Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3958/15.1T8VNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ATUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO E JUROS
Nº do Documento: RP202209273958/15.1T8VNG.2
Data do Acordão: 09/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – É hoje pacífico que sendo os valores da indemnização por danos não patrimoniais calculados de forma actualizada, por referência à data da sentença, só serão devidos juros de mora a partir desta data.
II – Todavia não é aceitável a ideia de que essa actualização de valores se presume efectuada na sentença, a menos que essa presunção se considere ilidida pelos termos da própria sentença.
III – Assim sendo a sentença “in casu” totalmente omissa quanto à efectivação de qualquer actualização, inexiste fundamento legal para se presumir judicialmente que tenha havido actualização, e devem os juros moratórios serem fixados de harmonia com o peticionado – desde a data da citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 3959/15.1 T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2

Recorrente – Companhia de Seguros Z..., plc – Sucursal em Portugal

Recorridos – AA, BB, CC e DD

Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires



IEE e marido FF, intentaram no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia contra a Companhia de Seguros Z..., plc – Sucursal em Portugal, a presente acção declarativa com processo comum para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, pedindo que a ré fosse condenada a:
a) Pagar à autora a quantia líquida de €16.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) Pagar ao autor a quantia líquida de €13.500,00 a título de indeminização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
c) Pagar à autora a quantia global líquida de €300,00 a título de dano patrimonial, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
d) Ao pagamento, aos autores, de uma prestação mensal de ajuda a terceira pessoa, em montante não inferior a €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros), desde Agosto de 2014, até à sua morte.
Para tanto, alegram, em síntese que em virtude de acidente de viação de que foram vitimas (atropelamento), ocorrido no dia 30.10.2013, cerca das 19h, frente ao n.º ... da Rua ..., em Vila Nova de Gaia, e na passadeira para travessia de peões aí existente, ocasionado por culpa única e exclusiva do condutor do veículo automóvel, marca Fiat, modelo ..., de matrícula ..-..-ZR, propriedade de GG, HH, foram causados aos autores graves danos físicos que demandaram tratamento no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, em Vila Nova de Gaia, no Hospital ..., no Porto e outros e actualmente apresentam graves sequelas dessa mesmas lesões.
À data do acidente a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiro com a circulação do ..-..-ZR estava transferida, por contrato de seguro, para a ré seguradora.
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A ré devidamente citada veio contestar, onde aceitou a dinâmica do acidente e impugnou demais alegado, mormente os pedidos indemnizatórios que diz exagerados.
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Tendo o autor falecido na pendência da causa foram habilitados os seus sucessores: a sua viúva EE, e os seus filhos AA, BB, CC e DD.
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Foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença de onde consta: “Termos em que e pelo retro exposto se julga a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência vai a ré, condenada a - pagar à autora o montante de €9.000,00 – nove mil euros – a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
- pagar ao autor, cujo lugar nos autos está ocupado pelos que foram julgados habilitados, o montante de €7.000,00 – sete mil euros – a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
O que perfaz um montante global de €16.000,00 – dezasseis mil euros –.
Custas por ré e autora na proporção do decaimento.
Registe e notifique”.
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Já depois de proferida a sentença foram os autos informados do falecimento da autora EE, tendo-se julgados habilitados os seus sucessores já identificados AA, BB, CC e DD.

Inconformada com a tal decisão, dela veio a ré recorrer de apelação pedindo a sua revogação parcial e substituição por outra que acolha os argumentos da recorrente.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso da douta sentença do Tribunal “a quo”, que condenou a recorrente a título de danos não patrimoniais acrescido de juros à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento;
2. Salvo o devido respeito, a sentença em apreço efectuou deficiente aplicação dos artigos 496.º, 566.º e 805.º do Cód. Civil ao condenar a ré ao pagamento de juros de mora a contar da sua citação e não a contar da data de prolação da sentença.
3. Deveria a decisão sub judice ter condenado a ré ao pagamento de juros apenas a partir da data da sentença, todo conforme o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido em 9 de Maio de 2002 pelo Supremo Tribunal de Justiça (DR IA, 27.06.2002)

Não há contra-alegações.


