Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12250/17.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DE COGNIÇÃO
Nº do Documento: RP2021092012250/17.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PHZ-Obras-RMF-12250/17.6T8PRT.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTOR: Condomínio …, n.º .., do prédio em propriedade horizontal sito na …, n.º .., ….-… Porto, representada pela sociedade denominada “B…, Lda.”; e
- RÉ: “C…, Lda.”, com sede Rua …, N.º …, 5º, Sala .., ….-… Porto,
pede o autor pedindo a condenação da ré a pagar ao autor o montante de € 8.844,98 (oito mil, oitocentos e quarenta e quatro euros, e noventa e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal e até efetivo e integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese útil, que a Ré, enquanto proprietária da fração autónoma – salão de jogos - designada pela letra “A”, localizada no prédio em propriedade horizontal sito na morada acima indicada, e com entrada pelo n.º .. da Rua …, está obrigada a pagar, para além das prestações mensais do condomínio, também as quotas extras deliberadas em assembleia geral, permanecendo em dívida com a participação em 3 (três) prestações mensais no valor de € 2.812,00 cada, num total de €8.436,00, referente à quota extra da obra para reabilitação da cobertura do prédio, que tinha a pagar nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2016.
Mais refere que as descritas quotas extra foram deliberadas e devidamente aprovadas em assembleia geral de condóminos realizada em 08.07.2016, e a Ré, apesar de ter tomado conhecimento de tal deliberação e ter sido interpelada por diversas vezes para proceder ao pagamento dos referidos montantes, até à presente data não o fez, totalizando a quantia em dívida, acrescida do montante de € 162,28 referente a juros moratórios, ao montante de € 8.598,28.
Peticiona ainda a condenação da Ré a pagar os honorários do Il. Mandatário subscritor da petição. que quantifica em €246,00.
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Regularmente citada, a Ré contestou, invocando que a permilagem da fração de que a Ré é proprietária não consta indicada, nomeadamente na petição e que, de entre os orçamentos apresentados, foi escolhido (aprovado) o mais elevado dos apresentados, o qual contempla a colocação de subtelha Onduline, sendo desproporcional à importância do edifício e possui uma natureza voluptuária, alegando ainda para tanto que as obras aprovadas não tiveram por objetivo a simples conservação do telhado do prédio, mas antes visaram o maior conforto das frações, ou de algumas frações, designadamente as situadas nos últimos pisos, que estão a ser usadas como habitações.
Termina por pedir a improcedência da ação, e, subsidiariamente, a procedência parcial, devendo a Ré, neste último caso, ser apenas condenada a pagar, de acordo com a permilagem da sua fração, as obras respeitantes à substituição do telhado, que estima em valor não superior a €10.000,00.
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O Autor respondeu à matéria de exceção deduzida na contestação, desde logo referindo que o valor das quotas extras teve em conta a permilagem da fração da Ré - permilagem de 26,27%, -, conforme aprovado em assembleia geral de condóminos realizada em 08.07.2016, e constante da ata n.º 15 junta como documento n.º 4 com a petição inicial. Alegou que tal permilagem constata-se pela lista de presenças junta com a descrita ata n.º 15 (26,27%), que é igual à expressa no documento n.º 4 que a própria Ré juntou com a contestação.
Alegou ainda que pretende a Ré fazer um termo de comparação entre os vários orçamentos postos à votação mas os mesmos não contemplam as mesmas obras, nem a mesma qualidade dos materiais, tendo o orçamento aprovado em Assembleia de Condóminos sido aquele que reuniu consenso por ser o mais eficaz na resolução dos problemas existentes no prédio. Mais alegou que, tendo a assembleia realizada em 20 de Abril de 2017 sido realizada a pedido da Ré e não tendo esta impugnado judicialmente as deliberações anteriormente tomadas, estas tornaram-se eficazes.
Alegou finalmente que não podem as obras de conservação realizadas na cobertura do prédio ser consideradas de inovação ou de natureza voluptuária.
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O Autor, acedendo ao convite ao aperfeiçoamento endereçado pelo Tribunal restrito à matéria alegada no artigo 6.º da petição inicial (nomeadamente quanto à indicação da permilagem da Ré), apresentou o respetivo requerimento.
