Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
178/13.3TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
ARBITRAGEM
COMPROMISSO ARBITRAL
Nº do Documento: RP20141023178/13.3TVPRT.P1
Data do Acordão: 10/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Deve ser anulada a decisão proferida pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional quase dois anos decorridos sobre a data nela entrada da respectiva acção, não tendo as partes convencionado prazo distinto do previsto no artigo 19º, nº2 da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, e não havendo estipulação estatutária de prazo para ser proferida a decisão.
II - Ao não ser proferida a decisão arbitral no prazo fixado pelo citado artigo 19º, nº2, ocorre caducidade do compromisso arbitral, nos termos do artigo 4º, nº1, c) do mesmo diploma, o que determina que, a partir do momento em que se verifica tal caducidade, o tribunal arbitral deixe de ter competência que a convenção arbitral lhe atribuía.
III - Tal entendimento não pode ser afastado pelo facto de a decisão proferida pela Comissão Arbitral respeitar a litígio cuja resolução a ela é exclusivamente cometida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 178/13.3TVPRT.P1
Varas Cíveis do Porto
4ª Vara Cível

Relatora: Judite Pires
1ª Adjunta: Des. Teresa Santos
2º Adjunto: Des. Aristides de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. "B…, S.A.D.", com sede na Rua …, n.º .., Funchal, ao abrigo do disposto no art. 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto intentou acção declarativa constitutiva de anulação de decisão arbitral, seguindo os termos de processo civil experimental, contra "C…, S.A.D.", com sede na …, …, …, .º Piso, Porto.
Alega ter celebrado, em 20/01/2001, contrato de trabalho desportivo com o atleta profissional de futebol D…, mais conhecido por D1…, por cinco épocas desportivas, com início em 01/07/2001.
Afirma que, em 21/05/2004, foi outorgado entre si e a Recorrida um contrato, denominado em epígrafe de “ACORDO”, de “cessão de direitos de inscrição desportiva" e que, por conta do aludido negócio, a Recorrida liquidou à Recorrente a quantia global de € 3.647.500,00, pelo que entendia ser credora da Recorrida da quantia de € 552.500,00, dos respectivos juros de mora e da compensação devida pelo facto de não ter cumprido integralmente com o vertido na condição 2.ª, parágrafo Primeiro, do ACORDO.
Expõe que propôs, em 14/10/2010, na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol a respectiva acção declarativa de condenação contra a aqui Recorrida, pedindo a sua condenação a pagar-lhe: a) A quantia global de € 726.793,17, correspondente ao capital de € 552.500 e juros de mora; b) A quantia de € 34.760,41, correspondente aos juros de mora vencidos sobre as quantias referidas na tabela inserida no artigo 51° da Petição Inicial; c) A título de indemnização pelo não cumprimento da respectiva obrigação contratual, a quantia salarial prevista no contrato de trabalho desportivo outorgado entre a Recorrida e o jogador E…, para a época desportiva 2004/2005, descontada da quantia de € 75.000, acrescida de juros de mora.
Adianta que, em 16/11/2010, a Recorrida contestou e deduziu reconvenção, alegando ter liquidado € 100.000,00 a mais por erro dos seus serviços financeiros.
Relata que, por decisão de 14/09/2012, a acção interposta foi julgada parcialmente improcedente, julgando ainda procedente o pedido reconvencional deduzido pela Recorrida, decisão essa que veio a ser confirmada por Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral de 1 de Fevereiro de 2013.
Defende que tal decisão padece de nulidade, por incompetência do tribunal (caducidade da convenção de arbitragem) e por irregularidade da sua constituição (violação do princípio do juiz natural) – cfr. artigos 19.º, 21.º e 27.º da Lei n.º 31/86, de 29/8.
A Recorrida "C…, S.A.D." veio contrapor que são desprovidas de qualquer fundamento as pretensões da Recorrente.
Defende que a jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da LPFP não é voluntária (mas sim necessária), pelo que resulta impossível a aplicação subsidiária da Lei da Arbitragem Voluntária e, menos ainda, por analogia.
Mais defende que o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, não se vislumbrando a alegada violação do princípio do juiz natural.
Remata pugnando pela improcedência da acção, por não provada e fundamentada, com a sua consequente absolvição do pedido formulado, declarando-se válido o Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 01 de Fevereiro de 2013, no âmbito do Processo 06-CA/2010.
Após os articulados das partes foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade processuais, e, por se considerar serem apenas de direito as questões suscitadas nos autos, foi proferida sentença que, conhecendo do mérito da causa, julgou “o presente recurso improcedente, por não provado e, em consequência, julgam-se improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente no sentido da nulidade ou anulação do Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 01 de Fevereiro de 2013, proferido no Processo n.º 06-CA/2010”.
2. Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Recorrente “B…, S.A.D.” recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“A) De acordo com o disposto pelo artigo 202º, 1, da Constituição, “[o]s tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, acrescentando o artigo 209º, 2, quanto às categorias dos tribunais, que, para além dos tribunais previstos no n.º 1, podem existir tribunais arbitrais.