II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
A) No dia 30 de Outubro de 2013, cerca das 19 h, frente ao número de polícia ... da Rua ..., em Vila Nova de Gaia, os autores atravessavam, no sentido sul-norte, a passadeira que, nesse local, existe para a travessia de peões.
B) No mesmo local e à mesma hora, no sentido nascente-poente, da referida rua circulava o veículo automóvel, marca Fiat, modelo ..., matrícula ..-..-ZR, propriedade de GG, o qual, nesse momento, era conduzido, por HH, com a autorização da sua proprietária, sendo que a esta data a proprietária do veículo matrícula ..-..-ZR, marca Fiat, modelo ... Panda havia transferido para a ré seguradora, Companhia de Seguros Z..., plc – Sucursal em Portugal, através de celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ..., a sua responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo.
C) Os autores iniciaram a travessia da passadeira, no sentido sul-norte e, quando se encontravam no meio da mesma, foram embatidos, violentamente, pelo veículo supra referido, doravante designado por ....
D) O embate deu-se com a parte frontal do ..., contra o lado direito do corpo dos autores e provocou a queda dos mesmos, dado terem sido projectados, pelo ar, a uma distância de cerca de dois metros.
E) Os autores ficaram imobilizados, no local, fora da passadeira até serem socorridos, pelo INEM, que lhes prestou a devida assistência e os transportou para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, a fim de serem assistidos, conforme tudo melhor consta das cópias dos documentos que se juntam e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
F) Estiveram também presentes, no local do acidente, agentes da PSP que tomaram conta da ocorrência e que procederam à elaboração da participação do acidente.
G) O local do acidente situa-se numa zona urbana, com bastante movimento de pessoas e veículos, com boa visibilidade sendo que a velocidade máxima permitida é de 50km/hora.
H) O trânsito efectua-se nos dois sentidos, com três vias, uma no sentido poente-nascente e duas no sentido nascente-poente, sendo uma delas destinada ao corredor do BUS.
I) À data do acidente o piso estava seco. Sendo certo que a referida travessia de peões não tem qualquer sinal luminoso, vulgo semáforo.
J) O condutor do ..., circulava distraído e desatento à passagem para peões e com excesso de velocidade, desrespeitando, desse modo, a obrigação de cedência de passagem para peões, não tendo cedido a passagem aos autores na travessia da passadeira.
K) Em consequência directa e, necessária, do embate, os autores sofreram diversas lesões, sendo sujeitos a vários tratamentos no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, em Vila Nova de Gaia, e no Hospital ..., no Porto.
L) Após ser socorrida pelo INEM, conforme referido supra, a autora deu entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E, cerca das 18h21, registando-se o episódio de urgência n.º ..., apresentado queixas de dor no membro inferior direito e região dorso lombar, e com traumatismo lombar.
M) Durante o referido episódio de urgência, a autora foi submetida a exames médicos, designadamente, ao tórax, RX grelha costal, coluna cervical, dorsal e lombar e bacia.
N) A autora foi medicada e teve alta médica às 23:36h do mesmo dia.
O) Posteriormente, e apesar de medicada, a autora, continuou a sentir fortes dores na zona da bacia, na zona lombar, na perna direita e no braço direito, que a impediram de estar de pé, de caminhar e de ficar mais de uma hora sentada ou deitada na mesma posição.
