Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2455/15.0T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: QUITAÇÃO
REMISSÃO ABDICATIVA
DISPONIBILIDADE
INDISPONIBILIDADE
CRÉDITOS LABORAIS
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP201703022455/15.0T8VFR.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º252, FLS.305-321)
Área Temática: .
Sumário: I - Havendo a A. declarado, após a cessação do contrato de trabalho que “(…) venho assim por esta forma declarar de que nesta data me foram apresentados e entregues para recebimento e liquidação total por via de cheque do Banco F… nº… no valor de €…, todos os m/créditos inerentes a minha curta passagem por esta empresa e c/isto, declaro de que mais nada tenho a receber.”, tal consubstancia, por parte da A., remissão abdicativa ou, pelo menos, quitação global, com o mesmo efeito, de eventuais créditos de que pudesse ser titular designadamente por virtude de alegado despedimento ilícito.
II - Após a cessação do contrato de trabalho cessa a indisponibilidade dos créditos laborais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2455/15.0T8VFR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 955)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

B…, aos 17.07.2015 litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono, instaurou contra C…, Unipessoal, Ldª, ação declarativa de condenação, com processo comum, tendo formulado o seguinte pedido:
“2.1 – Decretar-se que a Ré despediu ilicitamente a Autora, por ausência de justa causa para o despedimento e por o mesmo não ter sido precedido do competente processo disciplinar, nos termos do disposto no artigo 338º, alínea c) do artigo 381º, ambos do Código do Trabalho;
2.2 – Em virtude da cessação do contrato, ser a Ré condenada a pagar à Autora os seguintes montantes:
a) A quantia de €2.020,00 a título de compensação pelo despedimento, correspondendo ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo do contrato, acrescida dos juros vencidos à taxa legal de 4% e dos juros vincendos também à taxa legal até efectivo e integral pagamento;
b) O valor da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 391º do Código do Trabalho, a qual não poderá ser inferior a 3 anos de remuneração base e diuturnidades, e deverá ser fixada pelo menos em 30 dias de retribuição base e diuturnidades, que corresponde ao valor de €1.515,00 acrescida dos juros vencidos à taxa legal de 4% e dos juros vincendos também à taxa legal até efectivo e integral pagamento;
c) A quantia de €8.00 correspondente à diferença salarial devida pelo pagamento de retribuição inferior à remuneração mínima exigida;
d) A quantia de €669,52 correspondente à fracção proporcional das férias, considerando a duração do contrato a termo, do subsídio de férias e de natal, referentes ao tempo de duração do contrato no ano da cessação do contrato de trabalho;
3 – Ser a Ré condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, sobre as quantias peticionadas nas alíneas a) a d) do ponto 2.2, contabilizados desde a desde a data do respectivo vencimento (13.08.2014) e até integral e efectivo pagamento, que nesta data correspondem ao valor de €156,04;”.
Para tanto, alegou em síntese, que: foi admitida ao serviço da Ré aos 14.07.2014 mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo de 5 meses para o exercício de funções de operadora de costura de 2ª, tendo trabalhado até 13.08.2014, data esta em que a Ré fez cessar o contrato invocando fazê-lo no período experimental. Sendo, todavia, de 15 dias o período experimental tal como consta do contrato e tendo a cessação ocorrido após o mesmo, tal consubstancia um despedimento ilícito porque sem justa causa e sem prévio procedimento disciplinar, assistindo-lhe, nos termos do art. 393º, nº 2, al. a), do CT, o direito ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até à data da cessação do contrato de trabalho; desde logo manifestando a sua vontade de não ser reintegrada, assiste-lhe o direito à indemnização prevista no art. 391º, nºs 1 e 3, que não poderá ser inferior a 3 meses de retribuição. Tem ainda direito às férias e aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao ano de duração do contrato de trabalho conforme art. 55º da p.i.. Recebeu a retribuição de €497,00, inferior ao salário mínimo nacional de €505,00.

A Ré contestou, epigrafando a sua defesa como por “exceção” e por “impugnação”.
Sob a defesa por “exceção”, invocou: o erro na forma do processo e consequente caducidade; a prescrição; a nulidade da clª relativa ao termo aposto ao contrato de trabalho que, assim, deverá ser considerado como contrato de trabalho sem termo e, daí, que o contrato se deva ter por denunciado dentro do período experimental.
Sob a defesa por “impugnação”, alegou, em síntese, que: na sequência de faltas da A. e motivos de saúde desta, foi a A. quem, no dia 13.08.2014, comunicou à Ré que preferia ir-se embora, apenas pedindo que lhe fosse pago o que trabalhou até aí e a entrega dos “papeis para a fundo de desemprego”, o que a Ré aceitou e, para não prejudicar a A., entregou-lhe a carta relativa à “dispensa” no período experimental; no dia 19.08.2014 uma solicitadora deslocou-se à Ré, tendo referido ser o “despedimento” ilícito por estar fora do período experimental, pelo que logo a Ré, no dia seguinte, enviou à A. a carta manifestando que pretendia, então, readmiti-la e pedindo-lhe que se apresentasse na empresa logo após as férias (aos 04.09.2014), na sequência do que a A. respondeu apresentando uma versão diferente e dizendo que iniciara uma nova relação laboral e que não pretendia a readmissão; após esta troca de correspondência, no dia 08.09.2014, a A., acompanhada da referida solicitadora, foi às instalações da Ré para receber os salários e horas relativas ao mês de agosto e os proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal (art. 30), sendo que “confrontada com a declaração de que nada mais teria a reclamar da empresa, e após uma breve troca de palavras com a acompanhante, a A. assinou a declaração e nunca mais contactou por qualquer meio a Ré” (art. 32º)”, factualidade essa que demonstra que foi a própria A. que pretendeu fazer cessar o vínculo laboral, que a Ré, para não a penalizar, declarou que o fazia no período experimental, declaração que, agora e com má-fé, é utilizada pela A. (art. 33); o s.m.n. de 505€ apenas entrou em vigor em outubro de 2014; quanto aos proporcionais de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal, a A. já os recebeu aos 08.09.2015; a A. cumula indevidamente a indemnização prevista nos arts. 393º e 391º. do CT, sendo a norma aplicável aos contratos a termo a do art. 393º e, no limite, acrescida da compensação de 18 dias de retribuição a que se reporta o art. 344º do CT.
Termina concluindo que deve a “acção ser julgada totalmente improcedente, em virtude de, alternativamente se entender:
1. que o direito de acção está caduco, nos termos do n.º 1 do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho;
2. que os créditos salariais estão prescritos, nos termos do artigo 337º do Código do Trabalho;
3. que o “despedimento”, ao ter ocorrido no 30º dia de vigência do contrato, se formalizou dentro do período experimental, por se tratar verdadeiramente de um contrato sem termo;
4. que a cessação do contrato ocorreu, na verdade, por acordo entra A. e R. e em consequência, ser a R. absolvida do pedido.
Ou, em alternativa, que apenas se equaciona por mero raciocínio académico, ser a R. condenada apenas nos termos do artigo 391º do CT com os descontos das quantias já pagas a título de proporcionais e dos demais descontos previstos na lei.”
Juntou documentos, entre os quais o de fls. 53, relativo à declaração a que se reporta o art. 32º da contestação.

