Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
281/08.11TTVLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: REEMBOLSO DAS QUANTIAS RELATIVAS A PRESTAÇÕES PAGAS
BENEFÍCIO DE VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRABALHO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20190627281/08.11TTVLG-A.P1
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 295, FLS 256-262)
Área Temática: .
Sumário: I - Os tribunais de trabalho têm competência cível, em concreto, para conhecer das questões de reembolso das quantias relativas a prestações pagas em benefício de vítimas de acidentes de trabalho.
II – Esta questão e as demais a que se refere a al. d) do art. 126º, da LOSJ, constituem o objecto do processo regulado no art. 154º, do Código do Processo do Trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n° 281/08.1TTVLG-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Recorrente: B…
Recorrida: Companhia de Seguros C…, S.A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
B…, com sede na Av. …, .., … …., … 2, Suíça, por apenso ao Processo nº 281/08.1TTVLG, interpôs a presente acção declarativa comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS C…, S.A., com sede na Av. …, nº …, ….-… Lisboa, pedindo que a Ré seja condenada:
a) A pagar a quantia de CHF 112.230,00 (cento e doze mil e duzentos e trinta francos suíços), o que corresponde aproximadamente a € 98.326,62 (noventa e oito mil, trezentos e vinte e seis euros e sessenta e dois cêntimos), já paga pela CSC em francos suíços ao seu beneficiário, e na qual se encontra sub-rogada perante a Ré;
b) Quantia acrescida de juros à taxa legal desde citação e até integral cumprimento;
c) E da condenação em pagamento da sanção pecuniária acessória estabelecida pelo artigo 829.° do Código Civil para as prestações pecuniárias, de 5% ao ano.
Fundamenta o seu pedido, alegando, em síntese, que é um organismo de segurança social da Confederação Suíça que tem como missão aplicar as convenções internacionais em matéria de segurança social e gerir as prestações sociais a cidadãos que, enquanto beneficiários, apresentem interconexões com países estrangeiros.
Alega que lhe foi solicitada a concessão de uma indemnização/pensão por, D…, portador do CC n.° ……., trabalhador por conta de outrem, e seu beneficiário, o qual sofreu um acidente de trabalho a 13 de Setembro de 2007, na sequência do qual lhe foi fixada judicialmente a percentagem de 67,34% de incapacidade permanente, absoluta para o trabalho habitual, sendo que a responsabilidade pelo acidente de trabalho estava transferida pela entidade patronal do trabalhador (E…, Lda) para a seguradora aqui ré, mediante a contratação de apólice de seguro de acidentes de trabalho.
Mais, alega que a seguradora/ré aceitou a responsabilidade pelo evento, embora não tendo pago qualquer indemnização pelos danos do acidente de trabalho, suportou meramente uma pensão mensal e vitalícia de € 820,87, ao abrigo do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, aprovado pela Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro.
Alega, ainda, que na sequência daquela solicitação efectuada, pelo citado beneficiário, pagou-lhe uma pensão por incapacidade para o trabalho, pelo infortúnio de 13/09/2007, mensalmente, desde 1 de Julho de 2010 até Setembro de 2014, data em que aquela foi remida até ao momento em que esta prestação seja substituída pela pensão de velhice, tendo sido pago por este organismo, no global, a quantia de CHF 112.230,00 (cento e doze mil e duzentos e trinta francos suíços), quantia essa liquidada de forma a cumprir o seu dever legalmente estatuído e da missão pública que a ordem jurídica suíça lhe atribui.
Por fim, alega que apoiada no Direito que entende aplicável ao caso - sintetizando, o instituto da sub-rogação legal (art.° 85.° do Regulamento (CE) n.° 883/2004, e art.° 524.°, art.° 592.° e 593.° do CC) -, a B… exigiu obter da ré a quantia que despendeu com D…, tendo esta recusado o pagamento.
