Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1/16.7SFPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI MAIS FAVORÁVEL
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP201810241/16.7SFPRT-D.P1
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º775, FLS.240-243)
Área Temática: .
Sumário: A aplicação retroactiva de lei penal nova mais favorável, nos termos do artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, não representa violação do caso julgado quando a Relação havia decidido um recurso relativo à pena a aplicar já depois de a lei nova ter entrado em vigor, mas sem que a aplicação desta enquanto lei mais favorável fosse objeto desse recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 1/16.7SFPRT-D.P1
Secção Criminal
Conferência
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Manuel Langweg

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
a) No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n.º 1/16.7SFPRT, do Juízo Central Criminal do Porto-J14, da Comarca do Porto, por acórdão proferido a 19 de Abril de 2017, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelo art. 25º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
b) Discordando, interpôs recurso que veio a ser julgado improcedente por acórdão proferido, a 14 de Dezembro de 2017, na 1ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto.
c) Após baixa dos autos, por requerimento apresentado a 28/5/2018, o arguido, ora recorrente, B…, invocando as alterações introduzidas ao Código Penal, pela Lei n.º 94/2017, de 23/8, veio solicitar a reabertura da audiência de julgamento com vista a beneficiar do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, ao abrigo do novo regime legal que aquela introduziu ao art. 43º.
d) O Ministério Público deduziu oposição a tal pretensão invocando a circunstância de, no já mencionado acórdão do Tribunal desta Relação do Porto, se ter considerado que “só o cumprimento efectivo da pena satisfaz as finalidades da punição”.
e) O tribunal a quo proferiu, então, o despacho recorrido cujo teor é o seguinte: (transcrição)
“Requerimento de fls. 2420:
Entende o Tribunal, uma vez que o Venerando Tribunal da Relação do Porto, não se pronunciou sobre a aplicação da lei concretamente mais favorável ao arguido, pelo que esta deve ser apreciada em sede de audiência nos termos do art. 371º - A, uma vez que estão verificados todos os requisitos.
Notifique.
Sem efeito os mandados de detenção.
Para reabertura da audiência designo o dia 27 de Junho pelas 10 horas.
Solicite à DGRS a realização de relatório social ao arguido e se o mesmo reúne condições para cumprimento da pena em casa com vigilância electrónica.”.
f) Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1.º
O Tribunal da Relação do Porto, por Douto Acórdão proferido nos autos, confirmando a pena aplicada no Douto Acórdão proferido em 1.ª Instância, determinou o cumprimento de prisão efectiva por parte do arguido B…, da pena de um ano e três meses de prisão em que foi condenado.
2.º
Aquele Acórdão do Tribunal da Relação, já foi proferido estando em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, concretamente a operada pelo seu art.º 2.º ao art.º 43.º do Código Penal.
3.º
Resultando inequivocamente da respectiva fundamentação as razões da aplicação de pena de prisão efectiva e não de pena de substituição, não se vislumbrando qualquer omissão de pronúncia relativamente a questão que o Tribunal da Relação fosse obrigado a conhecer e com influência nessa decisão.
4.º
Por isso, não só não se verificam os pressupostos estabelecidos no art.º 43.º do CP após as referidas alterações, designadamente a conclusão de que o regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
5.º
Como não se verificam, logicamente, os requisitos para a reabertura da audiência, nos termos do art.º 371.º-A do Código de Processo Penal.
6.º
Assim, o douto despacho recorrido, ao considerar que o Venerando Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a aplicação da lei concretamente mais favorável ao arguido, e que tal questão deve ser apreciada em sede de audiência nos termos do art.º 371.º-A do CPP, por se verificarem os respectivos requisitos, não só viola a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, como viola o disposto naquela norma legal e, bem assim, o disposto no art.º 43.º do CP, após as alterações introduzidas pelo art.º 2.º, da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto.
7.º
Deverá, assim, ser revogado, determinando-se, consequentemente, o cumprimento efectivo pelo arguido B…, do remanescente da pena de um ano e três meses de prisão em que foi condenado, desse modo se dando provimento ao Recurso.
g) Admitido o recurso, por despacho que se pode ver a fls. 108 deste apenso, respondeu o arguido B… sustentando, sem alinhar conclusões, a sua improcedência e manutenção do decidido.
h) Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer previsto no art. 416º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, sufragando o provimento do recurso com base nos fundamentos que dele constam.
i) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.
j) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica [cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt, e de 3/2/1999 e 25/6/1998, in B.M.J. 484 e 478, págs. 271 e 242, respectivamente], as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, no presente caso, a única questão suscitada é a da verificação dos requisitos para a reabertura da audiência prevista no art. 371º-A, do Cód. Proc. Penal.
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2. Com interesse para a decisão da questão controvertida importa ainda ponderar os seguintes elementos que evolam das peças processuais que instruem este apenso de recurso:
- No âmbito do recurso supra aludido em b) considerou-se que a única questão suscitada, no tocante ao arguido B…, era a da possibilidade de suspensão da execução da pena [v. fls. 79[1];
- A apreciação desse recurso limitou-se à análise e decisão dessa questão anteriormente identificada, não havendo qualquer ponderação - expressa ou implícita - a outras penas de substituição, nem referência às alterações introduzidas pela Lei n.º 94/2017, que entrara em vigor a 21 de Novembro [v. fls. 85 a 88];
- O arguido B… esteve preso preventivamente à ordem dos autos principais desde 11/3/2016, tendo sido detido no dia anterior (10/3), até ao dia 19/4/2017 (data da leitura do acórdão condenatório) [v. fls. 102 e 115].
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3. Apreciando do mérito
É ponto assente que o arguido B… foi condenado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, da qual haverá que descontar-se o período de 1 ano, 1 mês e 9 dias, correspondente aos períodos de detenção e prisão preventiva sofridos, por força da estatuição do art. 80º, n.º 1, do Cód. Penal, restando-lhe cumprir 1 mês e 21 dias de prisão.
É igualmente incontestável que, na pendência do recurso que interpôs do acórdão que o condenou em tal pena, entraram em vigor as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 94/2017, de 23/8, que, além do mais, vieram permitir que a pena de prisão efectiva não superior a 2 anos seja executada em regime de permanência na habitação, como patenteia o teor do actual art. 43º, n.º 1, al. a), quando anteriormente tal regime apenas era admissível relativamente a penas de prisão até um ano – art. 44º, n.º 1, al. a).
Todavia, a título incidental, cumpre recordar que tal possibilidade já existia relativamente ao remanescente não superior a 1 ano de prisão efectiva que excedesse o tempo de privação de liberdade resultante de detenção e prisão preventiva (art. 44º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, na redacção anterior à Lei n.º 94/2017), como se verificava no caso do arguido que, porém, temerariamente, não invocou em seu benefício, ainda que subsidiariamente, tal faculdade no recurso que interpôs. De todo o modo, porque a alteração do regime de aplicação desta pena de substituição não se limitou à elevação da medida da pena concreta que a admite, sendo bastante mais abrangente, designadamente porque permite a substituição com imposição de determinadas condições/regras de conduta (n.º 4, do actual art. 43º), crê-se que, por tal razão, não pode considerar-se precludida a pretensão do arguido de ver a sua situação apreciada à luz deste novo regime.
Assentes estes pressupostos, pode agora concluir-se que o despacho recorrido de modo algum afronta o já mencionado acórdão, anteriormente proferido por este Tribunal da Relação do Porto, porquanto:
A questão suscitada não foi aí apreciada nem o podia ser, quer por exceder o objecto do recurso, quer ainda por os autos não fornecerem os elementos objectivos e demais dados necessários para a eventual ponderação desse regime [v.g., entre o mais, o consentimento do arguido e o conhecimento das concretas condições da sua habitação];
O facto de se admitir a reabertura da audiência para ponderação de regime mais favorável não determina, necessariamente, o deferimento da pretensão;
A afirmação de que a pena de prisão deve ser efectiva não colide nem obsta à aplicação do regime de permanência na habitação, porquanto esta pena de substituição não incide sobre a natureza da pena (v.g. privativa/não privativa de liberdade), mas antes sobre os moldes da sua execução. Quer dizer: A pena de prisão será sempre efectiva. O que pretende apurar-se é se é necessário que o cumprimento seja realizado no estabelecimento prisional ou se pode ser concretizado por via da permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com ou sem outras condições/regras de conduta.
Deve agora notar-se que a presente hipótese não foi expressamente prevista no art. 371º-A, do Cód. Proc. Penal, porquanto este pressupõe que a lei concretamente mais favorável entre em vigor após o trânsito em julgado da condenação, circunstância que, in casu, não ocorreu.
Todavia, considerando os moldes em que o instituto recursório é entendido no nosso sistema jurídico processual criminal, e bem assim as limitações existentes no tocante ao conhecimento oficioso de questões pelo tribunal ad quem, crê-se que a presente hipótese há-de ainda considerar-se contemplada no espírito da lei, sob pena de violação dos direitos de arguidos que interpõem recurso na vigência de lei que vem a ser alterada na pendência do mesmo, em matéria que os favorece mas que, por impossibilidade legal, não invocaram na sua peça processual, com as consequentes repercussões no princípio da igualdade.
Neste conspecto e pelas razões expostas, entende-se que deve subsistir o despacho recorrido, não cumprindo aqui exprimir qualquer apreciação sobre a verificação das condições materiais e formais para a aplicação do regime em causa e que há-de ser objecto de decisão pelo tribunal a quo na sequência da ordenada reabertura da audiência e obtenção dos elementos necessários para o efeito.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
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Sem tributação - art. 513º, n.º 1, a contrario, e 522º, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[2]]
Porto, 24 de Outubro de 2018
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] Numeração deste apenso de recurso como toda a demais que venha a ser citada sem outra referência.
[2] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.