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Proferiu-se decisão que indeferiu a realização de prova pericial requerida pela ré, com fundamento que, não tendo a dita deliberação da Assembleia de Condóminos sido impugnada, carecer de possibilidade legal a realização da peritagem requerida.
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Foi interposto recurso pela ré, o qual julgado e apreciado, confirmou a decisão, constando o Acórdão da Relação do Porto do Apenso A.
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Proferiu-se despacho saneador, com dispensa de indicação do objeto do processo e de seleção dos temas da prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Nestes termos e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de €8.598,28 (oito mil, quinhentos e noventa e oito euros, e vinte e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos a partir da data da instauração da presente ação calculados sobre o capital de €8.436,00, à taxa legal e até efetivo e integral pagamento.
Mais absolvo a Ré do mais peticionado.
Custas por Autor e Ré na proporção do respetivo decaimento, e cfr. o disposto no art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”.
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A Ré C…, Lda. veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir a procedência do recurso, com consequente improcedência da ação.
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Na resposta ao recurso a apelada formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir que se negue provimento ao recurso, por se revelar a apelação infundada, mantendo-se a sentença.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova;
- mérito da causa.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.“B…, Lda.”, representante do Autor, é uma sociedade cuja atividade compreende a administração e gestão de propriedades, bens e direitos imobiliários, direitos de propriedade, de compropriedade, de propriedade horizontal e de usufruto.
2. Mediante deliberação da Assembleia de Condóminos de 09.01.17 do prédio em propriedade horizontal sito na …, n.º.., freguesia …, no Porto, a representante do Autor foi eleita administradora do referido imóvel.
3. A Ré, por sua vez, é proprietária da fração autónoma – salão de jogos - designada pela letra “A”, sita no prédio referido no ponto 2. supra, e com entrada pelo n.º .. da Rua …, melhor descritas na 1ª Conservatória do Registo predial do Porto.
4. No dia 8 de Julho de 2016, pelas 15h30m, reuniu em segunda convocatória a Assembleia Extraordinária de Condóminos do prédio sito na …, nº .., no Porto, para deliberar sobre os assuntos seguintes:
“1. Análise e deliberação sobre obras a realizar no Edifício”.
5. No âmbito da Assembleia Extraordinária de Condóminos a que se alude no ponto anterior, cfr. resulta expresso da ata n.º 15 reproduzida a fls. 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, resultou deliberado e aprovado o seguinte:
«No que concerne ao ponto um da ordem de trabalhos, a Administração distribuiu um dossier para reabilitação da cobertura do edifício, que continha os orçamentos das seguintes empresas: D…, E… e F…, que se anexam à presente ata e dela fazem parte integrante (Doc.3).
Após explicação dos documentos apresentados e posto à votação foi deliberado por unanimidade adjudicar a empreitada a empresa D…, pelo montante de 32.112,72€ com IVA incluído.
Foi ainda deliberado por unanimidade sem abstenções, que será criada uma quota extra no montante de 32.112,72€ a liquidar em 3 prestações iguais e sucessivas a iniciar no mês de Agosto de 2016 e a última em Outubro de 2016, vencendo-se cada ao dia 8 de cada mês. (…)».
6. A permilagem da fração da Ré é de 26,27%, conforme, entre o mais, consta expressamente referido na lista de presenças reproduzida a fls. 28, cujo teor aqui se reproduz integralmente, lista de presenças essa anexa à ata n.º 15 referida anteriormente, ponto 5.;
7. … Pelo que, a quota extra da obra de reabilitação da cobertura aprovada na Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada no dia 8 de Julho de 2016, acima referida, calculada por referência ao orçamento de €32.112,72 que foi escolhido e aprovado por unanimidade dos condóminos presente, referente à fração da Ré, corresponde a 3 (três) prestações mensais no valor de € 2.812,00 cada uma;
8. … O que totaliza €8.436,00;
9. … A pagar nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2016.
10. Apesar de ter tomado conhecimento de tal deliberação e ter sido interpelada para proceder ao pagamento dos referidos montantes, até à presente data a Ré nada pagou.
11. Tendo-se discutido novamente o assunto em Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada em 20.04.2016 a pedido da Ré, cfr. resulta expresso da ata n.º 17 reproduzida a fls. 47 e 48, na qual, entre o mais, resulta referido o seguinte:
«(…)
Neste momento, informou o representante da fração “A” Dr. G… que pretende complementar a declaração de voto apresentada na assembleia do passado dia 9 de Janeiro de 2017 com o seguinte: “A fração “A” não foi convocada para a assembleia do dia 8 de Julho de 2016, pelo que não lhe foi dada a possibilidade de analisar antes da aprovação o projeto de obras realizadas. Depois de analisar esse projeto, conclui que as obras vão para além do estritamente necessário para a reparação da cobertura do prédio e visam em grande parte, o conforto das frações dos últimos pisos, no pressuposto de virem a servir para habitação e não para escritório. Assim sendo, entende que devem ser essas frações a suportar 50% do custo das obras, sendo os restantes 50% divididos em função da permilagem de cada fração”.
Neste momento, a Presidente toma a palavra para demonstrar com o documento anexo à presente ata que a fração em causa recebeu a ata n.º 15 a que se reporta.
Por outro lado fez notar que as obras em causa visaram sobretudo sanar as infiltrações do telhado do edifício, comum a todas as frações, que é certo, na obra em causa afetaram as frações do 4º, 5º e fração “I”.»
12. Nos termos do disposto no artigo 17º, n.º 4 do Regulamento do Condomínio Autor:
«O atraso culposo de qualquer condómino quanto ao pagamento da respetiva contribuição, dará lugar a ações judiciais e extrajudiciais para haver a quantia em dívida, incluindo honorários de advogados e procuradores, mesmo que, verificando-se o pagamento antes da propositura da Acão, já se tenham praticado atos preliminares a esta; serão ainda cobrados juros de mora sobre a importância em dívida, à taxa de juro atual para descontos bancários em operações a curto prazo.»
13. A Ré não impugnou qualquer deliberação, incluindo a contante da ata n.º
15, realizada no dia 8 de Julho de 2016, pelas 15h30m, aprovada por unanimidade dos condóminos presentes na Assembleia Extraordinária de Condóminos do prédio sito na …, nº .., no Porto, reunida em segunda convocatória, para deliberar sobre a análise e deliberação sobre as supra referidas obras a realizar na cobertura do Edifício.
14. Os condóminos aprovaram o orçamento na assembleia de 8 de Julho de 2016 pelo facto do mesmo ser mais eficaz na resolução dos problemas existentes no prédio;
15. … Assegurando a sua resolução com carácter duradouro e não com intervenções pontuais;
16. Tendo em conta que o prédio foi construído há quase 30 anos.
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b) Factos não provados.
Com relevância para a decisão a proferir, foram considerados não provados todos os factos que contrariam ou excedem os acima expostos, bem como aqueles sobre os quais a prova produzida não foi bastante, designadamente os seguintes:
a)Que a colocação de subtelha Onduline no telhado do Edifício é desproporcional à importância do prédio em propriedade horizontal sito na …, n.º ...
b) Que os condóminos presentes na assembleia realizada no dia 8/07/2016 aprovaram o orçamento apresentado pela D…, que contempla a colocação de subtelha Onduline, porque várias das frações destinadas a escritório estão a ser utilizadas como habitação;
c) … E têm exigência de maior conforto.
d) Que as obras aprovadas não tiveram por objetivo a conservação do telhado do prédio em questão nos presentes autos, mas antes visaram o maior conforto das frações, ou de algumas frações, designadamente as situadas nos últimos pisos, que estão a ser usadas como habitações.
e) Que a colocação de subtelha Onduline visa introduzir um elemento adicional à cobertura do prédio.
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Consignou-se, ainda:
Inexistem quaisquer outros factos enunciar, provados ou não provados, com relevo para a apreciação do mérito da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito.
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3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 8, suscita a apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto à matéria dos pontos 14 e 15 dos factos provados e alíneas a) a d) dos factos não provados.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso - fundamentação – com indicação dos meios de prova a reapreciar e quando envolve a reapreciação de prova gravada, indicar por transcrição as passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, indicando os concretos factos e prova a reapreciar, bem como, a decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[7].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - testemunhal, documental e pericial -, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição da prova através do sistemas Citius e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos.
a) Factos provados:
14. Os condóminos aprovaram o orçamento na assembleia de 8 de Julho de 2016 pelo facto do mesmo ser mais eficaz na resolução dos problemas existentes no prédio;
15. … Assegurando a sua resolução com carácter duradouro e não com intervenções pontuais.
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a) Factos não provados
a) Que a colocação de subtelha Onduline no telhado do Edifício é desproporcional à importância do prédio em propriedade horizontal sito na …, n.º ...
b) Que os condóminos presentes na assembleia realizada no dia 8/07/2016 aprovaram o orçamento apresentado pela D…, que contempla a colocação de subtelha Onduline, porque várias das frações destinadas a escritório estão a ser utilizadas como habitação;
c) … E têm exigência de maior conforto.
d) Que as obras aprovadas não tiveram por objetivo a conservação do telhado do prédio em questão nos presentes autos, mas antes visaram o maior conforto das frações, ou de algumas frações, designadamente as situadas nos últimos pisos, que estão a ser usadas como habitações.
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Na fundamentação da decisão de facto, depois de uma análise sobre os critérios a atender na apreciação da prova, com referência ao regime legal e a estudos jurídicos, pronunciou-se o juiz do tribunal “a quo” sobre a prova produzida nos termos que se passam a transcrever:
“Assim, na presente acção, a convicção do tribunal assentou na prova produzida, desde logo da consensualidade que emerge da posição das partes vertidas nos respectivos articulados, a qual é consentânea à abundante prova documental junta aos autos, e que não foi alvo de impugnação, e que interessou para o apuramento da factualidade provada aos “factos provados” n.ºs 1 a 3.
Quanto aos “factos provados” n.ºs 4 e 5 interessou o teor da acta n.º 15, relativa à Assembleia Extraordinária de Condóminos reunida no dia 8 de Julho de 2016, em segunda convocatória, para análise e deliberação sobre as obras de reabilitação na cobertura do Edifício, e do aí colocado à deliberação e aprovado por unanimidade de todos os condóminos, acta essa reproduzida a fls. 27, documento não impugnado.
No que tange ao “facto provado” n.º 6 relevou a lista de presenças anexa à mencionada acta n.º 15, reproduzida tal lista a fls. 28. A permilagem da fracção da R. (26,27%) resulta ainda da certidão permanente referente ao prédio constituído em propriedade horizontal em questão, reproduzida a fls. 212 verso a 214 verso.
Relativamente aos “factos provados” n.ºs 7, 8 e 9, resulta de mera operação de cálculo aritmético tendo por referência o valor do orçamento aprovado (por unanimidade dos condóminos presentes na Assembleia Extraordinária de Condóminos, reunida em 8 de Julho de 2016, em segunda convocatória, para análise e deliberação sobre as obras de reabilitação na cobertura do Edifício), que ascende ao valor de € 32.112,72, mais considerando a permilagem da fracção da Ré (26,27%) e o número (três) e datas das prestações deliberadas.
Quanto ao “facto provado” n.º 11, interessou o teor da acta n.º 17, reproduzida a fls. 47 e 48.
No que concerne ao “facto provado” n.º 12, relevou o Regulamento do Condomínio Autor, reproduzido a fls. 56 a 65.
Quanto ao “facto provado” n.º 13, relevou a consensualidade das partes a respeito da respectiva materialidade.
Sublinhe-se que, quanto aos factos provados antes elencados nos pontos 1 a 13, não resulta qualquer discórdia entre as partes. Na verdade, o ponto nevrálgico da discórdia dos autos prende-se unicamente com uma só questão – de resto, tal como expressamente o refere a R. no articulado que apresentou nos autos em 12-1-2018, constante a fls. 137 e ss., no qual refere que “Efectivamente as deliberações em causa na presente acção não foram impugnadas, como a Ré reconhece na sua contestação” (artigo 1.º do referido requerimento) e “a oposição da ré tem por fundamento o disposto no art. 1426.º, n.º 2 do Cód. Civil que determina que o condómino que não tenha aprovado a inovação não é obrigado a concorrer para as correspondentes despesas se a recusa for judicialmente fundada.” (artigo 2.º do requerimento mencionado).
Desse modo, a matéria controvertida nestes autos reconduz-se à matéria alegada no articulado de contestação, na qual a Ré sustenta que a colocação de sub-telha Onduline no telhado do Edifício é desproporcional à importância do prédio em questão e que os condóminos presentes na assembleia realizada no dia 8/07/2016 aprovaram o orçamento apresentado pela D…, que contempla a colocação de sub-telha Onduline, porque várias das fracções destinadas a escritório estão a ser utilizadas como habitação e, por isso, têm exigência de maior conforto, afirmando que as obras aprovadas não tiveram por objectivo a conservação do telhado do prédio em discussão, antes visaram o maior conforto das fracções, ou de algumas fracções, designadamente as situadas nos últimos pisos, que estão a ser usadas como habitações, visando a colocação de sub-telha Onduline introduzir um elemento adicional à cobertura do prédio.
Ora, esta alegação da Ré – matéria de excepção que, de acordo com as regras da repartição do ónus da prova previstas no art. 342.º do CC, incumbia à Ré a respectiva prova -, não resultou provada. Por essa razão, foi tal matéria levada aos “factos não provados” (sob as alíneas a) a e)).
Resultou antes provada materialidade inversa – a levada aos pontos 14 a 16 dos “factos provados”.
Com efeito, relativamente aos “factos provados” n.ºs 14, 15 e 16, interessou desde logo o conteúdo da acta n.º 17, reproduzida a fls. 47 e 48, referente à Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada no dia 20 de Abril de 2016. Na mesma, “o representante da fracção “A” Dr. G… que pretende complementar a declaração de voto apresentada na assembleia do passado dia 9 de Janeiro de 2017” referiu então que “A fracção “A” não foi convocada para a assembleia do dia 8 de Julho de 2016, pelo que não lhe foi dada a possibilidade de analisar antes da aprovação o projecto de obras realizadas”, e referiu ainda que “Depois de analisar esse projecto, conclui que as obras vão para além do estritamente necessário para a reparação da cobertura do prédio e visam em grande parte, o conforto das fracções dos últimos pisos, no pressuposto de virem a servir para habitação e não para escritório. Assim sendo, entende que devem ser essas fracções a suportar 50% do custo das obras, sendo os restantes 50% divididos em função da permilagem de cada fracção”.
Ou seja, o representante da Ré, na ocasião, não contrapôs a natureza inovadora da obra, nem a natureza voluptuária da mesma, nem que, quer uma, quer outra razão, tivessem estado na base da deliberação tomada na Assembleia Extraordinária de Condóminos de 8 de Julho de 2016 que aprovou o orçamento da D… pelo montante de 32.112,72€. O que contrapôs foi que as obras vão para além do estritamente necessário para a reparação da cobertura e visam em grande parte o conforto eventual (“no pressuposto”) e eventual (“de virem”) a servir para habitação.
E logo então, com a espontaneidade que a confrontação com tais afirmações permite antever, a Presidente da Assembleia tomou a palavra não só “para demonstrar com o documento anexo à presente acta que a fracção em causa recebeu a acta n.º 15 a que se reporta” mas também para referir e fazer “notar que as obras em causa visaram sobretudo sanar as infiltrações do telhado do edifício, comum a todas as fracções, que é certo, na obra em causa afetaram as fracções do 4º, 5º e fracção I”.
Ou seja, logo na ocasião, o que resultou sublinhado foi que as obras em causa visaram conservar o Edifício, sendo a intervenção realizada numa parte comum do mesmo – telhado -, e, por isso, da responsabilidade de todos os condóminos.
Tal resultou corroborado pelos depoimentos das testemunhas:
- H…, engenheiro na empresa “D…”, que de modo circunstanciado, descomprometido e genuíno, e, pelo tanto, crível, referiu que as obras realizadas se trataram de obras de reparação e substituição do telhado, sendo que o que lá estava era bastante antigo e o trabalho de reparação e substituição que demandou foi de estrita necessidade dadas as patologias que existiam e as evidências de infiltrações que directamente atestou, patentes e inequívocas, não se tratando de quaisquer obras meramente decorativas ou de inovação.
- I…, gestora da actual Administração do Condomínio Autor há cerca de três anos, igualmente corroborou a necessidade das obras, o valor das quotas extraordinárias aprovadas para fazer face à sua realização pela empresa cujo orçamento foi aprovado pela mencionada Assembleia Extraordinária de Condóminos (reunida no dia 8 de Julho de 2016) e as quantias que permanecem em dívida pela Ré. O seu depoimento foi também prestado de forma descomprometida e objectiva, e, pelo tanto, crível.
Assim, de todos os mencionados elementos probatórios – prova documental e testemunhal -, analisados de forma crítica, conjugada e concatenada, à luz das regras da experiência comum, normal suceder e habitualidade da vida, resultou positivamente comprovada a materialidade levada aos pontos 14, 15 e 16 dos “factos provados”. Ou seja, que os condóminos presentes na mencionada Assembleia Extraordinária de Condóminos, reunida em segunda convocatória, no dia 8 de Julho de 2016, aprovaram o orçamento apresentado pela firma “D…” pelo facto do mesmo oferecer maior eficácia na resolução dos problemas existentes no prédio, mormente os provados por infiltrações de água, e por assegurar a sua resolução com carácter duradouro e não como mais uma intervenção pontual, mais a mais tendo em conta a longevidade do prédio em questão (construído há quase 30 anos).
Ao invés, pela ausência de prova bastante da sua verificação, não resultou provado que a colocação de sub-telha Onduline no telhado do Edifício é desproporcional à importância do prédio e que os condóminos presentes na dita Assembleia aprovaram o orçamento apresentado pela D…, que contempla essa colocação, porque várias das fracções destinadas a escritório estão a ser utilizadas como habitação, têm exigência de maior conforto, e visaram esse maior conforto de só algumas das fracções, designadamente as situadas nos últimos pisos, usadas como habitações, visando a colocação de sub-telha Onduline a introdução de um elemento adicional à cobertura do prédio.
Por isso, esta matéria foi levada aos “factos não provados”, como mencionado supra.
Note-se, a respeito do depoimento prestado pela testemunha J…, que o seu depoimento, para além de evidenciar parcialidade, dado que, não obstante ter deixado de ser representante legal da Ré em Outubro de 2016, desde então continua a exercer, de facto, juntamente com a sua esposa (representante legal da Ré desde aquela data), a gestão da Ré, parte na presente acção, e, nessa medida, com um natural e inerente interesse no desfecho dos autos, para além do referido, certo é que, no decurso do seu depoimento, admitiu a dado passo que, tendo o telhado do prédio, antes das obras em discussão nestes autos, apenas sido alvo de reparações pontuais (duas, segundo referiu, a última das quais, reportou ao ano de 2009), nunca tendo sido anteriormente alvo de uma verdadeira intervenção, nomeadamente que comportasse a sua substituição, não considera que as obras aprovadas, adjudicadas à firma “D…” e realizadas na cobertura do prédio, consubstanciem uma alteração ao prédio. Entende (na sua opinião, e parcial, pelas razões antes dilucidadas) que a colocação da sub telha Onduline, apenas serviu para dar mais isolamento térmico.
Uma nota final para a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente no que respeita ao depoimento prestado pela testemunha K…, contabilista contratado da Ré desde 1998, que, sobre a matéria controvertida em discussão nestes autos não evidenciou qualquer conhecimento relevante.
Em suma, toda a prova produzida, em recíproco cotejo e análise concatenada e crítica, permitiu alcançar a comprovação da realidade dos “factos provados” levados aos pontos 1 a 16, incluindo os narrados nos pontos 14, 15 e 16, e, diversamente, não sustentou, sequer, de forma bastante, a materialidade levada às alíneas a) a e) dos “factos não provados”.
Sublinhe-se ainda que toda a prova foi apreciada segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, não se confundindo esta apreciação com uma apreciação arbitrária, nem com uma simples impressão no espírito do julgador, antes obedecendo a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Relativamente aos factos dados como não provados a sua não prova ficou a dever-se à demonstração do oposto da sua realidade nos termos acima já mencionados e ainda à total ausência de qualquer meio de prova que os demonstrasse para além da mera alegação.
Por último, importa mencionar que toda a restante alegação constante dos articulados das partes que não se mostre incluída na matéria de facto dada como provada e não provada consubstancia quer uma alegação de direito, quer alegação conclusiva ou simplesmente matéria irrelevante para a apreciação do mérito da causa dentro das várias soluções plausíveis de direito”.
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A apelante sugere a alteração da decisão de facto, no sentido de se julgarem não provados os pontos 14 e 15 dos factos provados e provados os factos enunciados sob as alíneas a) a d) dos factos não provados. Sustenta a alteração da decisão em documentos e excertos dos depoimentos das testemunhas K…, J… e H….
Sob o ponto 1 das conclusões de recurso, a apelante sustenta a alteração dos pontos 14 e 15 dos factos provados nos “documentos juntos aos autos”, quando refere: ”resulta dos vários documentos juntos aos autos e não impugnados que os condóminos proprietários das frações destinadas a escritório no prédio em causa nos autos tentaram, até à revelia da recorrente, aprovar a alteração do destino das mesmas frações para habitação”.
Contudo, não indica os concretos documentos a considerar.
Na motivação do recurso apenas faz referência à ata nº 17 (assembleia de 20 de abril de 2017) e ata nº 15 (assembleia de 08 de julho de 2016), para considerar que das mesmas não resulta que se possa considerar que orçamento aprovado foi considerado “mais eficaz”.
As atas têm o conteúdo que das mesmas consta e que foi devidamente apreciado na fundamentação da decisão e as deliberações ali tomadas não foram impugnadas. Tais documentos relevam no sentido de demonstrar o motivo que levou os condóminos a realizar a obra, sendo inequívoco que das mesmas decorre que o prédio em causa apresentava problemas de infiltração com origem no telhado e que a solução passava pela substituição do telhado.
Decorre da ata nº 15 que foram apresentados três orçamentos, dois deles com valores muito próximos e nos quais se propunham executar a mesma obra com a aplicação de idênticos materiais, entre os quais subtelha “onduline”. Apenas no orçamento com valor mais baixo não se aplicaria tal material.
Neste último orçamento, (consta de fls. 746 do processo eletrónico) faz-se expressa referência à obra a executar no terraço que cobre o escritório.
O relevo atribuído às referidas atas na fundamentação da decisão de facto não merece censura, nem justifica só por si qualquer alteração da decisão de facto.
Por outro lado, apenas na ata nº 17 se faz alusão à proposta de alteração do uso das frações, ficando deliberado “que não será possível alterar o fim da fração”, não ficando muito explicito qual a fração que visava tal alteração.
Argumenta ainda a apelante, com base no depoimento de K… e J… que algumas dessas frações destinadas a escritório estão a ser utilizadas para habitação.
Efetivamente, as testemunhas assim o referiram, mas de forma muito vaga e imprecisa.
A testemunha J… referiu que no decurso da realização da obra no telhado, aproveitou para verificar a obra e subiu até ao telhado através dos andaimes, altura em que verificou existir na fração do último piso uma alteração na sua composição, com aproveitamento do vão do telhado.
A testemunha K… não revelou ter conhecimento das frações que compõem o prédio, exceto a do rés-do-chão, propriedade da ré e por exercer as funções de contabilista para esta empresa. Afirmou que em pesquisas efetuadas na internet apurou que uma das frações do prédio estava afeta a alojamento local.
O uso dado à fração ou as obras que foram executadas na mesma não constituem matéria que releve para a concreta questão em análise nos autos, sendo certo que a verificarem-se tais alterações será junto do condomínio que devem ser colocadas.
Desta forma, o depoimento das testemunhas a respeito desta matéria em nada releva para, face às obras executadas, apreciar do caráter voluptuário ou não proporcional à importância do edifício.
Acresce que face à posição defendida pela testemunha J… e que reflete a posição da apelante-ré, não se compreende em que medida o destino da fração (habitação ou escritório) possa contender com a obra executada ou não justificar a obra executada com aplicação de subtelha. Mesmo seguindo o raciocínio da testemunha, que aliás considerou ser a sua opinião pessoal, o facto da aplicação de subtelha proporcionar maior insonorização e isolamento térmico, não significa que a obra foi executada para dar satisfação a um condómino, que pretende alterar o uso da fração, de escritório para habitação. A insonorização e isolamento térmico constituem qualidades da construção que relevam, independentemente do uso da fração, para escritório ou habitação.
No ponto 4 das conclusões de recurso o apelante dá particular relevo ao depoimento da testemunha H… porque, como refere, a testemunha reconheceu que a execução de telhado novo sem subtelha Onduline resolvia os problemas de infiltração e humidade.
Em bom rigor a testemunha não disse o que se acabou de transcrever e neste aspeto, a transcrição do seu depoimento conforme consta da motivação do recurso revela-se mais fiel ao que se passou.
A testemunha na parte final do seu depoimento e a instância do mandatário da apelante referiu: “…pontualmente resolveria… se fosse colocado o telhado novo e a estrutura, sem Onduline, pontualmente resolveria a infiltração”.
A testemunha não foi perentória na afirmação e considerando o seu depoimento na globalidade compreende-se as reservas na resposta.
O depoimento da testemunha mostra-se relevante por ter participado na execução da obra, pois como engenheiro civil trabalha para a empresa que executou a obra. A testemunha verificou o estado do telhado antes de ser apresentado o orçamento e as patologias que se verificavam, as quais descreveu. Também indicou como executou a obra e a importância de aplicar subtelha, esclarecendo que tal material não se aplicava na data em que o prédio foi construído. Esclareceu que a opção pela execução da obra nos termos em que a executou não passou pela consideração do tipo de uso que era dado às frações, sendo certo que quando se deslocou ao prédio no início de 2016, para fazer a avaliação, verificou que as frações se destinavam a escritório. Esclareceu que era uma obra com “intuito curativo, porque o elemento não estava nas perfeitas condições que era garantir a estanquicidade”, e ainda, sublinhou: “não tinha caráter estético ou decorativo”. Referiu que “a tipologia do edifício não foi estudada” e que “dadas as infiltrações e o intuito da cobertura é impedir as infiltrações, efetuaram um tratamento curativo. As patologias eram evidentes porque via-se a água a pingar pela lage de cobertura”.
Decorre, ainda, do depoimento da testemunha que a obra executada passou pela substituição integral do telhado, o que envolveu a estrutura e a própria telha.
Nenhuma outra prova foi produzida que permitisse infirmar o depoimento da testemunha.
Resulta do depoimento da testemunha J… que em data anterior o telhado já teria sido objeto de duas intervenções, uma, em 2003 e outra, em 2009.
Esta obra foi realizada em 2016, num prédio que tinha pelo menos 30 anos e dada a natureza da concreta obra e importância para garantir a segurança e habitabilidade do prédio (independentemente do uso atribuído a casa fração), justifica-se que o condomínio tenha optado por uma intervenção que garantisse uma solução eficaz e duradoura, como aquela que encontrou.
Nem o depoimento da testemunha, nem a restante prova permite considerar que a natureza da obra e o seu custo de revelasse desproporcional à importância do prédio em causa. O facto de se tratar de uma construção com 30 anos e no centro do Porto, só por si, não permite extrair qualquer conclusão sobre o juízo de proporcionalidade, sabendo nós que a baixa do Porto está povoada por casas centenárias e habitáveis. Por outro lado, a substituição de um telhado, com as melhores técnicas e regras da arte, sem alterar a sua conceção, revela-se um ato de administração adequado e equilibrado, por tal obra estrutural se mostrar importante para garantir a conservação de uma construção.
Ponderando estes aspetos é de concluir que a decisão dos pontos 14 e 15 dos factos provados e as alíneas a) a d) dos factos não provados não merecem censura, devendo como tal manter-se a decisão.
Improcedem os pontos 1 a 8 das conclusões de recurso.
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- Mérito da causa -
No ponto 9 das conclusões de recurso a apelante insurge-se contra a decisão de direito no pressuposto da alteração da decisão de facto.
Mantendo-se a decisão de facto inalterada, nada mais cumpre decidir ou apreciar.
Improcedem as conclusões de recurso sob o ponto 9.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar improcedente a reapreciação da decisão de facto;
- confirmar a sentença.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 20 de setembro de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990, com exceção do excerto da sentença que se transcreve, na qual não se seguiu tal acordo por opção expressamente manifestada no texto.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569.
[6] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[7] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[8] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[9] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).