P) Devido à persistência das dores, a autora teve necessidade de recorrer à assistência médica, o que veio a suceder no dia 8 de Novembro de 2013, no Hospital ... do Porto, por indicação da ré.
Q) Neste hospital, a autora foi submetida a novos exames de RX, designadamente, bacia, à coluna e joelho.
R) Na sequência do resultado dos referidos exames, foi diagnosticada à autora, fractura de ramos ísquio-iliopubicos bilateralmente.
S) A autora voltou a ser medicada e a ter alta, tendo sido encaminhada para fisioterapia, cujos tratamentos decorreram entre 11.11.2013 e 05.05.2014, na F..., em Vila Nova de Gaia.
T) Durante aquele período de tempo, devido às lesões sofridas em consequência directa e necessária do acidente, a autora sofreu dores intensas, contínuas e insuportáveis.
U) E ficou com sequelas no ombro, na anca e na perna do lado direito, o que lhe provoca sofrimento e impede a sua locomoção, não sendo capaz de se levantar, andar e deslocar, sem ajuda de terceiro.
V) Antes de ser atropelada pelo ..., a autora era uma pessoa activa, saudável, alegre e expansiva, não obstante a sua idade.
W) Antes do atropelamento a autora sempre cuidou de si e da sua casa, desde executar as tarefas domésticas como engomar, confeccionar refeições para si e para o seu marido.
X) Após o acidente a autora deixou de confeccionar as suas refeições e do seu marido, cuidar da casa e fazer a sua vida normal como fazia até então, o que lhe provoca grande angústia, estando constantemente triste, desgostosa e infeliz, o que lhe traz muita aflição e revolta.
Y) Após ser socorrido pelo INEM, conforme supra referido, o autor deu entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E, cerca das 18h23, registando-se o episódio de urgência n.º ..., apresentando queixas de dor na região lombar, com tonturas.
Z) Durante o referido episódio de urgência, o autor, foi submetido a exames médicos, designadamente, ao tórax, RX grelha costal, coluna cervical, dorsal e lombar, bacia.
AA) O autor foi medicado e teve alta médica às 23:36h do mesmo dia.
BB) Em 8 de Novembro de 2013, o autor foi assistido no Hospital ... do Porto, por indicação da ré, e submetido a novos exames.
CC) Em resultado dos exames referidos, foi diagnosticado ao autor um traumatismo do ráquis e bacia, dor a mobilização das ancas, dor na coluna lombar, fractura de L2, afundamento ligeiro da plataforma superior de L1.
DD) Em 24 de Janeiro de 2014, o autor foi encaminhado para fisioterapia, mantendo grande dificuldade em deambular e se segurar sem ajuda de terceira pessoa, situação que se manteve até meados de maio de 2014.
EE) Durante o tratamento o autor sentiu continuadamente fortes dores na zona lombar, tonturas frequentes e dificuldade em se manter de pé.
FF) O autor ficou com lesões na região lombar, com diminuição da mobilidade, o que lhe confere um grande sofrimento.
GG) Antes de ser atropelado, o autor era uma pessoa activa, saudável, alegre e bem-disposto, não obstante a sua idade.
HH) O autor, até ser atropelado, sempre cuidou de si sem depender de terceiros, dedicava-se a cultivar o seu pequeno quintal, cultivando todo o tipo de hortícolas da época.
II) O autor sempre tratou da sua higiene pessoal de forma capaz e autónoma, sem precisar de ajuda de terceiros, bem como se encontrava perfeitamente capaz para conduzir.
JJ) Após o atropelamento, o autor não mais pode cultivar o seu quintal como fazia até então, nem se deslocar sem a ajuda de 3.ª pessoa, sentindo-se desgostoso e triste por ter perdido a sua independência e autonomia nas tarefas mais simples do dia-a-dia como tratar da sua higiene pessoal.


