Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3139/12.6YYPRT-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: COMUNHÃO DE BENS NO CASAMENTO
DÍVIDAS DOS CÔNJUGES
PENHORA DE BENS DO CASAL
CUMPRIMENTO DO ART.º 740 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Nº do Documento: RP202204053139/12.6YYPRT-E.P1
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita e, seguidamente, o agente de execução lavra o auto de penhora que junta aos autos.
II - Sendo a execução interposta apenas contra um dos cônjuges ou seguindo depois apenas contra um deles, casados em regime de comunhão, há que penhorar bens individuais que fazem parte do património comum do casal, seguindo-se a citação do cônjuge para requerer a separação de bens de casal, quer para o caso de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer para as dívidas da exclusiva responsabilidade de um deles (no primeiro caso, a título principal e, no segundo caso, a título subsidiário).
III - Os bens comuns do casal constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de “um único direito sobre ela”.
IV - O direito a metade no património comum, que o art.º 1730.º, n.º1, do C.Civil atribui a cada cônjuge aquando da dissolução daquela massa patrimonial comum ou património comum, não confere a cada cônjuge o direito a metade de cada bem concreto do património comum, mas, tão só, o direito ao valor de metade desse património.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 3139/12.6 YYPRT-E.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 1

Recorrente – E..., S.A.
Recorrida – AA
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues


Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - Juiz 1


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I – Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa que BB intentou em Maio de 2012, no hoje Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução do Porto contra AA e marido, CC para haver deles o pagamento coercivo da quantia de €1.850,93 e juros de mora vincendos à taxa legal em vigor, em 14.03.2013 foi realizada a penhora de vários bens móveis dos executados.
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Em 27.09.2013 co-executado CC deduziu oposição à execução por via da dedução de embargos de executado, os quais vieram a ser julgados procedentes por sentença de 23.01.2014, devidamente transitada, que determinou a extinção da execução contra o co-executado.
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Em 12.05.2014 foi efectuada a penhora de um bem imóvel, tendo o respectivo Agente de Execução (AE) lavrado o respectivo auto nos seguintes termos: “parte que a executada AA detém na fracção autónoma designada pela letra “F” localizado no prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ........ inscrito na matriz urbana sob o artigo ........”.
A penhora do referido bem foi efectuada e registada na respectiva Conservatória do Registo Predial incidindo sobre todo o imóvel, (Ap. ..... de 2014/03/19 – Penhora), conforme certidão junta aos autos a 2.12.2014.
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Em 4.07.2014, foi apensado aos autos executivos a reclamação de créditos onde figuraram como credores/reclamantes o Instituto da Segurança Social - IP e a Banco ..., tendo esta o seu crédito garantido por duas hipotecas voluntárias registadas a seu favor sobre o supra referido bem imóvel, para garantia de dívidas das responsabilidade dos dois cônjuges.
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Em 24 de Março de 2014 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, devidamente transitada em julgado, de onde consta: “(…) Pelo exposto, considerando que as custas saem precípuas do produto da venda, em consonância com os normativos supracitados, procedo à graduação da seguinte forma, relativamente ao produto da venda de ½ do imóvel penhorado à executada:
1 º - Crédito reclamado pela Banco ...;
2º - Crédito reclamado pela Segurança Social.
3º - Crédito exequendo.”
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Prosseguindo a execução para a fase da venda foi proferido em 24.03.2015 o seguinte despacho: “Na sequência da oposição à execução deduzida pelo executado marido, a execução foi extinta quanto ao mesmo por sentença transitada em julgado.
Como consequência directa, necessária e legal de tal procedência, as penhoras quanto ao executado marido extinguem-se.
Como decorre da certidão da CRP a aquisição foi feita pelos dois cônjuges, em compropriedade, ou seja, cada um dos cônjuges adquiriu metade do imóvel (e cada uma das metades pertence em comunhão aos dois).
Significa isto que a metade adquirida pelo executado ficou desonerada da penhora, e apenas uma das metades, ainda que pertencente aos dois cônjuges, vai ser vendida, face à procedência da oposição à execução.