B) No ordenamento jurídico português, os tribunais arbitrais exercem, assim, ao lado dos tribunais estaduais, uma função jurisdicional, que é legitimada constitucionalmente pelo artigo 209º, 2, e reconhecida e controlada obrigatoriamente por lei, nomeadamente, por via do disposto pelo artigo 26º, 2, da Lei n.º 31/86, de 29/08, aplicável in casu (LAV 86).
C) A arbitragem constitui um modo de resolução de litígios entre duas ou mais partes, alternativo aos tribunais estaduais, desencadeado por uma ou mais pessoas que detêm poderes para esse efeito reconhecidos pela Constituição e por lei, mas atribuídos por convenção das partes ou por imposição legal, assumindo a decisão arbitral, na medida em que resolve ou dirime um litígio, a natureza de acto jurisdicional.
D) Não fora a previsão do no n.º 2 do artigo 209º da Constituição e o exercício da função jurisdicional estaria vedada aos tribunais arbitrais, por ser, em regra, privativa dos tribunais estaduais.
E) A arbitragem distingue-se dos tribunais judiciais não pelo valor da decisão proferida, que, em princípio, tem o mesmo valor de uma sentença judicial, mas pela sua natureza: a arbitragem é administrada por pessoas privadas investidas por poderes conferidos por pessoas privadas – as partes do litígio – a que um factor externo – a lei reconhece valor decisório vinculativo na solução do litígio.
F) O exercício da função jurisdicional por parte dos tribunais arbitrais ter-se-á sempre, que conter dentro de determinados limites impostos por lei da República.
G) Nos termos da lei, há apenas dois tipos de arbitragem: a arbitragem voluntária regulada pela Lei de Arbitragem Voluntária (LAV 86, entretanto, revogada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – LAV 2011) e a arbitragem necessária prevista, na falta de disposição legal especial, nos artigos 1525º e ss do anterior CPC e nos artigos 1082º do novo CPC.
H) Se a resolução do litígio por via de arbitragem decorre de imposição legal, a arbitragem é necessária; se o recurso à arbitragem assenta em convenção das partes, a arbitragem é voluntária (cf. art. 1º, 1, da LAV 86).
I) Em todo o caso, não há arbitragem fora da lei: a arbitragem ou é necessária, e neste caso aplica-se-lhe o regime legal especial concretamente previsto para o caso (v., por ex., arts. 510º e ss do Código do Trabalho e art. 38º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro) e ou o regime geral previsto no CPC (cf. arts. 1525º e ss do anterior CPC e arts. 1082º do novo CPC); ou é voluntária, ficando submetida à vontade das partes com os limites impostos, designadamente, pela Lei da Arbitragem Voluntária (LAV 86).
J) É precisamente por isso que a decisão arbitral só poderá formar caso julgado se respeitar os princípios do processo e demais regras impostas por lei, pois, caso não cumpra, poderá e deverá ser anulada, a pedido de qualquer das partes – cf. art. 27º, 1, da LAV 86.
K) No ordenamento jurídico português, as ligas profissionais são associações privadas sem fins lucrativos com personalidade jurídica e autonomia administrativa técnica e financeira (cf. art. 22º, 1, da Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro – Lei de Bases da Actividade Física e do Deporto).
L) A Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de direito privado, que se rege pelos respectivos Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com aqueles forem emitidos e pela legislação aplicável (cf. art. 1º dos Estatutos da LPFP).
M) É, portanto, uma pessoa colectiva de direito privado que, enquanto tal, está sujeita ao regime dos artigos 157º a 184º do Código Civil e que aprovou em assembleia geral os estatutos por que se rege, que prevêem os direitos e deveres dos associados, nomeadamente o de aceitarem a competência da Comissão Arbitral para dirimir os eventuais conflitos existentes entre associados no âmbito da associação (cf. arts. 54º dos Estatutos da LPFP).
N) A qualidade de associado da LPFP não decorre directa ou necessariamente de qualquer lei: a qualidade de associado da LPFP adquire-se através de declaração escrita de candidatura apresentada nos termos do artigo 8º, 1, b), 2 e 3, dos Estatutos da LPFP, explicitando artigo 4º-A, 1, do Regulamento Geral da LPFP que “[a] declaração de candidatura à inscrição como associado na Liga deve ser formulada por escrito e manifestar de forma expressa e inequívoca a adesão integral e sem reservas aos Estatutos da Liga e de aceitação dos direitos e deveres deles decorrentes, bem como a aceitação da jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da Liga”.
O) É, pois, inequívoco que a filiação de um clube ou sociedade desportiva na LPFP nasce de um acto de vontade do clube ou sociedade desportiva, e é pela expressão dessa vontade – de integrar a LPFP e de aceitar a jurisdição da Comissão Arbitral – que os clubes e as sociedades desportivas ficam vinculados ao dever de recorrer a arbitragem para a resolução de determinados litígios e ao poder da Comissão Arbitral.
P) Não há no ordenamento jurídico-desportivo nenhuma lei aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo que imponha aos associados da LPFP que os eventuais litígios do foro contratual entre eles existentes devam ser resolvidos pela Comissão Arbitral da LPFP.