Não se julgaram provados os seguintes factos:
a) Por referência ao Facto Provado em T) a autora sofre, dores intensas, continuas e insuportáveis que se manterão para o resto da vida.
b) A autora ficou perturbada, sofrendo de pesadelos e passando a andar agitada e ansiosa.
c) Tornou-se uma pessoa desanimada, desleixada e mal-humorada, quando antes do atropelamento, e apesar da idade, era vaidosa, divertida, activa.
d) A autora, por causa das lesões sofridas no acidente, necessita de cuidados continuados e tratamentos de fisioterapia para os quais não dispõe de recursos financeiros e que a ré se recusa a assegurar.
e) A autora recorreu ao médico de família para dar continuidade aos tratamentos de fisioterapia e para se deslocar para os tratamentos de fisioterapia bem como para as consultas médicas relacionadas com aqueles tratamentos, recorre ao seu filho AA, que a acompanha aos tratamentos e consultas, e a transporta em veículo automóvel próprio, suportando uma custo médio no valor de €300.
f) Por referência ao Facto Provado em FF) «o que lhe confere um grande sofrimento».
g) Relativamente ao autor: Não sendo capaz de se levantar, andar, deslocar, ou se fazer a sua higiene pessoal sem ajuda de terceiros, situação que se manteve por mais de um ano.
h) O autor tem tonturas que lhe provocam perda de equilíbrio frequentemente, chegando a cair por várias vezes atendendo à perda de equilíbrio, pelo que, deixou de poder conduzir ou sequer se deslocar sozinho para fora de casa.
i) O autor, após o acidente, ficou emocionalmente perturbado, deixou de ter um sono profundo e repousante, passando a andar nervoso e agitado.
j) Os autores à data do acidente viviam sozinhos, na casa de ambos, fazendo a sua vida familiar e doméstica com normalidade, cuidando da sua higiene pessoal, alimentação, vestuário, lida da casa, sem depender de terceiros.
k) Os autores viram-se obrigados por causa do acidente a pedir a ajuda ao filho, AA, que, após o acidente, viu-se obrigado a ir viver junto dos autores, seus pais, a fim de lhes prestar assistência.
l) Desde então, é o filho quem cuida dos autores, 24horas por dia, dispondo do seu tempo e dedicação, privando-se da sua própria vida.
m) Os autores, em resultado das lesões sofridas pelo atropelamento, não podem mais ficar sem apoio nem sozinhos, precisam de cuidados e atenção 24 horas por dia.


