Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
179/15.7Y3VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: JUNTA MÉDICA
JUIZ
MINISTÉRIO PÚBLICO
NULIDADE
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RP20161010179/15.7Y3VNG.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 246, FLS.213-223)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que haja falsidade do auto de exame médico é necessário concluir-se que foi elaborado fazendo-se constar no seu conteúdo factos que não têm correspondência com a realidade que visa reproduzir.
II - Não pode falar-se em inexistência do acto de exame por junta médica com fundamento no facto de não ter sido presidido pelo juiz. A realização da junta médica sem a presença do Juiz pode é integrar uma nulidade processual secundária, nos termos do art.º 195º do CPC, porque essa irregularidade pode influir no exame e decisão da causa.
III - O Magistrado do Ministério Público não tem que estar presente no auto de exame médico, mesmo nos casos em que representa o sinistrado.
IV - Como o sinistrado não procedeu de modo a insurgir-se contra a realização do exame por junta médica, com fundamento na falta do juiz, até ao termo desse acto, como lhe era devido face ao disposto no art.º 199.º n.º1, do CPC, deve considerar-se extemporânea a arguição da nulidade, que apenas veio fazer dias depois, por requerimento, significando isso que, a existir, ficou sanada.
V - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
VI - Contudo, tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil ).
VII - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, a que alude o nº 1 do art.º 140.º do Cód. Proc. Trab., o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.
VIII - Mas quer adira ou quer se desvie do laudo médico maioritário ou unânime, é necessário que o juiz conte com um resultado do exame pericial fundamentado, pois é a partir daí que desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador.
XIX - Embora se perceba a razão porque os senhores peritos médicos, por unanimidade, não atribuíram qualquer IPP ao sinistrado, dado terem respondido que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos” a verdade é que não se logra perceber o percurso lógico que os levou a afastar o quadro clínico mencionado no exame singular, justificando aquela conclusão.
X - Significa isto, em bom rigor, que não foi observado o n.º8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI, uma vez que as conclusões a que chegaram os senhores peritos não se mostram fundamendas e, logo, que a Senhora Juíza não dispunha de todos os dados factuais essenciais para a formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador e consequente decisão sobre a fixação da incapacidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 179/15.7Y3VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, na qual é sinistrado / autor B… e R. a Companhia de Seguros C… SA, que correu os seus termos na Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia –Inst. Central - 5ª Sec. Trabalho – J2, realizada a tentativa de conciliação não foi possível alcançar o acordo entre as partes, em razão do sinistrado e da seguradora terem discordado com a Incapacidade Permanente Parcial de 2%, arbitrada no exame médico singular.
Quanto ao mais, consignou-se no auto que as partes acordaram quanto ao seguinte:
- O sinistrado, no dia 19 de Fevereiro de 2015, em Matosinhos, quando exercia a actividade de ajudante de motorista, sob as ordens e direcção de D…, Ldª, foi vítima de um acidente de trabalho, o qual consistiu em ter sentido uma dor nas costas quando pegava num saco com cerca de 50 Kg, desse facto tendo-lhe resultado as lesões descritas no auto de exame médico realizado na fase conciliatória.
- À data o sinistrado auferia o salário mensal de € 585 X 14 meses + 132€ X 11 meses = 9.642€.
- A entidade empregadora tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho integralmente transferida para a seguradora.
- A seguradora aceita o nexo de causalidade entre as lesões constantes no seu boletim de alta e o acidente.
- O sinistrado encontra-se pago de todas as indemnizações devidas até à data da alta e não gastou qualquer quantia com honorários clínicos ou medicamentos.
- O sinistrado despendeu a quantia de € 20 em transportes para se deslocar a Tribunal.
No prazo previsto no n.º 1 do artigo 119º do Código de Processo do Trabalho, a ré seguradora apresentou requerimento a solicitar a realização de exame por junta médica, dando assim início à fase contenciosa.
O tribunal a quo designou dia para a realização de exame por junta médica.
Reunida a junta médica, em 13.01.2016, os Senhores peritos foram de parecer unânime que o sinistrado se encontra clinicamente curado, não apresentando sequelas decorrentes das lesões sofridas com o acidente de trabalho.
I.2 Notificado do resultado do exame por junta médica, veio o sinistrado, em 29.01.2016 apresentar requerimento, onde começa por arguir a falsidade do auto de exame médico, alegando que do mesmo consta que se encontravam presentes na diligência o Juiz de Direito, o examinado e os três Peritos Médicos, o que não corresponde à verdade, porquanto não se encontrava presente o Sr. Juiz.
Arguiu, ainda, a nulidade da perícia realizada face ao disposto no artigo 139º do CPC, alegando que nesse acto não se encontravam presentes todas as pessoas que a lei exige, impondo-se repetir a diligência.
Por último, invocou a falta de fundamentação do relatório, por entender que não estão expostas as razões que levaram à conclusão dos Srs. Peritos, o que conduz, necessariamente, à necessidade de proceder a novo exame.
O Tribunal a quo procedeu à apreciação das questões suscitadas no requerimento, tendo decidido pelo seu indeferimento.
E, imediatamente de seguida, proferiu sentença concluída com o dispositivo seguinte:
-«Tendo em conta os factos em que as partes acordaram na tentativa de conciliação e o estatuído nos artigos 2º, 6º, 23º, 48º, n.º 3, al. c) (a contrario), 71º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, decido que o A. face à inexistência de sequelas, não se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectado de qualquer incapacidade permanente, nenhuma pensão estando pois a R. condenada a pagar-lhe.
Condenada vai a R. a pagar apenas as despesas de transporte do A., no montante de € 20 e- art. 23 e 25º, nº 12, al. f) da citada Lei.
Custas a cargo do sinistrado o sinistrado, sendo no entanto os encargos suportados pela seguradora (artigo 17º, nº 8 do RCP).
Registe e notifique».
I.3 Inconformado com o despacho que indeferiu as questões que suscitara no requerimento, bem como com a sentença, o autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1.É falso, e viola o artigo 155.º do Código de Processo Civil, o auto de exame/perícia por junta médica que refere que o juiz e o oficial de justiça estiveram presentes quando, na verdade, os mesmos não estiveram presentes em tal diligência, ainda que – o que não se concede – estivessem presentes no edifício do Tribunal.
2. Impondo a Lei (art.º 139.º n.º1 do Código de Processo do Trabalho) que seja o juiz a presidir à perícia por junta médica, não estando o mesmo presente em tal ato deve, para efeitos processuais, considerar-se inexistente, podendo tal ser invocado a todo o tempo.
3. Mesmo admitindo que a falta do juiz à junta médica constitui uma nulidade, a mesma não tem de ser invocada até ao final da diligência, nomeadamente como é o caso dos autos, quando o sinistrado não está acompanhado do Magistrado do Ministério Público (que o representava), o qual também não se encontrava presente na diligência tal como já referido, antes podendo ser invocada posteriormente.
4. Admitir que o sinistrado sem estar acompanhado pelo magistrado do Ministério Público que o representava na acção, tem de invocar até ao termo da perícia por junta médica as invalidades que nela ocorreram, máxime a ausência do próprio juiz, constitui uma forma intolerável de negar tutela jurisdicional efectiva, violando o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
5.Viola o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e por isso é inconstitucional, o artigo 199.º do Código de Processo Civil quando interpretado no sentido de que um cidadão sinistrado em acidente de trabalho, patrocinado pelo Ministério Público, tem de invocar até ao termo da diligência em que participa, nomeadamente perícia por junta médica, as invalidades que nela ocorreram, nomeadamente a ausência do juiz que a ela deveria presidir.
6. A falta do juiz na perícia médica a que deveria presidir compromete irremediavelmente a mesma por não existir qualquer garantia – por falta de controlo e fiscalização que cabia ao juiz – de que a mesma decorreu visando a busca de uma solução materialmente justa e, nessa medida, influi decisivamente no exame e decisão da causa (artigo 139.º do Código de Processo do Trabalho).
7. É nulo, por falta de fundamentação, o juízo pericial que se limita a afirmas que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP”, sem que aduza qualquer razão ou justificação para tal juízo, nomeadamente porque não descreve as lesões resultantes do sinistro nem o estado das mesmas, assim como não esclarece as razões porque tais lesões não devem ser atribuídas ao acidente ou se este não foi causa do seu agravamento caso sejam preexistentes.
8. É ilegal a sentença que se funda em juízo que não tem qualquer fundamentação, assim assentando em premissas erradas.
9. Na falta de qualquer outro elemento, deve o Tribunal atender ao juízo pericial fundamentado no relatório-legal elaborado pelo Instituto de Medicina legal que atribuiu ao sinistrado e aqui recorrente 2% de incapacidade permanente, devendo a sentença fixar pensão em consonância.
Termos em que devem as decisões do Tribunal a quo ser revogadas nos termos acima explanados.
I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
1. O Auto de Exame não refere que a Mma Juiz esteve presente na sala onde se realizou o exame por Junta Médica, sendo, aliás, bastante explicito ao afirmar que a Mma Juiz encontrava-se presente no edifício da Comarca do Porto.
2. Não se pode confundir a falsidade do Auto de Exame por Junta Médico, que no caso em apreço, não existe, com a consequência da ausência da Mma Juiz na realização do exame.
3. A falsidade de um documento implica que os factos relatados nesse documento não correspondem à verdade, pelo que o Auto de Exame por Junta Médica apenas seria falso se não reproduzisse a realidade das circunstâncias em que ocorreu a realização do Auto Exame Médico, o que não ocorre, na medida em que, este não refere que a Mma Juiz esteve presente na diligência.
4. Caso se considere que a presença dos Mm°s Juízes na realização do exame médico por junta médica é obrigatória, nos termos do disposto no artigo 139° do Código de Processo do Trabalho, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que a mesma, constitui uma irregularidade, não implicando a nulidade ou inexistência do acto.
5. O Exame por Junta Médica tem como intuito esclarecer as questões médicas que sejam suscitadas no âmbito dos processos, dado que o Tribunal não possui os conhecimentos técnicos para, por si só, decidir sobre questões médicas.
6. O facto da Mma Juiz não ter estado presente no exame por junta médica nunca poderia influir no exame em si, pelo que o exame por junta médica não é nulo.
7. O exame por Junta Médica tem como intuito determinar a incapacidade resultante para os sinistrados dos acidentes de trabalho de que tenham sido vítimas, sendo a formulação de quesitos é facultativa.
8. A Junta Médica realizada tinha como intuito fixar a incapacidade do Recorrente e responder aos quesitos formulados pela Recorrente, os quais se prendiam unicamente com a fixação da incapacidade do Autor.
9. Os Srs. Peritos Médicos, por unanimidade, entenderam que o Recorrente não apresenta qualquer Incapacidade Permanente Parcial resultante do acidente em causa nos autos, justificando a sua posição com o facto de entenderem que o Recorrente não apresenta qualquer sequela decorrente do acidente.
10. O que o Recorrente vem agora suscitar com o presente recurso não é tanto a falta de fundamentação do parecer dos Srs. Peritos Médicos, pretendendo antes colocar novas questões a estes.
11. Se o Recorrente pretendia formular quesitos que os Srs. Peritos Médicos devessem responder deveria tê-lo efectuado antes da realização do exame por junta médica, após a Recorrida ter apresentado o seu requerimento para início da fase contenciosa do presente processo e não agora em sede de recurso.
12. Resulta do alegado pelo Recorrente que este apenas considera a sentença ilegal por a decisão da Mma Juiz ter sido baseada num auto de exame não fundamentado.
13. Estando em causa, apenas a definição do grau de incapacidade permanente do Recorrente, nos termos do disposto nos artigos 140°, n.° 1 e 730, n.° 3 do Código de Processo do Trabalho, a sentença pode limitar-se à parte decisória, com sucinta fundamentação de facto e de direito.
14. A Mma Juiz do douto Tribunal a quo proferiu a sentença com base no parecer proferido pelos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica, acrescentando que tal parecer não merece qualquer reparo e que se encontra devidamente fundamentado.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, no essencial acompanhando a fundamentação da decisão recorrida.
I.6 Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelo recorrente para apreciação consistem em saber o seguinte:
i) Se há falsidade do auto de exame por junta médica;
ii) Se o exame médico deve considerar-se inexistente, por não se encontrar o juiz a presidir, podendo tal ser invocado a todo o tempo.
iii) Se o exame por junta médica é nulo, por falta de presença do Juiz;
iv) Se o exame médico por junta é nulo por falta de fundamentação;
v) Se a sentença é ilegal por se fundar em laudo sem fundamentação.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para apreciação do recurso são exclusivamente os que resultam do relatório.
Para além disso, deixa-se ainda consignado o seguinte:
1. O auto de exame por junta médica inicia-se com o conteúdo seguinte:
- «Data: 13-01-2016 no edifício do Comarca do Porto, onde se encontrava o Exmª Srª. Drª. (..), Juiz de Direito deste Tribunal, para o exame ordenado nos presentes autos compareceram:
O examinando: B… Perito(s) Médico(s):
Peritos nomeados pelo examinando, pela responsável e pelo Tribunal.
Prestado juramento legal, procedeu-se ao exame ordenado.
2. Imediatamente antes do auto de exame consta dos autos um “TERMO DE NOMEAÇÃO DE PERITOS”, “ORTOPEDIA”, dele constando, para além do mais, o seguinte:
Procedeu-se à nomeação dos seguintes peritos, nos termos do artº 139, nº 4 do CPT:
Perito do sinistrado: Dr. (..) médico ortopedista, (..) nomeado pelo Tribunal em representação do Sinistrado.
Perito da responsável: Dr. (..), médico ortopedista, apresentado pela seguradora.
Perito do Tribunal: Dr. (..), médico ortopedista, (..).
13-01-2016
O Juiz de Direito,
(assinatura)
O Oficial de Justiça,
(assinatura)».
II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Na apreciação das questões colocadas pelo recorrente observaremos a ordem inculcada no recurso, dado que a mesma corresponde àquela que deve ser seguida em termos lógicos e de economia processual.
Para melhor compreensão e apreciação das mesmas colocadas, entende-se conveniente começar por deixar aqui a transcrição, na parte relevante, da decisão que apreciou e indeferiu o requerimento de 29-01-2016, do recorrente. Assim:
-«(..) não posso concordar com as invocações feitas, nem vislumbro a existência de qualquer falsidade nem nulidade justificativa da repetição da diligência.
Em primeiro lugar, do auto de exame de fls. 63 não consta a declaração que o Juiz de Direito, a subscritora, se encontrava presente fisicamente na diligência (exame médico) que decorreu com o sinistrado e com os três peritos médicos. Apenas consta (como em todos os autos de exame por junta médica por mim ordenados) que no edifício da Comarca do Porto se encontrava o Juiz de Direito, conforme, aliás, é verdade e poderá ser confirmado por qualquer médico interveniente e funcionário, nomeadamente, que elaborou o auto.
Efetivamente, não estive presente no exame físico feito ao sinistrado, não sendo habitual tal ocorrer. Isto, porém, não põe em causa a circunstância de ser eu, enquanto Juiz de Direito, a presidir ao exame que, no meu entender, é sinónimo de orientar, comandar.
Na verdade, nos dias das juntas médicas (não tendo sido diferente nesse caso concreto) por mim agendadas às quartas-feiras e que apenas são realizadas porque assim é, por mim, determinado, os Srs. Peritos examinam o sinistrado de acordo com os quesitos que fixo ou aceito após terem sido propostas pela (s) parte (s). Encontrando-me disponível no gabinete, apenas compareço fisicamente junto do sinistrado e dos peritos, caso seja suscitado algum problema/questão levantada no decurso do exame físico/psicológico realizado, nomeadamente, dúvidas quanto à resposta pretendida a um quesito, ao seu sentido, etc. Creio que a minha presença é inócua no que respeita à análise técnico-cientifica feita pelos Srs. Peritos e poderá ser mesmo inibidora ou limitadora à realização do exame (ou pelo menos de alguns), considerando a necessária exposição física do sinistrado.
Pelo exposto, concluo pela inexistência de qualquer falsidade do auto, porquanto o mesmo reproduz a realidade do ocorrido.
Em segundo lugar, vem o sinistrado invocar a nulidade da diligência e a necessidade da sua repetição porquanto na diligência que teve lugar não se encontravam presentes todas as pessoas cuja presença a lei exige.
A norma a que o sinistrado se refere é o disposto no artigo 139º do CPT. Esta dispõe que “A perícia médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz.”
No que respeita à arguição de nulidades, temos que atender ao disposto no CPC.
E dispõe o artigo 195º do CPC que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Por outro lado, nos termos do artigo 199º do CPC, se a parte estiver presente no momento em que a nulidade for cometida, a mesma deverá ser arguida até ao términus do acto.
Face ao exposto, e sem embargo de entender face ao supra exposto que não ocorre qualquer nulidade (na medida em que entendo a lei não impõe a presença física do juiz no decurso do exame médico), a arguição da nulidade, agora por requerimento, feita vários dias após a realização do exame, é manifestamente extemporânea, porquanto, no acto, o sinistrado constatou que apenas se encontravam presentes ele e os Srs Peritos Médicos.
Ainda assim, refira-se que creio não estarem reunidos os pressupostos que permitem a invocação da nulidade, a saber “a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” já que não vislumbro como a nossa presença física no exame poderia ou iria modificar a conclusão médica dos Srs. Peritos.
Pelo exposto, indefiro a nulidade invocada.
Por último, vem o sinistrado invocar a falta de fundamentação do exame.
Do mesmo consta que “Os peritos médicos, respondem por unanimidade, aos quesitos a fls. 55 dos autos da seguinte forma:
1º O sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP.
2º Prejudicado.”
Parece-nos estar devidamente esclarecido o motivo porque os Srs Peritos Médicos não atribuíram qualquer IPP: porque entenderam que o sinistrado não apresenta sequelas/lesões do acidente.
A atribuição de uma IPP implica necessariamente a existência de uma lesão/sequela.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
(..)».
II.2.1 Dispõe o nº 1 do art. 139º do CPT que o exame por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente e é presidido pelo juiz.
Tratando-se de um acto presidido pelo Juiz, nos termos do disposto art.º 155.º n.ºs 7 e 8, do CPC, deve ser documentado em acta, cabendo a sua redacção ao funcionário judicial, sob a direcção do Juiz.
A acta deste acto específico é designada por auto de exame médico.
A acta dos actos judiciais constitui um documento autêntico, na medida em que é exarada por oficial público, dentro das suas funções de atestação, e como tal faz prova plena dos referidos actos (artº 371º do C.Civil), pelo que tal força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (artº 372º do CC).
Para que haja falsidade da acta é necessário concluir-se que foi elaborada fazendo-se constar no seu conteúdo factos que não têm correspondência com a realidade que visa reproduzir. Em poucas palavras, há falsidade da acta quando esta é elaborada em divergência com a realidade.
Foi com esse fundamento que o A. arguiu junto do tribunal a quo a falsidade do auto de exame médico, alegando nele consignar-se que se encontravam presentes na diligência o Juiz de Direito, o examinado e os três Peritos Médicos, não correspondendo tal à verdade, porquanto não se encontrava presente o Sr. Juiz.
Apreciando a questão o Tribunal a quo entendeu inexistir a arguida falsidade, por o auto reproduzir a realidade do ocorrido.
No essencial, como melhor se retira da fundamentação do despacho transcrito acima, a Senhora Juíza sustentou que “do auto de exame de fls. 63 não consta a declaração que o Juiz de Direito, a subscritora, se encontrava presente fisicamente na diligência (exame médico) que decorreu com o sinistrado e com os três peritos médicos. Apenas consta (como em todos os autos de exame por junta médica por mim ordenados) que no edifício da Comarca do Porto se encontrava o Juiz de Direito, conforme, aliás, é verdade e poderá ser confirmado por qualquer médico interveniente e funcionário, nomeadamente, que elaborou o auto».
Discorda o recorrente, mantendo no recurso que o auto de exame por junta médica é falso, por referir “que o juiz e o oficial de justiça estiveram presentes quando, na verdade, os mesmos não estiveram presentes em tal diligência, ainda que – o que não se concede – estivessem presentes no edifício do Tribunal”.
Pois bem, sem razão.
Como se refere no despacho recorrido e é também assinalado pela recorrida, no auto de exame médico por junta não se fez constar que a Senhora Juíza estivesse presente no exame. Se assim fosse assistiria razão ao recorrente, dado que a própria Senhora Juíza deixou bem claro que não se encontrava no preciso local onde decorreu o exame, mas antes no seu gabinete, no edifício do Tribunal da Comarca do Porto.
Acontece, porém, que ao invés da leitura que faz o recorrente, o auto de exame menciona antes que “no edifício do Comarca do Porto, onde se encontrava o Exmª Srª. Drª.(..), Juiz de Direito deste Tribunal, para o exame ordenado nos presentes autos compareceram (..)».
Daí resulta, sem que ofereça dúvida, que respeitante a quem estava presente no próprio acto de exame médico e no local onde decorreu, a menção é restrita aos senhores peritos médicos e ao sinistrado.
Dito de outro modo, para que fique bem claro, o Auto de Exame não refere que a Mma Juiz esteve presente na sala onde se realizou o exame por Junta Médica. Na verdade, no que respeita à Senhora Juíza, dele apenas resulta, e com clareza, afirmado que se encontrava no edifício da Comarca do Porto.
Com o devido respeito, a leitura que o recorrente faz não tem apoio no que ali consta consignado. Falha, pois, o fundamento em que assenta a arguição da falsidade da acta.
Assim, quanto a esta questão improcede o recurso.
II.2.2 Prosseguindo para a segunda questão. Defende o recorrente que o exame médico pericial deve considerar-se inexistente por não ter sido presidido pelo Juiz e, como tal, que esse vício processual é invocável a todo o tempo.
A inexistência de acto processual ou decisão judicial não se encontra prevista na lei processual, não existindo, pois, um regime positivo que a regule, como acontece com as nulidades processuais (art.º 195.º do CPC e segts) ou nulidades da sentença (art.º 615.º do CPC).
Contudo, quer na doutrina quer na jurisprudência, encontra-se tratado o vício da inexistência da sentença. Como elucida o Ac. do STJ de 7-02-1990 [proc.º n.º 040457, Conselheiro Manso Preto, disponível em www.dgsi.pt] “A chamada inexistência da sentença, figura jurídica que a doutrina admite, ao lado das nulidades de sentença, é um vício radical que se verifica apenas quando a sentença falta um dos seus elementos essenciais: não provir a sentença de pessoa investida do poder jurisdicional; ser o acto emitido a favor de ou contra pessoas fictícias ou imaginárias; não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico (V. A. Reis, Código Anotado, V, pagina 113 e seguintes, e A. Varela, Manual do Processo Civil, página 668)”.
No que respeita aos actos processuais, que é o que está aqui em causa, é sabido que a lei processual regula-os, diremos mesmo, pormenorizadamente, os que devem ser praticados na propositura da acção e no seu desenvolvimento, bem como as formalidades e termos que são próprios de cada um deles. O desvio entre esse formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos é qualificado como nulidade processual, a qual “(..) consiste sempre num vício de carácter formal, traduzido num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas sendo que para que esta se consubstancie “é necessário, porém que ao desvio registado” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 387].
Mas como se disse, não há regulação da inexistência de acto processual.
Na doutrina, mas sempre reportando-se à decisão judicial, Luís Mendonça e Henrique Antunes [Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa 2009, p. 112/113] distinguem a inexistência material da inexistência formal, nos termos seguintes:
No tocante à inexistência deve separar-se a inexistência material da inexistência formal ou jurídica. Na inexistência material, que é puramente descritiva, não há nada, faltando, de modo absoluto, todos os elementos de que depende a caraterização de um acto como decisão judicial; na inexistência jurídica formal, um tal acto existe, mas só aparentemente é uma decisão: decisão iniexistente surge, assim, como sinónimo de decisão aparente.
Está nestas condições, a sentença proferida a nom judice, por quem não disponha em absoluto ou não disponha, no momento do seu proferimento, de poder jurisdicional, ou a que falte a parte decisória”.
Transpondo os princípios assinalados, podemos configurar algumas hipóteses em que inexistiria o acto de exame médico, por exemplo: i) se de todo não tivesse sido realizado qualquer acto; ii) se não estivesse presente o sinistrado ou houvesse erro na identidade; iii) se não estivessem presentes peritos médicos; iv)se os supostos peritos médicos o não fossem.
Mas nada disso acontece aqui.
Para sustentar a sua posição o recorrente vem procurar estabelecer uma equiparação entre o exame médico por junta e o acto de julgamento. Porém, salvo o devido respeito, o único aspecto em comum consiste no facto de serem actos presididos pelo juiz. Nada mais.
Com efeito, o exame por junta médica previsto no art.º 139.º do CPT, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova.
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição, seguramente actual, do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
O perito dispõe de conhecimentos especiais que o julgador não possui, a sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Op. cit., pp. 578].
Releva ainda mencionar, que diversamente do regime das perícias em processo civil, em que o juiz só assiste à perícia quando o considerar necessário (artigo 480.º n.º 2, CPC), no domínio dos exames a realizar por junta médica nas acções emergentes de acidente de trabalho (e de doença profissional), o exame é secreto e presidido pelo juiz (n.º 1 do art.º 139.º CT), bem assim que a lei lhe impõe o dever de formular quesitos “sempre que a dificuldade ou complexidade da perícia o justificarem”, ou faculta-lhe essa possibilidade se assim o entender conveniente (n.º6, do mesmo artigo), bem como a de determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, caso o considere necessário (n.º 7, do mesmo artigo).
Sendo evidente que a lei atribui ao juiz uma intervenção activa no âmbito do exame por junta médica, o certo é que este acto não deixa de ser um meio de prova, caracterizado pela intervenção de peritos.
Não podendo esquecer-se, desde logo, que são os peritos que respondem aos quesitos, a esse propósito dispondo o n.º8, das Instruções Gerais, constantes do Anexo I, da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Por seu turno, o julgamento é a fase destinada à decisão final da causa, desdobrando-se em duas vertentes distintas: o julgamento da matéria de facto, a realizar na audiência final; e, o julgamento da matéria de direito, feito na prolação da sentença.
Segundo cremos, pretenderá o recorrente referir-se à audiência final. Ora, este acto processual é uma realidade diferente e bem mais complexa, que tem por objectivo possibilitar ao juiz julgar a matéria de facto, atribuindo-lhe a lei todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa (art.º 620.º 1, CPC), para tanto cometendo-se a lei os especiais deveres especificados no n.º2, daquele mesmo artigo. Pressupõe a observância de um determinado formalismo legal, nomeadamente a prática dos vários enumerados no art.º 604.º do CPC, entre eles os que respeitam à sequência a ser seguida na produção dos meios de prova e às alegações das partes. Enfim, sem necessidade de entrar em maior detalhe, todo um conjunto de procedimentos que tem em vista possibilitar ao juiz “apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, excepto quanto a factos que não estão abrangidos por esse juízo (art.º 607.º n.º 5, do CPC) e fixar, na sentença, quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (Art.º 607.º n.º 4, do CPC).
Portanto, numa linguagem mais comum, poderá dizer-se que sem estar presente o juiz não pode haver julgamento e, logo, que a configurar-se uma situação dessas, tal se reconduz à inexistência daquele acto processual.
Mas assim não acontece com o auto de exame por junta médica. É indiscutível que a lei impõe que o mesmo seja presidido pelo Juiz, mas se porventura este não estiver presente, só por si, tal não impede que os peritos médicos realizem a perícia e respondam aos quesitos que tenham sido formulados pelas partes ou mesmo pelo Juiz, assim como não obsta a que esse resultado, expressado no auto de exame médico, seja apresentado ao juiz e que este se sirva dele para decidir a questão relativa à fixação da incapacidade. Assim, em rigor, não pode falar-se em inexistência desse acto com fundamento no facto de não ter sido presidido pelo juiz.
Não significa isto que a falta do juiz ao acto de exame médico não seja susceptível de gerar efeitos processuais negativos. Como é entendimento pacífico da jurisprudência, a realização da junta médica sem a presença do Juiz, prescrita no nº 1 do art.º 139º do CPT, pode integrar uma nulidade processual secundária, nos termos do art.º 195º do CPC, porque essa irregularidade pode efectivamente influir no exame e decisão da causa [Nesse sentido, entre outros: Ac. TR Lisboa de 17/12/2008, proc.º 10616/2008-4, Desembargador Seara Paixão e Ac. do TR Évora de 21/03/2013, proc.º 355/08.9TTSTB.E1, Desembargador João Nunes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Por conseguinte, o recurso improcede também quanto a esta questão.
II.2.3 Coloca-se agora a questão de saber se o exame por junta médica é nulo, por falta de presença do Juiz. Argumenta o recorrente, que “A falta do juiz na perícia médica a que deveria presidir compromete irremediavelmente a mesma por não existir qualquer garantia – por falta de controlo e fiscalização que cabia ao juiz – de que a mesma decorreu visando a busca de uma solução materialmente justa e, nessa medida, influi decisivamente no exame e decisão da causa, na consideração” [Conclusão 6].
Contudo, previamente perfila-se como prejudicial a apreciação de uma outra questão, qual seja a de saber se a arguição da nulidade foi tempestiva.
Recorde-se que o Tribunal a quo considerou a arguição da nulidade “agora por requerimento, feita vários dias após a realização do exame, (..) manifestamente extemporânea, porquanto, no acto, o sinistrado constatou que apenas se encontravam presentes ele e os Srs Peritos Médicos”.
A essa consideração contrapõe o recorrente, que a “mesma não tem de ser invocada até ao final da diligência, nomeadamente como é o caso dos autos, quando o sinistrado não está acompanhado do Magistrado do Ministério Público (que o representava), o qual também não se encontrava presente na diligência (..) antes podendo ser invocada posteriormente” [Conclusão 3], para defender que “Viola o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e por isso é inconstitucional, o artigo 199.º do Código de Processo Civil quando interpretado no sentido de que um cidadão sinistrado em acidente de trabalho, patrocinado pelo Ministério Público, tem de invocar até ao termo da diligência em que participa, nomeadamente perícia por junta médica, as invalidades que nela ocorreram, nomeadamente a ausência do juiz que a ela deveria presidir [conclusão 5].
Vejamos então.
Como deixámos dito na apreciação do primeiro ponto, servindo-nos do ensinamento de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, as nulidades processuais consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas [Op. Cit. pp. 387].
A lei distingue entre duas modalidades distintas de nulidades processuais: na terminologia da doutrina, as nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as nulidades secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas).
As nulidades principais são aquelas que a lei entende serem as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC, que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
Quanto às nulidades secundárias, de que só pode conhecer-se mediante arguição ou reclamação dos interessados, reporta-se o art.º 195.º do CPC, sendo todas aquelas que caibam na fórmula genérica do n.º1 daquele artigo: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Nas palavras daqueles mesmos autores, “todos os demais casos de desvio na prática (ou omissão) do acto processual constituirão nulidades secundárias, desde que relevantes. Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [Op. cit., pp. 391].
Portanto a existir nulidade, tratar-se-á de uma nulidade secundária, que se verificará desde que a irregularidade em causa, isto é, o facto do juiz não estar presente no acto, seja susceptível de influir no exame e decisão da causa.
Tratando-se de uma nulidade secundária o seu conhecimento está dependente de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais (art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC). O regime de arguição respeita a três pontos: i) quem pode argui-las; ii) em que prazo podem ser arguidas; iii) como se faz a arguição.
No que respeita ao primeiro ponto rege o art.º 197.º, não havendo qualquer dúvida de que a nulidade em causa pode ser invocada pelo A., dado ser óbvio interessado na observância da formalidade que não foi cumprida (n.º1), acrescendo que não lhe deu causa, nem a ela renunciou (n.º2).
Quanto aos pontos seguintes, aplica-se o art.º 199.º, com a epígrafe “Regra geral sobre o prazo de arguição”, dispondo, no que aqui releva, o seguinte:
[1] Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No caso em apreço, atenta a alegação do autor, é de concluir que este tomou conhecimento da falta do juiz no decurso do próprio acto. Na verdade, o A. não alega que, por uma qualquer razão em concreto, só se tenha apercebido dessa falta posteriormente, nem que quando foi realizado o exame médico desconhecia que o Juiz devia presidir ao mesmo e só depois teve esse conhecimento. Vem dizer é que não estava acompanhado do Magistrado do Ministério Público, que o representava, o qual também não compareceu à diligência, bem assim que por essa razão, mas também por não estar presente o juiz para perante ele poder arguir a nulidade, que não lhe será exigível que o fizesse no próprio acto (conclusão 3 e alegações). É nessa base que afirma: “[S]ustentar que deveria o sinistrado (um simples motorista) ter conhecimentos ou sequer condições para invocar o que quer que fosse, até ao termo do acto que decorria, é postergar os mais elementares princípios da justiça, violando o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.”.
Justifica-se fazer aqui um breve parêntesis para deixar esclarecido um ponto, dado que o A. vem dizer que o Magistrado do Ministério Público que o representava “também não compareceu” no exame médico, expressão que tem subjacente a ideia de que deveria estar presente. Mas não é assim. O Magistrado do Ministério Público não tem que estar presente no auto de exame médico, mesmo nos casos em que representa o sinistrado. Basta ler o n.º1 do artigo 139.º do CPT, para se chegar a essa conclusão.
Com efeito, afirma-se ai expressamente que o exame médico é secreto, assim como também o é o exame médico singular realizado na fase conciliatória (art.º 105.º n.º4, do CPT). Significa isso que tais exames não são públicos, sendo que “a razão de ser desta cautela da lei, tem de encontrar-se na preservação da intimidade e do pudor do próprio sinistrado e obtém-se através da sua realização em dependência do tribunal que permita esse recato e com a exclusiva presença das pessoas que ao acto têm de assistir por dever de ofício [Ac. TR Lisboa de 24-09-2003, proc.º4540/2003-4, Desembargador Seara Paixão, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, de acordo com esta regra, em princípio apenas deverão estar presentes as pessoas que a lei menciona. Contudo, para que também fique claro, vem sendo afirmado pela jurisprudência que isso não significa uma proibição absoluta, admitindo-se que o advogado que representa o sinistrado possa estar presente, desde que este manifeste essa vontade, o que se justifica na medida em que o carácter secreto dessa diligência é estabelecido em favor do próprio sinistrado [nesse sentido, entre outros, o acórdão citado e Ac. TR Lisboa de 10-10-2012, proc.º 4686/10.0T2SNT.L1-4, Desembargador Leopoldo Soares, disponível em www.dgsi.pt].
Retomando a linha de apreciação que vínhamos seguindo, tal como a configura o recorrente a questão que se coloca é a de saber se lhe era ou não exigível, estando patrocinado pelo Ministério Público, que não estava presente no acto, que se tivesse insurgido por não estar presente o juiz, até ao termo do exame médico.
O disposto no n.º1, do art.º 199.º 1, CPC, aponta nesse sentido. Com efeito, a norma é clara ao dizer “se a parte estiver presente, por si (…)”, dai resultando que o legislador entendeu que a própria parte, por si só, pode arguir a nulidade, isto é, não só não depende de patrocínio, como também se assume que tem capacidade para o fazer. Note-se que a norma não impõe qualquer formalismo para a arguição da nulidade, por isso sendo de admitir como bastante a manifestação de discordância com a realização do acto em termos que se desviem do formalismo que lhe é próprio.
Nesse pressuposto, em nosso entender, apesar de não estar presente o juiz, bastaria o sinistrado insurgir-se contra essa irregularidade – a falta do juiz - perante o senhor funcionário judicial ou mesmo manifestar a sua discordância com a realização do exame nessas condições perante os senhores peritos médicos, para tal significar a arguição da nulidade.
Com efeito, se assim tivesse procedido o sinistrado, recairia sobre o senhor funcionário judicial e/ou sobre os senhores peritos médicos o dever de comunicarem tal de imediato, no caso concreto, à Senhora Juíza. E, se assim tivesse procedido, certamente que a irregularidade teria ficado suprida, pois a Senhora juíza seguramente compareceria no local onde decorria o exame e estaria presente durante a sua realização, se necessário repetindo-se a perícia. Se assim não entendesse proceder, cumprir-lhe-ia decidir nesse sentido, deixando expressa a fundamentação em que sustentava tal decisão.
Salvo o devido respeito, o facto do sinistrado ser motorista de profissão não o diminui na capacidade de manifestar a sua discordância, sendo certo, como se deve retirar do que alegou, que logo no próprio acto se apercebeu da falta do juiz e, como se disse, era-lhe possível insurgir-se por esse facto perante aqueles diferentes destinatários, sendo tal bastante para se entender que manifestara o propósito de se opor à realização do exame médico sem a presença do juiz.
Repete-se, não decorre do alegado no recurso qualquer invocação do sinistrado no sentido de não se ter apercebido da falta do juiz no próprio acto de exame médico.
Neste quadro, não se vê que exista fundamento ao recorrente para sustentar que a interpretação feita pelo tribunal a quo do n.º1, do art.º 199.º do CPC, viola o art.º 20.º da CRP.
De resto, diga-se, o recorrente nem sequer fundamenta essa afirmação, dizendo sumária e conclusivamente que acolher a interpretação do Tribunal a quo é postergar os mais elementares princípios de justiça, negando aos cidadãos o acesso ao Direito que a Constituição da República Portuguesa lhes garante no art.º 20.º”. Não há, pois, qualquer outro argumento a rebater, para além do que já referimos.
Por conseguinte, como o sinistrado não procedeu de modo a insurgir-se contra a realização do exame por junta médica, com fundamento na falta do juiz, até ao termo desse acto, como lhe era devido face ao disposto no art.º 199.º n.º1, do CPC, deve considerar-se extemporânea a arguição da nulidade, que apenas veio fazer, dias depois, no requerimento de 21-09-2016, significando isso que, a existir, ficou sanada.
Assim, quanto a esse ponto não merece censura a decisão do Tribunal a quo, estando vedado a este tribunal debruçar-se sobre a questão de saber se existiu ou não a arguida nulidade.
Concluindo, também quanto a esta questão improcede o recurso.
II.2.4 Numa outra linha de argumentação vem o recorrente sustentar que o juízo pericial é nulo, por falta de fundamentação, dado limitar-se a afirmar que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP”, sem que aduza qualquer razão ou justificação para tal juízo, nomeadamente porque não descreve as lesões resultantes do sinistro nem o estado das mesmas, assim como não esclarece as razões porque tais lesões não devem ser atribuídas ao acidente ou se este não foi causa do seu agravamento caso sejam preexistentes (conclusão 7).
A questão da falta de fundamentação da perícia por junta médica foi suscitada pelo sinistrado junto do tribunal a quo, no requerimento de 21-09-2015. Nesse requerimento que o juízo emitido “não se mostra fundamentado, nele se não expondo as razões que levaram à conclusão tirada pelos Senhores Peritos”. Defendeu que por essa razão, também haveria necessariamente que proceder a novo exame por junta médica.
Como resulta do despacho transcrito, o tribunal a quo indeferiu o requerido na consideração de “ estar devidamente esclarecido o motivo porque os Srs Peritos Médicos não atribuíram qualquer IPP: porque entenderam que o sinistrado não apresenta sequelas/lesões do acidente. A atribuição de uma IPP implica necessariamente a existência de uma lesão/sequela”.
Como já o dissemos, arguida uma nulidade processual em sede de recurso, o primeiro passo na sua apreciação consiste na indagação sobre a oportunidade e possibilidade de arguição perante o Tribunal ad quem.
A haver nulidade do auto de exame médico por falta de fundamentação, tratar-se-ia duma nulidade secundária (n.º1 do art.º 195.º 1, CPC), sujeita ao prazo de arguição de dez dias e devendo ser arguida junto do Tribunal a quo [art.ºs 199.º 1 e 3 e 149º n.º1 do CPC].
Recorde-se que do n.º3 do art.º 199.º, CPC decorre que a arguição de nulidades secundárias só pode ser feita junto deste tribunal ad quem nos casos em que o processo seja expedido em recurso antes de findar o prazo para a sua arguição. O tribunal competente para a apreciar e julgar e, logo, onde deverá ser arguida, é o tribunal onde o processo se encontre ao tempo da apresentação tempestiva da reclamação.
O sinistrado foi notificado do auto de exame médico por carta registada expedida em 18 de Janeiro de 2016, uma segunda-feira. Presume-se que a notificação foi concretizada no terceiro dia útil que se seguiu à expedição da carta, logo, em 22 de Janeiro (quinta-feira). O prazo, que corre continuamente iniciou-se em 23 de Janeiro, para atingir o seu termo a 31 do mesmo mês, mas como esse dia foi Domingo, o termo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 1 de Fevereiro (art.º 138.º 1 e 2/CPC).
Assim, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 29 de Janeiro de 2016, junto do Tribunal a quo e antes do processo ser expedido em recurso, nada obsta à apreciação da impugnação da decisão que conheceu e indeferiu a nulidade.
Vejamos então se o tribunal a quo errou neste julgamento.
Importa recuar ao início da presente acção emergente de acidente de trabalho, para trazer aqui os factos relevantes para a apreciação desta questão.
O sinistrado veio a juízo participar a ocorrência de acidente de trabalho, ocorrido no dia 19 de Fevereiro do ano 2015, quando trabalhava ao serviço da entidade empregadora D…, Lda, na actividade de transportes de aluguer. Ao pegar num saco com cerca de 50 kilos, sentiu uma dor aguda ao fundo das costas, prolongando se pela perna esquerda.
O acidente fora participado à seguradora e o sinistrado recebeu acompanhamento médico pelos serviços clínicos daquela, no âmbito do qual e por determinação desses serviços realizou uma ressonância magnética da coluna lombo-sagrada. A seguradora considerou o sinistrado curado sem qualquer incapacidade das sequelas atribuídas ao acidente desde 08/05/2015, data da alta.
A seguradora juntou aos autos os elementos clínicos, entre eles constando o relatório da ressonância magnética da coluna lombo-sagrada, onde, para além do mais, se lê:
-«(..)
Não se evidenciam significativos desalinhamentos das peças vertebrais.
Canal vertebral de amplitude dentro dos limites da normalidade.
Cone medular de morfologia, topografia e intensidade de sinal normais.
Em L5-S1, para além de redução da altura inter-somática e desidratação do disco, constata-se uma protusão discal circunferencial, de predomínio centro-lateral esquerdo, que oblitera parcialmente a gordura epidural anterior e a porção inferior do buraco de conjugação esquerdo, embora não se observem evidentes compressões radiculares. Artrose das facetas articulares. Ligeira redução da amplitude dos buracos de conjugação, principalmente à esquerda.
Nos restantes níveis do segmento estudado não se identificam discopatias susceptíveis de condicionarem compromissos radiculares».
No exame médico singular, realizado na fase conciliatória (fls. 44 e sgts), o senhor perito médico menciona, para além do mais o seguinte:
-«(..)
Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos da Companhia de Seguros da qual se extraiu o seguinte: O examinado terá sido seguido pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros com o diagnóstico de trauma lombar com irradiação para o membro inferior esquerdo. Terá tido alta em 8-05-2015.
(..)
…refere ter sofrido um acidente de trabalho anterior em 2013.
(..)
….o examinando refere as queixas que a seguir se descrevem:
1. A nível funcional (..) refere:
-Fenómenos dolorosos: refere dores ao nível da região lombar agravadas pelos esforços e com as mudanças climáticas;
(..)
O examinando apresenta as seguintes sequelas:
-Ráquis: Contratura da musculatura paravertebral lombas esquerda. Rigidez do ráquis lombar. Lasegue negativo.
(..)
A incapacidade permanente parcial resultante do acidente, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades (..) é de 2,0000%. A taxa atribuída tem em conta os artigos da Tabela referidos no quadro abaixo indicado:
(..)».
No aludido quadro consta a indicação do capítulo, nº, sub. n.º e alínea seguintes:
I.11.1.b.
Na tentativa de conciliação nem o sinistrado nem a seguradora concordaram com aquela IPP. No que respeita a esta última, consta consignado no auto de tentativa de conciliação, que discordou por considerar o sinistrado curado sem qualquer incapacidade das sequelas atribuídas ao acidente desde 08/05/2015, data da alta.
O processo prosseguiu para a fase contenciosa na sequência de apresentação de requerimento pela seguradora, requerendo a realização de exame médico por junta. No mesmo formulou os quesitos seguintes:
[1] Relativamente ao acidente de trabalho, ocorrido no dia 19 de Fevereiro de 2015, quais as sequelas permanentes que o sinistrado apresenta?
[2] Face à Tabela Nacional de Incapacidades, qual o grau de desvalorização que lhe corresponde?
Foi designada data para realização de junta médica da especialidade de ortopedia.
Conforme consta do termo de nomeação de peritos, todos os senhores peritos médicos têm especialização em ortopedia.
Realizada a junta médica, os senhores peritos médicos responderam aos quesitos nos termos seguintes:
2. O sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP.
3. Prejudicado.
É este o quadro factual a considerar, importando ter presente que todo o conjunto de elementos que foram sendo recolhidos na instrução do processo, bem como o exame médico e a tentativa de conciliação, integram o processo e aproveitam à fase contenciosa, uma vez que esta “corre nos autos em que se processou a fase conciliatória” (art.º 117.º 3, do CPT).
Não é, pois, despiciendo assinalar que o processo é apresentado aos senhores peritos médicos que realizam o exame por junta médica, para dessa forma terem acesso a todos os elementos disponíveis e relevantes para a realização da perícia médica.
É também pertinente assinalar que o relatório de exame por junta médica não está sujeito a todas as exigências do exame médico singular, designadamente, o de incluir “(..) o relato do evento fornecido pelo sinistrado”, o que bem se compreende, por já resultar dos elementos antecedentes, quer do relatório médico singular, quer da acta de tentativa de conciliação.
O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Alberto dos Reis, Op. Cit.171], auxiliando o Tribunal no julgamento da causa.
Contudo, tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil ).
Como observam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “(..) apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente arbítrio dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso de frequente divergência entre os peritos” [op. cit. pp. 583].
A aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, foi igualmente objecto de exaustiva apreciação por parte do Professor Alberto dos Reis, para concluir “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [op. cit., pp.. 185/186]
Em suma, na prolação da decisão para fixação da incapacidade, a que alude o nº 1 do art.º 140.º do Cód. Proc. Trab., o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais. Poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime, mas nesse caso será necessário que sustentado em fundamentos bem precisos e concretos que tenha entendido serem decisivos para a sua livre convicção, os quais devem ser expressos na fundamentação.
Certo é, que num caso ou noutro, isso é, quer adira ou quer se desvie do laudo médico maioritário ou unânime, é necessário que o juiz conte com um resultado do exame pericial fundamentado, pois é a partir daí que desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador.
Justamente por isso, o n.º8, das Instruções Gerais, constantes do Anexo I, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, a que já nos referimos, impõe aos senhores peritos o dever de fundamentarem “todas as suas conclusões”.
Naturalmente que as exigências de uma fundamentação mais ou menos profunda variam consoante as questões suscitadas em cada caso concreto, devendo ter-se presente que no exame por junta médica as mesmas emergem, em primeira linha, dos quesitos que forem colocados à junta médica para se pronunciar. Por outro lado, em segunda linha, se houver uma divergência entre os senhores peritos nas respostas a esses quesitos, necessariamente que a fundamentação deve ser mais detalhada do que, em regra, se mostra necessário nos casos em que há unanimidade de entendimentos.
Portanto, importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir.
Mas se assim não acontecer, importa ainda ter presente outros dois aspectos igualmente relevantes. O primeiro deles consiste na faculdade que assiste às partes de reclamarem do relatório pericial, se “entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas” [art.º 485.º 1 e 2, CPC]. O segundo respeita à possibilidade que igualmente é atribuída ao Juiz, quando se aperceba que não encontra no relatório do exame médico o apoio suficiente e necessário para proferir a sentença, de fazer uso do disposto no n.º4, do mesmo artigo, que lhe permite, “mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”, isto é, quando exista “(..) qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas».
Deve assinalar-se que o recorrente não fez uso da faculdade de apresentar reclamação do relatório médico, nos termos do art.º 485º 1 e 2, do CPC, como podia e seria adequado, uma vez que no seu entender, conforme expressou no requerimento de 29 de Janeiro de 2015, o juízo emitido pelos senhores peritos médicos “não se mostra fundamentado, nele se não expondo as razões que levaram à conclusão tirada (..)”. Ao invés, pugnou pela invalidade do exame e consequente repetição.
Tendo presentes este conjunto de considerações, cabe, pois, decidir se o laudo não se mostra fundamentado e se ocorre a nulidade processual arguida.
Como primeira nota e, diga-se, essencial, deve ficar claro que a falta de fundamentação do relatório pericial, a existir, só importará a nulidade processual arguida desde que possa influir no exame ou decisão da causa (art.º 195.º n.º1, CPC).
O senhor perito médico singular entendeu verificar-se a existência de sequelas, nomeadamente as acima mencionadas, cujo enquadramento na TNI reporta-se ao Capítulo I (Aparelho locomotor), e neste aos pontos seguintes: 1. Coluna vertebral; 1.1 Entorses, fracturas e luxações; 1.1.1. Traumatismos raquidianos sem fractura, ou com fracturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante:
b) Apenas com raquialgia residual 0,02-0,10
Nessa consideração, atribuiu ao sinistrado uma IPP de 2,0000, desde a data da consolidação das lesões fixável em 08-05-2015.
Como se referiu, apenas a seguradora requereu exame por junta médica e apresentou os respectivos quesitos, acima transcritos. Não foi requerida junta médica pelo sinistrado.
Vale isto por dizer que os Senhores peritos apenas foram confrontados com a questão de saber quais as sequelas permanentes que o sinistrado apresenta e grau de incapacidade correspondente à luz da TNI.
E, a Senhora Juíza não entendeu necessária a formulação de outros quesitos (art.º 139.º 6, CPT), o que bem se compreende posto que a perícia a ser realizada não envolvia complexidade que al justificasse.
Relembra-se que este exame por junta médica foi realizado por especialistas em ortopedia.
Respondendo ao primeiro quesito, disseram os senhores peritos médicos que “O sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP”. E, como decorrência lógica dessa resposta, consideraram o segundo prejudicado.
Em suma, no entender destes senhores peritos médicos, em posição unânime, não há lugar à fixação de qualquer incapacidade permanente parcial por uma simples razão, ou seja, o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos.
Seguramente que os senhores peritos médicos, para além de procederem à observação objectiva do sinistrado, tiveram em conta todos os elementos constantes do processo. Se na sua avaliação entendem que não existem quaisquer sequelas, tal significa necessariamente que por unanimidade, à luz dos seus conhecimentos médicos da especialidade de ortopedia, não concordam com a avaliação efectuada pelo Senhor perito médico singular.
A não atribuição de qualquer grau de incapacidade é, pois, a consequência lógica daquela premissa.
Contudo, usando as expressões do tribunal a quo, se podemos admitir que está “esclarecido o motivo porque os Srs Peritos Médicos não atribuíram qualquer IPP”, o certo é que não está evidenciado o percurso que levou a essa consideração, isto é, “porque entenderam que o sinistrado não apresenta sequelas/lesões do acidente”.
Tanto mais, que em contraponto, no exame singular o senhor perito faz as menções acima transcritas, nomeadamente:
- “Fenómenos dolorosos: refere dores ao nível da região lombar agravadas pelos esforços e com as mudanças climáticas;
-Ráquis: Contratura da musculatura paravertebral lombas esquerda. Rigidez do ráquis lombar. Lasegue negativo.
Acresce, que em relação ao exame singular pode assumir-se que foi levada em conta a instrução 12 da TNI, onde se estabelece que “Os sintomas que acompanhem défices funcionais, tais como dor e impotência funcional, para serem valorizáveis, devem ser objectivadas pela contractura muscular, pela diminuição da força, pela hipotrofia, pela pesquisa de reflexos e outros meios complementares de diagnóstico adequados”.
Ora, já do exame por junta não resultam expressas as razões que estiveram subjacentes ao afastamento desse quadro.
Portanto, e esse é o fulcro da questão, embora se perceba a razão porque os senhores peritos médicos por unanimidade não atribuíram qualquer IPP ao sinistrado, a verdade é que não se logra perceber o percurso lógico que os levou a afastar o quadro clínico mencionado no exame singular, justificando aquela conclusão.
Significa isto, em bom rigor, que não foi observado o n.º8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI, uma vez que as conclusões a que chegaram os senhores peritos não se mostram fundamenadas e, logo, que a Senhora Juíza não dispunha de todos os dados factuais essenciais para a formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador e consequente decisão sobre a fixação da incapacidade que, como se disse, só ao juiz compete.
Por conseguinte, arguida a nulidade do exame médico por falta de fundamentação do resultado e verificando-se que o mesmo efectivamente enferma desse vício, o Tribunal a quo não deveria ter indeferido o requerido e prosseguido para a decisão, sem que para tal dispusesse dos elementos de prova necessários e impostos por lei, nomeadamente para dar cabal cumprimento ao dever de fundamentar das decisões imposto pelo art.º 154.º do CPC.
Como esclarecem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a necessidade de fundamentação da sentença assenta em duas ordens de razões. A primeira, tem em vista a persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada, procurando convencer a parte vencida através da argumentação. A segunda, prende-se directamente com a recorribilidade das decisões: “(..) para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador se baseou” [Op. cit., ibidem].
Neste quadro, há que reconhecer a existência de uma nulidade secundária, na medida em que a falta de fundamentação do resultado do exame médico pode “influir no exame ou na decisão da causa” (art.º 195.º 1 do CPC). Veja-se que a fundamentação da decisão sobre a fixação da incapacidade não foi, nem podia ir mais além, por o Tribunal a quo não dispor de um exame por junta devidamente fundamentado, do que se segue:
Reunida a junta, os Srs. Peritos foram de parecer, por unanimidade, que o sinistrado não tem qualquer sequela decorrente do acidente pelo que não padece de qualquer IPP.
Aquele parecer não merece reparo, encontrando-se devidamente fundamentado na Tabela Nacional de Incapacidades.
(..)
Tendo em conta os factos em que as partes acordaram na tentativa de conciliação e o estatuído nos artigos 2º, 6º, 23º, 48º, n.º 3, al. c) (a contrario), 71º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, decido que o A. face à inexistência de sequelas, não se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectado de qualquer incapacidade permanente, nenhuma pensão estando pois a R. condenada a pagar-lhe.
(..)».
Assim, impõe-se anular o exame por junta médica, que deverá ser repetido para que os senhores peritos médicos fundamentem a conclusão sobre a perícia médica (art.º 195.º 1 CPC). Consequentemente, anula-se a decisão que fixou a incapacidade, por depender absolutamente do resultado do exame por junta médica (art.º 195.º n.º2, CPC).
Concluindo, quanto a este ponto procede o recurso, ficando prejudicada a apreciação da última questão.
II. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, revogando a decisão na parte em que indefere a arguição da nulidade do exame por junta médica por falta de fundamentação, em substituição julgando-se verifica essa nulidade, anulando-se o mesmo e, em consequência, a decisão sobre a fixação da incapacidade.
Sem custas.

Porto, 10 de Outubro de 2016
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
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SUMÁRIO
I - Para que haja falsidade do auto de exame médico é necessário concluir-se que foi elaborado fazendo-se constar no seu conteúdo factos que não têm correspondência com a realidade que visa reproduzir.
II - Não pode falar-se em inexistência do acto de exame por junta médica com fundamento no facto de não ter sido presidido pelo juiz. A realização da junta médica sem a presença do Juiz pode é integrar uma nulidade processual secundária, nos termos do art.º 195º do CPC, porque essa irregularidade pode influir no exame e decisão da causa.
III - O Magistrado do Ministério Público não tem que estar presente no auto de exame médico, mesmo nos casos em que representa o sinistrado.
IV - Como o sinistrado não procedeu de modo a insurgir-se contra a realização do exame por junta médica, com fundamento na falta do juiz, até ao termo desse acto, como lhe era devido face ao disposto no art.º 199.º n.º1, do CPC, deve considerar-se extemporânea a arguição da nulidade, que apenas veio fazer dias depois, por requerimento, significando isso que, a existir, ficou sanada.
V - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
VI - Contudo, tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil ).
VII - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, a que alude o nº 1 do art.º 140.º do Cód. Proc. Trab., o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.
VIII - Mas quer adira ou quer se desvie do laudo médico maioritário ou unânime, é necessário que o juiz conte com um resultado do exame pericial fundamentado, pois é a partir daí que desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador.
XIX - Embora se perceba a razão porque os senhores peritos médicos, por unanimidade, não atribuíram qualquer IPP ao sinistrado, dado terem respondido que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos” a verdade é que não se logra perceber o percurso lógico que os levou a afastar o quadro clínico mencionado no exame singular, justificando aquela conclusão.
X - Significa isto, em bom rigor, que não foi observado o n.º8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI, uma vez que as conclusões a que chegaram os senhores peritos não se mostram fundamendas e, logo, que a Senhora Juíza não dispunha de todos os dados factuais essenciais para a formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador e consequente decisão sobre a fixação da incapacidade.

Jerónimo Freitas