A A. respondeu, concluindo no sentido da improcedência das exceções do erro na forma do processo, da caducidade, da prescrição, da nulidade do contrato a termo e referindo, quanto a esta, que na contestação não se alegam as causas de tal nulidade mas que, de todo o modo, o período experimental sempre seria o de 15 dias pois que foi expressamente convencionado no contrato de trabalho escrito, nada obstando à validade da redução de tal período uma vez que inferior ao previsto na lei (de 90 dias).
Mais diz que a Ré, ainda que em sede de defesa qualificada de impugnação, invocou outra factualidade suscetível de consubstanciar defesa por exceção, designadamente ao alegar que foi a A. quem pretendeu fazer cessar o contrato e que, em face disso, a Ré simulou a causa da cessação recorrendo à denúncia e, bem assim, quando a Ré refere que a A. não considerou valores que lhe foram entregues a título de créditos salariais, pelo que, cabendo resposta, impugna a A. a factualidade alegada nos artigos, que indica, da contestação, entre os quais o art. 32º e o alegado pagamento dos proporcionais de férias e dos subsídios de férias e de natal, sendo que o pagamento a que se reporta a declaração por si subscrita se refere a horas extraordinárias e à retribuição, assistindo, todavia, razão à Ré no que concerne ao salário mínimo nacional.
Mais diz que “impugna igualmente o teor dos documentos juntos pela Ré, desde logo quanto ao sentido e alcance pretendido com a respectiva junção” (art. 44º da resposta).
Termina concluindo como na petição inicial e pela improcedência das exceções.

Foi fixado o valor da ação em €4.368,56 e proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções do erro na forma do processo, da caducidade do direito de impugnar o despedimento e da prescrição, relegando-se para final o conhecimento da alegada nulidade do contrato de trabalho a termo.

Realizou-se a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada e, após as alegações orais pelos ilustres mandatários das partes, a Mmª Juíza determinou a notificação da A. para juntar aos autos a identificação da entidade empregadora para a qual terá trabalhado após o alegado despedimento e juntar aos autos os respetivos recibos de remunerações, bem como a notificação da Segurança Social para informar se, após 14.08.2014, a A. auferiu subsídio de desemprego, havendo os mandatários das partes declarado prescindirem da reabertura da audiência bastando-se com a notificação dos documentos que venham a ser juntos e o exercício do contraditório, tudo conforme ata da audiência de julgamento de fls. 80 a 83.

A A., a fls. 85/86, veio, na sequência do acima determinado, informar que aos 01.10.2014, celebrou contrato de trabalho a termo certo de dois meses com a empresa “D…, Ldª”, para a qual, todavia, apenas trabalhou cerca de 15 dias dado a mesma haver encerrado e não ter recebido a retribuição correspondente a esses dias; após, só voltou a trabalhar em outubro de 2015 para a empresa “E…, Unipessoal, Ldª, com quem celebrou o contrato de trabalho sem termo, que juntou, e onde ainda se mantém; nunca recebeu subsídio de desemprego por não ter tido os períodos de desconto necessários.
A Segurança Social, conforme informação de fls. 94, referiu que a A. se encontra vinculada a partir de 16/02/2016 à empresa E…, Unipessoal, Ldª.
A Ré respondeu ao requerimento da A. nos termos de fls. 96/97.
A A. pronunciou-se sobre a informação da Segurança Social, concluindo no sentido de que lhe assiste “o direito e receber o valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento [comunicado no dia 13.08.2014] até à verificação do termo do contrato, [cfr. nº 2 alínea a) do artigo 393º do Código do Trabalho] conforme peticionado.”.

Foi, seguidamente, proferida sentença, na qual se decidiu da matéria de facto, julgando totalmente improcedente a ação e absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados pela A.

Inconformada, a A. veio recorrer, tendo arguido, no requerimento de interposição do recurso, nulidade de sentença por excesso de pronúncia no que toca à existência, reconhecida na sentença, de declaração negocial de remissão abdicativa.
A final das suas alegações, formulou as seguintes (e prolixas) conclusões:
“1ª - O presente recurso tem por objecto a decisão de improcedência, que considerou terem as partes subscrito declaração de remissão abdicativa relativamente aos créditos salariais peticionados nos presentes autos, considerando prejudicada a apreciação da ilicitude do despedimento promovido pela entidade empregadora, o que sucedeu mesmo se os créditos salariais peticionados são exclusivamente a compensação e indemnização que em consequência de eventual declaração de ilicitude do despedimento;
2ª - Os factos provados não integram nenhum que tenha sido alegado na contestação por parte da Recorrida, o que permite afirmar que não existe nenhum facto impeditivo do direito da Recorrente que tenha sido alegado pela Recorrida e que se deva considerar provado;
3ª - A remissão abdicativa constitui uma declaração negocial extintiva da obrigação objecto da mesma, por tal facto, a eventual existência de declaração de remissão abdicativa constituiria um facto extintivo do direito peticionado pela Autora, cuja alegação se impunha ter sido feita pela entidade empregadora – contudo, nunca a entidade empregadora alegou ter sido celebrado entre as partes declaração negocial de remissão abdicativa, sendo que a declaração à qual foi atribuída tal natureza pelo Tribunal a quo sempre foi entendida pelas partes como quitação relativamente aos valores pagos pela entidade empregadora e recebidos pela trabalhadora, tendo sido esse o sentido atribuído à declaração pelas partes;
4ª - Efectivamente, a Recorrida conclui a respectiva contestação nos seguintes termos:
“(…) deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, em virtude de, alternativamente se entender:
a) Que o direito de acção está caduco, (…);
b) Que os créditos salariais estão prescritos (…);
c) Que o “despedimento” ao ter ocorrido no 30º dia de vigência do contrato se formalizou dentro do período experimental, por se tratar verdadeiramente de um contrato sem termo;
d) Que a cessação do contrato ocorreu, na verdade, por acordo entre A. e R.”
5ª - O que decorre necessariamente da defesa por excepção e por impugnação que foi apresentada na contestação, que é a seguinte:
5.1 - Da matéria de excepção:
a) Erro na forma de processo e consequente caducidade;
b) Prescrição dos direitos reclamados;
c) Nulidade do contrato de trabalho celebrado (nulidade do termo);
5.2 - Da matéria de impugnação:
d) Cessação do contrato de trabalho por iniciativa da Autora;
e) Simulação quanto ao fundamento subjacente à cessação do contrato de trabalho (denúncia em período experimental);
f) Tentativa de readmissão da Autora no posto de trabalho, com revitalização do contrato de trabalho;
g) Pagamento dos créditos salariais (alegadamente, salário e horas do mês de Agosto, proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal);
h) Cálculo do valor da compensação e indemnização pela cessação contrato de trabalho, reivindicando a dedução dos valores já pagos;
6ª - E foi em relação a estes factos concretos que a Recorrente exerceu o contraditório, pronunciando-se quanto às diversas questões suscitadas, aliás, caso as partes tivessem celebrado entre si declaração negocial com a natureza de remissão abdicativa, obrigatoriamente, a Recorrida teria que alegar que nada mais era devido à Recorrente em virtude da mesma ter renunciado ao recebimento de quaisquer outras quantias que estivessem em dívida, impondo-se que alegasse a existência de renúncia por parte da trabalhadora de forma especificada, sendo que a tal não sucedeu - nem decorre da contestação – antes alegou a subscrição de declaração de quitação quanto às quantias por si pagas.
7ª - A remissão abdicativa constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo natureza contratual, tal como decorre do artigo 863.º, n.º 1, do Código Civil, e, como contrato que é, a “remissão” exige o necessário consenso entre as partes, não basta pois presumir a respectiva existência, tem que resultar da livre disponibilidade de quem a apresenta e de quem a subscreve – o que não sucedeu no caso concreto, nem nunca as partes atribuíram a tal declaração o sentido de remissão abdicativa, mas pelo contrário, a consideraram como quitação dos valores recebidos;
8ª – A douta sentença recorrida padece de erro na interpretação da declaração, na medida em que lhe atribuiu um sentido que nunca lhe foi dado pelas partes, nem estas o quiseram, pois a mesma não configura efectivamente uma remissão abdicativa, impondo-se que seja revogada a sentença que considerou improcedente a presente acção, o que sucedeu apenas com base na aludida remissão abdicativa, que sendo um facto impeditivo do direito da Autora, nunca foi alegado pela Recorrida, que assim, não poderá configurar sequer uma excepção impeditiva, nem o contrário resulta da contestação.
9ª - A douta sentença recorrida pronunciou-se sobre uma questão que nunca foi suscitada pelas partes (a existência de declaração negocial de remissão abdicativa), que assim nunca foi sujeita à apreciação do Tribunal a quo, o que significa que na douta sentença recorrida o Tribunal a quo pronunciou-se para além do pedido, existindo excesso de pronúncia.
10ª – Nem aliás foram alegados por parte da Recorrida factos consubstanciadores da existência de contrato de remissão abdicativa (facto extintivo de obrigações e impeditivo do direito da Autora), que não constam da contestação, nem se podem presumir.
11ª - O Tribunal ao proferir decisão está limitados pelo princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e, o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado, sendo que o princípio do pedido tem consagração inequívoca no artigo 3º, nº 1, do CPC: o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
12ª - Não obstante ser ao autor que incumbe formular e definir a pretensão, o direito que lhe assiste, sendo um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação – total ou parcial – contra si reverte, o mesmo se verifica em relação ao Réu, no que diz respeito aos factos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do Autor, ou seja, caso o Réu não actue em conformidade, alegando todos os factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do Autor, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode o Tribunal suprir tal omissão decidindo para além da defesa apresentada, pois se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença.
13ª - O excesso de pronúncia identificado nos presentes autos, em que o Tribunal a quo se pronunciou para além do alegado pelas partes e atribuiu à declaração transcrita nos factos provados um sentido nunca atribuído pelas partes, tal pronúncia determina a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615° do C.P.C., no entanto, mesmo sendo declarada essa nulidade este Venerando Tribunal não deixará de conhecer do objecto da apelação, pois existem elementos que permitem apreciar a questão de fundo sujeita à apreciação do Tribunal.
14ª - A Recorrente apresentou como pedido principal a apreciação e reconhecimento da ilicitude do despedimento promovido pela Requerida, pretendendo que o Tribunal aprecie os termos em que foi concretizado o despedimento e a confirmar-se que o mesmo não ocorreu em respeito pelas disposições legais que o regulam, pretende que seja decretado que a Ré despediu ilicitamente a Autora, por ausência de justa causa para o despedimento e por o mesmo não ter sido precedido do competente processo disciplinar, nos termos do disposto no artigo 338º, alínea c) do artigo 381º e artigo 384º, todos do Código do Trabalho;
15ª - Os únicos créditos salariais reclamados na presente acção são consequência directa do reconhecimento judicial da ilicitude do despedimento – compensação e indemnização pela concretização de despedimento ilícito – em que apenas existirá condenação nesse pagamento se o Tribunal se pronunciar pela ilicitude, não se tratando de créditos vencidos, nem os mesmos poderiam estar contemplados na declaração a que alude a douta decisão proferida, na medida em que a Recorrente não renunciou à impugnação do despedimento, consequentemente, também não renunciou ao recebimento da compensação e indemnização devidas, em consequência da declaração de ilicitude do despedimento promovido;
16ª - A Recorrente nunca aceitou que o respectivo contrato de trabalho cessou de forma válida e em respeito pelas disposições legais que regulam a cessação do contrato de trabalho, nem com a subscrição da aludida declaração pretendeu renunciar ao direito de sujeitar à apreciação do Tribunal a ilicitude da cessação do contrato, nem a declaração a que alude a douta sentença no parágrafo 6º dos factos provados tem a virtualidade de valer como renúncia ao direito de impugnar o despedimento nos moldes em que foi promovido e concretizado pela Recorrente.
17ª - O Tribunal a quo só considerou o pedido de pagamento dos créditos salariais, atribuindo-lhe um relevo autónomo, sem ter em consideração a causa de pedir, que justificou o recurso ao Tribunal, que se traduz essencialmente e exclusivamente no pedido de reconhecimento de que o despedimento promovido pela Recorrida foi feito de forma ilícita, porque omitiu o previsto nas disposições legais que o regulam, sendo o pagamento da compensação e indemnização que advém da ilicitude do despedimento uma consequência disto mesmo;
18ª - Os créditos salariais peticionados nos presentes autos são tão só uma consequência da procedência do pedido principal, que dele não se autonomizam – declaração de ilicitude do despedimento – sendo que a demonstrar-se o contrário (que o despedimento ocorreu de forma válida) – no que não se concede – a Recorrente não tem direito aos créditos salariais peticionados. Por tal facto, a declaração sob pronúncia nunca poderá entender-se como uma renúncia a este direito, nem tal se extrai do respectivo conteúdo;
19ª - Resulta da douta sentença recorrida que o único fundamento invocado pelo Tribunal a quo para atribuir à declaração o sentido de remissão abdicativa, prende-se com o facto de a mesma ter sido subscrita após o termo do contrato de trabalho, altura em que os créditos salariais se tornam disponíveis e portanto renunciáveis. Contudo, este argumento não se colocaria caso tivesse sido apreciada a requerida ilicitude do despedimento, que a ser reconhecida teria como consequência a não cessação do contrato por força do despedimento promovido e cuja validade está sob apreciação;
20ª - Sendo declarado ilícito o despedimento – questão cuja apreciação o Tribunal a quo entendeu que ficou prejudicada (que não foi apreciada, em virtude da opção pela “remissão abdicativa) – o contrato mantém-se vigente até que haja uma outra causa de cessação do vínculo, ou, em alternativa, logo que se mostre verificado o termo convencionado, cessação que assim se concretiza volvidos 5 meses após a subscrição do contrato de trabalho junto aos autos e não em 13 de Agosto 2014, como impôs a Recorrida.
21ª - A declaração de ilicitude – pedido principal e de cujo reconhecimento emergem os restantes pedidos – a confirmar-se, terá, necessariamente, impacto na data em que se produzirão os efeitos da cessação do contrato, em que a data da cessação nunca poderá ser aquela determinada pela Recorrida e em que a mesma fez cessar (ilicitamente) o contrato;
22ª - No que concerne ao sentido e alcance atribuído à declaração sob pronúncia, nunca as partes atribuíram à mesma o sentido encontrado pelo Tribunal a quo (declaração de remissão abdicativa), nem tal decorre do alegado pela Recorrida na contestação, que nunca alegou tratar-se de remissão abdicativa, aliás, nunca alegou ter existido renúncia por parte da Recorrente. De facto, foi outra a tese da Recorrida, que decorre expressamente da contestação, a saber:
a) Começou por alegar a cessação do contrato por livre iniciativa da Recorrente;
b) Que, por mútuo acordo e com a anuência da Recorrida, foi convertida numa cessação promovida pela empregadora, alegadamente para salvaguardar os interesses da Recorrida (acesso às prestações de desemprego);
c) Por último, a Recorrida optou por invocar como fundamento a denúncia dentro do período experimental (simulando a verdadeira razão para a cessação do contrato, o que alegadamente foi feito com a anuência da Recorrente, para evitar o prejuízo desta.
23ª - Apesar do valor que foi atribuído pelo Tribunal a quo ao documento, o mesmo foi impugnado pela Recorrente, que não aceitou o alcance e os efeitos que a Recorrida pretendeu atribuir ao mesmo, e resulta da prova produzida que a Recorrente apenas assinou a declaração que lhe foi apresentada porque necessitava do valor na mesma inscrito para pagar os livros e manuais escolares dos filhos, porque aproximava-se o início do novo ano lectivo e a mesma não tinha como os pagar.
24ª - O Tribunal a quo desconsiderou o contexto em que o documento foi assinado pela Recorrente, sobre o qual se pronunciou a testemunha por si indicada, cujo depoimento é revelador da falta de vontade por parte da Recorrente em assinar o mesmo, não existindo uma assinatura feita de livre vontade. Acresce que, o contexto em que foi subscrito o documento não integra os factos essenciais e constitutivos do direito da Recorrente, que assim não tinham que ser alegados pela mesma os factos concretizadores de tal contexto;
25º – Consubstanciando a aludida declaração (no sentido atribuído pelo Tribunal a quo) um facto extintivo do direito da Recorrente – como se infere da douta sentença recorrida – era à Recorrida que impunha alegar que a Recorrente assinou a aludida declaração de livre vontade e com o intuito de renunciar a quaisquer valores, incluindo aqueles que as partes não equacionaram sequer, ou seja, os que decorrem da declaração de ilicitude do despedimento e que foram peticionados – factos que nunca foram alegados, que assim não existem, nem o Tribunal pode substituir-se às partes na alegação dos factos que lhes compete, mas que não existem;
26ª – Não se tratando de factos cuja alegação coubesse à Recorrente, está alcance do Tribunal apreciar todos os factos que não sendo essenciais (aqueles cuja alegação se imponha às partes, dentro da autonomia de que beneficiam) resultem da produção da prova e cheguem ao conhecimento do Tribunal em sede de audiência de julgamento, conforme sucedeu concretamente em relação ao contexto em que foi assinado o documento e que até se encontra transcrito na motivação inserida na douta sentença recorrida - ou seja, o depoimento da testemunha indicada pela Recorrente, que entre outras coisas, se pronunciou quanto ao contexto em que foi subscrita declaração de quitação, tendo confirmado perante o Tribunal a pressão a que foi sujeita a Recorrente para subscrever tal declaração, não o tendo feito de livre vontade, mas porque era condição para receber o valor nela inscrito.
27ª - O princípio do dispositivo e da adequação formal recomendam que o Tribunal considere todos os factos instrumentais que cheguem ao respectivo conhecimento na pendência do processo e durante a realização da audiência de julgamento, que permitam complementar os factos essenciais, aqueles que já se encontram alegados pelas partes.
28ª - A assinatura da aludida declaração, nos termos em que estava elaborada, era condição para o recebimento do valor nela inscrito, pelo que, caso a Recorrente recusasse assinar tal declaração, ficaria sem receber os créditos salariais vencidos e não tinha condições económicas para fazer face à despesa dos livros – conforme aliás decorre do depoimento da testemunha indicada pela Recorrente, gravado através do sistema integrado de gravação digital “Habilus Média Studio”, disponível na aplicação informática do Tribunal, do dia 24.02.2016, minutos 10:17:00 ás 10:48:00).
29ª - De facto, tendo sido feita a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento é possível a audição dos mesmos – mesmo se não foi pedida a reapreciação da prova – mas apenas com vista à descoberta da verdade material e para melhor percepção da prova produzida e do alegado na presente motivação de recurso;
30ª - Nos termos do artigo 342.º n.º 2 do Código Civil é à Recorrida, por se tratar de um facto extintivo do direito invocado pela Recorrente, que cabe o ónus de provar os factos relativos ao modo como ocorreu a cessação do contrato, ou seja, se esta se verificou por iniciativa da Recorrente, ou conforme também alegado, por mútuo acordo, através de simulação relativamente à denúncia do contrato, fundamento inscrito na comunicação entregue à Recorrente.
31ª - Não é à Recorrente que cabe o ónus de provar que a cessação não aconteceu nos termos descritos pela Recorrida na sua contestação, tal ónus de prova pertence exclusivamente à Recorrida, que não o observou. À Recorrente, por força do n.º 1 do citado artigo, cabe-lhe somente a prova dos factos constitutivos do direito que afirma assistir-lhe e que alegou na petição inicial apresentada - cuja prova foi feita e decorre dos factos provados.
32ª - O Tribunal a quo atribuiu à aludida declaração o sentido de remissão abdicativa, tratando-se de um sentido nunca anteriormente equacionado pelas partes, o que sucedeu independentemente de qualquer prova em relação aos termos em que foi feita a subscrição.
Além do mais, a remissão abdicativa constitui uma declaração negocial, enquanto tal pressupõe a livre vontade de quem a subscreve, o acordo relativamente a essa subscrição, que não existiu no caso concreto, sendo incompatível com o contexto descrito pela testemunha, em que não existiu acordo na subscrição, antes foi assinado por ser condição para o recebimento do valor nela inscrito, por imposição, inexistindo livre vontade na sua subscrição);
33ª - A declaração nunca deveria ter sido considerada como declaração negocial de remissão abdicativa, mas antes como declaração de quitação quanto aos valores efectivamente pagos e nela inscritos, nem que seja porque nenhuma prova existiu por parte da Recorrida no sentido de considerar a mesma como remissão abdicativa. Face á ausência de prova nesse sentido, o Tribunal a quo não poderia ter presumido a remissão abdicativa e porque esse não foi o sentido que lhe foi atribuído pelas partes, nem existiu acordo na respectiva subscrição, que foi imposta à Recorrente.
34ª - O sentido atribuído pelo Tribunal a quo ao aludido documento (remissão abdicativa) não se presume, tal intenção tinha que ser alegada e demonstrada, sendo que, por tratar-se de matéria impeditiva dos efeitos pretendidos pela Recorrente, portanto, factos constitutivos da pretensão da Recorrida, cabia-lhe a alegação da existência da remissão abdicativa, facto que nunca foi alegado, nem se extrai da contestação que foi apresentada.
35ª - A existir uma declaração convencionada pelas partes a que estas atribuíssem o sentido de remissão abdicativa, teriam que ter sido alegados factos consubstanciadores de tal intenção, trata-se de factos que teriam de ser alegados pela Recorrida, porque impeditivos da pretensão da Recorrente. E caso tivessem sido alegados, por tratar-se de matéria de excepção, a Recorrente teria que exercer o contraditório em relação aos mesmos – sucede que tais factos não foram alegados, não constam da contestação, nem integram nenhum dos factos provados, circunstância que foi impeditiva do exercício do contraditório por parte da Recorrente.
36ª - À Recorrente apenas é exigível que exerça o contraditório relativamente a factos que tenham sido efectivamente alegados pela Recorrida, já não em relação a factos nunca alegados pela mesma, mas cuja alegação se impõe por serem impeditivos do direito da Autora – é exactamente o que sucede com a natureza de remissão abdicativa atribuída pelo Tribunal à declaração subscrita pela Recorrente, mas cuja existência nunca foi alegada pela Recorrida.
37ª - Nos artigos 30º a 33º da contestação é feita alusão à existência da aludida declaração, tais artigos integram a defesa por impugnação e dos mesmos decorrem os seguintes factos:
a) Foi convencionada a deslocação às instalações da Ré para pagamento dos créditos salariais vencidos, expressamente identificados no artigo 30., a saber: os salários e horas relativos mês de Agosto e os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal;
b) A deslocação da Autora às instalações acompanhada da solicitadora (confirmando-se a respectiva qualidade de testemunha presencial dos factos);
c) Identificação da natureza da declaração: quitação dos valores pagos, tratando-se de declaração “(…) que nada mais teria a reclamar da empresa,” (que contraria o sentido atribuído pelo Tribunal a quo de tratar-se de remissão abdicativa);
d) Foi a Autora que quis cessar o respectivo contrato;
e) A Ré para não penalizar Autora em relação ao fundo desemprego declarou ser sua a iniciativa da cessação contrato, dentro do período experimental (simulação quanto ao motivo subjacente à cessação contrato);
f) Negação da existência de despedimento ilícito
38ª – Nenhum dos factos agora indicados foi considerado provado, não foi feita nenhuma prova relativamente aos mesmos, sendo que da análise dos mesmos decorre que a Ré, aqui Recorrida nunca atribuiu à declaração o sentido de remissão abdicativa, mas apenas e tão só, constitui quitação dos valores pagos e expressamente identificados no artigo 30 da contestação. Aliás, na tese da defesa apresentada pela Ré nunca a Autora teria direito a quaisquer outros valores porque fez cessar por livre iniciativa o contrato de trabalho. Tese que não logrou demonstrar, nem está reflectida nos factos provados.
39ª - O documento transcrito na douta sentença recorrida consubstancia um mero recibo de quitação, elaborado nos termos do disposto no artigo 787º do Código Civil, mais não é do que um documento em que o credor declara ter recebido a prestação que lhe é devida, constituindo uma simples declaração de ciência certificativa do facto de que a prestação foi cumprida pelo devedor e recebida pelo credor. Que no caso concreto se reporta tão simplesmente aos créditos identificados no artigo 30 da contestação, sendo esses que a entidade empregadora considerou estarem em dívida e se propôs pagar – nem é feita alusão a quaisquer outros créditos eventualmente em dívida, nem a Recorrente renunciou ao reconhecimento da ilicitude do despedimento, nem à compensação que emerge de tal reconhecimento.
40ª - Decorre do artigo 863º do Código Civil, que se dá a remissão abdicativa, quando o credor, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia. Trata-se de um acordo livre de vontades, que pressupõe a livre vontade de subscrição e não a imposição sob pena de não receber o valor a que na mesma seja feita referência.
41ª - Da simples leitura da aludida declaração é apenas possível extrair uma afirmação genérica e abstrata dos valores pagos à Recorrente, cuja leitura atenta não permite concluir que a Recorrente está a abdicar dos créditos a que tem direito, pelo contrário, a mesma declara que lhe foram apresentados e entregues “todos m/os créditos …. E nada mais tem a receber”, sendo que o único sentido que é possível atribuir a esta declaração é o de declarar que recebeu tudo o que lhe foi pago, no valor declarado, que veio a ser concretizado na referência que é feita aos créditos liquidados no artigo 30 da contestação.
42ª – A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342º, 344º, 863º, todos do Código Civil, e os artigos 3º, 547º, 552 e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, todos do Código Processo Civil, pelo que se impõe a revogação da sentença proferida, decretando-se a respectiva nulidade por excesso de pronúncia, se assim não se entender, ser revogada e substituída por outra que aprecie a alegada ilicitude do despedimento promovido pela Recorrida, considerando que tal despedimento foi ilícito, e consequentemente, condene a Recorrida no pagamento da compensação e indemnização que decorre dessa mesma declaração de ilicitude”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

A Exmª Juíza, aquando do despacho de admissão do recurso, pronunciou-se sobre a alegada nulidade de sentença, no sentido da sua inexistência.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância[1]

Factos Provados
1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 14 de Julho de 2014, tendo sido subscrito entre as partes contrato escrito de trabalho a termo certo.
2. Desde a data da celebração do contrato a Autora exerceu as suas funções por conta, sob autoridade e sob direcção da Ré, o que sucedeu ininterruptamente, desde a respectiva admissão e até ao dia 13 de Agosto de 2014.
3. Tendo sido contratada com a categoria profissional de operadora de costura de 2ª, auferindo a retribuição mensal de € 497,00 (quatrocentos e noventa e sete euros).
4. A autora padecia de problemas de saúde.
5. No dia 13.08.2014 a Ré entregou em mãos à Autora uma comunicação a formalizar por escrito o final do contrato, donde consta que considera tratar-se do termo do período experimental e ainda, foi-lhe entregue a declaração de situação de desemprego.
6. A autora assinou Declaração datado de cujo documento respectivo se encontra nos autos e nos seguintes termos:
“Para os devidos efeitos, eu, B…, funcionária da empresa C… Unip.Lda desde 14/17/2014 na função de operadora de costura de 2.ª, usufruído um vencimento base mensal de 497 euros, venho assim por esta forma declarar de que nesta data me foram apresentados e entregues para recebimento e liquidação total por via de cheque do Banco F… nº… no valor de €…, todos os m/créditos inerentes a minha curta passagem por esta empresa e c/isto, declaro de que mais nada tenho a receber.
Por ser verdade tal afirmação, subscrevo
(assinatura)
Fornos, 08 de Setembro de 2014”
Factos Não Provados
Dos articulados não se provou a seguinte factualidade:
a) Por este facto pediu autorização à Ré para não comparecer ao trabalho no dia 4 de Agosto e ausentar-se na manhã do dia 5 de Agosto de 2014 para realização dos mesmos.
b) A Ré aceitou este pedido e autorizou a não comparência da Autora nos referidos dias, que entregou a competente justificação médica quando regressou ao trabalho.
c) No dia 13 de Agosto de 2014 a Autora foi contactada pessoalmente pela Ré, que lhe comunicou a intenção de colocar termo ao contrato de trabalho, invocando como fundamento para a respectiva decisão que estava em curso o período experimental e que não pretendia dar continuidade ao contrato de trabalho.
d) Por decisão exclusiva da Ré e a pedido desta, no dia 10.07.2014, portanto, em data anterior à assinatura do contrato de trabalho (14.07.2014), a Autora começou a trabalhar ao serviço da Ré e nas instalações desta, de quem recebeu ordens.
e) no dia 14 de Julho de 2014 a Ré comunicou à Autora que os dias anteriores correspondiam ao período experimental, que considerava cessado naquela data, tendo então ocorrido a assinatura do contrato de trabalho a termo.”.
*
Porque provado documentalmente, dá-se ainda como provado o seguinte, para o que se aditam os nºs 7 e 8:
7. A Ré enviou à A. a carta, datada de 20.08.2014, que consta do documento que constitui fls. 43/44 dos autos.
8. A A., em resposta a tal carta, enviou à Ré a carta, datada de 28.08.2014, que consta do documento que constitui fls. 46/47 dos autos.
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi da Lei e 1º, nº 2, al. a), do CPT/2009).
São, assim, as questões suscitadas:
a) Nulidade da sentença;
b) Inexistência de remissão abdicativa;
c) Em caso de procedência da questão referida em b), da ilicitude do despedimento e suas consequências.

2. Da nulidade da sentença

Invoca a Recorrente a nulidade de sentença por excesso de pronúncia, para tanto alegando, em síntese das suas longas conclusões, que a remissão abdicativa constitui matéria de exceção que não foi alegada pela Ré na contestação, pelo que a sentença recorrida, ao dela conhecer, incorreu na alegada nulidade (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013).
A Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 77º, nº 1, do CPT.

2.1. A Mmª Juíza, sobre a arguida nulidade, referiu o seguinte:
“Quanto à nulidade invocada pela A. a fls. 113, consistente em excesso de pronúncia, subsumível à alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC:
À luz da parte final do nº3 do artigo 77º do CPT, impõe-se tomar posição.
Ressalvado o devido respeito por diferente opinião, não se nos afigura que ocorra tal nulidade, pois que, à luz do disposto no artigo 5º, nº3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pelo que era lícito ao tribunal qualificar juridicamente a declaração junta aos autos.”.

2.2. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, que é nula a sentença quando o juiz “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
A omissão e excesso de pronúncia consistem em, respetivamente, o juiz não se pronunciar sobre questões sobre as quais se devesse pronunciar ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento. Tais vícios prendem-se com o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC, nos termos do qual, por um lado, o juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, salvo aquelas cuja decisão deva considerar-se prejudicada pela solução dada a outras e, por outro, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, nesta se subsumindo o excesso de pronúncia.
A nulidade relativa ao excesso de pronúncia é corolário do principio do dispositivo, nos termos do qual o tribunal, salvo as questões de conhecimento oficioso, não poderá resolver conflitos de interesses sem que essa resolução lhe seja pedida pela parte (art. 3º, nº 1, do CPC/2013). Importa também ter presente que o objeto da ação é delimitado, no que ao autor se reporta, pelo pedido e causa de pedir e, no que ao réu se refere, pela defesa apresentada, não podendo o juiz ir além das questões que as partes lhe suscitem. Diga-se que toda a defesa deve ser deduzida na contestação [art. 573º, nº 1, do mesmo], nesta devendo o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, bem como expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, as quais deverão ser especificadas separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação [art. 572º, als. b) e c)].
É, todavia, de realçar que, nos termos do art. 5º, nº 3, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, estando apenas o juiz adstrito aos factos alegados pelas partes, salvo aqueles de que poderá conhecer nos termos do art. 5º, nº 2 e 412º do CPC/2013.

2.2.1. No caso, a sentença recorrida absolveu a Ré dos pedidos formulados pela A. considerando verificada a exceção da remissão abdicativa da A. atenta a declaração desta emitida aos 08.09.2014 e que consta do nº 6 dos factos provados.
Na contestação, é certo, o Réu invocou expressamente determinadas exceções (de que demos conta no relatório), não tendo, expressamente, invocado a remissão abdicativa, a qual, sendo causa de extinção do direito, consubstancia efetivamente defesa por exceção. Mas, diga-se, essa omissão de dedução especificada, em separado, não constitui impedimento à sua apreciação pelo Tribunal, uma vez que a consequência é, nos termos do art. 572º, al. c), do CPC a de, tão só, não se poderem ter os factos como admitidos por acordo por falta de impugnação.
Por outro lado, na contestação (art. 32º), a Ré alegou que a A. foi confrontada com a declaração “de que nada mais teria a reclamar da empresa”, a qual assinou, declaração essa que a Ré juntou com a contestação, a fls. 53.
Pese embora a Ré não haja enquadrado juridicamente o assim alegado, havendo todavia invocado tal facto e juntando a respetiva declaração, está o tribunal habilitado a conhecer desse facto, porque alegado, bem como a interpretá-lo e enquadrá-lo juridicamente, dele retirando a respetiva consequência (no caso, a remissão abdicativa), a qual mais não consubstancia do que a aplicação do direito ao facto alegado, o que é consentido pelo art. 5º, nº 3, do CPC.
Não se nos afigura, assim, que tenha sido cometida a arguida nulidade de sentença por excesso de pronúncia, deste modo improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.

3. Previamente à apreciação da 2ª questão (inexistência de remissão abdicativa), importa referir o seguinte tendo em conta o que consta das conclusões 26ª a 29º do recurso, em que a Recorrente faz alusão ao contexto em que foi elaborada a declaração referida no nº 6 dos factos provados, para concluir, com base num depoimento testemunhal que invoca, que a mesma se ficou a dever a “pressão” a que foi sujeita para que a assinasse pois que, se o não fizesse, não receberia a quantia nela referida, quantia essa de que necessitava para fazer face a encargos escolares.
Mais diz que o” princípio do dispositivo e da adequação formal recomendam que o Tribunal considere todos os factos instrumentais que cheguem ao respectivo conhecimento na pendência do processo e durante a realização da audiência de julgamento, que permitam complementar os factos essenciais, aqueles que já se encontram alegados pelas partes.” E que “ tendo sido feita a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento é possível a audição dos mesmos – mesmo se não foi pedida a reapreciação da prova – mas apenas com vista à descoberta da verdade material e para melhor percepção da prova produzida e do alegado na presente motivação de recurso”.
As conclusões do recurso delimitam o seu objeto e, por consequência, as questões de que a Relação poderá conhecer.
A Relação apenas conhece em sede de matéria de facto se lhe for requerida a reapreciação da decisão da matéria de facto quanto a pontos concretos da decisão proferida pela 1ª instância de que o Recorrente discorde e que pretenda que sejam dados como provados, como não provados ou que devam merecer resposta diferente. Deverá, pois, o Recorrente, de forma clara, requerer essa reapreciação e deverá também indicar nas conclusões os concretos factos de cuja decisão discorda e a resposta que entende que sobre os mesmos deverá recair (art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC/2013).
No caso, pese embora a Recorrente aluda ao contexto da emissão da declaração em causa, refere que “tendo sido feita a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento é possível a audição dos mesmos – mesmo se não foi pedida a reapreciação da prova – mas apenas com vista à descoberta da verdade material e para melhor percepção da prova produzida e do alegado na presente motivação de recurso”. Ou seja, a Recorrente não requereu, nas conclusões do recurso, a concreta reapreciação da decisão da matéria de facto, sendo que o Tribunal, independentemente da existência de tal pedido e à sua margem, não deve, nem pode, proceder à audição das gravações “para descoberta da verdade material”.
Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre estaria a Relação impedida de proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto tendo por objeto o “contexto” em que foi emitida a declaração em causa, mormente a alegada “pressão”.
Com efeito, tal invocação consubstanciaria vício da vontade suscetível, na perspetiva da recorrente, de inquinar a validade da declaração em causa, sendo que este não foi invocado nos articulados, não tendo, a factualidade agora em questão sido alegada pela A., designadamente na resposta à contestação. Diga-se que, havendo a declaração sido invocada na contestação e com ela junto o documento respetivo, poderia e deveria a A., na resposta à mesma, ter alegado os factos integrantes do vício que vem agora invocar, factos esses que, diga-se, não consubstanciam meros factos instrumentais, mas sim factos essenciais, verdadeiramente integrantes do alegado vício da vontade que, a verificar-se e na perspetiva da Recorrente, inquinariam a validade dessa declaração. Para além de que a possibilidade conferida pelo 72º do CPT, de conhecimento de factos novos não alegados, está circunscrita à 1ª instância, até ao momento das alegações orais, como decorre desse preceito, mormente do seu nº 4.
Ou seja, serve isto para dizer que não se poderá, no que se reporta ao alegado vício da vontade, proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, deste modo improcedendo as mencionadas conclusões, assim como as demais que têm como objeto a alegação de vício da vontade suscetível de inquinar a validade da declaração da A. consubstanciada no documento de fls. 53, referido no nº 6 dos factos provados.

4. Da inexistência da remissão abdicativa

Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Urge desde já apreciar os efeitos decorrentes da Declaração constante dos autos e no seguimento da qual a autora declarou o seguinte:
“Para os devidos efeitos, eu, B…, funcionária da empresa C… Unip.Lda desde 14/17/2014 na função de operadora de costura de 2.ª, usufruído um vencimento base mensal de 497 euros, venho assim por esta forma declarar de que nesta data me foram apresentados e entregues para recebimento e liquidação total por via de cheque do Banco F… nº… no valor de €…, todos os m/créditos inerentes a minha curta passagem por esta empresa e c/isto, declaro de que mais nada tenho a receber.
Por ser verdade tal afirmação, subscrevo
(assinatura)
Fornos, 08 de Setembro de 2014”
Ora, a declaração subscrita pela A. deve ser interpretada com o sentido que uma pessoa normal lhe atribuiria, de acordo com a teoria da impressão do destinatário consagrada no art. 236º, nº 1, do Cód. Civil.
E, assim sendo, cumpre constatar que a mesma revela, antes de mais, um acordo com a R. (quanto à contabilização global dos créditos vencidos até ao fim do vínculo laboral); depois, um reconhecimento da A. de recebimento desses créditos; e ainda, um reconhecimento da A. de que não tem a haver qualquer outro crédito da R. e, como se frisa no documento, “nada mais tem a receber”.
Para a interpretação integral do acordo que se retira da dita declaração, o tribunal tem que socorrer-se de todas as circunstâncias susceptíveis de esclarecer o que era pretendido pelas partes, sendo que, tratando-se de negócio formal, valerá o sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto - cfr. o art. 238º, nº 1, do Cód. Civil. O sentido correspondente ao texto documento é manifesto e claro e não admite muitas alternativas, não nos restando dúvidas quanto ao seu sentido e alcance.
Entende este tribunal, na senda da jurisprudência maioritária, que as declarações dos trabalhadores no sentido de “nada mais lhes ser devido” ou sentido equivalente, quando emitidas na vigência do contrato, provam apenas o recebimento das quantias que referem, sendo ilegítimas extrapolações além disso.
Tais documentos não são elaborados pelos subscritores mas pelas beneficiárias da declaração e na vigência dos contratos, encontrando-se o trabalhador no quadro de influência da autoridade patronal, com todas os efeitos e tais documentos são elaborados e surgem no decurso de todo um processo negocial com o trabalhador no sentido da sua desvinculação, a culminar em pressões de vária ordem.
Em tais circunstâncias, o trabalhador, necessitado do dinheiro, acaba por assinar tal tipo de declarações.
Diferente é, porém, a situação dos autos.
Estamos aqui face a uma declaração subscrita após o termo da relação laboral e em acerto final de contas, aceitando a autora a totalidade dos créditos pagos pela R. e declarando nada mais ter a receber, o que se traduz, em relação a quaisquer outros eventuais créditos, numa clara vontade de remissão abdicativa, nos termos e com os efeitos do artigo 863º, nº 1, do Cód. Civil.
A remissão é um contrato, implicando, como qualquer outro, uma aceitação que neste caso está reflectida na assinatura do referido documento pela própria autora, facto confirmado pela filha da mesma em audiência.
Certo é que o referido normativo não exige aceitação expressa por parte do destinatário da declaração, podendo pois a aceitação deduzir-se de circunstâncias que, com probabilidade, a revelem – cfr. 217º do Cód. Civil.
Não obstante os créditos laborais serem irrenunciáveis ou indisponíveis durante a vigência do contrato de trabalho já não o são após a sua cessação, conforme resulta do disposto, em matéria de prescrição, no actual art. 337º do Cód. Trabalho (antigo art. 381º do C.T. de 2003 e art. 38º da L.C.T.) e conforme vem sendo entendido, numa interpretação alargada desse(s) preceito(s), pela jurisprudência (cfr., entre outros, os Acórdãos do Sup. Trib. Justiça de 26/09/90, de 14/02/91, de 6/07/94, de 18/03/98, de 12/05/99 e de 3/03/05, in Acs. Dts. nº 349, p. 132, B.M.J. nº 404, p. 303, Quest. Laborais 3º, p. 178, CJSTT 1998, I, p. 284, Acs. Dts. nº 458, p. 268, e www.dgsi.pt., proc. 3154/04 da 4ª Sec., respectivamente).
Ora, no caso, é manifesto que a A. subscreveu e assinou o documento de remissão após cessar a sua prestação laboral, pelo que nada obsta, sob esse aspecto, à validade do acordo.
Por outro lado e ainda que o A. tivesse a convicção, na altura da subscrição, de que não tinha direito a outras quantias e só posteriormente tenha constatado que não era assim, também tal circunstância não obsta à validade e eficácia da declaração face à teoria da impressão do destinatário que foi adoptada no art.º. 236º do Cód. Civil; (cfr. Acórdão do S.T.J. de 25/05/2005, com o nº SJ200505250004804, in www.dgsi.pt). Tal teoria assenta Ligia Castro (05-01-2017 09:52:27) Página 197 de 329 numa interpretação objectiva, segundo a qual “a declaração negocial vale em função da vontade que foi exteriorizada”.
Face ao exposto e de acordo com a declaração/ acordo documentado nos autos, a A. renunciou, validamente, a outros eventuais créditos, sem distinção, incluindo os emergentes do próprio despedimento, como é o caso das retribuições e indemnizações peticionadas pela ilicitude daquele (cfr.Ac. R.P. de 15/5/06, www.dgsi.pt/jtrp.nsf, processo nº 0516962, e o Ac. R.P. de 8/5/06, www.dgsi.pt/jtrp.nsf, processo nº 0542317, onde se refere:
“… Por outro lado, como é sabido a anuência da recorrente resulta da natureza da própria declaração constante do doc de fls. 17/63, porquanto como vem sendo decidido pelo STJ, tal tipo de declarações é normalmente emitido aquando do acerto de contas na sequência da cessação do contrato de trabalho.
O empregador paga determinadas importâncias exigindo em troca a emissão daquela declaração, a fim de evitar futuros litígios; por sua vez, o trabalhador aceita passar essa declaração em troca da quantia que recebe, evidenciando-se, assim, um verdadeiro acordo negocial de interesse para ambas as partes. [-Acórdãos de 12.05.1999, CJ.VII-2-281, e de 24.11.2004, P. 04S2846, no respectivo sitio da internet]…”.
Conclui-se assim que o direito da A. às quantias que peticiona extinguiu-se com a remissão abdicativa que subscreveu.
É ainda de reiterar que a A. não estava já, na altura em que subscreveu a declaração de remissão, sob a dependência ou influência da entidade patronal, pois que esta pusera já termo ao contrato. E, assim sendo, não se compreende qualquer alegação da existência de pressões para que a A. assinasse a dita declaração. Ao invés, tendo sido despedida (contra a sua vontade), até seria normal que a A. tivesse maiores cautelas na subscrição de qualquer documento que a ex-entidade patronal lhe desse para assinar.
Acresce que a remissão está prevista no Capitulo VIII do Título I do Livro II do Cód. Civil como uma das “causas de extinção das obrigações”, sem distinguir entre obrigações pecuniárias ou outras. Como tal, tem de se concluir que aquela é uma causa de extinção de direitos em sentido amplo, incluindo direitos a prestações não pecuniárias. Essa é, com efeito, a interpretação imposta pelo elemento sistemático a que alude o art. 9º, nº 1, do Cód. Civil.”.

Do assim decidido discorda a Recorrente invocando para o efeito a prolixa argumentação constante do recurso, incluindo das suas conclusões, de que se destaca e se sintetiza no seguinte: a declaração em causa não consubstancia remissão abdicativa do direito de impugnar a ilicitude do despedimento e de reclamar as respetivas consequências, tratando-se, apenas, de uma declaração de quitação dos créditos nela referidos e nenhuma prova tendo sido feita no sentido da declaração da remissão abdicativa; a intenção de renúncia não se presume e tal não decorre da declaração em causa; impugnou, na resposta à contestação, o documento em causa; sendo o despedimento ilícito, o contrato não cessou, mantendo-se válido até que ocorra causa de extinção do mesmo ou, em alternativa, até que se concretize o prazo de 5 meses por que foi celebrado; a Ré não atribuiu a tal declaração o sentido de remissão abdicativa; tratando-se de facto extintivo era sobre a Ré que impendia o ónus de alegação e prova de que a A. assinou tal declaração de livre vontade e com o intuito de renunciar a quaisquer valores, incluindo aqueles que as partes não equacionaram, quais sejam os decorrentes da ilicitude do despedimento, o que não foi alegado, não podendo o tribunal substituir-se às partes nesse ónus de alegação; a alegada declaração integra-se na defesa por impugnação aduzida na contestação e não na defesa por exceção, pelo que, se como tal tivesse sido considerada pela Ré, teria a A. exercido o contraditório. Mais invocou, como acima referido, a alegada “pressão” no sentido da assinatura da declaração”

4.1. Estamos, no essencial, de acordo com as considerações tecidas na sentença recorrida que, perante a matéria de facto provada, fazem correta aplicação do direito.
Por outro lado, mesmo que, porventura, se entendesse não ser de qualificar a declaração constante do nº 6 dos factos provados como consubstanciando um contrato de remissão (abdicativa), nem por isso seria diferente a sorte da ação, sendo de chamar à colação o entendimento preconizado no Acórdão do STJ de 05.04.06, in www.dgsi.pt, (Proc. nº 05S4233), em que e em síntese, pese embora se haja considerado que a existência da remissão pressupõe a declaração de vontade de renunciar a exigir prestações em concreto, como tal não se configurando as declarações em que as partes se limitam a exarar o seguinte: «declaram, para os devidos efeitos, dar por definitivamente extintos, por recíproco pagamento ajustado e efectuado nesta data, todo e qualquer débito/crédito emergente da relação contratual de natureza profissional entre ambos (…), nada mais havendo cada um a receber do outro, seja a que título for», se entendeu, todavia, que uma tal declaração, mais não sendo do que «uma declaração de quitação ela, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação, nomeadamente, o direito de crédito à reintegração e às retribuições vincendas» e que, não, obstante tal distinção, ela não afeta substancialmente a solução da questão já que a quitação relativa aos créditos, dada a sua amplitude, «abrange todos os créditos resultantes daquela relação, incluindo, naturalmente, os que eventualmente pudessem resultar da sua própria cessação, (…).».

4.2. Acresce que não procede a argumentação aduzida pela Recorrente.
Relembrando o teor da declaração, dela consta ter a A. declarado que lhe foi paga a quantia nela referida (€532,43) para “recebimento e liquidação (…) de todos os m/créditos inerentes à minha curta passagem por esta empresa e c/isto, declaro de que mais nada tenho a receber”.
Tal declaração não consubstancia uma mera declaração de quitação da quantia nela referida. Se, com efeito, a A. nela declara que recebeu a quantia que dela consta, declara também mais do que isso: refere não apenas que tal se destina à liquidação de todos os créditos relativos à relação laboral, mas também, e especialmente, que nada mais tem a receber. Tal consubstancia uma declaração de “acerto final de contas” e cujo sentido, para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário e de acordo com a teoria da impressão do destinatário consagrado no art. 236º, nº 1, do Cód. Civil, significa, senão mesmo a renúncia (remissão abdicativa) à reclamação de qualquer outro eventual direito, pelo menos uma quitação global, como se diz no mencionado Acórdão do STJ, que pela “ sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação”, nestes se incluindo também os resultantes de um eventual (e mesmo que não tivesse sido equacionado) despedimento ilícito. Não se trata, pois, de presumir a intenção de renunciar, mas sim de interpretar essa declaração, e dessa interpretação o que resulta é o referido, seja de abdicar de qualquer outro direito, seja de conferir quitação global, pelo que outra prova não era exigível à Ré. E se, é certo, esta não invocou expressamente a remissão abdicativa, daí não resulta que a mesma, ou a quitação global, não se tenha verificado e que não haja a Ré, como tal, interpretado a declaração da A., sendo certo que o facto foi invocado na contestação e a declaração foi com esta junta, não se tendo o Tribunal substituído à parte na alegação de tal fato e remetendo-se ainda a este propósito para o que se deixou dito em sede de nulidade da sentença.
De todo o modo, sempre se diga que, aquando da subscrição dessa declaração, aos 08.09.2014, a questão da existência de um despedimento (eventualmente) ilícito já havia sido equacionada pelas partes, mormente pela A., como decorre da troca de correspondência entre a Ré e a A.: carta da Ré à A. de fls. 43/44, datada de 20.08.2014, em que se refere o alegado na contestação, designadamente que foi colocado no modelo destinado ao recebimento do subsídio de desemprego, a pedido e no interesse da A., a “dispensa no período experimental” e, bem assim, em que se diz que “iremos readmiti-la na n/produção a partir de 04/09/2014 (…)”; resposta da A. constante da carta de fls. 46/47, datada de 28.08.2014, em que, para além do mais, a A. refere que o contrato cessou com a “denúncia ilegal” da Ré e que não aceita a readmissão. Ou seja, aquando da emissão, aos 08.09.2014, já a questão do alegado despedimento havia sido levantada e equacionada pelas partes, mormente pela A.
Por outro lado, perante uma tal declaração, era à A., e não à Ré, que incumbia o ónus de alegação e prova da verificação de qualquer eventual vício da vontade, designadamente a alegada “pressão” (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil), suscetível de inquinar a validade da mesma, vício esse que não foi, oportunamente alegado e que não poderá agora, em sede recursiva, ser conhecido, remetendo-se, a este propósito, para o que ficou referido no ponto III.3. do presente acórdão. Acrescenta-se, aliás, que tal consubstanciaria questão nova que não foi suscitada e conhecida em sede de 1ª instância, pelo que dela nem poderia esta Relação conhecer.
No que se reporta à alegação de que o teor da declaração foi por si (A.) impugnado e ao invocado princípio do contraditório, há que referir que a A. não impugnou a sua assinatura constante da referida declaração, pelo que o documento em causa faz prova plena de que a declaração foi emitida conforme art. 376º, nº 1, do Cód Civl [de todo o modo, a emissão dessa declaração pela A. foi dada como provada no nº 6 dos factos provados, que não foi impugnado no recurso], de nada relevando a impugnação do “conteúdo e sentido” da mesma, pois que, e como referido, caberia a A. ter invocado, na resposta à contestação, a existência de eventual vício da vontade suscetível de a inquinar, o que não ocorreu. E quanto ao princípio do contraditório e pese embora a matéria alegada no art. 32º não haja sido inserida em sede de defesa por exceção, o certo é que o facto foi invocado na contestação e o documento junto com tal articulado, pelo que sempre poderia a A. ter exercido o contraditório na resposta à contestação. Aliás, como decorre dessa resposta, a A. não se limitou a responder à matéria das questões que a Ré expressamente qualificou como defesa por exceção, tendo também, no art. 34º e segs, invocado o direito de responder a outros factos alegados pela Ré em sede de impugnação e, aí, impugnado, entre outros, o art. 32º da contestação (cfr. art. 36ºda resposta).
Por fim, quanto à invocação de que o contrato de trabalho, dada a alegada ilicitude do despedimento, apenas cessaria por outra causa ou, pelo menos, no fim do seu termo, há que referir que se, com isso, a Recorrente pretende extrair a consequência de que a declaração em causa teria sido emitida ainda na “vigência” do contrato, não lhe assiste razão.
O contrato cessou, de facto, no dia 13.08.2014, sendo essa a cessação que releva, pois que, nessa data, deixou a A. de estar sujeita à subordinação jurídica da Ré, e havendo a declaração em causa sido emitida aos 08.09.2014, ou seja, em data posterior à da cessação do contrato de trabalho e, portanto, quanto este já não se encontrava em vigor.
Com efeito, com a cessação do contrato de trabalho cessa a indisponibilidade dos créditos laborais que impediria, na constância da relação laboral, a remissão abdicativa (ou a quitação a que se reporta o Acórdão do STJ de 05.04.06, acima referido).
A doutrina e jurisprudência têm feito uma clara distinção entre “os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários”, que são irrenunciáveis, como é o caso do direito ao salário na vigência do contrato [cfr. Maria José Costa Pinto, Violação de Regras de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho: Perspectiva Jurisprudencial, Prontuário do Direito do Trabalho, nºs 74/75, CEJ, págs. 224, a propósito do art. 74º do CPT].
Tem a jurisprudência, de forma consolidada, considerado que os direitos laborais de natureza pecuniária são indisponíveis e irrenunciáveis, mas, isso, apenas durante a vigência do contrato de trabalho, o que é justificado dada a situação de subordinação jurídica e económica em que se encontra o trabalhador relativamente à entidade empregadora. Trata-se de um regime protecionista assente, precisamente, na referida debilidade jurídica e económica que, quando cessa a relação laboral, determina igualmente e como se tem entendido, a cessação da necessidade desse especial regime, já que, aí e em posição de igualdade, pode o trabalhador de forma livre e sem receio, reclamar os direitos que, porventura, lhe assistam.
Assim, e por todos, cfr. Acórdãos do STJ de 12.12.01, de 31.10.07 e de 06.02.08 (in www.dgsi.pt, Processos 01S2271, 07S2091 e 07S741) e desta Relação do Porto de 25.09.06, 09.10.06, 21.04.08 e 22.11.2010 (os dois primeiros, publicados no site referido, Processos nºs 0641664 e 0612742 e, os dois últimos, ao que supomos inéditos, proferidos nos Processos 6426/07.4 e 287/07.8TTBGC.P1, ambos relatados pela ora relatora).
Ou seja, cessado o contrato de trabalho e, por consequência essa subordinação, passam os direitos a ter natureza disponível.

Assim sendo, improcedem as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 02.03.2017
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
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[1] A introdução da numeração aos factos provados e das als. aos factos não provados é da nossa autoria.