Assim, nada há a alterar ao decidido.
Notifique”.
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Todavia (e como era evidente) a Conservadora do Registo Predial recusou, por impossibilidade legal, a peticionada rectificação da penhora do imóvel acima referido (Ap. ..... de 2014/03/19 – Penhora) para a peticionada pela AE, na sequência do entendimento (erróneo do juiz do processo à altura) para penhora de apenas a ½ do mesmo respeitante à executada AA.
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Posteriormente, em 15.03.2017, o AE lavra auto de penhora do imóvel, nos seguintes termos: “Fracção autónoma designada pela letra "F" localizada no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Valongo, descrita na Conservatória do registo Predial de Valongo sob o nº ........ e inscrita na respectiva matriz sob o artigo ........” e só AA aí aparece como executada, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com CC.
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Em 20.04.2108 mostrou-se concluída a citação do cônjuge da supra referida executada - CC - nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 740.º e 786.º, n.º1 al. a), ambos do C.P.Civil (ou seja, para requerer a separação de bens sob pena de serem executados bens comuns) e em tempo nada disse.
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Pelo que foi, em 6.05.2021, proferido o seguinte despacho: “Atendendo aos desenvolvimentos da lide, mormente a recusa da alteração registral em função do casamento ainda em vigor entre os sujeitos passivos originais destes autos e respectivo regime de bens, determina-se que a venda do imóvel incida sobre a totalidade do mesmo.
Notifique, devendo a Sr.ª AE promover as diligências de venda em conformidade.
D.n”.
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E..., S.A., veio requerer a sua habilitação como cessionária a fim de ser habilitada a intervir nos presentes autos em substituição da credora/reclamante Banco ... e, por sentença de 28.10.2020, devidamente transitada em julgado, foi a mesma declarada habilitada para intervir e prosseguir nos autos em substituição da referida credora reclamante.
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O referido bem imóvel veio a ser vendido no âmbito destes autos executivos, tendo sido adquirente do mesmo a credora/reclamante/habilitada “E..., S.A..
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Por requerimento de 30.06.2021 veio a credora/habilitada, em substituição da Banco ..., dizer que “(…)considerando o despacho proferido nos autos principais com a Ref. Citius 424389428, a determinar a venda da totalidade do imóvel, vem solicitar a V. Exa. a alteração da sentença de verificação e graduação em conformidade, devendo eliminar-se a referência a “1/2” do imóvel”.
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Ouvidos os demais interessados nos autos, foi em 7.10.2021 proferido o seguinte despacho: “Não há fundamento para a requerida rectificação, pois que a sentença foi proferida de acordo com a penhora efectuada.
Com efeito, o imóvel em causa foi apenas penhorado à executada AA tal como decorre do auto de penhora junto aos autos principais.
O reclamante, ora requerente habilitado igualmente reclamou créditos apenas quanto à executada, razão pela qual foram graduados relativamente a ½, a parte da executada.
De resto, conforme consta da sentença transitada em julgado proferida no apenso a execução foi extinta quanto ao executado CC, na procedência dos embargos deduzidos.
Assim não se impõe proceder, sem mais, à requerida rectificação”.

Inconformada com a tal decisão, dela veio a credora reclamante/habilitada recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que ordene a eliminação da referência a ½ do imóvel.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e conclusões:
A - O Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento de rectificação da sentença de verificação e graduação de créditos, o que, ressalvando o devido respeito, não valora convenientemente os factos concretos e a prova produzida, nem faz correta interpretação e aplicação da lei ao caso aplicável.
B - Foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ........ da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ........ da referida freguesia, propriedade da executada AA e do cônjuge CC (anteriormente executado), sob a Ap. ....., de 19/03/2014.
C - Pese embora a penhora efectuada incida sobre a totalidade do imóvel, o Tribunal até Maio de 2021, entendia que a venda apenas poderia ocorrer quanto a 1/2, considerando a procedência dos embargos do executado CC, titular de direitos sobre o imóvel, tendo determinado a rectificação do registo em conformidade.
