aleatória, tanto mais, que neste campo assume particular relevância a vertente da equidade”, cfr. Ac. RL de 15.12.94, in CJ, V, 135.
A reparação judicial dos danos ou prejuízos, na jurisdição criminal, quer para os danos patrimoniais, quer para dos danos não patrimoniais, deve ser determinada, quanto ao montante da indemnização, segundo o prudente arbítrio do julgador que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ele causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor.
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados, mesmo por equivalência, ou seja, não visam reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar o lesado pelas dores e também sancionar a conduta do lesante.
A norma orientadora, artigo 494°/1 C Civil fornece elementos suficientes, ao julgador. A equidade funda-se, em suma, em razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente de justiça concreta.
A reparação dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração as circunstâncias apontadas no artigo 496°/3 C Civil e deve aproximar-se quanto possível dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º C Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo Tribunal.
Equidade não é sinónimo de arbitrariedade pura e simples, mas sim um critério para a correcção do direito em ordem a que se tenha em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

III. 4. 6. Recorde-se o que nesta matéria de pertinente, vem provado, para além, naturalmente do já supra escalpelizado, atinente com a responsabilidade criminal: o arguido é solteiro; mora sozinho em casa própria, para cuja aquisição contraiu empréstimo bancário, que amortiza mensalmente no montante de € 550,00; trabalha como guarda prisional no EP E…, percebendo vencimento de € 1.150,00 por mês; amortiza um outro empréstimo, contraído para efeitos de crédito pessoal, na quantia mensal de € 50,00; tem dois filhos menores, que residem com a progenitora C…; completou o 12.º ano de escolaridade.

Neste âmbito, tendo presente a materialidade provada, não podemos deixar de ponderar que a culpa do recorrente se tem de haver, dentro daqueles parâmetros, por lata, que a sua situação económica é positiva, qualitativamente sendo considerado como pessoa remediada, que os factos se desenrolaram de modo, sistemático e duradouro ao longo de cerca de 5 meses, que as sequelas, naturais, que ficam, em termos emocionais, psíquicos e de (con)vivência com os outros, perdurarão no tempo e no espaço, vivenciados, de forma bem presente, facto a que não será alheio o quadro para-familiar, em que ofendida e o arguido têm 2 filhos em comum.
Assim, ponderando tudo isto, destacando-se a situação económica do obrigado à indemnização, tendo presente o conjunto dos factos, a sua natureza, gravidade e consequências, para a ofendida, já acima evidenciadas, com base na equidade e, no pressuposto de que “… as indemnizações, em geral, não podem ser meramente simbólicas ou miserabilistas, pois visam compensar sofrimentos e frustrações, por meio de disponibilidade de certas quantias em dinheiro e que os tribunais, conscientes da natureza irremediável de muito grande número de situações, devem proceder a uma atribuição de montantes que, dado o nível de preços existente na sociedade actual, possam proporcionar, não propriamente prazer, mas talvez algum conforto, no sentido de compensar, pelo único modo possível, perdas afectivas e outros casos de grande sofrimento”, cfr. Ac. STJ de 2.7.98, consultável no site da dgsi., tendo presente que a finalidade da indemnização por danais não patrimoniais é, não só compensar o lesado pelas dores e humilhação, mas também sancionar a conduta do lesante, afigura-se-nos justo e equilibrado o valor fixado de € 3.000,00, a título de indemnização a este título.

Donde e, em conclusão, está o recurso, assim, na sua totalidade, votado ao insucesso.

IV. DISPOSITIVO

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…, confirmando-se, por isso, a decisão recorrida na parte impugnada.

Taxa de justiça pelo arguido recorrente, que se fixa no equivalente a 5 Uc,s.

Consigna-se, nos termos do artigo 94º/2 C P Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2016.Setembro.14
Ernesto Nascimento
José Piedade
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[1] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[2] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[3] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.