Q) A arbitragem prevista nos Estatutos da LPFP é, por isso, uma arbitragem voluntária pela simples razão de que não resulta de lei da Assembleia da República, nem de decreto-lei do Governo (cf. art. 1º, 1, da LAV 86), mas sim de cláusula compromissória integrada nos Estatutos de uma associação de direito privado (cf. art. 1º, 2, segunda parte, da LAV 86 e art. 1º, 3, segunda parte, da LAV 2011).
R) Nos termos do artigo 53º dos Estatutos e do artigo 198º do Regulamento Geral da LPFP, a Comissão Arbitral tem competências para decidir sobre matérias do foro disciplinar relacionadas com a violação por parte dos associados das normas estatutárias e regulamentares da LPFP, mas também relativas a contratos celebrados entre os associados da LPFP.
S) É por isso evidente, a partir do disposto em tais artigos, que a arbitragem prevista nos Estatutos e Regulamento Geral da LPFP não recai sobre questões estritamente desportivas, tal como definidas pelo artigo 18º, 3, da LBAFD, segundo o qual “[s]ão questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições”.
T) A arbitragem prevista pelos Estatutos e pelo Regulamento Geral da LPFP recai, sobretudo, sobre questões de natureza associativa e sobre questões do foro contratual ou obrigacional, de que é exemplo a questão que deu origem à decisão arbitral impugnada.
U) Na acção que intentou na Comissão Arbitral, a recorrente não submeteu à arbitragem da LPFP litígio que tivesse por fundamento norma de natureza técnica ou de carácter disciplinar relacionada com a aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições, como tal considerada questão estritamente desportiva à luz do artigo 18º, 3, da LBAFD.
V) O litígio que a recorrente submeteu à arbitragem voluntária da LPFP prende-se, sim, com o incumprimento por parte da recorrida de um contrato celebrado entre as partes no âmbito da transferência de um jogador.
W) Não estando nós perante questão estritamente desportiva, tal como definida pelo artigo 18º, 3, da LBAFD, o tribunal a quo na sentença recorrida procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 18º, 2, 3 e 4, da LBAFD, ao firmar que a “... caducidade (...) teria por consequência necessária um non liquet, por falta de entidade com competência para apreciar o litígio (já que os tribunais comuns estão, como se viu, arredados da apreciação de litígios desta espécie)”.
X) No nosso ordenamento, o Estado não renuncia ao poder de controlar legalmente o exercício da função jurisdicional pelos tribunais arbitrais: se a arbitragem é voluntária, o Estado exige que a mesma cumpra o regime previsto na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV 86 e, mais recentemente, LAV 2011); se a arbitragem é necessária, o Estado impõe que se cumpra a legislação especial ou, na falta dela, o regime previsto nos artigos 1525º e ss do anterior CPC e nos artigos 1082º do novo CPC.
Y) Não há, pois, como conclui a sentença recorrida, um “meio-caminho” na arbitragem prevista nos Estatutos da LPFP.
Z) Constituindo a arbitragem prevista no artigo 54º da LPFP arbitragem voluntária na modalidade de cláusula compromissória e estando a LPFP sedeada em território português, aplica-se-lhe o regime legal da arbitragem voluntária previsto, à data da submissão do litígio à arbitragem, na LAV 86 – cf. arts. 1º e 37º da mesma LAV 86.
AA) O tribunal recorrido interpretou e aplicou, por isso, erradamente os artigos 1º e 37º da LAV 86.
BB) Nos termos do artigo 19º da LAV 86, podem as partes acordar por escrito, até à aceitação do primeiro árbitro, determinado prazo para prolação da decisão arbitral, como podem ainda, por acordo e no decurso da acção, prorrogar tal prazo até ao dobro da sua duração inicial”.
CC) No entanto, nada dizendo as partes a esse respeito, o prazo para prolação da decisão será, por imposição legal, de seis meses, nos termos do n.º 2 daquele artigo.
DD) Não estando previsto nos Estatutos nem no Regulamento Geral da LPFP qualquer prazo para prolação da decisão final, nem tendo as partes acordado qualquer prazo, a conclusão a retirar, por imperativo legal, é evidente: na falta de previsão estatutária, o prazo para prolação de decisão pela Comissão Arbitral da LPFP é o prazo de seis meses legalmente previsto pelo artigo 19º, 2, da LAV 86.
EE) Considerando que a acção arbitral deu entrada na Comissão Arbitral da LPFP a 14 de Outubro de 2010, deveria a decisão ter sido proferida até ao dia 14 de Abril de 2011, data em que terminava o prazo de seis meses previsto no citado artigo 19º, 2, da LAV 86.
FF) Não tendo a decisão arbitral sido proferida dentro do prazo legal de seis meses, a convenção arbitral caducou e ficou sem efeito, nos termos do disposto pelo artigo 4º, 1, c), da LAV 86.
GG) Neste sentido, decorrido tal prazo, a Comissão Arbitral da LPFP tornou-se se incompetente para proferir a decisão.
HH) A recorrente arguiu oportunamente a caducidade da convenção arbitral perante a Comissão Arbitral, nos termos do artigo 27º, 2, da LAV 86.
II) Impunha-se assim ao tribunal a quo que interpretasse e aplicasse correctamente o direito aos factos e, assim, por aplicação dos artigos 1º, 1, 4º, 1, c), 19º, 2, e 27º, 1, b), e 2, e 37º da LAV 86, em conformidade com o disposto pelos artigos 202º e 209º da Constituição, anulasse a decisão arbitral, por incompetência do tribunal arbitral para proferir a decisão, em virtude da caducidade da convenção de arbitragem.
JJ) Não o tendo feito, violou o tribunal a quo as normas citadas.
KK) Nos termos que melhor constam da petição inicial, o árbitro relator do processo a quem foram distribuídos os autos a 15 de Outubro de 2010 renunciou ao mandato de Vogal da Comissão Arbitral da LPFP por escrito de 26 de Janeiro de 2011, o que motivou a redistribuição do processo arbitral.
LL) Não alegou, porém, o mencionado árbitro qualquer motivo para ter abandonado o processo arbitral, sendo certo que quando o fez já o processo tinha visto e o árbitro aceite esse o encargo.
MM) Estabelece o artigo 52º, 2 e 3, do Estatutos da LPFP que “[é] aplicável aos membros da Comissão Arbitral, com as necessárias adaptações, o regime dos impedimentos e suspeições previstos no Código de Processo Civil para os juízes” (n.º 2) e que “[o] termo do mandato dos membros da Comissão Arbitral não faz cessar o poder dos árbitros relativamente ao julgamento dos processos em que já tenham visto” (n.º 5).
NN) De acordo com tal norma, a cessação do mandato do árbitro relator decorrente do facto de ter renunciado ao cargo de Vogal da Comissão Arbitral e de ter sido substituído pela Vogal suplente não determinou a cessação do poder do árbitro relativamente ao julgamento dos processos que, à data, tinha a seu cargo (cf. art. 52º, 5, dos Estatutos da LPFP).
OO) E isso porque a renúncia ao cargo de árbitro numa arbitragem que esteja em curso é um acto de vontade vinculado, não discricionário; admissível apenas caso existam suspeitas de parcialidade ou por impossibilidade permanente e absoluta de exercer a função, nos termos do disposto pelos artigos 9º, 1, e 13º da LAV.
PP) Nos termos do citado artigo 13º, bem assim como do artigo 10º da LAV 86, ter-se-á de concluir que a escusa a que se refere a menciona lei tem o estrito conteúdo da escusa prevista no artigo 119º, 1, do novo CPC (correspondente ao artigo 126º, 1, do anterior CPC): “[o] juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito; mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando se verifique algum dos casos previstos no artigo seguinte e, além disso, quando, por outras circunstâncias ponderosas, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade”. Como é também claro que os fundamentos para o pedido de escusa têm de respeitar o conteúdo daquela norma e circunscrever-se, portanto, à possibilidade de suspeitas de parcialidade, em observância, aliás, do que a esse respeito impõe também o artigo 52º, 3, dos Estatutos da LPFP.
QQ) É esse também o espírito da norma prevista no artigo 52º, 5, dos Estatutos da LPFP, ao dispor que “o termo do mandato [e, por maioria de razão, a renúncia] dos membros da Comissão Arbitral não faz cessar o poder dos árbitros relativamente ao julgamento dos processos em que já tenham visto”.
RR) Não se discute que o direito de um membro de um órgão da LPFP poder efectivamente renunciar ao mandato; porém, nos termos das normas citadas, tal renúncia não poderá produzir efeitos numa arbitragem que já tenha visto.
SS) O facto de poder ou não poder ser demonstrado em concreto pela parte que a substituição do árbitro afectou ou não a imparcialidade da decisão concretamente proferida não obsta a que se reconheça a violação das normas que salvaguardam o princípio do juiz natural, pois que mais do proteger o interesse concreto das partes, o princípio do juiz natural e as regras que o concretizam, legal e estatutariamente, visam o bem maior de assegurar a confiança dos cidadãos em geral no exercício independente e imparcial da função jurisdicional pelos tribunais estaduais ou arbitrais.
TT) Se o tribunal arbitral não cumpre as normas legais que visam salvaguardar tal confiança, está inevitavelmente a colocar em crise um dos princípios fundamentais do exercício da função jurisdicional.
UU) Pelo sobredito, ter-se-á inevitavelmente que concluir que, ao não ter respeitado o disposto pelo artigo 52º, 5, dos Estatutos da LPFP, nem o disposto pelos artigos 9º, 1, e 13º da LAV 86, e ao operar a redistribuição do processo com base na renúncia ao cargo da vogal relatora, a Comissão Arbitral da LPFP passou a estar irregularmente constituída, tornando-se desse modo incompetente para a decisão, pelo que, também por este motivo, é anulável a decisão proferida, nos termos do disposto pelo artigo 27º, 1, b), da LAV 86.
VV) Essa irregularidade foi oportunamente deduzida pela recorrente nos autos de processo arbitral, nos termos do disposto pelo artigo 27º, 2, da LAV 86.
WW) Porém, o tribunal a quo, procedendo a errada interpretação e aplicação das normas citadas, julgou improcedente o fundamento alegado pela autora.
XX) O tribunal a quo violou assim o disposto pelos artigos 52º, 5, dos Estatutos da LPFP, 9º, 1, 13º e 27º, 1, b), da LAV 86.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado inteiramente procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida, substituindo-se esta decisão por outra que considere totalmente procedente o pedido formulado pela autora, assim se fazendo inteira JUSTIÇA”.
A apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente se:
- A Comissão Arbitral não tinha competência para proferir a decisão cuja anulação foi peticionada pela ora apelante por ter ocorrido caducidade do compromisso arbitral;
- Se a Comissão Arbitral foi irregularmente constituída por a sua constituição haver violado o princípio do juiz natural.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos, com relevo para a decisão da causa, tidos por demonstrados em primeira instância:
1) A aqui Recorrente "B…, S.A.D." intentou contra a aqui Recorrida "C…, S.A.D." acção declarativa de condenação, a que coube o nº 06-CA/2010, na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
2) Nesta, a Recorrente pediu a condenação da aqui Recorrida a pagar-lhe: a) A quantia global de € 726.793,17, correspondente ao capital de € 552.500 e juros de mora; b) A quantia de € 34.760,41, correspondente aos juros de mora vencidos sobre as quantias referidas na tabela inserida no artigo 51° da Petição Inicial; c) A título de indemnização pelo não cumprimento da respectiva obrigação contratual, a quantia salarial prevista no contrato de trabalho desportivo outorgado entre a Recorrida e o jogador E…, para a época desportiva 2004/2005, descontada da quantia de € 75 000, acrescida de juros de mora.
3) Esta acção deu entrada na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no dia 14 de Outubro de 2010, tendo sido autuada no dia seguinte.
4) Por despacho datado de 15 de Outubro de 2010, os autos foram distribuídos à Exma Sr.ª Juiz F….
5) Por despacho proferido a 04 de Novembro de 2010, ordenou-se a citação da Ré para contestar.
6) Por despacho proferido a 14 de Dezembro de 2010, ordenou-se a notificação da Contestação.
7) Em 26 de Janeiro de 2011, a Vogal Relatora inicial do processo renunciou ao mandato de Vogal da Comissão Arbitral.
8) A fls. 303 dos autos, consta um "Despacho" proferido pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do seguinte teor:
"Em face da renúncia pela Sra. Dra. Juiz F… ao mandato de Vogal da Comissão Arbitral, comunicada por escrito de vinte e seis de Janeiro do corrente ano, nos termos conjugados dos artigos 15.º, alínea c), e 17.º dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a vacatura do respectivo cargo é preenchida, de acordo com o que prescreve o n.º 2 do artigo 20.º dos mesmos Estatutos, pela Sra. Dra. Juiz G…, já empossada, na qualidade de membro suplente daquele Órgão, aos sete dias do mês de Junho de 2010."
9) A 11 de Março de 2011, o processo foi objecto de redistribuição.
10) Em 05 de Maio de 2011, as partes foram notificadas para a realização de uma tentativa de conciliação.
11) Em 11 de Maio de 2011, a Recorrente veio arguir a caducidade da convenção de arbitragem pelo decurso do prazo de seis meses, nos termos constantes do requerimento de fls. 315 e ss. daqueles autos.
12) Por despacho de 23 de Maio de 2011, indeferiu-se o requerido reconhecimento e consequente declaração de caducidade da convenção de arbitragem.
13) Em 06 de Junho de 2011, a Recorrente veio apresentar um requerimento, pedindo que se anulasse a redistribuição operada em 11/03/2011 porquanto, atentos os factos carreados para os autos, a Juíza Relatora inicial não se escusou nem está permanentemente impossibilitada de exercer a função, sendo ilegal a substituição operada - conforme decorre, entre outros, do disposto no art. 52,º-5 dos Estatutos da LPFP, com todas as consequências legais, decretando, por consequência a caducidade da convenção arbitral (o regime dos artigos 4.º, n.º 1, al. c), 13.º, 19.º, n.º 2, e 27.º, n.º 1 , al. b), todos da Lei de 31/86, de 29 de Agosto - da Arbitragem Voluntária), nos termos constantes do requerimento de fls. 425 e ss.
14) Por despacho de 13 de Outubro de 2011, o Sr. Presidente da Comissão Arbitral indeferiu o requerido, considerando validamente efectuada a substituição do árbitro.
15) A Recorrente renovou, em 21/10/2011, o seu requerimento de arguição de caducidade, nos termos constantes do requerimento de fls. 452 e ss.
16) Tal requerimento foi indeferido por despacho de 27 de Outubro de 2011, com o teor de fls. 462 e ss..
17) Por decisão de 14/09/2012, a acção foi julgada parcialmente improcedente, julgando ainda procedente o pedido reconvencional deduzido pela Recorrida, com o teor de fls. 697 e ss..
18) A Recorrente interpôs recurso desta decisão para o Plenário da Comissão Arbitral.
19) Na sequência de recurso interposto pela aqui Recorrente, esta decisão veio a ser confirmada por Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral, de 01 de Fevereiro de 2013, com o teor de fls. 62 e ss.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Aos tribunais cabe o exercício da função jurisdicional[1].
Os tribunais têm natureza estadual ou arbitral; os primeiros são os que se integram na organização judiciária do Estado, enquanto os segundos, não integrando essa organização judiciária, são compostos por juízes não profissionais, podendo distinguir-se em voluntários ou necessários.
Os tribunais arbitrais necessários são impostos pela lei para julgamento de determinadas questões[2], enquanto os tribunais arbitrais voluntários são instituídos pela vontade das partes através de uma convenção de arbitragem[3].
Por regra, os tribunais arbitrais são constituídos especificamente para resolução de um litígio ou apreciação de uma questão, mas, através dos centros permanentes de arbitragem, pode aos tribunais arbitrais ser cometida competência genérica ou restrita a determinadas matérias[4].
Como resulta do artigo 1º, nº1 da LAV, a arbitragem voluntária é instituída através de convenção de arbitragem, que assume a designação de compromisso arbitral, quando se reporte a “um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial”, ou cláusula compromissória, quando tem por objecto “litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual”.
A convenção de arbitragem pode, assim, ter por objecto qualquer conflito cujo conhecimento não esteja reservado exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, e desde que o mesmo não respeite a direitos indisponíveis, sendo o instrumento pelo qual as partes atribuem a árbitros poderes de resolução para determinados litígios. Daí decorre a natureza convencional do tribunal arbitral voluntário.
Quando a convenção arbitral assume a fórmula de cláusula compromissória são ainda as partes que atribuem aos árbitros poderes para que os mesmos conheçam conflitos determinados, ainda que apenas determináveis no momento da celebração daquele instrumento. Quando surge o conflito a partir de certa relação jurídica é aquele que as partes submetem à apreciação do tribunal arbitral[5].
Como esclarece Castro Mendes[6], a nota característica do tribunal arbitral reside no facto da sua competência para o caso concreto depender de uma vontade das partes expressa numa convenção de arbitragem, modificativa da competência atribuída aos tribunais judiciais.
Do que vem sendo exposto, poder-se-á desde já concluir que a arbitragem ou é necessária, quando imposta por lei, subordinando-se, nessa circunstância, ao regime jurídico especificamente previsto para o caso, ou é voluntária, quando emerge da vontade das partes em execução do princípio da autonomia privada, mas ainda assim tendo de conformar-se com as regras legais, nomeadamente as condensadas na Lei da Arbitragem Voluntária.
Como destaca Manuel Pereira Barrocas[7], a arbitragem é administrada por pessoas privadas investidas por poderes conferidos por pessoas privadas – as partes do litígio – a que um factor externo – a lei – reconhece valor decisório vinculativo na solução do litígio.
É neste contexto que deve ser percepcionada a legitimação do exercício do poder jurisdicional pelos tribunais arbitrais, reconhecendo-se os seus limites, pois que, tendo a decisão arbitral natureza de acto jurisdicional, com o mesmo alcance decisório de uma sentença judicial, terá naturalmente de se conter dentro dos limites impostos pela lei[8], sendo que a não conformação da decisão arbitral com esses limites pode fundamentar a anulação de tal decisão, nos termos previstos no artigo 27º da LAV de 1986 ou artigo 46º da LAV de 2011.
Segundo o artigo 1º dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional[9], “a Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de direito privado, que se rege pelos presentes Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com eles forem emitidos e pela legislação aplicável”.
Determinam os mesmos Estatutos, no seu artigo 7º, que “são associados da Liga, obrigatoriamente e exclusivamente, todos os clubes ou sociedades desportivas que disputem competições de natureza profissional, como tal definidas em diploma legal adequado (…)”.
E o artigo 8º do referido instrumento disciplinador estabelece:
“1. A qualidade de associado adquire-se:
a) Pela subscrição do título de constituição da Liga;
b) Por adesão, a qual produzirá efeitos a partir da data do acto que julgue verificados os requisitos de admissibilidade.
2. A declaração de adesão será dirigida à Direcção da Liga e feita em escrito assinado por quem legalmente vincule o clube aderente, devendo vir instruída com os documentos necessários para a prova dos requisitos de admissibilidade e ser acompanhada do depósito do valor da jóia que for fixada pelos regulamentos”[10].
Segundo o nº1 do artigo 4º - A do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, “a declaração de candidatura à inscrição como associado na Liga deve ser formulada por escrito e manifestar de forma expressa e inequívoca a adesão integral e sem reservas aos Estatutos da Liga e de aceitação dos direitos e deveres deles decorrentes, bem como a aceitação da jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da Liga”.
Diz-se na sentença sob recurso que “é absolutamente seguro estarmos perante uma situação submetida exclusivamente a arbitragem, ainda que não se possa qualificar como de arbitragem necessária. Especificando, diremos que se trata de uma situação de arbitragem voluntária, mas submetida necessariamente a esta forma de jurisdição por opção pré-determinada pelas partes. Tratar-se-á, portanto, de um "meio-caminho" entre a arbitragem necessária e a voluntária”.
Porém, como já antes se aludiu, a lei apenas reconhece duas formas de arbitragem: a necessária e a voluntária, não reconhecendo em parte alguma uma arbitragem “intermédia” e muito menos o “meio caminho” entre a arbitragem voluntária e a arbitragem necessária a que a sentença se refere. Ou seja, a sentença impugnada admitindo que não possa ser qualificada como necessária a arbitragem aqui em causa, ficciona/constrói uma situação de compromisso, e, afirmando “que se trata de uma situação de arbitragem voluntária, mas submetida necessariamente a esta forma de jurisdição por opção pré-determinada pelas partes” acaba por afastar a aplicação regime disciplinador da arbitragem voluntária, concretamente a Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
Recorde-se, todavia, que o que o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir. E o legislador, como desde início se vem esclarecendo, apenas distingue duas modalidades de arbitragem, não se encontrando nos textos legislativos qualquer referência a qualquer outra figura ou modalidade.
Teremos de concordar com a apelante quando sustenta no corpo das suas alegações que “…a partir do momento em que as partes aderem ao compromisso arbitral, a arbitragem passa a ser obrigatória, mas não é isso que a transforma em necessária; na sua fonte, na sua génese, ela continua a ser voluntária, passa é a ser vinculativa para as partes e a constituir um modo de resolução de litígio que aspira, a final, a produzir uma decisão susceptível de formar caso julgado na ordem jurídica, desde que respeitados os limites impostos por lei”.
É certo que o artigo 54.º, alínea b) dos referidos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional estabelece que "compete à Comissão Arbitral: (...) Dirimir os litígios entre a Liga e os clubes membros ou entre estes, compreendidos no âmbito da associação" e que o artigo 55.º dos mesmos Estatutos determina que "A Liga e os clubes seus associados reconhecem expressamente a jurisdição da Comissão Arbitral, com exclusão de qualquer outra, para dirimir todos os litígios compreendidos no âmbito da associação e emergentes, directa ou indirectamente, dos presentes Estatutos e Regulamento Geral"[11].
Porém, embora com as especificidades assinaladas, a arbitragem tendo por objecto a resolução de um litígio como o emergente dos autos não pode ser qualificada de necessária, como acaba por reconhecer a sentença aqui sindicada, pois que, não tendo os Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nem o respectivo Regulamento Geral natureza de lei, ter-se-á de concluir não ser a mesma imposta por lei. E, não sendo necessária, terá essa arbitragem de ser entendida como voluntária, devendo conformar-se com o respectivo regime disciplinador.
Ora, nos termos do artigo 4º, nº1, alínea c), da LAV aprovada pela Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, aqui aplicável, “o compromisso arbitral caduca e a cláusula compromissória fica sem efeito, quanto ao litígio considerado (…) se a decisão não for proferida no prazo estabelecido de acordo com o disposto no artigo 19.º”.
E o artigo 19º estabelece:
“1- Na convenção de arbitragem ou em escrito posterior, até à aceitação do primeiro árbitro, podem as partes fixar o prazo para a decisão do tribunal arbitral ou o modo de estabelecimento desse prazo.
2 – Será de seis meses o prazo para a decisão, se outra coisa não resultar do acordo das partes, nos termos do número anterior.
3 – O prazo a que se referem os n.ºs 1 e 2 conta-se a partir da data da designação do último árbitro, salvo convenção em contrário”.
Na ausência de acordo em sentido contrário e de norma estatutária a fixar prazo para a decisão arbitral ser proferida, impõe-se a regra geral do nº2 do citado artigo 19º, prazo que, não havendo lugar à nomeação de árbitros, se terá de contar da data da entrada da acção na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Resultou, entre o mais, demonstrado:
- A acção deu entrada na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no dia 14 de Outubro de 2010, tendo sido autuada no dia seguinte, tendo, por despacho datado de 15 de Outubro de 2010, os autos sido distribuídos à Exma Sr.ª Juiz F….
- A decisão foi proferida pela Comissão Arbitral a 14.09.2012.
Ou seja: entre a data da entrada da acção na Comissão Arbitral e a data em que esta proferiu a decisão decorreram quase dois anos, prazo que em muito excede o de seis meses previsto no mencionado artigo 19º.
O que significa que à data em que foi proferida a referida decisão há muito havia ocorrido a caducidade do compromisso arbitral, pelo que se havia esgotado o poder jurisdicional daquela Comissão Arbitral, facto que fundamenta a anulação da decisão em causa, nos termos do artigo 27º, nº1, alínea b) da LAV 86.
Como refere o acórdão da Relação de Lisboa de 14.06.2011[12], “quando proferida fora de prazo, mostra-se esgotado o seu poder jurisdicional, inexistindo, integrando-se, assim, na al. b) do n.º 1 do art. 27º da Lei nº 31/86”.
Assim, um tribunal é incompetente, não só quando tenha intervindo e proferido sentença arbitral sem que exista convenção de arbitragem, como também quando esta tenha caducado”[13].
Também o acórdão do STJ de 29.05.2001 já sustentava que “…presentemente, a lei é expressa no sentido da caducidade (ou falta de efeito da cláusula compromissória para o caso considerado - artigo 4, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86). E tal caducidade tem de considerar-se abrangida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º dessa Lei, pois o tribunal arbitral, depois do decurso do referido prazo, torna-se incompetente para proferir a decisão…”.
Não tem razão a sentença recorrida quando afirma que “estando nós em face de um litígio submetido necessariamente a um tribunal arbitral (…), a invocada disposição legal do art. 4,º da Lei n.º 31/86, de 29/08, não lhe é aplicável.
Aliás, nem poderia ser de outro modo: a caducidade, tal como refere o Autor, teria por consequência necessária um non liquet, por falta de entidade com competência para apreciar o litígio (já que os Tribunais comuns estão, como se viu, arredados da apreciação de litígios desta espécie)”.
O entendimento de que o tribunal arbitral passa a não dispor de competência para decidir quando ocorra caducidade da cláusula arbitral não é contrariada pela circunstância de caber à Comissão Arbitral a competência exclusiva para a resolução do concreto litígio em causa. Como defende o já mencionado acórdão da Relação do Porto de 07.02.2011, “tal perspectiva não sai beliscada mesmo com o entendimento de que a Comissão Arbitral Paritária tenha competência exclusiva para apreciação dos pressupostos de desvinculação desportiva do jogador profissional de futebol, configurando inclusive uma atribuição específica deste tribunal - n.º 1 do art. 30 da Lei 28/98, de 26/6 -, sob pena de, a seguir-se a tese do recorrente, se ter de considerar como totalmente inócuo a fixação de qualquer prazo para que seja proferida decisão sobre estas matérias.
Trata-se de dois factos e situações totalmente distintas e inconfundíveis, com consequente integração jurídica diferente”.
E, acrescentamos, os tribunais estaduais não renunciam à sua competência para apreciação de um litígio cuja resolução estava reservada à Comissão Arbitral por força da vontade das partes, quando a convenção arbitral, que legitimava a função jurisdicional da referida Comissão, haja caducado, perdendo, por virtude dessa caducidade, competência para conhecimento do litígio, que aquela convenção lhe atribuía em exclusivo.
Em termos de remate, ter-se-á de concluir que quando proferiu a decisão que apreciou o litígio cuja resolução lhe foi submetida a Comissão Arbitral já não dispunha de competência para o efeito, por, não tendo essa decisão sido proferida no prazo previsto no n.º 2 do artigo 19º da LAV 86, haver caducado o compromisso arbitral que lhe conferia essa competência, nos termos do artigo 4º, nº1, c) do mesmo diploma legal.
Constituindo essa incompetência fundamento para anulação da sentença arbitral pelo tribunal judicial e tendo essa anulação sido reclamada do tribunal, nos termos do artigo 27º, nº1, b) da referida LAV 86, pela ora apelante erradamente procedeu o tribunal recorrido ao não determinar essa anulação, impondo-se, por isso, a revogação da sua decisão, procedendo, nessa parte, o recurso, ficando, por consequência, prejudicada a apreciação do restante objecto do recurso.
*
Síntese conclusiva:
- Deve ser anulada a decisão proferida pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional quase dois anos decorridos sobre a data nela entrada da respectiva acção, não tendo as partes convencionado prazo distinto do previsto no artigo 19º, nº2 da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, e não havendo estipulação estatutária de prazo para ser proferida a decisão.
- Ao não ser proferida a decisão arbitral no prazo fixado pelo citado artigo 19º, nº2, ocorre caducidade do compromisso arbitral, nos termos do artigo 4º, nº1, c) do mesmo diploma, o que determina que, a partir do momento em que se verifica tal caducidade, o tribunal arbitral deixe de ter competência que a convenção arbitral lhe atribuía.
- Tal entendimento não pode ser afastado pelo facto de a decisão proferida pela Comissão Arbitral respeitar a litígio cuja resolução a ela é exclusivamente cometida.
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação, revogar a decisão recorrida, anulando, em consequência, a decisão proferida pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no âmbito do processo nº 06-CA/2010, nela instaurado.
Custas pela apelada.

Porto, 23 de Outubro de 2014
Judite Pires
Teresa Santos
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” – artigo 202º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
[2] Artigos 1526º a 1528º do CPC na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e 1082º a 1085º do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[3] Artigo 1º, nº1 da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, aplicável à situação dos autos: “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”.
[4] Cfr. artigo 38º da Lei nº 31/86 (LAV).
[5] Paula Costa Silva, “Anulação e Recursos da Decisão Arbitral”, ROA, Ano 52º, 923.
[6] “Direito”, I, pág. 386.
[7] “Manual de Arbitragem”, 2ª Edição, Coimbra, 2013, pág. 36.
[8] Manuel Barrocas, ob. cit., pág. 147.
[9] Na redacção anterior às alterações aprovadas na Assembleia Geral Extraordinária de 28 de Julho de 2011.
[10] Cfr. ainda artigo 4º- A do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
[11] Cfr. ainda os correspondentes artigos 198º e 217º do Regulamento da Liga.
[12] Processo nº 6192/09.6TVLSB.L1-7, www.dgsi.pt.
[13] Em idêntico sentido, acórdão da Relação do Porto de 07.02.2011, processo nº 2066/09.9TVPRT.P1, www.dgsi.pt. e Manuel Barrocas, ob. cit., pág. 512.