III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- relativamente à indemnização pelos danos não patrimoniais arbitrada nos autos, qual o início da contagem dos juros moratórios.
*
Vejamos.
Os autores na sua petição inicial formularam o pedido de condenação da ré em indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até efectivo pagamento.
A decisão recorrida computou a indemnização por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo falecido autor FF, equitativamente, no valor €7.000,00, acrescido de juros à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento e computou idêntica indemnização por todos os danos não patrimoniais sofridos pela falecida autora EE em €9.000,00, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
Para tanto, considerou-se em 1.ª instância que: “Tem-se argumentado a natureza irreparável desses danos, além de que a compensação sempre cai em uma vasta margem de arbítrio, quase impossível de quantificar. Porém, tem-se defendido, e bem, que embora o dinheiro e as dores morais ou físicas sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante pode contribuir para atenuar, minorar e compensar os danos sofridos pelo lesado.
No domínio da responsabilidade extracontratual o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil prevê a reparabilidade dos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos. Por outra via, a gravidade há-de apreciar-se em função da tutela do direito, isto é: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
Mais, a reparação há-de obedecer a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, como aliás se nota na letra do artigo 494.º do Código Civil.
(…)
O quantum da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização – nº 3 do artigo 496.º do Código Civil – e aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
Em face dos factos provados só há uma conclusão a retirar do que vem de se dizer e da aceitação por banda da ré da responsabilidade do condutor do veículo seguro na produção do acidente: a ré tem a obrigação de indemnizar os autores pelos danos não patrimoniais.
Portanto, importa averiguar qual o montante indemnizatório a atribuir aos autores ante os danos causados nas pessoas dos autores, tendo em conta os factos provados de L) a X) e de Y) a JJ).
E, no que aos danos não patrimoniais diz respeito o n.º 3 do artigo 496.°, Código Civil manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no artigo 494.º, do mesmo diploma.
A satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante. E será ainda de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência. A efectiva compensação dos danos não patrimoniais só será alcançada se a indemnização for significativa e não meramente simbólica.
A autora computa a indemnização que tem por devida pelos danos não patrimoniais em montante não inferior a €16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros) e o autor computa a indemnização que tem por devida pelos danos não patrimoniais em montante não inferior a €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros).
Na quantificação, em concreto da compensação correspondente ao "quantum doloris" resultou, em concreto, que a autora teve um quantum doloris fixável no grau 4/7 e o autor teve um quantum doloris de 4/7.
(…)
Do cotejo dos factos provados os autores não tiveram consequências gravosas como as descritas no aresto vindo de referir, mas para a autora resultou um período de défice funcional temporário total fixável num período de 10 dias, um quantum doloris fixável no grau 4/7 e défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos, com um período de défice funcional temporário parcial sendo assim fixável num período 203 dias e o autor teve um dia de défice funcional temporário total e um quantum doloris de 4/7, com uma repercussão nas AVD de 2/7, sendo que teve um défice funcional temporário parcial de 243 dias e considerando o sofrimento dos autores resultante do acidente, repercutindo-se na sua vida diária e no desempenho da suas actividades, afigura-se merecedor de compensação para a autora no montante de €9.000 – nove mil euros – e para o autor no montante de €7.000 – sete mil euros –, montantes estes que se afiguram equilibrados, e que ora se fixa para reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos autores”.
Como se vê, a sentença, no entanto, nada referiu quanto à actualização ou não dos danos de natureza não patrimonial, fixando juros a contar da citação, tal como fora pedido.
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Dando relevo apenas a esta questão, a seguradora/ apelante sustenta que só são devidos juros de mora sobre o montante da indemnização por danos morais ou não patrimoniais desde a data da sentença, de harmonia como que resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido em 9 de Maio de 2002 pelo Supremo Tribunal de Justiça (DR, IA, 27.06.2002)