D - E nesse seguimento, proferiu sentença de verificação e graduação de créditos quanto a 1/2 do imóvel.
E - No entanto o Tribunal ignorou a circunstância da penhora sobre a totalidade se encontrar legitimada ao abrigo do disposto no artigo 740.º do CPC, tendo o cônjuge sido citado e nada requerido ou informado.
F - Apesar de apenas manter-se como executada AA, e já não, o seu cônjuge CC (face à procedência dos embargos), considerando que a penhora incidiu sobre a totalidade, ao abrigo do artigo 740.º do CPC, não pode deixar de graduar-se os créditos igualmente quanto à totalidade do imóvel, que é objecto de venda.
G - E não se diga, para justificar a graduação apenas quanto a 1/2, que os créditos apenas foram reclamados quanto à executada AA, pois os créditos foram reclamados tendo em consideração a penhora efectuada, da totalidade do imóvel.
H - Apesar de apenas esta se manter como executada, todo o imóvel servirá para pagamento dos créditos reclamados/peticionado, pelo que, quanto ao mesmo (totalidade), deverá fazer-se a verificação e graduação de créditos.
I - Por todo o supra exposto, concluiu-se, s.m.o., que não assiste razão ao entendimento do douto Tribunal, devendo ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo eliminar-se a menção a l/2 do imóvel.

Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da admissibilidade legal da rectificação da sentença requerida.
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Antes de entrarmos no concreto objecto do presente recurso cumpre deixar bem expressas as nossas perplexidades relativamente ao desenvolvimento processual dos autos e respectivos apensos, de onde se revela evidente a escassa diligência dos seus intervenientes e mesmo erradas decisões substantivas e processuais que neste momento são patentes e que, por isso, entendemos que incumbia ao Tribunal recorrido, depois de considerar todo o desenvolvimento dos autos, fazer justiça no caso concreto, não lesando direito de quem quer que fosse, como lhe era devido, mas, como se viu, limitou-se a indeferir o requerido, por ser, decerto, a decisão mais expedita.
Vejamos então algumas dessas perplexidades que denotamos nos autos:
Como é sabido e resulta do preceituado no n.º1 do art.º 753.º do C.P.Civil “Da penhora lavra-se auto, constante de modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”. No que respeita aos bens imóveis, decorre dos n.ºs 1 e 3 do art.º 755.º do C.P.Civil, que: “A penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita” e, “Seguidamente, o agente de execução lavra o auto de penhora e procede à afixação, na porta ou noutro local visível do imóvel penhorado, de um edital, constante de modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Ora nos autos e, relativamente ao bem imóvel, temos que por comunicação electrónica do AE foi o mesmo, em 19.03.2014, penhorado na sua totalidade, ou seja, como bem comum do casal, todavia o respectivo auto lavrado posteriormente pelo AE 12.05.2014 refere “parte que a executada AA detém no dito imóvel” e esta flagrante contradição, ao que parece deu azo à errada interpretação substantiva e processual da situação dos autos, o que, inimaginavelmente, veio ainda a ser corroborado por despachos do juiz do processo, à ocasião, e que em 24.03.2015 afirmou que: “Na sequência da oposição à execução deduzida pelo executado marido, a execução foi extinta quanto ao mesmo por sentença transitada em julgado. Como consequência directa, necessária e legal de tal procedência, as penhoras quanto ao executado marido extinguem-se. Como decorre da certidão da CRP a aquisição foi feita pelos dois cônjuges, em compropriedade, ou seja, cada um dos cônjuges adquiriu metade do imóvel (e cada uma das metades pertence em comunhão aos dois). Significa isto que a metade adquirida pelo executado ficou desonerada da penhora, e apenas uma das metades, ainda que pertencente aos dois cônjuges, vai ser vendida, face à procedência da oposição à execução”. E em 24.03.2014, em sede de sentença de verificação e graduação de créditos, erradamente afirmou ainda que: “… procedo à graduação da seguinte forma, relativamente ao produto da venda de ½ do imóvel penhorado à executada (…)”.
Também como é sabido, na acção executiva, desde a reforma introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e apesar de o art.º 1696.º n.º1, do C.Civil, se continuar a referir à responsabilidade da “meação nos bens comuns”, deixou de se referir à penhora do “direito à meação nos bens comuns”, passando a prever-se a penhora dos próprios “bens comuns”, seguida da citação do cônjuge para, querendo, requerer a separação de meações (art.º 825.º do C.P.Civil, actual art.º 740.º).
Sendo esta penhora dos bens individuais que fazem parte do património comum do casal, seguida a citação do cônjuge para requerer a separação de bens de casal, a solução prevista no C.P.Civil –, quer para o caso de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer para as dívidas da exclusiva responsabilidade de um deles (no primeiro caso, a título principal e, no segundo caso, a título subsidiário).
Na verdade, a penhora ou apreensão da meação de cada um dos concretos bens que fazem parte do património comum nunca se encontrou prevista na nossa lei processual ou substantiva. O que o anterior art.º 825.º (na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12.12) permitia era, tão só, a penhora do direito à meação nos bens comuns, e não a penhora da meação num concreto bem do casal.
Ora os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de “um único direito sobre ela”. O direito a metade no património comum, que o art.º 1730.º, n.º1, do C.Civil atribui a cada cônjuge aquando da dissolução daquela massa patrimonial comum ou património comum e, não confere a cada cônjuge o direito a metade de cada bem concreto do património comum, mas, tão só, o direito ao valor de metade desse património. Pelo que não possuindo cada um dos cônjuges uma quota-parte sobre cada um dos bens que fazem parte do património comum, sendo titulares de um único direito, que não suporta divisão, nem mesmo ideal, não será admissível a penhora ou a apreensão do “direito à meação” em cada um desses bens, por tal direito não existir, enquanto tal, no património de cada um dos cônjuges, nem por maioria de razão, a penhora de metade do bem imóvel comum, fundamento erróneo em que se assentou na presente execução.
Mais se dirá ainda que contrariamente ao que parece resultar do Despacho de Qualificação da Sr.ª Conservadora do Registo Predial que recusou a rectificação da penhora do imóvel para apenas ½ do mesmo que o imóvel penhorado não pertence aos cônjuges em compropriedade, pois foi adquirido na constância do matrimónio de ambos, casados no regime de comunhão de adquiridos, pelo que faz parte integrante do património comum do casal, de que ambos são titulares, sendo impossível legalmente qualquer um dos cônjuges dispor de metade de cada um dos bens em concreto, pois antes da partilha não se sabe com que bens será preenchida a meação de cada um dos cônjuges, de facto a compropriedade configura uma situação de “comunhão do direito de propriedade”, cfr. art.ºs 1403.º e 1404.º, ambos do C.Civil, enquanto o património comum do casal configura uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de “um único direito sobre ela”.
Por outro lado, não se pode olvidar que como decorre do n.º1 do art.º 686.º do C.Civil “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. E preceitua ainda o art.º 690º do C.Civil que “Não pode ser hipotecada a meação dos bens comuns do casal, nem tão-pouco a quota de herança indivisa”. Preceituando ainda o art.º 696.º do C.Civil que: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito”. Mesmo no caso previsto no art.º 720.º do C.Civil de redução da hipoteca, ela, por força do preceituado no n.º3, ela só é legalmente admissível “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito”. Finalmente, decorre do n.º 2 do art.º 723.º do C.Civil, que: “O credor que, tendo a hipoteca registada, não for citado nem comparecer espontaneamente em juízo não perde os seus direitos de credor hipotecário, seja qual for a sentença proferida em relação aos outros credores”.
Retornando ao caso dos autos, verificamos a que certa altura, porque a Sr.ª Conservadora do Registo Predial recusou a rectificação do registo da penhora do imóvel, para ½ deste, como era intenção do AE e do juiz do processo, à altura, e, por isso, veio em 15.03.2017, a ser lavrado auto de penhora do imóvel correspondente ao bem comum e na sequência foi ordenado ao AE que fizesse as diligências necessárias para que se prosseguisse para a venda.
Ora, de harmonia com o entendimento até então havido nos autos, para além de se ter procedido, em Abril de 2018, à citação do cônjuge da executada nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 740.º e 786.º, n.º1 al. a), ambos do C.P.Civil, deveria ter-se procedido à citação dos credores com garantia real sobre a parte do imóvel sobre que se admitiu então “alargar” a penhora, mas a citação destes não se efectuou, o que dentro daquele erróneo entendimento, consistiria numa existência de uma nulidade processual, que se procedente implicaria a anulação dos termos do processo executivo dela dependentes.
Todavia, entendemos que é mais justo seguir um outro caminho, ou seja, dúvidas não restam de que o imóvel – que constitui um bem comum do casal constituído pela executada e seu cônjuge foi “ab initio” penhorado “qua tale” – veja-se o respectivo registo constante da certidão da respectiva Conservatória do Registo Predial. E foi com fundamento na existência dessa penhora que os credores com garantia real sobre tal bem foram citados para os termos da execução e para, querendo, reclamarem os seus créditos. O que fizeram, veja-se por exemplo, a reclamante Banco ... de quem a ora apelante é cessionária, que terminou a sua reclamação pedindo, além do mais, que: “(…) b) Reconhecer e verificar o crédito da Banco .... acima especificado, sobre a Reclamada, no montante total de €83.914,01 (oitenta e três mil novecentos e catorze euros e um cêntimos), acrescida de juros vincendos.
c) Graduar tal crédito no lugar que, pela sua preferência legalmente lhe competir, para ser pago pelo produto da venda do bem penhorado”.
É certo que a sentença de verificação e graduação de créditos, como se referiu, lavra em erro manifesto quando aí afirma que “A penhora incidiu sobre ½ do imóvel descrito nos autos de execução a fls. 263” e “…procedo à graduação da seguinte forma, relativamente ao produto da venda de ½ do imóvel penhorado à executada:
1 º - Crédito reclamado pela Banco ...;
2º - Crédito reclamado pela Segurança Social.
3º - Crédito exequendo.
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Finalmente e como é sabido preceitua o n.º1 do art.º 613.º do C.P.Civil que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, e estipula-se porém no n.º 2 do mesmo normativo que “é lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”.
À rectificação de erros materiais se refere depois o art.º614.º do C.P.Civil, em que se dispõe:
1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo.”
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Ora, “in casu” é para nós manifesto que o juiz do processo á ocasião da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos (24.03.2014), apenas atentou no auto de penhora de 12.05.2014, pois não obstante a penhora do imóvel ter sido electronicamente efectuada em 19.03.2014, (Ap. ..... de 2014/03/19 – Penhora) a respectiva certidão apenas foi junta aos autos a 2.12.2014.
Daí que as referências que nessa sentença se fazem ao bem penhorado, como sendo ½ do imóvel, é um erro de escrita devido ao facto de à data não se encontrar junta aos autos a certidão do registo da referida penhora do imóvel, estando convictos que se essa certidão já estivesse à data junta aos autos, outras seriam as afirmações a ela respeitantes e constantes da fundamentação e decisão.
Destarte e em face do teor da certidão da penhora do imóvel em apreço junta aos autos, julgamos ser de rectificar a sentença de verificação e graduação de créditos, dela ordenando que se retire para todos os legais efeitos a menção “1/2” do imóvel, ou seja, onde se escreveu “…incidiu sobre ½ do imóvel…” deve escrever-se “…incidiu sobre o imóvel…” e onde se escreveu “…da venda de ½ do imóvel penhorado…” deve escrever-se “…da venda do imóvel penhorado…”.
Procedem as conclusões da apelante, revogando-se o despacho recorrido.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, devendo em sua substituição rectificar-se a sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, por forma a que onde se escreveu “…incidiu sobre ½ do imóvel…” se escreva “…incidiu sobre o imóvel…” e onde se escreveu “…da venda de ½ do imóvel penhorado…” se escreva “…da venda do imóvel penhorado…”.

Sem custas.

Porto, 2022.04.05
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues