Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
749/21.4T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: AUTORIDADE DE CASO JULGADO
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RP20230418749/21.4T8STS.P1
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.
II – Fora do processo em que foram fixados os factos não gozam de autoridade de caso julgado.
II – A confissão extrajudicial é definida no artigo 355.º, n.° 4, do Código Civil, por exclusão de partes; é a realizada fora de qualquer acção judicial, bem como a realizada em juízo, mas em processo diferente.
III – Nos termos do artigo. 358.º, n.º 3 do Código Civil, a prova por declarações de parte, na parte que importe confissão, está sujeita à livre apreciação do tribunal, pois que estamos perante uma confissão judicial não escrita, de que é exemplo o depoimento ou declarações de parte não reduzido a escrito, embora gravado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 749/21.4T8STS
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Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso J7

RELAÇÃO N.º 38
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
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I - RELATÓRIO.
AS PARTES
A.: AA.
RR.: A..., Ld.ª
B..., Ld.ª
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A A . demanda as RR.[2], pedindo que seja reconhecido o direito do autor aos suprimentos sobre a primeira ré e sobre a segunda ré, nos valores de € 198.850,00 e € 58.796,09, respetivamente, e o consequente reembolso de tais valores no prazo que venha a ser determinado em ulterior ação de fixação judicial de prazo.
Para tanto, invoca, em síntese, ter realizado, ao longo dos anos em que foi sócio-gerente das requeridas, um conjunto sucessivo e diferenciado de empréstimos às requeridas, a título de suprimentos, nos sobreditos valores, os quais destinaram-se a financiar as rés, funcionando como uma “injeção de liquidez” à tesouraria, pelo que foi essa capitalização que possibilitou às rés custear os investimentos ou necessidades que as mesmas realizaram, nomeadamente, compra de equipamentos entre outros, sem que tenha sido estabelecido prazo para o respetivo reembolso, tendo a existência de tais montantes sido confessado pelo legal representante das rés na ação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, com o n.º 57/15.0T8PVZ.

As rés contestaram a ação, nos termos e com os fundamentos constantes do articulado junto a 14-05-2021, no qual e além do mais, alegaram ter efetuado o pagamento dos invocados suprimentos, não existindo por parte das mesmas quaisquer obrigações de reembolso de suprimentos ao requerente.

O autor apresentou resposta em 31-05-2021, no sentido da improcedência da defesa invocada pelas rés, concluindo como na petição inicial.

Em 08-11-2021 foi realizada audiência prévia, conforme resulta da ata respetiva, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e fixados os temas de prova.
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DA DECISÃO RECORRIDA
Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando totalmente improcedente a demanda, nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por provada a exceção perentória do pagamento, e, em consequência, absolvo as rés A..., Ld.ª e B..., Ld.ª, dos pedidos formulados pelo autor AA. “.
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DAS ALEGAÇÕES
O A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência,
A) Deverá ser julgada procedente a excepção inominada de autoridade do caso julgado invocada pelo recorrente, com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo ser proferida uma nova que dê como provado tudo o quanto aqui já se deixou exposto, designadamente que se provou que os identificados valores dos suprimentos não se encontram pagos, julgando e decidindo a procedência da acção, condenando, por via disso, as rés nos pedidos formulados pela recorrente;
B) Subsidiariamente, deverá ser julgada procedente a nulidade arguida da sentença recorrida, declarando-se esta nula e ordenando-se a remessa dos autos ao tribunal a quo para que formule nova decisão em face da autoridade de caso julgado da decisão do douto tribunal da póvoa de varzim. “.
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O ora recorrente apresenta as seguintes
CONCLUSÕES:
i. Dá-se como reproduzido o alegado nos pontos 4 e 5 das alegações.[3]
ii. O recorrente foi sócio-gerente das recorridas até 2014.
iii. Foi precisamente nesta qualidade que o recorrente durante vários anos fez suprimentos às duas recorridas.
iv. Em 15 de Maio de 2014, o recorrente juntamente com as recorridas celebraram uma duas escrituras públicas de “Devolução de Suprimentos, Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade”, relativa à cessão de quotas, renúncia à gerência e alteração de contrato social.
v. Sucede que o recorrente, posteriormente, intentou uma acção onde peticionou a declaração de anulação parcial, com fundamento em coacção moral das escrituras supra referida, que correu termos sob o processo n.º 57/15.0T8PVZ, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 4, pedindo, ainda, a condenação dos réus, aqui recorridas, a aceitarem a referida anulação e a receberem as respectivas contraprestações, entregues aquando a celebração das referidas escrituras, e que se ordenasse o cancelamento das inscrições registrais a que os referidos actos deram origem, assim como quaisquer inscrições posteriores.
vi. Tramitados os autos, produzida a prova por confissão, testemunhal e documental, foi proferida sentença, que deu, a final, como provado que, não obstante o teor declarado nas escrituras celebradas, o recorrente era credor das recorridas a título de suprimentos, pois o valor que tinha sido entregue ao recorrente no acto das escrituras destinou-se, apenas e só, ao pagamento do preço da cedência de quotas e não para pagar os suprimentos devidos, ao contrário do que resultava das escrituras públicas.
vii. Esta sentença, que anulou parcialmente as escrituras públicas identificadas no ponto 20 das alegações quanto: «Aqui chegados e revertendo para a concreta situação dos autos, temos por seguro que, face à factualidade considerada como provada, as partes quiseram celebrar as duas escrituras públicas outorgadas no dia 15 de Maio de 2014 no que se refere à “Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade”, fixando como preço único para a cessão das quotas do autor em ambas as sociedades, “C..., Lda” e “D..., Lda.”, o valor de 500.000,00 €. No entanto, também quiseram evitar que o autor pagasse impostos sobre esse valor de 500.000,00 €. Com esse objectivo, o de evitar o pagamento de impostos pelo autor, dessa forma enganando e prejudicando a Fazenda Pública, este último e o réu BB, enquanto sócios e gerentes de ambas as sociedades, acordaram entre si declarar, em representação das mesmas, que cada uma delas restituía suprimentos ao autor, a “C..., Lda”, no valor de 198.500,00 € e a “D..., Lda”, o valor de 58.796,00 €, pese embora na realidade esses montantes tenham sido entregues ao autor pelo réu BB a título de pagamento de parte do preço acordado para a cessão de quotas, nada tendo sido restituído, seja a que título for, pelas sociedades ao autor. Ainda com o mesmo objetivo, o de evitar o pagamento de impostos pelo autor, enganando e prejudicando a Fazenda Pública, o autor e o réu BB acordaram entre si declarar preços fantasiosos para as cessões de quotas, preços esses sempre inferiores ao valor real 500.000,00 € fixado em conjunto para ambas as cessões de quotas. (…)
Conforme resultou provado nos presentes autos, o preço real acordado entre o autor e o réu BB para a cessão das quotas de ambas as sociedades de que os dois eram sócios foi, no seu conjunto, de 500.000,00 €, montante esse que o autor efetivamente recebeu do réu BB. Igualmente resultou provado que, contrariamente ao declarado nas duas escrituras em causa nos autos, não houve lugar à restituição de quaisquer suprimentos por parte das sociedades ao autor, pois tais montantes foram entregues pelo réu BB ao autor para pagamento do preço acordado para a cessão de quotas.» (Doc. nº 9 da petição inicial junto a fls.____), transitou em julgado sem interposição de qualquer recurso.
viii. Face à inércia das recorridas na realização do pagamento dos suprimentos devidos ao recorrente, este viu-se impelido a intentar acção de fixação judicial de prazo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Processo n.º 3661/20.0T8PRT, Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 7.
ix. Perante a posição das recorridas neste último processo judicial e que determinou a sua improcedência, o recorrente intentou a presente acção, sob a forma de processo comum de simples apreciação positiva e de condenação, onde peticiona que se reconheça o direito do recorrente aos suprimentos sobre a primeira recorrida no valor de EUR. 198 850,00, e o consequente reembolso do mesmo e no prazo que venha a ser determinado em ulterior acção de fixação judicial do prazo e que se reconheça o direito do recorrente aos suprimentos sobre a segunda recorrida no valor de EUR. 58 796,09, e o consequente reembolso do mesmo e no prazo igualmente a ser determinado em ulterior acção de fixação judicial do prazo.
x. O Tribunal a quo proferiu a douta sentença em crise julgando e decidindo a presente acção totalmente improcedente, por provada a excepção peremptória do pagamento, absolvendo, consequentemente, as recorridas dos pedidos contra si deduzidos.
xi. Após análise da petição inicial dos presentes autos, e coligindo-a com o decidido no Proc. n.º 57/15.0T8PVZ, dúvidas não existem que se verifica uma identidade total entre as partes e os factos que, alegadamente, lhe servem de base (ou seja, a causa de pedir).
xii. Pelo que esta decisão merece a discórdia do recorrente: por um lado pelo erro de julgamento relativo à matéria de facto dada como não provada e provada, no âmbito do processo n.º 57/15.0T8PVZ, por outro lado por a douta sentença em crise fazer uma errada interpretação jurídica dos factos levados a juízo, conduzindo a uma decisão equivocada quanto à relevância da excepção de autoridade de caso julgado.
xiii. A sentença proferida no processo n.º 57/15.0T8PVZ deu como provado, face à prova documental junta aos autos, dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, valorados no confronto com os documentos juntos e dos depoimentos de parte e das declarações de parte, o seguinte:
«Aqui chegados e revertendo para a concreta situação dos autos, temos por seguro que, face à factualidade considerada como provada, as partes quiseram celebrar as duas escrituras públicas outorgadas no dia 15 de Maio de 2014 no que se refere à “Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade”, fixando como preço único para a cessão das quotas do autor em ambas as sociedades, “C..., Lda” e “D..., Lda.”, o valor de 500.000,00 €. No entanto, também quiseram evitar que o autor pagasse impostos sobre esse valor de 500.000,00 €. Com esse objectivo, o de evitar o pagamento de impostos pelo autor, dessa forma enganando e prejudicando a Fazenda Pública, este último e o réu BB, enquanto sócios e gerentes de ambas as sociedades, acordaram entre si declarar, em representação das mesmas, que cada uma delas restituía suprimentos ao autor, a “C..., Lda”, no valor de 198.500,00 € e a “D..., Lda”, o valor de 58.796,00 €, pese embora na realidade esses montantes tenham sido entregues ao autor pelo réu BB a título de pagamento de parte do preço acordado para a cessão de quotas, nada tendo sido restituído, seja a que título for, pelas sociedades ao autor. Ainda com o mesmo objetivo, o de evitar o pagamento de impostos pelo autor, enganando e prejudicando a Fazenda Pública, o autor e o réu BB acordaram entre si declarar preços fantasiosos para as cessões de quotas, preços esses sempre inferiores ao valor real 500.000,00 € fixado em conjunto para ambas as cessões de quotas. (…)
Conforme resultou provado nos presentes autos, o preço real acordado entre o autor e o réu BB para a cessão das quotas de ambas as sociedades de que os dois eram sócios foi, no seu conjunto, de 500.000,00 €, montante esse que o autor efetivamente recebeu do réu BB. Igualmente resultou provado que, contrariamente ao declarado nas duas escrituras em causa nos autos, não houve lugar à restituição de quaisquer suprimentos por parte das sociedades ao autor, pois tais montantes foram entregues pelo réu BB ao autor para pagamento do preço acordado para a cessão de quotas.» (Doc. nº 9 da petição inicial junto a fls.____).
xiv. Esta douta sentença referiu, ainda, que: “Valorados nos termos acabados de expor, os depoimentos das testemunhas, as declarações prestadas pelas partes e o próprio depoimento prestado pelo autor, permitiram considerar como provada a factualidade contida em (…) 1.93.”, a saber “1.93. Não foram devolvidos ao autor quaisquer suprimentos.”.
xv. Não obstante a sentença proferida ao abrigo do processo n.º 57/15.0T8PVZ ser do pleno conhecimento das recorridas, ainda assim, não se coibiram as mesmas de contestar a petição inicial dos presentes autos, na qual alegaram que não eram devidos quaisquer suprimentos ao recorrente.
xvi. Assim, andou mal o Tribunal a quo a concluir que os empréstimos feitos às recorridas, a título de suprimentos, já tinham sido pagos ao recorrente, não lhe sendo devido qualquer quantia a este respeito: “Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por provada a exceção perentória do pagamento, e, em consequência, absolvo as rés A..., Ld.ª e B..., Ld.ª, dos pedidos formulados pelo autor AA.”.
xvii. Para a sustentação da sua decisão o Tribunal a quo decidiu em crash de julgamento, imiscuindo-se na sentença proferida no âmbito do processo n.º 57/15.0T8PVZ como se fosse um Tribunal Superior com poderes recursórios e decidiu dar como não provados factos que, anteriormente, tinham sido dados como provados e dar como provados factos que, anteriormente, tinham sido dados como não provados, no processo n.º 57/15.0T8PVZ, como supra se referiu.
xviii. O Tribunal a quo entendeu que o teor das escrituras públicas celebradas era claro, uma vez que o recorrente reconheceu que o pagamento dos suprimentos foi efectuado na data da cessão das quotas e que o facto de o recorrente ter dito na sua PI, no âmbito dos autos n.º 57/15.0T8PVZ, o que se passa a elencar infra, era motivo suficiente para concluir que os suprimentos tinham sido pagos:
«Artigo 127º - “A devolução de suprimentos efetivada aquando das cessões de quotas, cuja inserção no mesmo documento se compreende perfeitamente, uma vez que não era do interesse dos RR. a continuidade da existência de crédito do A. sobre as sociedades após a desvinculação jurídica do mesmo à sua qualidade de sócio e gerente das mesmas.”;
Artigo 129º - “A aceitação pelo A. dos suprimentos que lhe eram devidos não resultam de um ato de coação por parte dos RR., uma vez que este não foi coagido a aceitar a devolução de tais suprimentos, resultando sim esta devolução do exercício de um direito de crédito do A.”;
Artigo 133º - “(…) aquando da outorga das escrituras recebeu o A. a título de suprimentos o montante total de 257.646,09€ (duzentos e cinquenta e sete mil e seiscentos e quarenta e seis euros).”;
Artigo 134º - “O montante recebido pelo A. a título de suprimentos resulta de um direito do mesmo a ser ressarcido de valores que este emprestou às sociedades em causa.”;
Artigo 135º - “Valores estes que o mesmo teria sempre direito a receber, com cedência ou não de quotas sociais, com renúncia ou não à gerência.”;
Artigo 139º - “Os valores recebidos pelo A. a título de suprimentos viriam sempre a ser-lhe liquidados independentemente das cessões de quotas celebrados, podendo é certo, sê-lo em momento distinto.”;
Artigo 140º - “É evidente que caso o pagamento não ocorresse no momento da transmissão das quotas, poderia o A. peticionar o pagamento dos mesmos em momento ulterior, contudo a possibilidade de futura cobrança não era certamente do interesse dos RR.”;
xix. Acrescentou, ainda, o Tribunal a quo que ofende as regras de experiência comum e da normalidade admitir que alguém realize um contrato a declarar falsamente ter recebido determinado montante a título de suprimentos sem que o tenha recebido, dando expressa quitação, apenas para obter um benefício fiscal incomparavelmente menor que a vantagem do recebimento dos montantes devidos a título de suprimentos.
xx. Foi com base nestes argumentos que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo entendeu dar como assente que os suprimentos já tinham sido pagos e que consequentemente não eram devidas quaisquer quantias a este título.
xxi. Como se referiu, e aqui reitera-se, não cabe na jurisdição do douto Tribunal a quo fazer uma nova apreciação dos meios de prova e valorá-los da forma como lhe aprouver, atendendo à decisão que já transitou em julgado e decidiu em sentido oposto.
xxii. Aliás, o Meritíssimo Juiz aos 32:12 minutos até aos 32:25 minutos, através do sistema “Habilus Média Studio” 20220209152723_15925809_3995017, demonstra o seu pleno conhecimento relativo à existência da sentença proferida ao abrigo do processo n.º 57/15.0T8PVZ decisão que considerou as escrituras nulas quanto à devolução dos suprimentos.
xxiii. A distinção de conceitos entre “caso julgado” e “autoridade de caso julgado” vem, desde já há muito tempo, sendo tratada na doutrina e acolhida pela jurisprudência.
xxiv. Quando estamos na presença da autoridade de caso julgado, não é exigível o triunvirato de requisitos do caso julgado – identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir – tudo conforme unanimemente defendido pela jurisprudência e doutrina que se referenciou em sede própria.
xxv. Sendo autónoma da excepção do caso julgado propriamente dita, a excepção da autoridade do caso julgado tem, ainda, assim o mesmo efeito que a primeira, tendo sido já catalogada pela jurisprudência como uma excepção inominada.
xxvi. Não é pelo facto do pedido entre a presente acção e o processo n.º 57/15.0T8PVZ serem diferentes que não deixará de servir a decisão proferida neste último de guia-limite ao que aqui se irá decidir.
xxvii. Constitui jurisprudência unânime e doutrina uniforme que o caso julgado forma-se não só quanto à decisão, mas também quanto aos antecedentes lógicos necessários para a tomada de posição do Tribunal no caso concreto, desde logo no seguimento do ínsito no art. 621.º do CPC. Dito de outra forma: é unânime que os efeitos do caso julgado se estendem, também, à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.
xxviii. A presente decisão que absolveu os recorridos fulmina autenticamente o decidido na acção primitiva (Póvoa de Varzim), numa clara violação do sentido e alcance da autoridade do caso julgado, ao arrepio da Lei e daquilo que jurisprudência e doutrina profusa e unanimemente defendem (inclusive esta mesma Veneranda Relação) – tudo conforme alegado, citado, referenciado e demonstrado.
xxix. Dando-se como integralmente reproduzido tudo o quanto foi alegado supra, e a título subsidiário, em face do exposto a sentença proferida é nula, atendendo às questões que foram conhecidas e sob as quais não era possível tomar conhecimento, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.
xxx. Não obstante o elencado, mesmo que ao Tribunal a quo coubesse uma nova apreciação jurídica, certo é que este não atendeu à confissão que o Exmo. Senhor BB, réu no referido processo n.º 57/15.0T8PVZ, através do sistema “Habilus Média Studio”, 20190312094624_13942042_2871560, no minuto 20:15 ao minuto 20:46, prestou e que confessou que, efectivamente, não foram reembolsados ao aqui recorrente os suprimentos em causa e o mesmo ocorreu nos presentes autos (sistema “Habilus Média Studio”, 20220209152723_15925809_3995017, minutos: 15:51 minutos até aos 16:13 minutos; 16:14 minutos até aos 16:58 minutos; 17:02 minutos até aos 17:05 minutos; 17:05 minutos até aos 17:06 minutos; 17:06 minutos até aos 17:07 minutos; 17:09 minutos até aos 17:42 minutos; 30:40 minutos até aos 30:48 minutos; 30:48 minutos até aos 30:51 minutos; 31:11 minutos até aos 31:23 minutos; 31:23 minutos até aos 31:25 minutos).
xxxi. Com efeito encontra-se definitivamente confessado pelo mesmo que o dinheiro era só para a cessão de quotas porque a sociedade nunca teria dinheiro para pagar os suprimentos e que apesar da referida contradição sempre foi confessando, justamente, esta realidade.
xxxii. Esta questão já provada e transitada em julgado ergue-se como preliminar e pressuposto para a decisão dos presentes autos, na medida em que considerando que os EUR. 500 000,00 referenciados nas duas escrituras destinaram-se somente ao pagamento do preço das cessões de quotas (cfr. decisão do Tribunal da Póvoa de Varzim) terá de entender-se que o valor dos suprimentos não se encontra pago, o que, desde já, se requer.
xxxiii. A decisão recorrida obriga a um outro raciocínio que não ficou esclarecido pelo mesmo: se o Tribunal da Póvoa disse que aqueles EUR. 500 000,00 serviram para pagar o preço da cessão de quotas, tendo o douto Tribunal a quo considerado que os suprimentos foram pagos, importa aquilatar que dinheiro pagou a cessão de quotas!
xxxiv. Finalmente, baralhando e dando à saciedade da mais pura lógica aristotélica, o que o douto Tribunal fez foi revogar a decisão do Tribunal da Póvoa de Varzim, dando como provado o que este Tribunal deu como não provado.
xxxv. Face ao alegado, conclui-se que o douto Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação e valoração da prova e em consequente erro jurídico de julgamento, pelo que os seguintes factos dados como não provados na sentença recorrida:
“c. O valor dos aludidos suprimentos nunca tenha sido reembolsado ao autor;
d. As rés encontrem-se a beneficiar dos suprimentos realizados pelo autor, sem que tenham procedido ao seu reembolso, pretendendo esquivar-se ao seu pagamento”,
xxxvi. devem ser dados como provados e aditados aos factos provados e como números 25 e 26 e com a seguinte redacção:
“25. O valor dos aludidos suprimentos nunca foi reembolsado ao autor;
26. As rés encontram-se a beneficiar dos suprimentos realizados pelo autor, sem que tenham procedido ao seu reembolso, pretendendo esquivar-se ao seu pagamento.”.
xxxvii. Por sua vez, também, o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação e valoração da prova e em consequente erro jurídico de julgamento ao dar como provado o seguinte facto
– “24. Tais quantias, a título de suprimentos, foram pagas ao autor na data referida em 16 e pelos valores indicados no ponto 23.” – devendo ser dado como não provado e assumir a alínea f) dos factos não provados com a seguinte redacção:
“f) Não provado que tais quantias, a título de suprimentos, foram pagas ao autor na data referida em 16 e pelos valores indicados no ponto 23.”.
xxxviii. Pelo que deverá ser julgada procedente a excepção inominada de autoridade do caso julgado invocada pelo recorrente, com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo ser proferida uma nova que dê como provado tudo o quanto aqui já se deixou exposto, designadamente que se provou que os identificados valores dos suprimentos não se encontram pagos, julgando e decidindo a procedência da acção, condenando, por via disso, as rés nos pedidos formulados pela recorrente.
xxxix. Subsidiariamente, deverá ser julgado procedente a nulidade arguida da sentença recorrida, declarando-se esta nula e ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que formule nova decisão em face da autoridade de caso julgado da decisão do douto Tribunal da Póvoa de Varzim.
xl. Relativamente ao pedido foram violados, entre outros, os arts. 580.º, 581.º, 615.º, n.º 1, alínea d) in fine, 621.º do CPC e art. 2.º da CRP.“. realçado nosso.
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As RR. apresentaram CONTRA-ALEGAÇÕES, apresentando as seguintes conclusões:
I. Como é sabido, as conclusões delimitam o âmbito ou objecto do recurso.
II. Como refere a respectiva motivação da sentença proferida “Relativamente à demais factualidade provada e não provada, a convicção do Tribunal fundou-se na conjugação de toda a prova produzida nos autos e em audiência, designadamente nos documentos juntos aos autos, nos depoimentos de parte do autor e do legal representante da ré, assim como no depoimento da única testemunha inquirida, CC, contabilista certificado ao serviço das rés.”
III. Assim sendo, quanto à factualidade dada como provada e não provada o Tribunal não forma a sua convicção sobre determinada matéria respigando, avulsamente, excertos do depoimento de parte do senhor BB, como o Apelante faz em relação a este, antes alicerça essa convicção num sem número de factores que a ela conduzem.
IV. Quando o juiz tem diante de si o depoente de parte, pode apreciar as suas reacções, aperceber-se da sua convicção e da espontaneidade, ou não, do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe: em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que, afinal, é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos.
V. São observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade.
VI. No caso dos autos o Tribunal “a quo” avaliou com rigor toda a matéria produzida.
VII. No contexto referido nos itens precedentes – o juridicamente correcto – ficam prejudicadas todas as considerações e conclusões que o Apelantetece e formula.
VIII. As mesmas desvirtuam a realidade do todo da prova testemunhal e documental produzida; isolam, total ou parcialmente, cada um dos elementos que integram aquela prova.
IX. Como se verifica pelo alegado pelo Apelante quando refere que: “o Meritíssimo Juiz a quo referiu aos 32:12 minutos até aos 32:25 minutos: através do sistema “Habilus Média Studio” 20220209152723_15925809_3995017: “Olhe é que, entretanto, houve aí uma decisão, houve uma decisão que considerou que a escritura é nula quanto à devolução de suprimentos, sabe disso?”.
X. “O mesmo é dizer que o Meritíssimo Juiz a quo tinha perfeito conhecimento de que havia uma decisão que considerou as escrituras nulas quanto à devolução dos suprimentos!”
XI. O Apelante deturpa a realidade, na medida em que, o Meritíssimo Juiz se limitava a proceder ao depoimento de parte sobre os factos alegados nas peças processuais.
XII. É, pois, um habilidoso sofisma – salvo o devido respeito – o Apelante tentar caracterizar a actuação processual das recorridas pela mais inclemente má-fé.
XIII. Sendo certo que, em todo o processado a actuação processual do Apelante não tem qualquer razão de ser e tem um uso manifestamente reprovável, visando impor uma realidade desfasada da verdade dos factos, como já aconteceu no Processo 57/15.0T8PVZ onde foi condenado como litigante de má fé.
XIV. O Apelante bem sabe que os suprimentos lhe foram pagos.
XV. O Apelante, na sua Petição Inicial, no Processo 57/15.0T8PVZ, nos artigos 127º e seguintes confessou que recebeu o valor referente aos suprimentos “uma vez que não era do interesse dos RR. a continuidade da existência de créditos
XVI. Mais referiu que “A aceitação pelo autor dos suprimentos que lhe eram devidos não resulta de um ato de coacção por parte dos réus, uma vez que este não foi coagido a aceitar a devolução de tais suprimentos, resulta sim do exercício de um direito de crédito do autor.”
XVII. “Em face do exposto, conclui que a devolução dos suprimentos ao autor, não tendo relação com a coação moral exercida pelo réu, e tratando-se de um direito deste a reaver dinheiro que emprestou às sociedades, deverá manter-se, procedendo-se apenas a uma anulação parcial das declarações negociais, ou seja, das escrituras.”
XVIII. O Apelante não queria ficar ligado às Recorridas, de nenhuma maneira.
XIX. Sendo certo, que aquando do despacho Saneador, o Apelante não se pronunciou nem reclamou sobre o objecto do litígio nem sobre os temas da prova.
XX. Também não colhe a tese do Apelante da excepção inominada de autoridade do caso julgado.
XXI. Nos termos dos artigos 580.º, n.º 1, e 581.º do Código de Processo Civil, para que haja exceção de caso julgado tem de existir a repetição de uma causa quando a primeira já foi decidida por sentença com trânsito em julgado e há repetição de uma causa sempre que existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
XXII. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
XXIII. Admite o Apelante que não existe a “tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581.º do CPC), não se verificando, in casu, apenas a identidade de pedido”
XXIV. Pretende, no entanto, que seja julgada procedente a excepção de autoridade de caso julgado.
XXV. No entanto, para a existência de uma autoridade de caso julgado, deve ser verificada uma condição objetiva positiva: uma relação de prejudicialidade (Acórdão do TRP de 21-11-2016, Proc.1677/15.8T8VNG.P1, relator: JORGE SEABRA.
XXVI. Na ausência dessa relação, “não é invocável a força vinculativa da autoridade de caso julgado” (Acórdão do TRP de 21-11-2016, Proc.1677/15.8T8VNG.P1, relator: JORGE SEABRA.
XXVII. No caso em apreço não subjaz qualquer identidade do pedido e da causa de pedir.
XXVIII. No Processo 57/15.0T8PVZ o pedido consiste em saber se deve ser declarada a anulação parcial das escrituras celebradas em 15 de Maio de 2014, no Cartório Notarial da Licenciada DD, na Maia, lavradas no Livro ...... a fls. 46 a 47 v. e 48 a 50, na parte relativa à cessão de quotas, renúncia à gerência e alteração do contrato social, e se os réus devem ser condenados a aceitar a referida anulação e a receber as respectivas contraprestações entregues aquando da celebração das referidas escrituras e relativos aos actos em causa;
XXIX. Por sua vez, nestes autos o pedido consiste no direito do autor a obter das rés o pagamento das quantias que, a título de suprimentos, peticiona.
XXX. Ainda que assim não fosse, nunca a tese do Apelante da excepção inominada de autoridade do caso julgado, seria bem-sucedida, na medida em que,
XXXI. A condenação no reembolso de suprimentos efectuados às rés integra o exercício de um direito social.
XXXII. Assim sendo, nos termos do artigo 128º/1 al c) da Lei da Organização do Sistema Judiciário a competência para apreciar os fundamentos da acção intentada pelo Autor não é dos Juízos de Competência Genérica nos quais se integra a Instância Cível, onde correu termos o Processo 57/15.0T8PVZ
XXXIII. Mas antes os Juízos de Competência especializada, pertencendo, no caso em apreço, aos Juízos de Comércio, onde correu a presente acção.
XXXIV. Assim sendo a invocação dos fundamentos que o Apelante visa obter não pode ser imposta a um tribunal materialmente competente para a
XXXV. questão quando provenha de tribunal que, tendo julgado a questão ao abrigo do artigo 91.º, n.º 1 in fine, nunca lhe poderia dar valor de caso julgado material por ser incompetente ou em razão da matéria, ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo.
XXXVI. O que, claramente, se aplica nesta questão em concreto.
XXXVII. Acresce que, a decisão proferida no processo 57/15.0T8PVZ foi julgar a ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolver os réus do pedido contra eles formulado.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:
a) Houve violação de autoridade do caso julgado por nestes autos ter sido dado como provado o ponto 24 e não provados alíneas c) e d).
b) A sentença padece de nulidade por ter conhecido de questão que não podia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil.
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OS FACTOS
A sentença ora em crise deu como prova e não provada a seguinte factualidade.
A) Factos provados
Estão provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. A primeira ré A..., Lda. teve a sua génese no avô do autor, EE, que iniciou, em nome individual, o exercício da atividade da serralharia.
2. A primeira ré dedica-se à “indústria de serralharia civil, com soldadura elétrica e fundição de metais e estruturas metálicas, construção de redes de transporte de águas, de esgotos e de outros fluidos, construção de redes de transporte e distribuição de eletricidade e redes de telecomunicações, construção de outras obras de engenharia civil, demolição, preparação de locais de construção, instalação de canalizações, instalação de climatização, outras instalações em construção, estucagem, montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia, revestimento de pavimentos e de paredes, e qualquer outro ramo de indústria que a sociedade resolva explorar e não seja proibido por lei”, conforme documento junto de fls. 15 a 17vº, cujo teor se dá por reproduzido.
3. Mais tarde, sucedeu-lhe no exercício desta atividade o tio do autor, FF.
4. O autor, que iniciou o seu percurso laboral na referida atividade de serralharia por conta e sob as ordens do seu tio, em meados de 1977, decidiu constituir uma sociedade comercial, com vista ao crescimento dos negócios.
5. Naquele ano constituiu a sociedade E..., Lda., com o objeto social de indústria de serralharia civil, com soldadura elétrica, fundição de metais e estruturas metálicas.
6. Eram sócios nesta sociedade o tio do autor, FF, que detinha 60% do capital social, o autor e BB, estes com quotas iguais de 20%.
7. No ano de 1986, o tio do autor deixou de ser sócio, assumindo o autor e BB, o comando da sociedade em partes iguais.
8. Em meados de 2001, a sociedade, por redenominação, passou a ser designada por C..., Lda. e desde 2014 por A..., Lda.
9. Desde essa altura, o autor e BB, assumiram a qualidade de sócios-gerentes da referida sociedade, vinculando a mesma através de assinatura conjunta.
10. A segunda ré B..., Lda. foi constituída em 1993, sob a designação de D..., Lda., pelo autor e por BB, com quotas iguais, uma vez que os mesmos, detendo diversos lotes de terreno em nome da C..., Lda., pretendiam proceder à venda e construção dos mesmos.
11. Tal sociedade tem por objeto a “compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim e a indústria de construção”, conforme documento junto de fls. 18 a 24, cujo teor se dá por reproduzido.
12. Esta sociedade, por redenominação, passou, em meados de 2014, a ser designada por B..., Lda.
13. De igual modo, ambos os sócios detinham a gerência da referida sociedade, vinculando-se a mesma através de assinatura conjunta destes, pelo que as decisões e deliberações eram sempre da responsabilidade conjunta.
14. O autor foi sócio gerente das sociedades C..., Lda. e D..., Lda., atualmente designadas por A..., Lda. E B..., Lda., respetivamente, durante o período de 37 anos e 21 anos, respetivamente.
15. A partir de finais de 2012 começaram a existir diferendos entre os sócios, relativamente à administração e gestão das referidas sociedades, tendo-se agudizando a situação de conflito e tensão entre os sócios, designadamente entre o autor e o seu único sócio, BB.
16. Em 15 de maio de 2014, o autor cedeu ao sócio BB, a sua quota total, correspondente a 50% do capital social da C..., Lda. e cedeu, de igual modo, a sua quota total, correspondente a 50% do capital social da D..., Lda., um quarto da sua quota ao seu sócio BB e o outro quarto ao filho deste.
17. Para o efeito, foram celebradas naquela data, as escrituras públicas de “Devolução de Suprimentos, Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade”, conforme documento constante de fls. 481vº a 484, cujo teor se dá por reproduzido.
18. O ora autor, AA, acompanhado da mulher, GG, instauraram no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, contra BB e mulher HH e outros, entre os quais as ora rés A..., Ld.ª e B..., Ld.ª, ação declarativa comum de condenação, pedindo, além do mais, que seja “declarada a anulação parcial das escrituras celebradas em 15 de maio de 2014, no Cartório Notarial da Licenciada DD, na Maia, lavradas no Livro ...... a fls. 46 a 47 v e 48 a 50, na parte relativa à cessão de quotas, renúncia à gerência e alteração de contrato social, condenando-se assim os réus a aceitar a referida anulação e a receber as respetivas contraprestações entregues aquando da celebração das referidas escrituras e relativos aos atos ora anulados”, conforme documento constante de fls. 96 a 114vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. Tal processo foi distribuído sob o n.º 57/15.0T8PVZ e correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim – Juiz 4, tendo em 23-09-2019 sido proferida sentença, transitada em julgado em 30-10-2019, a qual julgou a ação e a reconvenção totalmente improcedentes, por não provadas, condenando ainda os autores como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa que foi fixada em 10 UC’s, conforme certidão constante de fls. 134 a 175, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Em 18-02-2020, o ora autor instaurou contra as ora rés, ação declarativa com processo especial para fixação judicial de prazo, que correu termos Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 7, sob o Processo n.º 3661/20.0T8PRT, pedindo que o Tribunal fixe o “reembolso dos suprimentos realizados pelo requerente às requeridas num prazo nunca superior a 30 (trinta) dias, o qual se afigura razoável e adequado ao cumprimento pela requerida da identificada sua obrigação”, conforme documento constante de fls. 73 a 79vº, cujo teor se dá por reproduzido.
21. As rés contestaram a referida ação, nos termos e com os fundamentos constantes do articulado junto a 02-10-2020, no qual e além do mais, alegaram ter efetuado o pagamento dos invocados suprimentos, não existindo por parte das mesmas “quaisquer obrigações de reembolso de suprimentos ao requerente”, conforme documento constante de fls. 27 a 31, cujo teor se dá por reproduzido.
22. Em 08-01-2021 foi proferida sentença, transitada em julgado em 10-02-2021, a qual decidiu não fixar qualquer prazo, julgando a referida ação improcedente, conforme documento constante de fls. 80 a 82, cujo teor se dá por reproduzido.
23. O autor realizou suprimentos no valor total de € 198.850,00, relativamente C..., Lda., e de € 58.796,09, em benefício de D..., Lda., atualmente designadas A..., Lda. e B..., Lda., respetivamente, durante o tempo em que o autor foi sócio-gerente das referidas sociedades, sem que tenha sido estabelecido prazo para o respetivo reembolso.
24. Tais quantias, a título de suprimentos, foram pagas ao autor na data referida em 16 e pelos valores indicados no ponto 23.
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B) Factos não provados
Com interesse para a decisão, não se provou qualquer outra factualidade relevante para a decisão da causa, nomeadamente que:
a) os suprimentos referidos no ponto 23 dos factos provados destinaram-se a financiar as rés, funcionando como uma “injeção de liquidez” à tesouraria;
b) que essa capitalização tenha possibilitado às rés custear os investimentos ou necessidades que as mesmas realizaram, nomeadamente, compra de equipamentos entre outros;
c) o valor dos aludidos suprimentos nunca tenha sido reembolsado ao autor;
d) as rés encontrem-se a beneficiar dos suprimentos realizados pelo autor, sem que tenham procedido ao seu reembolso, pretendendo esquivar-se ao seu pagamento; e
e) a restituição dos suprimentos realizados pelo autor haja sido efetuada pelo cessionário BB ou pelas sociedades A..., Ld.ª e B..., Ld.ª.“, realçado nosso.
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DE DIREITO.
A)
Da violação de autoridade do caso julgado por nestes autos ter sido dado como provado o ponto 24 e não provados alíneas c) e d).
Neste recurso autos coloca-se a questão de saber se os factos dados como provados na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ, que correu os seus termos no Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, J4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem imporem-se extraprocessualmente e se, por via disso, tal como sustenta o recorrente, estava vedada ao Tribunal a quo a possibilidade de apreciar tal factualidade e em consequência alterá-los.
Esta questão diz directamente respeito com o conteúdo e alcance do caso julgado material formado pela sentença proferida na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ, pelo que importa abordá-la neste âmbito.
Em face das questões colocadas nas conclusões do recorrente o âmbito do presente recurso respeita tão só à problemática da eficácia do caso julgado material, na sua vertente positiva. Ou seja, à extensão da autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ, à presente acção por via da decisão da matéria de facto quanto àqueles pontos de facto, os suprimentos foram ou não pagos e por quem.

Quanto ao que seja caso julgado e autoridade do caso julgado socorremo-nos dos seguintes ensinamentos:
1. A repetição da causa ocorre quando é proposta uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo essa tripla identidade crucial para a verificação de alguma das exceções dilatórias de caso julgado e de litispendência. Contudo, apesar da aparente simplicidade do preceito, que foi ao ponto de definir cada um dos elementos (subjetivo e objetivo) da instância, a sua aplicação suscita enormes dificuldades, que resultam bem transparentes da leitura de arestos jurisprudenciais e de elementos doutrinais (RC 12-12-17, 3435/16).
2. A identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente, "aquelas que assumiram, mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado" (Maria José Capelo, A Sentença Entre a Autoridade ca Prova, p. 324). (…)
4. Também ocorre a identidade dos sujeitos quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15, 896/09), solução que também foi assumida em STJ 22-2-15, 915/09, onde se refere que "para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo". A identidade de sujeitos, com os limites assim definidos, constitui o pressuposto básico para a invocação quer da exceção de caso julgado (vertente negativa), quer para a afirmação dos limites do caso julgado (vertente positiva). Não é possível de modo algum extrair efeitos de uma decisão judicial relativamente a um sujeito que não possa considerar-se vinculado nos termos anteriormente referidos.
5. A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões (ST) 24-2-15, 915/09, STJ 14-12-16, 219/14 e STJ6-6-00, 00A327). Assim, se a forma como o autor se expressou na petição inicial e o modo como tal se refletiu na sentença são importantes para a aferição da identidade do pedido que foi formulado e apreciado, não deixa de ser importante o que, numa perspetiva substancial, está contido explicitamente e, por vezes, até implicitamente nessas formulações, seguindo sempre um critério orientador segundo o qual, para além de ser dispensável a repetição da mesma causa entre os mesmos sujeitos, deve vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória.
6. A identidade de pedidos pode, aliás, ser apenas parcial e, ainda assim, ser bastante para que se considerem verificadas a exceção de litispendência ou de caso julgado. Por exemplo, em face de uma anterior sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um determinado prédio, com base num determinado fundamento (ação de simples apreciação positiva), existe repetição da causa se for proposta uma ação de reivindicação na qual, com base no mesmo fundamento, se pretenda ainda a condenação do réu na restituição do bem (cf. sobre a delimitação e características do pedido, cf. anot. aos arts. 3º, 1869 e 552).” in Código de Processo Civil Anotado, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, 2018, em anotação ao artigo 581.º do Código de Processo Civil.
LEBRE DE FREITAS, RIBEIRO MENDES E ISABEL ALEXANDRE, Código de Pro-cesso Civil Anotado, 3ª ed., em anotação ao artigo 629.º, pág., 28, afirmam:
A ofensa de caso julgado, por seu turno, pressupõe que a decisão impugnada tenha contrariado outra decisão anterior, já transitada em julgado (arts. 619 e 620; cf. arts. 580 e 581), não se aplicando a norma com fundamento em o acórdão recorrido se ter baseado em ofensa do caso julgado que o recorrente pretenda que não se verificou.
No ac. do STJ de 18.12.13 (ABRANTES GERALDES), proc. 1801/10, decidiu- -se que ocorre ofensa de caso julgado quando a Relação, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo autor, haja modificado ex officio o decidido na 1.ª instância, objeto de recurso, em termos que se revelem mais desfavoráveis para o apelante, com desrespeito pelo que dispõe o art. 635-5. Ver ainda os acs. do STJ de 17.11.15 (SEBASTIÃO POVOAS), proc. 34/12, e de 15.2.17 (NUNES RIBEIRO), proc. 2623/11.

A nossa jurisprudência tem-se debruçado sobre os conceitos e limites do caso julgado e da autoridade do caso julgado. Entre outros, podemos considerar Ac do Supremo Tribunal de Justiça 4043/10.8TBVLG.P1.S1, de 26.02.2019, relatado pelo Cons PINTO DE ALMEIDA, dgsi.pt, onde se pode ler:
A delimitação entre as duas figuras poderá assim estabelecer-se da seguinte forma, consoante a lição do Prof. M. Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, Bol.325/159 a 179:
- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;
- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado; assim, o objecto da primeira decisão tem de constituir questão prejudicial na segunda acção, pressuposto necessário da decisão de mérito (Profs. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código Anotado, 2º, 2ª ed., pg. 354). (…)
A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade – o caso julgado.
A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva"
A excepção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda acção, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda acção, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC).
A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida".
Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.
Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição/permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição").
Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto pro-essual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.
Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
Por outro lado, importa notar que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – art. 621º do CPC –, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele. “. Em igual sentido Ac Supremo Tribunal de Justiça 7770/07.3TBVFR.P1.S1, de 24.04.2013, relatado pelo Cons LOPES DO REGO, Ac Supremo Tribunal de Justiça 3210/07.6TCLRS.L1.S1, de 21.03.2013, relatado pelo Cons ÁLVARO RODRIGUES, Ac Tribunal da Relação do Porto 174/16.9T8VLG-B.P1, de 08.10.2018, relatado pelo Des MANUEL DOMINGOS FERNANDES, dgsi.pt.

Circunscrevendo a apreciação ao objecto do presente recurso, chamamos à colação o seguinte ensinamento jurisprudencial:
Pode dizer-se que a expressão “caso julgado” é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado”, ou seja, caso que foi objeto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega, tanto constitui caso julgado a sentença que condena como aquela que absolve.
O instituto do caso julgado exerce - como já atrás já deixámos referido - duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda se manifesta através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.
Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto absolutamente necessário da sua atuação.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Para que haja identidade de sujeitos as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição processual que elas assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa ação e réus na outra, devendo, pois, essa identidade ser aferida em função da qualidade jurídica e do interesse substantivo que as partes representam ou são portadoras
Por sua vez, a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.
Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas ações em confronto.
No nosso ordenamento jurídico-processual, o caso julgado implícito só pode ser admitido em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas, embora de forma não expressa, nos termos e limites precisos em que julga.
A autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.
Sobre a temática, e apontando, na essencialidade, no sentido que se deixou exposto, vide, entre outros, os profs. Anselmo de Castro, (in “Processo Civil Declaratório, Vol. II, pág. 242”), Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 307”), Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305/306”), Alberto dos Reis, (in “CPC Anotado, vol. III, págs. 93/94”, Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 319”), Castro Mendes (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968”) e Miguel Teixeira de Sousa (in “Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1997, págs. 309 a 316”), Mariana Gouveia (in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, págs. 493 e 509”), e Acs. do STJ de 16/09/2015, proc. nº. 1918/11, in “Sumários, 2015, pág. 485”, de 22/06/2017, proc. nº. 2226/14.0TBSTB.E1.S1, de 13/12/2007, proc. nº. 07A3739, de 04/06/2015, proc. nº. 177/04.6TBRMZ.E1.S1, de 11/11/2020, proc. nº. 214/17.4T8MNC.G1.S1, de 06/06/2019, proc. 276/13.3T2VGS.P1.S2, de 16/12/2021, proc. nº. 5837/19.4T8GMR.G1.S1, de 22/02/2018, proc. 3747/13.8T2SNT.L1.S1, de 02/12/2020, proc. 3077/15.T8PBL.C1-A.S1, e de 26/04/2012, proc. 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt). (…)
Com efeito, como constitui entendimento claramente prevalecente, o caso julgado incide sobre a decisão (de mérito) e não abrange os seus fundamentos de facto.
Neste sentido, elucida o prof. Antunes Varela (in “Ob. cit., pág. 716”) “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final.”
No mesmo sentido, aponta igualmente o prof. Teixeira de Sousa (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 577”), quando afirma que “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado.”
No âmbito jurisprudencial, pode referir-se, por ex., o Ac. do STJ de 02/03/2010, (proc. nº. 690/09), disponível em www.dgsi.pt/, onde se afirma, a dado passo, que “(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.”
No mesmo sentido, referira-se o Ac. do STJ de 05/05/2005 (proc. nº. 05B691), disponível em www.dgsi.pt, ao decidir que “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”
Refira-se, por último, o Ac. do STJ. 30/11/2021, desta mesma secção, (proc. de revista nº. 557/17.7T8PTL.G1.S2) onde se defendeu que a autoridade de caso julgado de uma decisão não abrange os seus fundamentos de facto, não gozando os mesmo dessa eficácia extraprocessualmente. Em idêntico sentido vide ainda o Ac. do STJ de 23/11/2019 (proc. nº. 841713.9TjVNF.G2.S1), disponível em www.dgsi.pt.
A sua eficácia de caso julgado, e consequentemente a sua ofensa, reporta-se, como princípio ou regra, à parte dispositiva da sentença, ou seja, à sua decisão final, e em determinadas circunstâncias às questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão dessa decisão, mas não aos fundamentos de facto que a tal conduziram.
Extrai-se, assim, do exposto, que fora do processo em que foram fixados os factos não gozam de autoridade de caso julgado. “, Ac Supremo Tribunal de Justiça 60/08.6TBADV.2E1.S1, de 11.05.2022, relatado pelo Cons ISAÍAS PÁDUA, dgsi.pt.

No mesmo sentido Ac Supremo Tribunal de Justiça 3811/13.3TBPRD.P1.S1, de 17.05.2018, relatado pela Cons ROSA TCHING, “Mas, não obstante a divergência registada ao nível da doutrina sobre o âmbito objectivo do caso julgado, a verdade é que todos parecem estar de acordo num ponto, ou seja, que os fundamentos de facto, por si só, nunca formam caso julgado. (…) E o mesmo vale dizer relativamente ao princípio da eficácia extraprocessual das provas , consagrado no art. 421º, nº 1 do CPC, pois se é certo significar este princípio, no dizer do Acórdão do STJ, de 05.05.2005 ( processo nº 05B691)[21], que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num primeiro processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto, não menos certo é não poder confundir-se o valor extraprocessual destes meios de prova com os factos dados como provados nesse primeiro processo.

Em face do que ante fica exposto, afirmamos que quanto aos factos em questão (ponto 24 dos factos provados e alíneas c) e d) dos factos não provados) não há caso julgado.

Averiguemos se porventura ocorre algum dos três requisitos da autoridade do caso julgado.
É certo que as partes são as mesmas, ainda que na primeira acção estejam como RR. outras pessoas.
Como facilmente se pode constatar não há identidade de pedidos, pelo que não iremos fazer mais apreciações.
Quanto à identidade de causa de pedir, é de afirmar o seguinte.
No caso em apreço, a primeira demanda, acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ, a sentença (que não teve recurso das partes), fixou como objecto do litígio o seguinte:
Intentaram os autores a presente ação, peticionando a declaração de anulação parcial, com fundamento em coação moral, das duas escrituras públicas de “Devolução de Suprimentos, Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade” que outorgaram no dia 15 de Maio de 2014, concretamente, na parte relativa à cessão de quotas, renúncia à gerência e alteração de contrato social, condenando-se os réus a aceitarem a referida anulação e a receberem as respetivas contraprestações, entregues aquando da celebração das referidas escrituras.
Em sede de fundamentação de direito, o Tribunal decidiu:
Aqui chegados e revertendo para a concreta situação dos autos, temos por seguro que, face à factualidade considerada como provada, as partes quiseram celebrar as duas escrituras públicas outorgadas no dia 15 de Maio de 2014 no que se refere à “Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade”, fixando como preço único para a cessão das quotas do autor em ambas as sociedades, “C..., Lda” e “D..., Lda”, o valor de 500.000,00 €. “.

Era de entender que o valor de 500.000,00 € seria apenas para pagamento das quotas, ficando em dívida a quantia a título de suprimentos!? E daí a presente demanda.
A resposta é negativa, pois a sentença proferida na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ, responde, claramente, a este intento do A..
Vejamos.
No entanto, também quiseram evitar que o autor pagasse impostos sobre esse valor de 500.000,00 €.
Com esse objetivo, o de evitar o pagamento de impostos pelo autor, dessa forma enganando e prejudicando a Fazenda Pública, este último e o réu BB, enquanto sócios e gerentes de ambas as sociedades, acordaram entre si declarar, em representação das mesmas, que cada uma delas restituía suprimentos ao autor, a “C..., Lda” no valor de 198.500,00 € e a “D..., Lda” o valor de 58.796,00 €, pese embora na realidade esses montantes tenham sido entregues ao autor pelo réu BB a título de pagamento de parte do preço acordado para a cessão de quotas, nada tendo sido restituído, seja a que título for, pelas sociedades ao autor.
Ainda com o mesmo objetivo, o de evitar o pagamento de impostos pelo autor, enganando e prejudicando a Fazenda Pública, o autor e o réu BB acordaram entre si declarar preços fantasiosos para as cessões de quotas, preços esses sempre inferiores ao valor real de 500.000,00 € fixado em conjunto para ambas as cessões de quotas.”
Tendo concluído o Tribunal pela ocorrência do vício de simulação relativa. “Essa simulação determina a nulidade parcial de ambos os negócios jurídicos titulados pelas escrituras públicas outorgadas no dia 15 de Maio de 2014, concretamente, na parte que se reporta à “Devolução de Suprimentos” e aos preços declarados para cada uma das cessões de quota, mantendo-se os mesmos válidos quanto à parte restante, ou seja, quanto à “Cessão de Quotas, Renúncia à Gerência e Alteração de Contrato de Sociedade”, pese embora com o preço realmente convencionado e que, como vimos, corresponde ao valor conjunto de 500.000,00 € para a cessão de ambas as quotas, as da “C..., Lda” e as da “D..., Lda”.”.

Foi sobre esta causa de pedir que o Tribunal se pronunciou. Donde se conclui, que o tribunal quando confrontado com a causa de pedir relativa a suprimentos, sua validade e pagamentos, expressamente afirmou que se tratava de um acto simulado, fazer parecer real aquilo que não o foi. Declararam que foram pagos suprimentos, quando a verdade é que tais quantias eram devidas apenas e só para pagamento das quotas. Isto é, as partes outorgantes declararam o que não era verdade – suprimentos e seu pagamento – quando a verdade era apenas e só pagamento de quotas, pelo valor de 500.000,00 €. O único enganado foi o erário público. Os outorgantes bem sabiam que o que declararam quanto a suprimentos não correspondia à verdade, daí a simulação que o Tribunal declarou na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ.

No que tange, à presente demanda, a causa de pedir é o alegado direito que o A. tem a haver das RR. a título de suprimentos, as quantias de 198.850,00 € e 58.796,09 €, respectivamente.
É esta a causa de pedir, e não uma qualquer invalidade que possa padecer as escrituras públicas aludidas nestes e naqueles autos. Como vimos, as partes destes autos, outorgantes nas escrituras públicas, quiseram declarar algo que não correspondia à verdade – existência de suprimentos e seu pagamento – quando na realidade queriam com tal declaração não pagar impostos se fosse declarado que as quotas seriam vendidas/cedidas pelo valor total de 500.000,00 €.

Reafirmamos que, relativamente, à decisão da matéria de facto na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ não há caso julgado.
No entanto, poderá defender-se que por força do princípio da eficácia extraprocessual das provas nos termos do artigo 421.º do Código de Processo Civil, a pretensão do recorrente poderá ter vencimento.
Dispõe o artigo 421.º, n.º 1 do Código de Processo Civil o seguinte:
Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
Por sua vez, o artigo 355.º, n.º 3 do Código Civil, dispõe:
A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na acção correspondente
Já o artigo 358.º, n.º 4 do Código Civil, dispõe:
A confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal.”
A resposta dada pela Lei é clara.
A confissão que tenha ocorrido na acção com processo comum n.º 57/15.0T8PVZ não tem o valor que o ora recorrente pretende dar-lhe.
Tanto mais, que durante as declarações de parte do R. BB, não foi feita assentada – artigo 463.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (O depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória).
É de considerar que da acta da audiência de julgamento do dia 12.03.2019, o R. BB prestou declarações de parte. O R. não prestou depoimento de parte.
As declarações de parte, nos termos do artigo 466.º do Código de Processo Civil, visam e têm como objecto “a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto ” As declarações de parte não visam a obtenção de confissão, pois que o meio próprio seria o requerimento para prestação de depoimento de parte – artigo 452.º e seguintes do Código de Processo Civil, e artigos 352.º e seguintes do Código Civil.
As declarações de parte do aqui R., BB, apenas estão reproduzidas na respectiva gravação.

I. A lei distingue duas formas de confissão, que seguem regimes distintos, nomeadamente quanto à sua força probatória (artigo 358.º). A confissão judicial é a realizada em juízo, dentro do próprio processo em que é invocada. A lei considera judicial a confissão feita quer em processo de jurisdição contenciosa, quer de jurisdição voluntária, quer em tribunal comum, quer em tribunal arbitral. Esclarece ainda que a incompetência (absoluta ou relativa) do tribunal não tira à confissão a natureza judicial.
II. Só vale como judicial a confissão que é feita no próprio processo, pois a parte pode confessar um facto tendo em vista os interesses que estão em causa naquele processo e que pode condicionar ou orientar o sentido desse reconhecimento (v.g., no processo de divórcio o réu reconhece determinado facto quanto à casa de morada de família) mas adotar conduta diferente se outros valores estiverem em causa (v.g., no processo de reivindicação da mesma casa, a autora não pode prevalecer-se da declaração feita pelo réu no processo anterior). Neste caso, a confissão (judicial) feita no primeiro processo vale apenas como confissão extrajudicial neste segundo processo, sendo uma exceção ao princípio de que os depoimentos produzidos num processo podem ser invocados num outro processo contra a mesma parte (artigo 421.° do CPC). Da mesma forma, uma carta enviada pelo réu ao juiz reconhecendo a dívida no âmbito de uma ação em que se pedia o respetivo pagamento apenas vale como confissão extrajudicial, ainda que a carta seja escrita no intuito de ser utilizada em processo pendente. Neste sentido, ALBERTO DOS REIS: 1987, 84. (…)
IV. A confissão extrajudicial é definida no artigo 355.º, n.° 4, por exclusão de partes; é a realizada fora de qualquer ação judicial, bem como a realizada em juízo, mas em processo diferente.
A confissão extrajudicial pode ser oral ou escrita. Dentro desta releva a distinção entre confissão autêntica, realizada em escritura ou auto público, e a confissão particular, constante em qualquer outro documento. Tal distinção tem relevância para a respetiva força probatória (artigo 358.º), mas também para outros efeitos, nomeadamente para ilidir a presunção de cumprimento em caso de prescrição presuntiva, em que só releva a confissão extrajudicial escrita (artigo 313.º, n.º 2).
II. A confissão extrajudicial não tem autonomia processual probatória, sendo trazida à instrução do processo através da prova documental ou da prova testemunhal.”, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Univ Católica Editora, RITA BARBOSA CRUZ, em anotação ao artigo 355.º do Código Civil, pág. 832/833.
Nos termos do artigo. 358.º, n.º 3 do Código Civil, a prova que o recorrente sustenta ser confissão, está sujeita à livre apreciação do tribunal, pois que estamos perante uma confissão judicial não escrita, de que é exemplo o depoimento de parte não reduzido a escrito, embora gravado.
Em sustentação, do que fica decidido, seguimos o decidido pelo Ac do Supremo Tribunal de Justiça, 05B691, de 12.10.2004, relatado pelo Cons ARAÚJO DE BARROS, dgsi.pt :
Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes. Efectivamente, "o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. (...) Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado". (4 - Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", Lisboa, 1977, pags. 579 e 580. Cfr. Ac. STJ de 20/04/2004, no Proc. 3513/04 da 7ª secção (relator Araújo Barros); e Ac. RE de 29/09/94, in BMJ nº 439, pag. 667 (relator Cortez Neves))
E mesmo no âmbito da declaração confessória (depoimento de parte) há que ter em atenção a norma do nº 3 do art. 355º do C.Civil que estabelece que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo.
É que "a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciado a discutir ou a contestar a realidade de facto) tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adoptado atitude diferente se outros valores estivessem em causa". (5 - Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pag. 316)
Em igual sentido, Ac Tribunal da Relação do Porto 3492/09.9TBVNG-C.P1, de 04.01.2011, relatado pelo Des GUERRA BANHA, dgsi.pt, “Ora, pode afirmar-se, desde já, que, segundo o entendimento unânime tanto da doutrina como da jurisprudência, o que constitui caso julgado é a decisão, e não, directamente, os fundamentos. Ficando excluídos da eficácia do caso julgado os factos subjacentes à decisão quando considerados isolados desta. (…) Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente: prova evidente do que acaba de ser dito é o que está estipulado no n.º 2 do artigo 96.º do Código de Processo Civil — "A decisão das questões e incidentes suscitados não constituem, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia".
Pode, assim, concluir-se que o caso julgado resultante do trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 8554/06.1TBVNG não se estende aos factos aí declarados provados para efeito desses factos poderem ser invocados, isoladamente da decisão a que serviram de base, num outro e diferente processo. O que só por si já contraria a pretensão da recorrente.”
Face a todo o exposto, terá que soçobrar a pretensão recursiva – conclusões i. a xxviii. –, violação de autoridade do caso julgado por nestes autos ter sido dado como provado o ponto 24 e não provados alíneas c) e d).
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B)
Da nulidade da sentença por ter conhecido de questão que não podia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) in fine do Código de Processo Civil, o seguinte:
É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”, realçado nosso.

Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo conheceu dos factos (facto provado no ponto 24 e não provados das alíneas c) e d)) que não podia conhecer, incorrendo a sentença no vício de nulidade – conheça de questões de que não podia tomar conhecimento,
A questão suscitada pelo recorrente está apreciada e resolvida no que antecede.
Como se viu, o Tribunal a quo podia conhecer de tal factualidade, pois que a mesma não constitui caso julgado.
Do que atrás ficou decidido não se retira que tenha ocorrido qualquer violação do direito probatório, que seja de conhecimento oficioso, e que acarreta nulidade da sentença.
Improcede, também, por esta via a suscitada nulidade.
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III DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo A./recorrente (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 18 de Abril de 2023
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.
[3] Factos provados e não provados nesta acção.