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Frustrada a conciliação das partes, conforme documentado na acta de fls. 31, foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem quanto à excepção da incompetência material dos Tribunais de Trabalho para conhecerem da acção que, o Tribunal “a quo” lhes comunicou ponderar conhecer oficiosamente.
Decorrido o prazo, nada disseram.
O Mº Juiz proferiu saneador, nos termos que constam a fls. 32 e ss., terminando:
«Nestes termos, e pelo exposto, julgo este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção e absolvo da instância a ré.
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Custas pela autora. Valor da acção: € 98.326,62»
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Inconformada a A. interpôs recurso, cujas alegações juntas a fls.36 e ss., terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
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A Ré respondeu nos termos das contra-alegações juntas a fls. 42 e ss., que terminou com as seguintes Conclusões:
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O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, mas não emitiu parecer, por entender estar-lhe vedada essa possibilidade.

Cumpridos os vistos legais, nos termos do disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, cumpre decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, a questão única a apreciar e decidir, sabido que este Tribunal, apenas, está obrigado a conhecer de questões e não de todos os argumentos e conclusões produzidos, consiste em saber se o Tribunal recorrido é materialmente competente para conhecer da presente acção, como defende a apelante.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que emergem do relatório que antecede.
Vejamos.
A apelante discorda da decisão recorrida, na qual se julgou o Tribunal “a quo” incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção, com fundamento no que, em síntese, se transcreve:
«A competência do tribunal constitui um pressuposto processual que resulta do facto do poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia entre si.
Aos tribunais do trabalho compete julgar, entre outras em matéria cível (e trazendo à colação apenas as normas cuja análise se congemina pode ter alguma relevância para a decisão a proferir), as questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais e as questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais (cf., nomeadamente, art.s 64.° e 65.° do CPC, art. 85.°, alíneas c) e d) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ - Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro - aquela em vigor à data de entrada da participação que está na origem dos autos principais, de qualquer forma com redacção idêntica à que agora consta da correspondente norma do art. 126.° n.° 1 al.s c) e d) da LOSJ, Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto).
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É pacífico, e tem sido reiterado pelos nossos Tribunais Superiores, que a competência do tribunal em razão da matéria se afere pelo pedido em conjugação com a causa de pedir.
Como refere a ré, e decorre do que já acima consignamos, «In casu, pretende a Autora fazer valer um direito indemnizatório sobre a Ré, que lhe advém de uma pretensa sub- rogação legal ao trabalhador D…, designadamente, por lhe ter concedido uma pensão por incapacidade para o trabalho, em decorrência do acidente cujo dever de reparação entende impender sobre a Ré».
Ora, e com o devido respeito por diverso entendimento, trata-se de uma pretensão baseada, juridicamente, em instituto do direito civil, e cuja fundamentação só tangencialmente contende com responsabilização da seguradora aqui ré pelas prestações infortunísticas no âmbito do processo de acidente de trabalho invocado pela autora.
Com efeito, está fundamentalmente em causa, na presente acção, apurar se a autora tem o direito de sub-rogação legal que invoca para ser ressarcida, pela ré, do valor das pensões que alegadamente pagou ao trabalhador/sinistrado D… por via do acidente de trabalho que este sofreu.
Não está aqui em causa cuidar da verificação do acidente, da sua caracterização como acidente de trabalho ou da responsabilização, de qualquer entidade que seja, de assegurar ao sinistrado as prestações que a lei infortunística lhe garante.
Embora na situação presente esteja subjacente a existência de um acidente de trabalho e a responsabilização da seguradora respectiva pelo pagamento de uma pensão ao sinistrado, a decisão a proferir contende com a aplicação de um regime jurídico que emerge do direito civil geral, sem qualquer especial conexão com o regime que emerge da Lei dos Acidentes de Trabalho.
(...).
Afigura-se assim que não é com base na norma da lei da organização judiciária que atribui competência material aos tribunais do trabalho para conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais que se pode arrimar a competência material destes tribunais para conhecer da presente acção.
Não se olvida que a autora veio argumentar que «A competência material resulta claramente do disposto no Decreto-Lei n° 59/89, de 22 de Fevereiro, (que disciplina a intervenção da Segurança Social no reembolso de prestações em processos judiciais), mais precisamente no artigo 1.° e seus n° 1 e 2 que, determina que "As Instituições de Segurança Social competentes para a concessão de prestações são citadas para, no prazo de contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior".
Decorre pois directamente da letra da lei, determinada em norma especial (n.° 1 do artigo 1.°), a atribuição da competência material ao tribunal que julga "pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional," competência essa determinada pela consagração da necessidade de intervenção processual das instituições de segurança social no mesmo processo.»
E mais argumentado que «Em reforço e coerência dessa regra, o n.° 1 do artigo 154.° do Código de Processo do Trabalho, prevê que "O processo destinado à efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver".
Sendo o direito de regresso da Autora face à seguradora linearmente conexo com o acidente de trabalho, pois foi este acidente o facto que esteve na origem dos pagamentos efectuados.»
E, ainda, «E não será pelo facto de, por omissão oportuna do dever legal de suscitar a intervenção da Autora no momento em que teria o direito de exigir direito de regresso sobre a Companhia de seguradora, que tal direito e regra de competência perde a sua eficácia - não, continua a ser aplicável e justifica a interposição da presente acção.
Isto é, se a Autora tivesse exercido o seu direito no momento em que foi julgado o acidente de trabalho e respectivas consequências indemnizatórias, não haveria dúvidas sobre o direito de intervenção da Autora em tal processo.»
Salvo o devido respeito, e muito é, entendemos que também não decorre dos aludidos normativos legais a competência material dos tribunais do trabalho para conhecerem da presente acção.
Em primeiro lugar, diga-se que (e compulsado o processo de acidente de trabalho) não tem razão a autora quando pretende que, nos termos do art. 1.°/2 do DL 59/89 de 22.02, deveria ter sido citada no âmbito desse processo para deduzir pedido.
Desde logo, e independentemente de outros considerandos, como o de cuidar-se se a aqui autora deve ser considerada (para efeitos de cair na previsão daquele preceito legal) "instituição de segurança social competente para a concessão das prestações", afigura-se incontroverso que (no âmbito de um processo sob a forma, especial, emergente de acidente de trabalho) só há lugar à citação prevista no mencionado preceito se os autos avançarem para a fase contenciosa, e só se avançarem para a fase contenciosa mediante a apresentação de petição inicial.
Não foi o que sucedeu, tendo a fase contenciosa sido aberta, nos termos previstos nos artigos 117.°/1 b) e 138.°/2 do CPT, pela apresentação do requerimento para realização de junta médica.
(...).
Mas mesmo que assim não fosse, e se tivesse dado o caso de a acção de acidente de trabalho ter tido uma fase contenciosa iniciada com a apresentação de uma petição inicial, e se concluísse outrossim que a ora autora deveria ter sido citada, nos termos previstos no art. 1.°/2 do DL 59/89 de 22.02, para deduzir pedido de reembolso, cumpre referir que ainda assim e a nosso ver a autora carece de razão quanto à competência material dos tribunais do trabalho para conhecer da presente acção.
É que a competência material para conhecer do aludido pedido de reembolso no âmbito de uma acção de acidente de trabalho advém precisamente daquela norma do DL 59/89, e nos termos da mesma, isto é, a competência material do tribunal do trabalho é «estendida» para este poder conhecer também do pedido de reembolso deduzido pela segurança social se e enquanto deduzido nessa acção (talqualmente, e como regra geral, no art. 91.°/1 do CPC se prevê que "O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa").
Diga-se, finalmente, que tem sido entendimento pacífico que o processo previsto no art. 154.° do CPT, "destinado à efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver" reporta-se precisamente aos processos que têm por objecto as questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais (previsão da al. d) do art. 126.° da LOSJ) - cf. Abílio Neto, Código de Processo de Trabalho Anotado, 5.a Ed., Ediforum, nota 2 ao art. 154.°, e Alberto Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalho Anotado, Coimbra Editora, Nota I ao art.° 156.° (a que corresponde, sem alteração de monta, o art. 154.° do CPT decorrente da entrada em vigor do DL 480/99 de 09.11, e que se mantém actual).
Ante tudo o exposto, concluímos que carecem os tribunais do trabalho de competência material para conhecerem da presente acção.»
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Ora, desta conclusão discorda a recorrente e, em nosso entender, com razão.
Justificando.
Pois, sempre com o devido respeito, consideramos que, na decisão recorrida, com base em argumentos hipotéticos, citações jurisprudenciais não similares com o caso, confundem-se os diplomas que conferem, eventualmente, legitimidade à A. para deduzir a presente acção e os meios processuais de que poderia socorrer-se, como sendo os que regulam a competência do Tribunal, acabando por concluir que os tribunais de trabalho carecem de competência material para conhecerem da presente acção, em nossa opinião, erradamente, porque como diz a recorrente “esmiúça-os de tal forma que lhes atribui formas e sentidos que não correspondem ao espírito da lei.”.
Efectivamente a questão, decidida e cuja revogação nos é pedida, é simples, havendo apenas que apreciar da competência material do Tribunal “a quo” e para o efeito, não importa averiguar sobre quais devem ser as partes, ou da sua legitimidade, nem da, eventual, procedência ou improcedência da sua pretensão, neste sentido, já ensinou (Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág.91).
Porque, a aferição da competência material do tribunal, deve ser efectuada com base no pedido formulado pela autora, ainda que a acção tenha sido deduzida incorrectamente, quer do ponto de vista adjectivo, quer do ponto de vista substantivo. Ou seja, o tribunal atenta a estrutura do objecto da acção constituída pela causa de pedir e pedido, nos moldes configurados pela A., afere da competência em razão da matéria. Como refere aquele autor, no mesmo lugar (citando Redenti) «afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)».
A competência material de um tribunal, enquanto medida da jurisdição que lhe é atribuída e que o legitima a conhecer de um determinado litígio, constitui um pressuposto processual que visa garantir que a decisão final é emanada do tribunal mais idóneo para o efeito.
No capítulo II, que dedica à “Organização dos Tribunais” estabelece a nossa Constituição da República, no seu art. 211º, sob a epígrafe “Competência e especialização dos tribunais judiciais” que: “1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
2. Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.”.

Por sua vez, nos termos do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art. 1º nº 2 al. a) do Código de Processo de Trabalho, em consonância com aquele preceito constitucional, depois de estipular no art. 60º nº 1 que, “A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código”, prevê no art. 64º, sob a epígrafe “Competência dos tribunais judiciais” que, “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.”. E, a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) (aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26.08), a seguir a estabelecer no art. 38º sobre a “Fixação da competência”, no nº 1 que, “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”, prossegue no art. 40º, sob a epígrafe “Competência em razão da matéria” que, “1. Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
2. A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada”, define na “Subsecção V – Secções do trabalho”, no art. 126º, sob a epígrafe “Competência cível”, que: “1. Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:
a)...
b)…
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais;
e)...”.
Transpondo o exposto par o caso e relembrando que a competência do tribunal, enquanto pressuposto processual que é, se determina pelos termos em que a Autora formula o pedido, verifica-se que, como resulta da petição inicial formulada pela Autora, esta invoca como causa de pedir (o pagamento, na sequência da solicitação que lhe foi efectuada, pelo seu beneficiário, D…, referente a uma pensão mensal, por incapacidade para o trabalho, pelo infortúnio de 13.09.2007, desde 1 de Julho de 2010 até Setembro de 2014, data em que aquela foi remida até ao momento em que esta prestação seja substituída pela pensão de velhice, tendo pago àquele, no global, a quantia de CHF 112.230,00 (cento e doze mil e duzentos e trinta francos suíços), quantia essa liquidada de forma a cumprir o seu dever legalmente estatuído e da missão pública que a ordem jurídica suíça lhe atribui. Invocando, o instituto da sub-rogação legal (art.° 85.° do Regulamento (CE) n.° 883/2004, e art.° 524.°, art.° 592.° e 593.° do CC)) e, pretende que a ré seja condenada a pagar-lhe aquela quantia, alegadamente, despendida com o referido D….
Ora, sem discussão que, os tribunais do trabalho são tribunais de competência especializada que só têm competência para conhecer de determinadas matérias, em concreto, em matéria cível, nos termos previstos no referido art. 126º da LOSJ, analisando, o pedido formulado na presente acção e o fundamento invocado pela Autora, cremos nós, ao contrário do que julgou o Tribunal recorrido, que nos termos do processo previsto no art. 154º do CPT, integrado na Secção III “Processo para efectivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho” que estipula no seu nº 1, que “O processo destinado à efectivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver.”, e o disposto na al. d) daquele art. 126º, que os tribunais de trabalho são competentes materialmente para conhecer da presente acção.
Senão, vejamos.
Nos termos desta al. d), compete aos tribunais de trabalho conhecer "das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes de prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais."
E, pese embora, não discordarmos que o pedido que a Autora pretende fazer valer nesta acção, na sequência do pagamento da pensão por incapacidade para o trabalho e o valor da remição daquela que efectuou ao seu beneficiário, sinistrado nos autos principais, ser distinto da grande parte das questões que se enquadram naquela alínea, não estando directamente em causa a discussão de questões de enfermagem ou hospitalares, o fornecimento de medicamentos, aparelhos de prótese ou ortopedia ou de quaisquer outros serviços efectuados. Ainda, assim, cremos que a mesma acolhe a situação em apreço.
Analisando, a ligação do objecto da acção com a acção emergente de acidente de trabalho apensa, verifica-se que, o que a Autora pretende é, tão só, exigir da Ré/seguradora o reembolso da quantia global da indemnização/pensão que, alegadamente, pagou ao seu beneficiário/sinistrado, com fundamento na responsabilidade assumida por aquela, através do contrato de seguro de acidentes de trabalho, celebrado entre ela e a entidade patronal do trabalhador/sinistrado.
Face ao que se deixa exposto, atento este pedido e respectivos fundamentos, só nos resta concluir que, a presente acção enquadra-se na parte final daquela al. d) “... prestações pagas em benefício das vítimas de acidente de trabalho...” e o Tribunal recorrido é competente para conhecer da mesma, neste sentido veja-se o (Ac. desta Relação de 04.06.2012, in www.dgsi.pt., subscrito pela Ex.ma Desembargadora Fernanda Soares, aqui, 2ª Adjunta).
Aliás, não se percebe, como se conclui na decisão recorrida, que tal não acontece, quando antes, no segundo parágrafo a fls. 35, se diz “que tem sido entendimento pacífico que o processo previsto no art. 154.° do CPT, "destinado à efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver" reporta-se precisamente aos processos que têm por objecto as questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais (previsão da al. d) do art. 126.° da LOSJ) - cf. Abílio Neto, Código de Processo de Trabalho Anotado, 5.a Ed., Ediforum, nota 2 ao art. 154.°, e Alberto Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalho Anotado, Coimbra Editora, Nota I ao art.° 156.° (a que corresponde, sem alteração de monta, o art. 154.° do CPT decorrente da entrada em vigor do DL 480/99 de 09.11, e que se mantém actual)”, precisamente como referimos e a seguir diz, “concluímos que carecem os tribunais do trabalho de competência material para conhecerem da presente acção.”.
Procede, assim, a apelação.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas desta secção em julgar procedente a apelação e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, concluindo-se que os tribunais do trabalho, em concreto, o Tribunal “a quo” tem competência material para conhecer da presente acção.
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Custas pela parte vencida a final.

Porto, 27 de Junho de 2019
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares