Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
717/13.0TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: GREVE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP20150105717/13.0TTVNG.P1
Data do Acordão: 01/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O Trabalhador que adira à greve não tem de comunicar antecipadamente que a ela vai aderir.
II - Inexiste justa causa para o despedimento numa situação em que um trabalhador que adira à greve de prestação de trabalho suplementar, recusa prestar um serviço atribuído 13 minutos entes do términus do seu horário de trabalho, não desconhecendo a ré que fora decretada uma greve à prestação de trabalho suplementar, o qual implicava necessariamente que fosse prestado para além do horário normal de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 717/13.0TTVNG.P1
RG 390-A

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…, LDA.
RECORRIDO: C…

VALOR DA ACÇÃO: 5.000,01 €

Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1. C… intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra “B…, LDA”, opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 11/06/2013.
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2. Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3. A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o despedimento do Autor é lícito, uma vez que foi despedido com justa causa, pois o comportamento do autor traduzido “na consciente e deliberada desobediência do A. a uma legítima ordem ou instrução da sua entidade empregadora, ainda para mais dissimulada com um artifício ardiloso que implicou a prestação, também consciente e deliberada, de falsa informação relativamente à assistência a prestar a um sócio do B…, desse modo contribuindo também para pôr em causa a imagem e reputação do R. perante os seus clientes (e do B… perante os seus sócios) - foi de molde a colocar em crise a confiança que o R. nele depositava e que deve nortear as relações laborais, tornando pois inexigível, e imediata e impossível, a subsistência do contrato de trabalho.”
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4. O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, alegando que o processo disciplinar mais não foi do que uma reacção, ou melhor, uma intimidação, dos responsáveis da empregadora à greve que fora convocada pela Associação Sindical da qual o trabalhador faz parte dos corpos gerentes.
Conclui, assim, pela declaração de ilicitude do despedimento, e pela consequente procedência do pedido reconvencional deduzido, devendo a Ré ser condenada a:
a) Reconhecer a ilicitude do despedimento de que o trabalhador foi vítima;
b) Condenar o empregador a pagar ao trabalhador todas as prestações pecuniárias que ele deixar de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos;
c) Julgar improcedente a oposição à reintegração do trabalhador requerida pelo empregador;
d) Condenar o empregador a readmitir o trabalhador ora contestante no seu posto e local de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade; caso este não opte, na devida altura, pela indemnização em substituição da reintegração;
e) Pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data do despedimento, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos.
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5. A Ré respondeu impugnado a reconvenção deduzida pelo Autor, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional.
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6. Foi realizada a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
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7. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Pelo exposto:
I. decide-se julgar totalmente procedente a presente ação que a A./Trabalhador C… intentou/deduziu contra a B…, Lda considerando ilícito o despedimento do A.
II. Julgo totalmente procedente a reconvenção e condeno a Ré:
a) a pagar ao A. a retribuição mensal devida desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 390º, nº 1, al. a) do CT, correspondente ao valor mensal de € 1199,55, sem prejuízo das deduções a que alude o nº 2 do citado normativo, nomeadamente, o subsídio de desemprego, tendo em consideração a informação prestada a fls. 241 e acrescidos juros à taxa legal desde a data do despedimento, à taxa legal, até integral pagamento da dívida.
b) a reintegrar o A. sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
Custas pelo Ré.
Fixa-se à causa o valor de € 5000,01 – art.98º-P do CPT.
Registe e notifique.”
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8. Inconformada com esta decisão, dela recorre a Ré, pedindo que:
A) Seja eliminado o artigo 23º dos “Factos Provados”, isto porque nenhum meio concreto probatório, constante do processo ou de registo ou gravação nele realizado, impõe, relativamente a esse concreto ponto de facto, que o Tribunal a quo decida nesses termos. Mais alegou que o Tribunal a quo não indicou nenhuma motivação específica para assim o ter entendido.
B) Seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que reconheça a justa causa de despedimento invocada no despedimento aplicado ao apelado C… e considere licita a cessação contratual por esta via operada, absolvendo a recorrente de todos os pedidos formulados.
Para o efeito, alegou em síntese[2], o seguinte:
- O ponto 23º dos Factos Provados – “O trabalhador aderiu à greve” – deve ser dado como não provado, uma vez que o Tribunal não indicou nenhuma motivação específica para tal facto.
- Anuir que a aceitação do serviço – que o Autor recusou fazer injustificadamente – determinaria a prestação de trabalho suplementar é pura especulação.
- O trabalhador deveria ter comunicado à recorrente que a recusa da realização do serviço que lhe foi atribuído se devia à sua adesão à greve ao trabalho suplementar.
- Não o tendo feito não pode invocar a seu favor a presunção de inexistência de justa causa de despedimento prevista no nº 3 do artigo 410º do Código do Trabalho.
- O Autor violou de forma inequívoca e injustificada o dever de obediência constante na alínea e) do nº 1 e no nº 2 do artigo 128º do CT, que configura uma situação de justa causa de despedimento (artigo 351º, nº 2, alínea a) do CT), que nem sequer é abalada por se tratar de uma conduta isolada.
- O Autor é reincidente na prática de factos punidos disciplinarmente.
- A conduta do trabalhador tornou inexigível, irremediável e insanável a manutenção da relação laboral.
- Razão pela qual deve reconhecer-se justa causa ao despedimento e licita a cessação contratual por essa via operada.
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9. O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, assim concluindo:
- Está profundamente equivocado, o ora recorrente, ao formular a conclusão que o Tribunal a quo não indicou nenhuma motivação específica para considerar como provado – no ponto 23.º dos factos provados – que o trabalhador aderiu à greve.”.
2ª- Chega a ser quase perverso que a ora apelante venha agora “impugnar a decisão da matéria de facto, na parte em que considerou provado que o trabalhador aderiu à greve”, alegando (simplesmente), para o efeito, que o Tribunal a quo “não indicou nenhuma motivação específica para assim o ter entendido, a não ser remeter para o artigo 7.º da contestação do autor.
3ª - De facto, é inequívoco que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, ao referir que Por último, chamamos à atenção para o facto da Ré saber da convocação da greve (aliás resulta da documentação junta aos autos e da própria posição assumida quanto ao pré-aviso – cfr. fls. 145 e 146, 208 e 209) e não se mostrar satisfeita com a mesma (não cuidaremos aqui de analisar da legitimidade dos motivos por si invocados), deixando antever a hipótese, em comunicado à direção do D…, que consideraria a conduta dos trabalhadores que adotassem esse tipo de luta como recusa injustificada à realização do trabalho suplementar a ser avaliada para efeitos disciplinares e o facto do A. ser dirigente sindical e ter feito greve.
4ª - Recordemos, também, que o Tribunal a quo não deixou de fundamentar a sua decisão com base no depoimento da testemunha E…, que referiu que o F…, munido de uma lista, andou a indagar (a si e a outros colegas) quem iria aderir à greve.
5ª - Não conseguimos entender o que a apelante pretende demonstrar, quando alega que o Tribunal a quo deu como provado que o trabalhador havia aderido à greve por remissão para o artigo 7.º da sua contestação.
6ª- É óbvio que a remição é feita única e simplesmente para situar os factos alegados pelas partes, ou seja trata-se uma referência sistemática, que nada tem a ver com a razão de ter dado como provado tal facto.
Em todo o capítulo da factualidade da sentença, a M.ª Juíza a quo assinala, para cada facto dado como provado e dado como não provado, em que artigo do articulado do empregador ou da contestação do trabalhador, os mesmos estão alegados.
7ª - Por isso quando no ponto 23.º dos factos provados se diz “O trabalhador aderiu à greve (artigo 7º da contestação).”, esta informação entre parenteses serve apenas para situar em que peça processual tal facto foi alegado.
8ª - É, por isso, no mínimo, indecoroso que a ora apelante pretenda fazer crer que o Tribunal a quo decidiu, como decidiu, sem fundamento e por remição para um artigo da contestação do trabalhador.
9ª - Assim, é claro que o trabalhador ora apelado tinha um motivo para recusar o serviço que lhe fora atribuído às 18:02 H. – adesão à greve ao trabalho suplementar.
10ª - Pelo que, ficou demonstrado o motivo para a suspensão dos deveres de assiduidade e de subordinação perante a ora apelante.
11ª - E não se venha dizer – como faz a apelante – que não tinha conhecimento de que ele iria aderir à greve. Este argumento, além de patético, é absolutamente desprovido de qualquer sentido.
12ª - Com efeito, não existe qualquer obrigatoriedade por parte do trabalhador em avisar o seu empregador que irá aderir a uma greve.
13ª- A adesão à greve presume-se pela ausência do trabalhador no local de trabalho no período previsto para a greve. (cfr. JOSÉ JOÃO ABRANTES (in “Direito do Trabalho II – Direito à greve”, pág.ª 88, Almedina – Dezembro de 2012).
14ª - Ademais, trata-se, como é sabido, de um direito constitucional que deve ser exercido livremente e sem qualquer tipo de pressões.
15ª - Mas, no caso sub judice é verdadeiramente espantoso o topete da ora apelante em afirmar que não sabia que o ora apelado – dirigente sindical – aderira à greve ao trabalho suplementar, convocada pela Associação Sindical da qual faz parte dos corpos gerentes.
16ª - Há que sublinhar que, em momento algum do processado, a ora apelante impugnou, de forma expressa, a alegação feita pelo ora apelado de que recusou o serviço por pretender cumprir o seu direito à greve.
17ª - De facto, o que assistimos, por parte da apelante, foi uma enorme preocupação em evidenciar que considerava a greve ilegal (?!), e que, por isso, o ora apelado nunca poderia ter aderido à mesma.
18ª - Aliás, nesta matéria, o comportamento da apelante é deveras censurável.
19ª - Veja-se o teor das comunicações constantes de fls. 78 e 79 do processo disciplinar, bem como comunicações enviadas, por correio eletrónico, pela gerência da empregadora e pelo Sr. Presidente do B…, a todo o pessoal abrangido pelo pré-aviso de greve (docs. 4 e 5 juntos à contestação) que são nítidos fatores de coação ao ora apelado, e os seus colegas de trabalho.
Nessas comunicações, a ora apelante, para além de afirmar que considerava a greve ilegal, informava-os que, caso aderissem à referida greve, seriam sancionados disciplinarmente.
20ª - Não satisfeita com esta postura, a ora apelante ainda tem a audácia de alegar que tendo em conta o facto dela considerar a greve ilegal (!!!), o ora apelado tinha obrigações acrescidas de comunicar que recusou o serviço por estar em greve.
21ª - E como não o fez, não pode sequer invocar a seu favor a presunção de inexistência de justa causa de despedimento do n.º 3 do art.º 410.º do CT.
22ª - Estas iradas (e disparatadas) afirmações sobre o direito à greve e o direito à proteção em caso de procedimento disciplinar e/ou despedimento de que gozam os trabalhadores membros de estruturas de representação coletiva, só demonstram como é patente a mal estar que existe no seio da apelante em ter ao seu serviço trabalhadores membros de organizações de representação coletiva.
23ª - O que nos leva legitimamente a concluir que o processo disciplinar do ora apelado mais não pretendeu ser que uma demonstração de força da apelante enquanto empregador, no sentido de atemorizar os trabalhadores, atingindo os seus representantes, para que, futuramente, se abstenham deste tipo de luta (a greve).
24ª- Por outro lado, a “tese” da ora apelante, que sempre afirmou que o ora apelado recusou o serviço indicando no GOF que o “sócio voltaria a contactar”, foi claramente (e bem) julgada como não provada.
25ª - E isto porque, o documento com o qual a apelante pretendia fazer prova de tal “facto” se mostrou indubitavelmente controverso, para não dizer falso (cfr. fls. 77).
26ª - Note-se que, desde a sua resposta à nota de culpa, o ora apelado sempre o impugnou, porque não fora por si elaborado.
27ª - Veja-se, então, como muito bem o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão sobre a falta de genuinidade de tal documento.
28ª - Assim, tendo em conta a prova produzida, não restaram dúvidas ao Tribunal a quo em considerar o documento em causa (onde constava a frase imputada ao ora apelado) como não genuíno.
29ª - E assim, cai por terra a “tese” do ora apelante, que, basicamente, assenta no “facto” de o ora apelado ter recusado um serviço com invocação de um motivo falso – “sócio volta a contactar”.
30ª - Aqui chegados, impõe-se uma reflexão sobre quem, afinal, é que usou de falsidades.
31ª - Ficou provado, pelo que as testemunhas (quer, as arroladas pelo apelante que pelo apelado) referiram em Juízo, que é possível o trabalhador (mecânico) recusar – de imediato – o serviço que lhe é atribuído via GOF, sem necessidade de enviar qualquer informação a justificar tal recusa.
32ª - Ou seja, o trabalhador ora apelado recusou o serviço que lhe fora atribuído a cerca de 10 minutos do fim do seu horário de trabalho, pois logo estaria a cumprir o seu direito às greve ao trabalho suplementar.
33ª - Insiste a ora apelante em referir que tendo sido o atribuído o serviço em causa às 18:02H e o termo do horário de trabalho ocorrer às 18:15H., haveria sempre que considerar a tolerância de 15 minutos prevista na alínea c) do n.º 3 do artº 226.º do CT), e, assim, apenas considerar trabalho suplementar o prestado além das 18:30H.
34ª - Este argumento é totalmente descabido, pois tal normativo, que tem por objetivo situações pontuais, não se destina a fazer um “abatimento” aos tempos de trabalho suplementar.
35ª - Apenas se aplica a tarefas que o trabalhador tenha dado início dentro do seu horário de trabalho e não tenha sido possível conclui-las na hora estabelecida para o termo do período normal de trabalho diário.
36ª - Veja-se que às 18:02H. (hora de ponta), o trabalhador arguido encontrava-se na Rua … (n.º … - junto à … – cfr. doc. 8 do processo disciplinar), pois tinha acabado de concluir um serviço. Ora, do sítio onde se encontrava, tinha ainda que se deslocar (cerca de 2,5 Km.) até ao local onde se encontrava o sócio do B… (Rua … – à …); aí chegado teria de analisar e solucionar o problema mecânico; e, por fim, teria de se deslocar (cerca de 6 km.) para a sede da apelante (à …).
37ª - Ora, mesmo que se considere ter aplicação o período de tolerância previsto no nº 3 do artº 203º do CT, é óbvio que seria impossível o ora apelado chegar ao local onde se encontrava o sócio do B… antes das 18:15H., e, muito menos, seria possível às 18:30H o ora apelante estar “livre” e pronto para regressar a sua casa.
38ª - É por demais evidente que a ordem, dada à hora que foi, serviu apenas para testar o ora apelado.
39ª - Não tem, por isso, ao caso sub judice, qualquer aplicação o disposto no nº 3 do artº 203º do CT e na alínea c) do nº 3 do artº 226º do CT, que, aliás, constitui um regime excecional.
40ª - Acresce que, nos presentes autos está em causa o despedimento de um dirigente sindical, e que, portanto, se presume que o mesmo terá sido feito sem justa causa.
41ª - Como muito bem disserta o Tribunal a quo, trata-se de uma norma que visa estabelecer uma especial tutela dos trabalhadores que exerçam funções nos órgãos de representação coletiva, por forma a acautelar que o seu vínculo laboral não seja maculado exatamente pelo exercício de tais funções.
42ª - Mais uma vez, recorrendo à elevada e esclarecida análise e argumentação deste tema efetuado pela Mª Juíza a quo, diremos que cabia à ora apelante o ónus de prova dos elementos/factos que integram o conceito de justa causa.
Mas, o alcance da norma constante do nº 3 do artº 410.º do CT vai mais longe, pois ao estabelecer a inexistência de presunção de justa causa do despedimento afasta também a regra prevista no artº 799º do Código Civil, presumindo-se a inexistência de culpa.
43ª - Ora, no caso sub judice¸ a ora apelante não logrou provar (e parece que se conforma com isso – cfr. alínea W das conclusões) que o ora apelado enganou a sua entidade empregadora prestando-lhe uma informação falsa e usando de um expediente ardiloso para não realizar o serviço que lhe fora atribuído.
Logo, não se poderá nunca ponderar a existência de justa causa para o despedimento.
44ª - Tendo em conta os factos provados, e os fundamentos supra alegados, entendemos que a simples recusa, ainda para mais tendo o ora apelado apresentado um motivo para essa recusa (adesão à greve), forçoso será concluir não haver fundamento para a justa causa do despedimento levado a efeito pela ora apelante, logo
45ª - A decisão do Tribunal a quo que concluiu pela ilicitude do despedimento do ora apelado, não merce qualquer censura.
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10. A Exa. Sr.ª. Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido da rejeição do recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto, uma vez que a Recorrente não deu cumprimento aos ónus alegatórios, bem como no sentido de ser negado provimento ao mesmo.
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11. Pelo Relator foi determinado, ao abrigo do artigo 662º, nº 2, alínea d) do CPC, o reenvio dos autos ao tribunal da 1ª instância para que fundamente a resposta dada ao facto sob o item 23º dos “Factos Provados”.
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12. Conforme se constata a fls. 552/553 o Tribunal a quo procedeu à fundamentação de tal ponto factual, não tendo merecido pelas partes qualquer oposição.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
1ª- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO – O PONTO 23º DOS FACTOS PROVADOS DEVE SER ELIMINADO
2ª- DA LICITUDE DO DESPEDIMENTO
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III – FUNDAMENTOS
1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS PELA SENTENÇA RECORRIDA:
Factos provados por acordo das partes:
1º Por carta datada de 31.05.2013 e recebida pelo trabalhador C…, foi-lhe comunicada pela Ré a decisão de despedimento com fundamento em justa causa, conforme teor documento junto a fls. 3 e ss. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2º O A. é dirigente sindical do D… (artigo 3º do articulado do empregador).
3º Encontrando-se constituída Comissão de Trabalhadores no R., da qual o A. é membro (artigo 4º do articulado do empregador)
4º Dos registos do R. consta ter sido aplicada ao A., por infração praticada em 18 de Novembro de 2011, uma sanção disciplinar de 5 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição que foi objeto de impugnação judicial e que veio a ser confirmada por decisão proferida no processo 1068/12.2TTVNG que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Vila Nova de Gaia (artigo 20º do articulado do empregador e doc. junto sob a ref. 264320).
5º O A. encontra-se ao serviço do R., com contrato de trabalho de duração indeterminada, desde o dia 20 de Novembro de 1995 (artigo 26º do articulado do empregador)
6º O A. detém a categoria profissional de Mecânico de Automóveis de 1.ª, cabendo-lhe assegurar a execução dos Serviços de Desempanagem, em conformidade com os procedimentos, objectivos e critérios de qualidade definidos pelo R., e exercendo as funções de Mecânico Desempanador. (artigo 27º do articulado do empregador)
7º O A. exerce as suas funções em regime de turnos rotativos, com um período normal de trabalho semanal de 38 horas e 30 minutos e um período normal de trabalho diário de 8 horas e 15 minutos (nos quais está incluído uma hora diária para refeição ou descanso) (artigo 28º do articulado do empregador)
8º O A. está afecto às instalações do R. sitas na …, …/…, na cidade do Porto (artigo 29º do articulado do empregador)
9º Competindo-lhe realizar todos os serviços de assistência automóvel para que seja solicitado, na sua área operacional, pelo Coordenador que, em cada momento, estiver de serviço no Centro de Coordenação ou Call Center existente nas mesmas instalações da … (adiante designadas por “…”) (artigo 30º do articulado do empregador)
10º O A., entre outras responsabilidades e actividades, “recebe, do centro de coordenação, telefónica, via GOF ou pessoalmente, os processos de assistência com as indicações acerca do tipo de anomalia, identificação da viatura e local onde se encontra e do sócio, beneficiário ou cliente requisitante do serviço de desempanagem”, (artigo 32º do articulado do empregador)
11º “Desloca-se aos locais indicados, utilizando viatura com equipamento de assistência técnica, identifica “in loco” a viatura e o sócio, beneficiário ou cliente e detecta as causas da imobilização da viatura”, (artigo 33º do articulado do empregador)
12º “Responsabiliza-se pela execução do serviço de desempanagem, de acordo com as normas e desde que tecnicamente possível, em respeito pelos padrões de segurança, ou solicita os serviços de reboque perante o caso de manifesta impossibilidade de desempanagem”, (artigo 34º do articulado do empregador)
13º “Repõe a viatura em condições de marcha e funcionamento, recorrendo aos seus conhecimentos e aos meios disponíveis, designadamente equipamento e stock de peças”, (artigo 35º do articulado do empregador)
14º “Comunica para o Centro de Coordenação, o início e o termo dos serviços e recebe ordens para outras desempanagens”, (artigo 36º do articulado do empregador)
15º E “Efectua diariamente o registo da actividade, descrevendo os serviços executados e as razões que impediram a realização de outros”. (artigo 38º do articulado do empregador)
16º No dia 1 de Março de 2013, o A. estava escalado para o turno compreendido entre as 10:00h e as 18:15h (artigo 38º do articulado do empregador e artigo 13º da contestação)
17º O A. tinha concluído um serviço de assistência às 17:57:52 na Rua …, Porto (artigo 41º do articulado do empregador)
18º À 18:02h, a Ré atribuiu um serviço de assistência automóvel para a viatura automóvel em utilização pelo A. a realizar na Rua …, Porto através do sistema GOF (sistema informático de “Gestão Operacional de Frota”) (artigo 45º do articulado do empregador e 16º da contestação).
19º O A auferia ao serviço da empregadora a retribuição mensal base de € 1043.09 acrescido de um complemento retributivo mensal de € 156,46 (artigo 57º da contestação e 26º da resposta à contestação)
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Factos provados após a realização da audiência:
20º O A. rejeitou a realização de tal serviço através do sistema GOF (artigo 18º da contestação)
21º Após dirigiu-se às instalações da Ré sitas na …, onde chegou cerca das 18.16h, tendo aí entregue a documentação relativa ao registo da actividade nesse dia, nada tendo dito ao coordenador nem nada lhe tendo sido perguntado por este (artigo 48º e 49º do articulado do empregador e 29º da contestação).
22º Entre o dia 01 e 31 de Março de 2013, foi convocada uma greve geral ao tempo de trabalho de prestação de trabalho fora do horário de trabalho pela Associação Sindical D… da qual o trabalhador faz parte dos corpos gerentes (artigo 4º da contestação)
23º O trabalhador aderiu à greve (artigo 7º da contestação).
24º O serviço em causa e recusado pelo A. acabou por ser atribuído ao mecânico G… às 18.17h, que se encontrava na Rua …, Porto que chegou ao local às 18.42h, não conseguindo resolver o problema, solicitando o reboque às 18.59 h, acabando a viatura por ser rebocada para as instalações da Ré (artigo 56º do articulado do empregador)
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2. DO OBJECTO DO RECURSO
2.1. ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Defende a Exa. Sr.ª. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer que o recurso, nesta parte deve ser rejeitado, uma vez que a recorrente não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda (artigo 640º do CPC).
Na decisão sumária proferida pelo aqui Relator foi referido o seguinte:
“É verdade que a recorrente não cumpri esse ónus. No entanto, deveremos ter em atenção que alegando a recorrente que o Tribunal a quo não indicou nenhuma motivação específica para a resposta dada e, por outro lado, que não existe no processo qualquer registo ou gravação nele realizado que fundamente tal resposta, não se vê, como nestes casos se pode indicar as passagens exactas da gravação (uma vez que, segundo a recorrente elas não existem).
Assim sendo, apesar de o recurso não ser um modelo a seguir, entendemos que minimamente se encontram reunidos os ónus alegatórios.”
Concordando com tal fundamentação vamos passar a conhecer da pretendida alteração factual.
A Recorrente impugna a matéria de facto pretendendo a alteração da resposta dada ao facto nº 23, cujo tem o seguinte teor:
“O trabalhador aderiu à greve (artigo 7º da contestação).”

Alega a recorrente que o Tribunal a quo não deu qualquer motivação para a sua resposta e, por outro, entende que o mesmo deve ser dado como não provado, uma vez que inexiste qualquer suporte probatório para o efeito.
Acontece que ordenado o reenvio dos autos á 1ª instância para que o Tribunal fundamentasse a resposta dada a este ponto factual, a Mº Juiz a quo fê-lo de forma exaustiva e sustentada. Para o efeito, referiu que a sua convicção resultou da conjugação de um conjunto de provas apresentadas documental e testemunhal, aliado às regras da experiência comum, assim explicitando:
“É um facto assente no processo que a Ré tinha conhecimento da greve convocada. Também era evidente o seu descontentamento relativamente à mesma evidenciado, nomeadamente, na atitude intimidatória dirigida aos trabalhadores que pretendessem aderir àquela. Tal não só resulta da documentação junta aos autos a fls. 145, 146, 148 e 149, 208, 209 e 210 como do depoimento das testemunhas E…, colega de trabalho do A. e H…. Estas testemunhas foram claras ao referir que a Ré sabia da existência da greve às horas extras, tendo contestado a mesma por entender que era ilícita, chamando à atenção aos trabalhadores para as consequências que poderiam advir para aqueles caso àquela aderissem; que, por outro lado, o coordenador F… andou a indagar junto dos trabalhadores, munido de uma lista, sobre quem iria aderir à greve, circunstancialismo negado de uma forma comprometido por aquele e que contribuiu para descredibilizar o seu depoimento. Por outro aldo, era do conhecimento geral (dos trabalhadores e da gerência) que o A. era membro da comissão de trabalhador e membro do sindicato.
É um facto que nenhuma testemunha disse que o A. tinha feito greve. Porém, não nos parece merecer qualquer dúvida que, da conjugação de um conjunto de circunstâncias, possamos afirmar tal facto. Na verdade, a greve manifesta-se, em primeiro lugar, pela ausência ao serviço e não há qualquer dúvida que o A. recusou a realização de um serviço pouco antes do términus do seu horário de trabalho. Acresce o facto de não haver também qualquer duvida que a greve estava convocada para aquela altura e especificadamente para a não realização de trabalho extraordinário, sendo certo que a realização dos erviço por parte do A. que a ré lhe pretendia atribuir, iria determinar obrigatoriamente a realização de trabalho suplementar, conforme já expusemos a fls. 439. Acresce ainda o facto do A. ser dirigente sindical pelo que outra atitude não seria de esperar que não ter aderido á greve como meio de defender e reivindicar os direitos que entenderia ser seus e dos demais trabalhadores.
Conforme já salientamos não é um dever, nem uma obrigação do trabalhador comunicar à entidade patronal a intenção de fazer greve. Aliás, é também um direito que lhe assiste apenas exerce-lo no momento em causa, sendo que a sua ausência e dos demais sem qualquer aviso prévio, aumenta as hipóteses de conseguir os seus intentos de um modo mais eficaz, na medida em que a não realização do trabalho, nomeadamente em grande e escala, poderá causar prejuízos à entidade patronal ou, pleno menos não lhe proporcionar lucros. E a antevisão desse cenário poderá contribuir para uma cedência por parte desta na concessão de determinadas reivindicações feitas pelos trabalhadores por forma a evitara a paralisação da empresa ou de um sector.
Chamamos ainda à atenção que estando em causa um despedimento de um dirigente sindical, a culpa não se presume e que competia à entidade patronal provar o circunstancialismo que alega e que fundamenta a alegada violação dos deveres laterais. Na verdade, a mesma invoca um comportamento desonesto e desleal do trabalhador na medida em que o mesmo terá recusado o serviço invocando que aquele tinha ficado sem efeito justificado, por parte do trabalhador, pelo facto do sócio ter referido que voltaria a contactar e que tal circunstancialismo não correspondia á verdade. E tais circunstâncias (que a provar-se demonstrariam um comportamento reprovável por parte do A.) não ficaram demonstradas nos autos, mas tão só que este recusou o serviço. De todo o modo (e pese embora entendermos que tal é uma questão colateral, conforme já referimos na sentença proferida), concluímos que o trabalhador aderiu à greve”.

Ora, sendo assim, mostra-se devidamente fundamentada a resposta dada ao ponto 23º dos Factos Provados, resultando, pois, a respectiva motivação da apreciação conjunta da prova, nomeadamente, documental e testemunhal, coligada com as regras da experiência comum.
Não vislumbramos quaisquer razões para não aderir aos fundamentos aduzidos, os quais comungamos, sendo certo que não foram trazidos quaisquer elementos suscetíveis de os contrariem.
Mantemos, assim, a resposta dada ao ponto factual impugnado.
Improcede, nesta parte, o recurso.
◊◊◊
2.2. DA LICITUDE DO DESPEDIMENTO
Alega a recorrente que existe justa causa para o despedimento, sendo este lícito, uma vez que O Autor violou de forma inequívoca e injustificada o dever de obediência constante na alínea e) do nº 1 e no nº 2 do artigo 128º do CT, que configura uma situação de justa causa de despedimento (artigo 351º, nº 2, alínea a) do CT), que nem sequer é abalada por se tratar de uma conduta isolada.
Por outro lado, defende que anuir que a aceitação do serviço – que o Autor recusou fazer injustificadamente – determinaria a prestação de trabalho suplementar é pura especulação. O trabalhador deveria ter comunicado à recorrente que a recusa da realização do serviço que lhe foi atribuído se devia à sua adesão à greve ao trabalho suplementar e não o tendo feito não pode invocar a seu favor a presunção de inexistência de justa causa de despedimento prevista no nº 3 do artigo 410º do Código do Trabalho.
O Autor é reincidente na prática de factos punidos disciplinarmente e a sua conduta tornou inexigível, irremediável e insanável a manutenção da relação laboral.

Vejamos o que a sentença recorrida decidiu quanto a esta questão:
“[…] neste tipo de ações judiciais em que um trabalhador alvo de despedimento por parte da sua entidade patronal invoque a inexistência de justa causa e a consequente ilicitude do mesmo, caberá à entidade patronal o ónus de alegação e prova de factos suscetíveis de levarem o julgador a concluir pela verificação, no caso concreto, de uma situação de justa causa para despedimento.
Acresce ainda que estando em causa um dirigente sindical, há uma proteção acrescida em caso de despedimento na medida em que o mesmo se presume – o que está em causa é um ónus de prova material (e não o formal) - feito sem justa causa – artigo 410º, nº 3 do CT. Esta norma visa estabelecer uma especial tutela dos trabalhadores que exerçam funções representativas por forma a “acautelar a afetação do vínculo laboral por motivos que se prendem com a atividade representativa dos trabalhadores e que nada têm a ver com a prestação laboral, garantindo-se, deste modo uma efetiva liberdade do exercício de actividade”. (nesse sentido ver Código do Trabalho, Pedro Romano Martinez e outros, anotado, 8º ed, 2009, pag. 1069).
Mas que sentido prático retirar desta norma uma vez que conforme supra referenciamos é à entidade empregadora que incumbe o ónus de prova dos elementos que integram a justa causa – comportamento culposo do trabalhador, impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral e nexo de causalidade entre o comportamento culposo e a impossibilidade de subsistência?
Cremos que uma vez comprovado o não cumprimento do dever contratual por parte da entidade empregadora, o trabalhador tem contra si uma presunção de culpa pelo incumprimento (artigo 799º do CC), impondo-se-lhe uma vez demonstrada essa violação, que a mesma não se deveu a culpa sua, ou seja, o trabalhador tem que provar os factos que afastam o juízo de censurabilidade. Esta norma ao estabelecer a inexistência de presunção de justa causa do despedimento afasta também a regra prevista no Código Civil, presumindo-se a inexistência de culpa. Assim, no caso de despedimento de um dirigente sindical, cabe ao empregador a prova dos factos constitutivos da culpa.
Feitas estas considerações, apenas se apurou que a Ré atribui ao A. um serviço de assistência às 18.02h, ou seja, 13 minutos antes do termo do seu horário de trabalho e que este recusou.
Não ficou provado que o trabalhador enganou a entidade patronal prestando a esta uma informação falsa e usando de um expediente ardiloso para não realizar o serviço atribuído.
E cremos que apenas nesta circunstância, se poderia ponderar a existência de uma justa causa para o despedimento do trabalhador, na medida em que ao mentir à entidade patronal nos termos apresentados por esta na ação, não só se mostraria desleal como poderia por em causa a imagem desta perante o cliente e até terceiros.
Poderá a recusa, por si só e sem qualquer justificação, constituir fundamento para a aludida justa causa do despedimento do A?
Cremos que não.
Impõe-se realçar aqui que o trabalho atribuído constituía um serviço de desempanagem que implicava uma deslocação para o local onde o veículo que necessitava de assistência se encontrava; que o A., na altura estava no … e que a assistência peticionada era na … e que no final da jornada de trabalho, o A. ter-se-ia que dirigir às instalações da Ré, sitas na … para aí entregar o registo da atividade nesse dia. Considerando todo o percurso que o A. teria que fazer e ainda o tempo necessariamente despendido no atendimento ao cliente, ser próxima a distância entre o local em que se encontrava e o da assistência (cerca de 2,5 Km) e pondo de lado o facto de se tratar de hora de ponta, parece-nos por demais evidente que o trabalhador não teria conseguiria terminado todo o seu serviço em menos de 30/45 minutos.
Tal determinaria que o trabalhador necessariamente prolongasse a prestação da sua atividade para além do termo do seu horário de trabalho, o que de todo poderia fundamentar a existência de uma sanção disciplinar e muito menos uma tão gravosa como o despedimento.
Não compreendemos sequer o argumento da tolerância dos quinze minutos prevista no artigo 226º, nº 3, al. c) do CT para justificar a obrigação do trabalhador executar o serviço na medida em que nesse período não estaria o trabalhador a prestar trabalho suplementar. Pretende com isto a entidade patronal insinuar que o horário de trabalho da A. acabaria às 18.30? Ou que nesse caso, a greve não seria legítima já que não estaria em causa a prestação de trabalho suplementar?
De um modo ou de outro, tal tolerância é sempre considerada excecional (artigo 203º, nº 3 do CT). Por outro lado, não poderia a Ré atribuir um serviço ao A. quase no termo do seu período normal de trabalho, contando com esse período de tolerância, para “obrigar” o A. a executar o serviço.
É ainda suscitada a questão da greve, nomeadamente, que o trabalhador terá alegado posteriormente que se encontraria em greve às horas de trabalho suplementar. Realce-se que a Ré dá mais enfase ao facto do trabalhador invocar o direito à greve e todo o circunstancialismo envolvente da mesma, nomeadamente, a ilegitimidade da mesma, o facto do trabalhador não ter comunicado que iria fazer greve, o não poder presumir pelo simples facto do mesmo ser um dirigente sindical que iria aderir à mesma; do que ao alegado falso motivo invocado “sócio à espera”.
Tendo ficado afastado este último motivo - o real motivo apresentado na nota de culpa de fls. 96 e ss. justificativa da invocada justa causa com vista ao despedimento do trabalhador, poderemos discutir aqui toda a questão colateral da greve convocada e do facto do A. ter aderido à mesma. Cremos, porém, que tal nos desvia do problema principal que é saber se a recusa sem qualquer justificação da realização de um serviço quase no termo do seu horário de trabalho e que necessariamente obrigaria à prestação de trabalho suplementar, poderá fundamentar a aplicação de uma sanção tão gravosa como o despedimento.
Mesmo que se pudesse questionar a legitimidade da atitude do trabalhador (e realce-se mais uma vez que a culpa, neste caso concreto, não se presume), cremos que a sanção aplicada seria sempre manifestamente desproporcional e desadequada à eventual censurabilidade do comportamento do trabalhador que se consubstanciaria na recusa de prestação de horas suplementares que apenas pode ser-lhe exigido em circunstâncias pontuais e excecionais - artigo 227º do CT.
De todo o modo, ficou provado que o A. aderiu à greve previamente convocada, tendo apresentado nos autos um motivo para a aludida recusa, demostrando o motivo para a suspensão dos deveres de assiduidade e de subordinação perante a entidade patronal. Se o mesmo poderia ser atendível para o efeito e se a greve convocada era lícita (face à posição da Ré relativamente à mesma), não é encargo do trabalhador; impunha-se à Ré demostrar a culpa daquele com o comportamento adotado, não o tendo conseguido com a demonstração do simples facto de ter recusado o serviço.
Por último e conforme já nos havíamos referido em despacho anterior, o A não tinha obrigação de comunicar antecipadamente a sua adesão à greve, nem indicar tal como motivo para a sua recusa, já que tal constitui um direito constitucional a ser exercido livremente e sem qualquer tipo de pressões e no momento em questão caso o trabalhador assim o entenda.
Perante todo o exposto, concluímos não haver fundamento para a justa causa do despedimento levado a efeito pela entidade patronal, não se apresentando o comportamento do trabalhador censurável (porque violador de normas legais), justificativo da cessação da relação laboral por ficar em causa a relação de confiança que deverá existir entre os contraentes.
Face ao exposto, resta-nos concluir pela ilicitude do despedimento de acordo com o disposto no artigo 381º, al. b) do CT.”

Adiantamos desde já que concordamos em pleno com o decidido, que se mostra adequada aos factos provados e ao direito.
Na verdade, ficou provado que o Autor era dirigente sindical e aderiu à greve à prestação de trabalho fora do horário de trabalho.
Mais se provou que no dia 1 de Março de 2013, o A. estava escalado para o turno compreendido entre as 10:00h e as 18:15h.
Provou-se ainda que às 18:02h, a Ré atribuiu um serviço de assistência automóvel para a viatura automóvel em utilização pelo A. a realizar na Rua …, Porto através do sistema GOF e que o A. rejeitou a realização de tal serviço através do sistema GOF.
Como se refere na sentença recorrida a Ré atribui ao Autor um serviço 13 minutos antes do termo do seu horário de trabalho, não desconhecendo aquela que fora decretada uma greve à prestação de trabalho suplementar.
Por outro lado, o serviço atribuído implicava uma deslocação do Autor do local onde se encontrava até ao local da assistência a prestar “e que no final da jornada de trabalho, o A. ter-se-ia que dirigir às instalações da Ré, sitas na … para aí entregar o registo da atividade nesse dia. Considerando todo o percurso que o A. teria que fazer e ainda o tempo necessariamente despendido no atendimento ao cliente, ser próxima a distância entre o local em que se encontrava e o da assistência (cerca de 2,5 Km) e pondo de lado o facto de se tratar de hora de ponta, parece-nos por demais evidente que o trabalhador não teria conseguiria terminado todo o seu serviço em menos de 30/45 minutos.” Ou seja, a prestação deste trabalho implicaria obrigatoriamente a que o mesmo fosse prestado já para além do horário de trabalho. E tanto é assim, que o serviço em causa foi atribuído a outro trabalhador e aí chegado pelas 18.42 h não conseguindo resolver o problema, solicitando o reboque às 18.59 h, acabando a viatura por ser rebocada para as instalações da Ré. Daqui se extrai sem sombra de qualquer dúvida que o serviço em causa implicaria trabalho fora do horário normal de trabalho.
O chamamento ao caso do º 3 do artigo 203º do CT é inócuo. Na verdade, de acordo com o disposto no nº 3, alínea b) do CT não se compreende na noção de trabalho suplementar a tolerância de quinze minutos prevista no nº 3 do artigo 203º. E segundo este normativo, há tolerância de quinze minutos para transações, operações ou outras tarefas começadas e não acabadas na hora estabelecida para o termo do período de trabalho diário, tendo tal tolerância carácter excepcional.
Ora, vir invocar que a prestação daquele serviço por parte do Autor cabia no âmbito deste normativo, também não deixa de ser pura especulação. Tendo em conta as circunstâncias do caso seria impossível isso acontecer. Além de que, nem sequer se sabe se estaríamos perante uma situação excepcional ou repetitiva.
Por outro lado, sabendo a Ré da marcação da greve deveria ter o cuidado necessário para não causas situações tensas, evitando a atribuição de serviços que necessariamente iriam implicar trabalho para além do horário normal de trabalho, mesmo que se enquadrassem na aludia tolerância de quinze minutos. Era de admitir que atribuir o serviço em causa a um dirigente sindical a quinze minutos do termo da jornada, implicando o mesmo ainda deslocações, levaria a que o mesmo, estando em greve à prestação de trabalho suplementar, presumivelmente recusasse a sua prestação.
Quanto à não comunicação dos motivos da recusa, remetemos para os fundamentos explanados na sentença, os quais se mostram adequados e explícitos. Na verdade, a não alusão aos motivos da recusa, nomeadamente o facto de não ter dito que era devido à greve, não pode ser considerado como uma recusa ilegítima de ordens emanadas da entidade empregadora.
Como por todos é sobejamente sabido, o direito à greve é reconhecido como um direito fundamental pelo artigo 57º da Constituição da República Portuguesa, sendo garantido a todos os trabalhadores (artigo 530º do CT). Se é certo que compete às associações sindicais decretar a greve (artigo 531º do CT), é a cada trabalhador que cabe decidir se participa ou não na greve, ou seja, eles são os titulares desse direito, podendo mudar de opinião, e reservando-se o direito de a qualquer momento e sem ter que dar satisfações a quem quer que seja, fazer ou não greve. Esta participação caracteriza-se pela ausência do trabalhador ao seu posto de trabalho ou a recusa da prestação de trabalho suplementar após a prestar o respectivo trabalho no período normal.
Apesar de a lei não definir o que se deve entender por greve, deveremos atender a que «o conceito jurídico de greve requer que haja, por parte dos trabalhadores integrantes da concertação grevista, períodos (mais ou menos longos, simultâneos ou não) de efectiva e total abstenção de actividade»[3]. É o caso do trabalho extraordinário ou suplementar, pois segundo MONTEIRO FERNANDES[4] «Pode exemplificar-se com a recusa colectiva de trabalho extraordinário [...]. Por um lado, trata-se de um comportamento qualitativamente idêntico ao que caracteriza a greve «clássica»; consiste na não realização de uma prestação de trabalho devida, isto é, numa omissão ou abstenção que redunda em privar o empregador de um período de actividade necessária à realização dos seus fins. Por outro, tem uma suficiente homologia funcional com a recusa colectiva da prestação num período normal de trabalho, nos casos (mais frequentes) em que ela exprime o repúdio da contra-prestação (isto é do salário no valor oferecido pela entidade patronal). Pois será de recusar a legitimidade da recusa colectiva do trabalho extraordinário quando ela vise obter um acréscimo da taxa de remuneração desse trabalho, ou seja, quando essa recusa exprima o desacordo do conjunto dos trabalhadores perante o valor em aplicação para esse efeito? Se – como nos parece – a resposta a tal questão deve ser afirmativa, então não se vê maneira de obstar à generalização dessa resposta quanto à legitimidade e idoneidade do comportamento em causa como espécie de greve sob o ponto de vista jurídico […].
Nem parece convincente a argumentação que poderia aduzir--se com base no carácter pretensamente acessório da prestação de trabalho extraordinário, relativamente à actividade convencionada.
Para o efeito da determinação da greve, um elemento decisivo consiste na abstenção colectiva de trabalho devido, independentemente das relações funcionais que tenha no seio da actividade da empresa. Em referência ao período em que ocorre a recusa do trabalho extraordinário envolve uma abstenção total (temporária) e não apenas a omissão de uma parte ou de um acessório do comportamento devido. Não vemos, por isso, razão para configurar tal abstenção em moldes diversos dos da recusa de trabalho normal numa fracção do horário – fenómeno que não suscita dúvidas quanto à qualificação de greve.»
Assim sendo, não se vislumbra que a recusa no caso em apreço de o trabalhador prestar trabalho suplementar tivesse de ser motivada, até porque a Ré sabia perfeitamente que a greve a essa prestação tinha sido decretada.
E tanto assim é, que ficou provado que o Autor, após recusar a prestação do serviço que lhe foi atribuído, dirigiu-se às instalações da Ré sitas na …, onde chegou cerca das 18.16h, tendo aí entregue a documentação relativa ao registo da atividade nesse dia, nada tendo dito ao coordenador nem nada lhe tendo sido perguntado por este. Ora, este comportamento omissivo do coordenador é compatível e só é compreensível com o facto de o mesmo saber que o Autor estava em greve à prestação de trabalho suplementar.
Por outro lado, ao contrário do alegado pela Ré, não ficou provado que:
- O Coordenador Principal que estava de serviço, no Centro de Coordenação da …, Sr. F…, tenha tentado contactar telefonicamente por duas vezes com o objectivo de lhe atribuir tal serviço de assistência;
- Que as respetivas chamadas não tenham sido atendidas pelo A;
- Que o A. tenha recusado o serviço com a menção no sistema GOF que a intervenção ficava sem efeito justificada pelo facto do “Sócio volta a contatar”;
- Que depois de receber esta indicação, o Sr. F… tenha tentado contatar de novo o A. por telefone, mas este não voltou a atender;
- Que no período que decorreu até às 18:15h, o Sr. F… tenha contactado o Sócio em causa, tendo-lhe perguntado se alguém o teria de facto contactado e se ele, Sócio, teria dito que “voltaria a ligar”;
- Que o Sócio tenha afirmado que ninguém o tinha contactado em resposta ao pedido de assistência que dirigiu ao R. e que continuava a aguardar que a sua solicitação fosse atendida.
Temos, pois, por entendimento que a recusa do Autor, num clima de crispação com a Ré que não aceitou como legal a greve decretada, em prestar trabalho suplementar, não é ilegítima, não, desobedecendo, assim a ordens emanadas da sua entidade empregadora (cfr. artigo 536º, nº 1 do CT).
Não violou, assim, o Autor o dever consagrado do artigo 128º, nº 1, alínea e) do CT.
Mas, como refere a Mº Juiz a quo, «mesmo que se pudesse questionar a legitimidade da atitude do trabalhador (e realce-se mais uma vez que a culpa, neste caso concreto, não se presume), cremos que a sanção aplicada seria sempre manifestamente desproporcional e desadequada à eventual censurabilidade do comportamento do trabalhador que se consubstanciaria na recusa de prestação de horas suplementares que apenas pode ser-lhe exigido em circunstâncias pontuais e excecionais - artigo 227º do CT.
De todo o modo, ficou provado que o A. aderiu à greve previamente convocada, tendo apresentado nos autos um motivo para a aludida recusa, demostrando o motivo para a suspensão dos deveres de assiduidade e de subordinação perante a entidade patronal. Se o mesmo poderia ser atendível para o efeito e se a greve convocada era lícita (face à posição da Ré relativamente à mesma), não é encargo do trabalhador; impunha-se à Ré demostrar a culpa daquele com o comportamento adotado, não o tendo conseguido com a demonstração do simples facto de ter recusado o serviço».
Por outro lado, «estando em causa um despedimento de um dirigente sindical, a culpa não se presume e que competia à entidade patronal provar o circunstancialismo que alega e que fundamenta a alegada violação dos deveres laterais. Na verdade, a mesma invoca um comportamento desonesto e desleal do trabalhador na medida em que o mesmo terá recusado o serviço invocando que aquele tinha ficado sem efeito justificado, por parte do trabalhador, pelo facto do sócio ter referido que voltaria a contactar e que tal circunstancialismo não correspondia á verdade. E tais circunstâncias (que a provar-se demonstrariam um comportamento reprovável por parte do A.) não ficaram demonstradas nos autos, mas tão só que este recusou o serviço».
Como se sabe, para que se verifique a justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade e consequências, leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível.
No entanto, a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos[5], e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (art.º 351.º, n.º 3, do CT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.
Ora, no caso, mesmo a considerar que a recusa do trabalhador não era legítima, deveríamos atender a todo o circunstancialismo que rodeou os acontecimentos, nomeadamente, a greve decretada à prestação de trabalho suplementar, à oposição da Ré a esta greve, à crispação das relações entre trabalhadores e Ré, ao facto de o Autor ser dirigente sindical, ao facto de a ordem emanada da Ré para que o Autor prestasse o serviço lhe ter sido dada quando faltavam treze minutos para o términus da jornada, o que a Ré bem sabia e que a mesma implicaria que os serviços se prolongassem obrigatoriamente para lá do horário normal de trabalho. Tudo isto apreciado em conjunto, levar-nos-ia a concluir que o comportamento do trabalhador não reveste gravidade suficiente para que a sanção aplicada seja a cessação da relação laboral. Isto sem esquecermos que a imagem da Ré ficaria bem mais beliscada se após o decurso dos invocados quinze minutos de tolerância o Autor deixasse de prestar o trabalho que executava dizendo que se encontrava em greve ao trabalho suplementar.
É, assim, ilícito o despedimento (artigo 381º, alínea b) do CT).
Por todo o exposto, confirma-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso.
◊◊◊
3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente [artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
◊◊◊
◊◊◊
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) – Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré/recorrente e em consequência manter intocável a sentença recorrida.
b) – Condenar a Recorrente/ré no pagamento das custas do recurso.
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 05 de Janeiro de 2015
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
___________
[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “Autora” à trabalhadora. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ré”, utilizando as expressões “trabalhador” e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Síntese que a recorrente não teve na formulação das suas extensas conclusões.
[3] MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, 2009, pág. 942.
[4] Ob. cit., pág. 943.
[5] Cfr. MONTEIRO FERNANDES, in Direito do Trabalho, 15.ª edição, p. 592/598.
________________
SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
I - O Trabalhador que adira à greve não tem de comunicar antecipadamente que a ela vai aderir.
II - Inexiste justa causa para o despedimento numa situação em que um trabalhador que adira à greve de prestação de trabalho suplementar, recusa prestar um serviço atribuído 13 minutos entes do términus do seu horário de trabalho, não desconhecendo a ré que fora decretada uma greve à prestação de trabalho suplementar, o qual implicava necessariamente que fosse prestado para além do horário normal de trabalho.

António José Ramos