Na verdade preceituou-se no Acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2002, de 9.05.2002, (publicado no Diário da República, 1.ª Série A, n.º 146 de 27.6.2002, agora com valor de Acórdão Uniformizador), que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Esta jurisprudência uniformizadora encerrou a questão controvertida da cumulação da actualização da expressão monetária da indemnização, no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro, no sentido da inadmissibilidade da cumulação de juros de mora, desde a citação, com a actualização da indemnização, em função da taxa de inflação, tendo subjacente a consideração de que, quando o Juiz faz apelo ao princípio da restituição por equivalente, que consagra a teoria da diferença, prevista no art.º 566.º, n.º 2, atribui uma indemnização pecuniária, aferida pelo valor que a moeda tem, à data da decisão da 1.ª instância, não podendo, sob pena de duplicação, mandar acrescer a tal montante os juros moratórios devidos, desde a citação, por força do preceituado pelo art.º 805.º, n.º 3, 2.ª parte, com referência ao art.º 806.º, n.º 1, ambos do C.Civil.
Ora, é pacífico que, sendo os valores da indemnização calculados de forma actualizada, por referência à data da sentença, só serão devidos juros de mora a partir desta data, mas já não é aceitável a ideia de que essa actualização de valores se presume efectuada na sentença, a menos que essa presunção se considere ilidida pelos termos da própria sentença.
Nos termos do art.º 806.º, n.º1, do C.Civil, “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”. Ou seja, liquidada uma indemnização com a inerente condenação do responsável a pagar uma quantia em dinheiro, estamos perante uma obrigação pecuniária.
Como refere Antunes Varela, in “Obrigações”, 2.º vol., pág. l16, e RLJ, 102.º-89, in “Código Civil Anotado”, de Abílio Neto, pág. 761 “A presunção de danos causados pela mora nas obrigações pecuniárias é juris et de jure, não tendo o credor de provar nem a existência de danos, nem o nexo causal entre os danos indemnizáveis e o facto ilícito da mora, nem havendo, pois, aqui que distinguir entre juros compensatórios e juros moratórios.
Sendo que “A obrigação de indemnização por facto ilícito ou pelo risco, uma vez fixada em dinheiro, converte-se em obrigação monetária, devendo, por isso, em princípio, vencer juros moratórios, com natureza indemnizatória, desde a citação do devedor - art.ºs 806.º, n.º 1, e 805.º, n.º 3 do C.Civil.”, cfr. Ac. do STJ, de 6.07.2000, in BMJ 499-309.
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Vendo a sentença recorrida, como já acima se deixou consignado, constata-se, linearmente, que a mesma condenou a ré, por danos não patrimoniais sofridos pelos falecidos autores, fazendo reportar os juros moratórios, indistintamente, à data da citação.
Resulta da decisão recorrida que, as quantias arbitradas em 1.ª instância a título de danos não patrimoniais ou morais (no montante global de €16.000,00) se compreendem dentro dos valores peticionados, sendo que esses valores foram alcançados com recurso a juízos de equidade.
Não se desconhece, nem se menospreza, o que consta do Ac. do STJ de 30.10.2008, in www.dgsi.pt, segundo o qual “se o montante de uma indemnização for determinado através da equidade tem de se entender que esse quantitativo está actualizado”. Todavia, entendemos, com todo o respeito, que nem o âmbito, nem a fundamentação das decisões judiciais são determináveis por presunção, ou podem ser supridas por essa via. O sentido da decisão há-de ser o que resultar objectivamente da mesma, naturalmente esclarecido pela respectiva fundamentação, e esta tem ou deve de ser expressa e claramente assumida.
No caso em apreço, a sentença recorrida é omissa quanto a saber-se se operou ou não a actualização das indemnizações em causa à data da prolação da sentença. É certo que a valoração dos danos pode ser feita, ou não, de forma actualizada, sendo a actualização uma componente específica de tal processo de cálculo, pelo que entendemos que só poderá dizer-se que houve actualização dos valores da indemnização, se isso resultar inequivocamente da própria decisão. “In casu”, na decisão recorrida, nada é dito sobre essa questão, pelo que só nos resta concluir diversamente do pretendido pela seguradora/apelante, ou seja, que nenhuma actualização foi feita em 1.ª instância.
Por outro lado, é evidente que um dos factores mais relevantes para a definição do conteúdo da decisão é o pedido formulado na petição inicial, sendo em função dele que aquela há-de ser estruturada. No caso em apreço, verifica-se que aquele pedido incluía juros de mora desde a citação. Sendo certo que os valores indemnizatórios fixados estão referidos ao pedido nos termos em que foi formulado, tendo sido tão só reduzido o montante indemnizatório arbitrado relativamente ao peticionado, mantendo-se nos exactos termos a condenação em juros moratórios relativamente ao peticionado. E, tendo em conta que foi esse o pedido formulado, cfr. art.º 660.º n.º1 do C.P.Civil, e que inexiste fundamento legal para se presumir judicialmente que tenha havido actualização, e considerando que foi legítimo aos autores formular os seus pedidos nos termos em que o fizeram, a opção certa do tribunal era a valoração dos danos por referência à data da citação, adjacente à dedução do pedido, sendo a actualização subsequente suprida pela contagem de juros de mora, nos termos dos art.ºs 804.º a 806.º do C.Civil.
É pois nossa convicção que os valores da indemnização em apreço (por danos não patrimoniais) fixados na decisão recorrida não foram actualizados à data da sentença de 1.ª instância, e vencem, portanto, juros moratórios desde a citação, cfr. art.º 805.º n.º3 do C.Civil.

Improcedem as conclusões da apelante.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirmam a decisão recorrida.

Custas pela ré/apelante.


Porto, 2022.09.27
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires